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Justiça

Belo MonStRoe: o símbolo das relações inescrupulosas .

16 de novembro de 2018 por Luiz Jacques

Felício Pontes Jr. | Foto: Ricardo Machado – IHU

Belo Monte: símbolo da relação inescrupulosa entre o governo e empreiteiras. Entrevista especial com o procurador do MPF do Pará, Felício Pontes Jr.

 

 

http://www.ihu.unisinos.br/584432-belo-monte-o-simbolo-da-relacao-inescrupulosa-entre-o-governo-federal-e-as-empreiteiras-entrevista-especial-com-felicio-pontes-jr

 

NOTA DO SITE: entrevista importantíssima como documento histórico desta fase do Brasil com suas incongruências políticas, ecológicas e colonizadoras. Vale a leitura para se saber onde, com quem e para quem vivem os políticos e os empresários brasileiros (no sentido original da expressão, ou seja, “aqueles que tinham a função de fazer o pau ‘Brasil'”). 

 

O fenômeno da judicialização da política e da justiça, que tem recebido muitas críticas nos últimos anos, é “normal” e poderia ser evitado se não houvesse “vácuo na legislação”, diz o procurador da República Felício Pontes Jr. Segundo ele, “se houvesse uma atuação eficaz do Legislativo, diminuiria a judicialização dos conflitos. Se isso não acontece, o Judiciário é destino normal dessas demandas”. Na avaliação dele, as ações do Judiciário têm como objetivo “combater o maior de todos os males de nossa sociedade: a desigualdade”.

Felício Pontes Jr. é um dos procuradores que atuou junto ao Ministério Público do Pará, questionando o licenciamento ambiental e a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Nesta entrevista, concedida pessoalmente à IHU On-Line quando esteve na Unisinos participando da 3ª Semana de Estudos Amazônicos – Semea, ele comenta alguns dos processos envolvidos na obra mais polêmica do país, como a ação civil pública contra a União, a Eletrobras e três das maiores empreiteiras do país (Construtora Andrade Gutierrez S/A, Construtora Norberto Odebrecht S/A e Camargo Corrêa S/A). “Essa é uma ação muito emblemática (…) porque mostrava já desde aquele tempo uma relação inescrupulosa entre o governo federal e as empreiteiras. Esse momento do licenciamento de Belo Monte está distante cerca de sete anos da Lava Jato”, relata.

O procurador diz ainda que, das ações em que atuou, “Belo Monte é paradigmática porque é a obra brasileira mais cara de todos os tempos; foram gastos 31 bilhões de reais nessa obra. Foi o maior volume de dinheiro público já emprestado para um único empreendimento pelo BNDES — cerca de 25 bilhões de reais. E uma energia produzida que é ínfima se comparada ao custo da obra”. Além do custo estrondoso, pontua, “a violação dos direitos socioambientais é o que tem causado mais perplexidade a todos nós, porque vidas foram destruídas, comunidades inteiras foram desagregadas e se tirou o sustento dessas famílias”. Apesar de a hidrelétrica ter causado um etnocídio, adverte, o projeto em torno de Belo Monte continua. “É bom que se diga que Belo Monte ainda não acabou: agora está na fase do tal Hidrograma de Consenso, que levará ao fim a Volta Grande do Xingu”.

Felício Pontes Jr. é mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Atualmente é procurador da República da 1ª Região.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Nos últimos anos o sistema jurídico como um todo, mas em especial o Ministério Público, tem sido acusado de estar promovendo a judicialização da política. Entretanto, de outro lado, parece haver um consenso acerca do empenho do MP na tentativa de se fazer cumprir a legislação socioambiental e, sobretudo mais recentemente, ele tem desempenhado um papel fundamental para tentar garantir os direitos dos povos indígenas. Como o senhor, que integra o MP, avalia a atuação do Ministério no país e o fenômeno da judicialização?

Felício Pontes Jr – O que chamam de judicialização da justiça possui três pressupostos: vácuo na legislação, a desigualdade social e não cumprimento dos direitos humanos fundamentais de parcela da população. No Brasil, temos esses três pressupostos e mais a missão do Ministério Público de defender a sociedade. Portanto, é normal que tenhamos essas ações judiciais que, na prática, objetivam combater o maior de todos os males de nossa sociedade: a desigualdade. E o Brasil é, apesar de alguns avanços, um dos países mais desiguais do mundo.

