Belo Monte: Revolta, incerteza e dor.

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Falar sobre desencadeia revolta. Falar sobre Belo Monte provoca incerteza. Falar sobre Belo Monte gera dor. Em um determinado momento, torna-se impossível falar sobre Belo Monte sem verter lágrimas. Com a voz embargada, Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, é a personalização desse momento delicado em que vive a região de Altamira, situada no Pará, aonde está sendo erguida a terceira maior hidrelétrica do mundo, Belo Monte, atrás apenas da chinesa Três Gargantas, e Itaipu, que fica na divisa do e Paraguai.

 

http://www.ecodebate.com.br/2012/04/19/belo-monte-revolta-incerteza-e-dor/

 

Além de ser um dos expoentes desta luta que se arrasta por mais de 20 anos, a vida de Antonia será  diretamente afetada pela obra: ela faz parte da triste estimativa de que 30 mil a 40 mil pessoas terão de deixar seus lares porque serão alagados quando as barragens estiverem em pé.

Por mais de duas horas tivemos o privilégio de conversar com Antonia e Dom Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e Presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Estas duas proeminentes lideranças transformaram os protestos contra Belo Monte sua razão de vida, ou mais precisamente, de sobrevivência.

Ver lá do alto a magnitude dos três canteiros de obras de Belo Monte deixa evidente o rastro de destruição que ela já está provocando. Árvores e mais árvores no chão ou jogadas no rio Xingu, madeireiras espalhadas pela obra, enormes quantidades de terra sendo removidas, um canal sendo construído, o primeiro barramento, o frenezi de inúmeros caminhões, escavadeiras, tratores.

A floresta chora. Com ela também chora seu povo, isolado, sozinho, ignorado. E Antonia enfatiza: “Estas pessoas, ao longo de todo este tempo, não receberam um benefício sequer, não tiveram um direito garantido. É o total abandono.”

O silêncio do governo Dilma Rousseff é contundente. Tem se omitido por não ter realizado as oitivas indígenas nas aldeias impactadas e ignora as críticas que tem sofrido de organismos internacionais. Brasília já foi interpelada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho); pela Comissão Interamericana de , que faz parte da OEA (Organização dos Estados Americanos), e também pelo (Ministério Público Federal).

O CCBM (Consórcio Construtor Belo Monte) e os burocratas do setor elétrico da capital federal adotam uma postura típica da época nos anos de chumbo da , na avaliação de Dom Erwin e Antonia. Ou seja, não há diálogo com os movimentos sociais e com os atingidos.  “O que há é um monólogo. Os indígenas estão sendo esquecidos neste processo, assim como os ribeirinhos, os quilombolas, os extrativistas, os moradores das cidades do entorno˜, critica o bispo.

E o presidente do Cimi vai mais longe: a estratégia dos responsáveis pela construção da usina é deixar de informar o povo, criar uma certa expectativa de que as coisas serão feitas. Com isso, o objetivo é cortar a resistência. Matar pelo cansaço. Tal expediente tem dado resultado. O próprio Dom Erwin se viu obrigado a afastar-se de algumas pessoas pois foram cooptadas. Acabaram mudando de lado. Quase toda casa de Altamira tem alguém direta ou indiretamente ligado à construção de Belo Monte.

Delicada também é a situação das condicionantes ambientais e sociais que deveriam estar sendo cumpridas pelo construtor. Chegam a ser mais de 100, entre as licenças prévia, provisória e de instalação. De acordo com Antonia, “até o momento, nenhuma condicionante saiu do papel para o povo. O que tem saído são convênios entre prefeituras, como se fosse uma moeda de troca. Mas para o povo, nada.”

Enquanto a obra vai sendo erguida rapidamente, os impactos sociais já estão sendo sentidos. Prevê-se que em três anos a população passará dos atuais 109 mil habitantes para 200 mil. Altamira vive o boom da construção civil, e assim, a extração de areia no Xingu não para. Está caro e difícil encontrar um pedreiro.