IHU On-Line – Como o senhor recebe a crítica feita por muitos especialistas do Direito de que o MP está legislando e de que essa não é a sua função, e sim uma função do Legislativo?

Felício Pontes Jr – Não há possibilidade de haver vácuo na legislação. E as constituições modernas atribuíram ao Judiciário a prerrogativa de zelar pelo respeito a todos os direitos, sejam de índole individual ou social. Portanto, não se trata de legislar no vácuo, mas sim de fazer com que, num caso concreto, uma parcela da população não venha a ser prejudicada ou considerada cidadã de segunda classe por não possuir acesso a direitos fundamentais. Isto é proporcional: se houvesse uma atuação eficaz do Legislativo, diminuiria a judicialização dos conflitos. Se isso não acontece, o Judiciário é destino normal dessas demandas.

 


Entre 2010 e 2015 Belo Monte foi o tema mais estudado do país. Todos os documentos que buscávamos em universidades mostravam que a obra não tinha possibilidade de gerar a energia que estava sendo propagada – Felício Pontes Jr

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IHU On-Line – Por que essa acusação tem se intensificado nos últimos anos, se o Judiciário atua dessa forma há muitos anos?

Felício Pontes Jr – Sempre houve a atuação do MP desde a Constituição de 1988. Em alguns períodos de modo mais evidente e, em outros, nem tanto. Talvez a diferença agora seja a reação de uma parcela mais conservadora da sociedade brasileira, que sempre existiu, mas cujas ideias não tinham tanta repercussão, mas agora têm. O movimento que defende o Estado Liberal contra o Estado do Bem-Estar Social ficou mais evidente nos últimos anos e, portanto, a repercussão da crítica aumentou.

IHU On-Line – Esse movimento de crítica à judicialização pode estar vinculado à Operação Lava Jato também, ou não?

Felício Pontes Jr – Não tenho certeza. Acho ainda muito cedo para uma avaliação da Lava Jato, que continua em ação. Mas acho que pode estar vindo de várias frentes. O que é explícito é a existência de um movimento, que hoje está muito mais organizado, de reação às ações judiciais do Ministério Público que possuem como objetivo a garantia de direitos humanos fundamentais. Um exemplo disso foi a reforma na legislação trabalhista.

IHU On-Line – Juristas, procuradores e promotores têm se dividido nas avaliações que fazem sobre a Operação Lava Jato. Como o senhor está acompanhando a Operação?

Felício Pontes Jr – O Brasil está passando por um processo de mudança muito grande. A nossa democracia ainda é muito incipiente, acabou de nascer. A nossa Constituição tem somente 30 anos e, embora pareça bastante tempo em termos de anos, é muito pouco perto de países que têm uma estabilização política constitucional grande. Sobre a Lava Jato, repito, ainda é cedo para uma avaliação consistente, mesmo porque ela continua em ação.

IHU On-Line – Aproveitando que anteriormente o senhor mencionou os 30 anos da Constituição, antes do segundo turno das eleições presidenciais os candidatos à presidência da República fizeram correções ao que já tinham dito acerca da Constituição. Haddad, por exemplo, retirou do seu plano de governo a proposta de realizar uma Assembleia Constituinte caso fosse eleito e Bolsonaro desautorizou a declaração de seu vice, general Mourão, de que uma nova Constituinte deveria ser feita por eleitos. Há razões para se pautar a discussão acerca de uma nova Constituição no país?

Felício Pontes Jr – Acredito que não há essa necessidade. Não vejo nada na Constituição que nos mostre que ela precise de uma reforma tão grande a ponto de ter que se convocar uma Constituinte. Os governos que têm passado pelo Brasil ao longo dos últimos anos têm feito emendas constitucionais sem que isso desvirtuasse o espírito da Constituição. Não consigo ver até agora nenhum ponto que possa fazer com que a Constituição seja um empecilho tão grande para qualquer governo.