Tal migração tem inflacionado os preços dos imóveis e até da comida. Está muito caro comer e morar em Altamira. A população sofre com a falta de hospitais e escolas. Saneamento básico é artigo de luxo e doenças como diarreias e verminoses se alastram.

O discurso dominante que foi montado para justificar Belo Monte é de que ela levaria desenvolvimento regional, que a Transamazônica seria asfaltada, que finalmente Altamira teria uma infraestrutura à altura das necessidades de seus habitantes. “Onde está esse desenvolvimento que eu não vejo?”, questiona Dom Erwin. “Na minha concepção, desenvolvimento é colocar o ser humano no centro da questão. E isto não está acontecendo aqui”, observa.

Paulatinamente, os conflitos vão se acirrando. Dom Erwin saia da Prelazia apenas com seus guarda-costas. Antonia, o jornalista Ruy Sposati – que tem sido ameaçado e perseguido – e mais outras duas pessoas do Movimento Xingu Vivo para Sempre estão proibidas de se aproximarem dos canteiros.

A ação de interdito proibitório concedida pela do Pará ao CCBM estabelece que os quatro estão sujeitos a receber uma multa de 100 mil reais caso causem “qualquer moléstia à posse.” Esta reação aconteceu após uma greve de 7 mil funcionários da usina no fim de março. Na acusação dos advogados de Belo Monte, eles incitaram a paralisação.

Entretanto, o estado se faz presente somente por meio do emprego da força e da repressão. Os idealizadores da usina exigem que a Força Nacional de Segurança e a Polícia Militar garantam a proteção das obras e dos funcionários. “Nosso direito de ir e vir está sendo violado”, resume Dom Erwin.

Informe do Greenpeace Brasil.

 

Belo Monte e seu rastro de caos e destruição

 

Governo planeja construir 63 usinas em diversas bacias hidrográficas da . Altamira vive as consequências geradas pelo aumento populacional: faltam escolas, hospitais e saneamento básico

 

Primeiro barramento começa a ser erguido no Rio Xingu. Árvores caídas denotam a destruição da floresta amazônica provocada por Belo Monte (©Greenpeace/Marizilda Cruppe)

O Greenpeace sobrevoou a Usina Hidrelétrica de Belo Monte no dia 10 de abril e essa atividade fez parte das programações que envolvem o navio Rainbow Warrior, que na perna amazônica tem dado ênfase à campanha da Lei do Desmatamento Zero. Até o momento, mais de 93 mil pessoas assinaram a petição online que objetiva coletar no mínimo 1,4 milhão de assinaturas para esse projeto de lei de iniciativa popular.

O fato de o governo federal projetar a construção de 63 hidrelétricas nos rios Madeira, Teles Pires, Tapajós, Negro, Xingu, Trombetas e seus afluentes tem gerado perplexidade e deixado a Amazônia em estado de alerta máximo. E a se valer pelo que vem acontecendo na construção desta usina paraense, a preocupação tem razão de ser.

As consequências desta obra começam a ser sentidas em Altamira, uma das cidades mais afetadas pelo caos que se instalou devido à falta de infraestrutura. Crianças estão estudando dentro de contêineres, o sistema de saúde é deficiente, o tratamento de água é algo raro por lá e doenças como diarreias e verminoses se alastram. O preço da cesta básica disparou. No entanto, o Consórcio Norte se comprometeu a fazer investimentos para que esses impactos fossem minimizados, mas até agora tudo não passou de promessa.

Um dos argumentos favoráveis à Belo Monte que mais se ouve em Altamira é de que as barragens levarão desenvolvimento para a região. Mas Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu e presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) tem outra concepção a respeito: “Ao meu ver, desenvolvimento é quando o ser humano é colocado no centro da questão. E não é o que tem acontecido aqui. Não há leitos novos no hospital, os barrageiros ganham no máximo R$ 1 mil, vivemos na capital da dengue e da malária. Desenvolvimento ocorre quando se melhora a qualidade de vida da população.”

Há a previsão de que Belo Monte venha desalojar entre 30 mil e 40 mil pessoas. Os futuros afetados são moradores dos municípios do entorno, ribeirinhos, extrativistas, indígenas e quilombolas. Isto acontecerá porque  a obra pode alagar uma área de 516 km2. Em contrapartida, devido à forte migração, a população atual, que está em torno de 109 mil pessoas, pode chegar a 200 mil habitantes já em 2013.

“No caso desta hidrelétrica, os estudos de impactos sociais e ambientais apresentados até o momento estão claramente subdimensionados. As condicionantes são desrespeitadas e não cumpridas. Os povos afetados reclamam que estão sendo ignorados. O desrespeito é generalizado, mas mesmo assim o ritmo de construção da usina está cada dia mais acelerado. Para eles, o meio ambiente e as pessoas são o que menos importam”, pontua Marcio Astrini, da Campanha da Amazônia do Greenpeace.

Desmatamento

Outra abordagem que pode ser observada é que as construções dessas usinas também poderão contribuir para o aumento do desmatamento na região. O Greenpeace fez uma análise dos dados de desmatamento divulgados pelo Prodes do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) relativos à Belo Monte.

Segundo o Laboratório de Geoprocessamento da organização, como a área de influência indireta foi definida de forma conservadora no EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental- Relatório de Impacto ao Meio Ambiente), ao se observar os dados de satélite dos últimos três anos, houve aumento significativo do desmatamento fora dessa região pré-estabelecida. Ou seja, ao se estender um raio de 50 km, constatou-se que o desmate foi cinco vezes maior.

No entanto, não é nenhuma novidade afirmar que obras de infraestrutura são grandes catalisadores de novas clareiras.  De acordo com Astrini, “o governo federal e os responsáveis pela obra sabem disso, mas não há nada que esteja sendo feito para barrar esta tendência. E desta forma, o que vai acontecer é o de sempre: enquanto os responsáveis pela hidrelétrica dão suas desculpas, a floresta paga com a vida.”

Energias renováveis e eficiência energética

Diante deste cenário, vale destacar que o Brasil dispõe de um enorme potencial em outras fontes renováveis, como eólica, solar, biomassa e mesmo energia oceânica. A eólica poderia atender ao triplo da demanda atual por eletricidade e já apresenta o segundo custo mais baixo de geração entre todas as fontes, com preços relativamente próximos às hidrelétricas. A energia solar é a que mais cresce no mundo e os preços vêm caindo consistentemente.

O potencial de eólicas atualizado é de 300 mil MW (megawatts), suficiente para atender ao triplo da demanda elétrica atual do país. Já a solar poderia abastecer cerca de 10 vezes a  necessidade energética nacional. Apenas a cogeração a bagaço de cana poderia gerar uma quantidade de energia superior a duas usinas de Itaipu, que produz 14 mil MW.

Por outro lado, as projeções de demanda do insumo do governo federal são superestimadas, mesmo considerando os índices de crescimento da , e é nisso que o governo Dilma Rousseff se apoia ao defender a exploração do potencial hidrelétrico dos rios amazônicos.

“Há uma folga de demanda contratada e se investíssemos em medidas mais agressivas de eficiência energética poderíamos abrir mão de uma série de usinas impactantes para o meio ambiente e para a sociedade”, avalia Ricardo Baitelo, da Campanha de e Energia do Greenpeace.

Ainda há a parte dos custos de Belo Monte, que chegam a impressionantes 30 bilhões,  sem incluir externalidades de impactos socioambientais. Especula-se que 80% desse montante virá de financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

“O mesmo investimento para construir essa usina geraria praticamente a mesma energia em parques eólicos e até dez vezes mais de economia se fossem adotadas medidas de eficiência energética”, observa Baitelo.

Outro aspecto positivo das energias renováveis é que as indústrias eólica e solar geram mais empregos que a hidrelétrica para instalar a mesma potência. Essas cadeias empregam mais pessoas de forma permanente, em atividades de instalação, manutenção e vendas.

Informe do Greenpeace Brasil.

 

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