 


Belo Monte ainda não acabou: agora está na fase do tal Hidrograma de Consenso, que levará ao fim a Volta Grande do Xingu. De consenso esse hidrograma não tem nada, porque foi imposto pelo governo federal – Felício Pontes Jr

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IHU On-Line – Em abril deste ano, o Tribunal Regional Federal – TRF da 1ª Região decidiu manter válida a decisão de 2016 que anulou o acordo de cooperação técnica entre a Eletrobras e as empresas Andrade Gutierrez, Odebrecht e Camargo Corrêa para realização dos estudos de viabilidade das obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Em que consistiu esse acordo de cooperação entre a Eletrobras e essas empreiteiras no leilão de Belo Monte e como o senhor avalia a decisão do TRF1?

Felício Pontes Jr – No ano de 2007, o MPF propôs a ação civil pública contra a União, a Eletrobras e três das maiores empreiteiras do país (Construtora Andrade Gutierrez S/A, Construtora Norberto Odebrecht S/A e Camargo Corrêa S/A). O objetivo era declarar a nulidade do Acordo de Cooperação Técnica para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental – EIA e Relatório de Impacto Ambiental – Rima da Usina Belo Monte. O que nos chamou a atenção é que o Acordo possuía dispensa indevida de licitação e restringia a publicidade do que fosse encontrado no estudo. E não pode haver informação ambiental que seja sigilosa, tampouco essas empreiteiras possuem notório conhecimento para realizar EIA-Rima. Aquilo nos causou uma surpresa muito grande, porque essas empresas não faziam EIA-Rima, ao contrário, elas fazem construção civil, fazem grandes obras, hidrelétricas, mas foram contratadas para fazer o EIA-Rima sem licitação.

Esse “acordo”, que para nós era um “contrato” que envolvia mais de dez milhões de reais, não poderia ser celebrado porque, para que uma empresa possa ser contratada sem licitação, ela tem que dizer que possui um know-how que nenhuma outra empresa tem no Brasil. E aquelas empresas não tinham nenhum know-how em fazer estudo de impacto ambiental. Para resumir, o Tribunal Regional Federal de Brasília aceitou o nosso argumento e determinou a nulidade do contrato. Essa é uma ação muito emblemática, embora não seja uma das principais ações de Belo Monte, como aquelas que dizem respeito à violação de direitos de povos tradicionais, mas é emblemática porque mostrava já desde aquele tempo uma relação inescrupulosa entre o governo federal e as empreiteiras. Esse momento do licenciamento de Belo Monte está distante cerca de sete anos da Lava Jato.

IHU On-Line – Quais foram as consequências depois da decisão do TRF1?

Felício Pontes Jr – O Tribunal deu ganho de causa ao MP, dizendo que todo o dinheiro usado tem que ser devolvido. Nós ainda não sabemos qual foi o valor final, ou seja, quanto custou o estudo de impacto ambiental de Belo Monte, porque será descoberto no cumprimento da decisão. Isso tudo vai precisar ser contabilizado para que se possa repassar aos cofres públicos o dinheiro que foi utilizado de forma ilegal.

Rio Xingu Antes E DepoisSatélite da NASA mostra o rio Xingu antes e depois da Usina de Belo Monte (Foto: Joshua Stevens | Observatório da NASA)

 


Belo Monte é paradigmática porque é a obra brasileira mais cara de todos os tempos; foram gastos 31 bilhões de reais nessa obra. E uma energia produzida que é ínfima se comparada ao custo da obra – Felício Pontes Jr

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Felício Pontes Jr – Das ações em que atuei, Belo Monte é paradigmática porque é a obra brasileira mais cara de todos os tempos; foram gastos 31 bilhões de reais nessa obra. Foi o maior volume de dinheiro público já emprestado para um único empreendimento pelo BNDES — cerca de 25 bilhões de reais. E uma energia produzida que é ínfima se comparada ao custo da obra.

IHU On-Line – Essas operações ilegais e esse aporte de dinheiro foram planejados e deliberados para garantir a corrupção da máquina pública?

Felício Pontes Jr – Acho que sim, porque essa hidrelétrica foi objeto de estudo em muitos trabalhos em universidades brasileiras, sejam trabalhos de conclusão de curso, dissertações ou teses de doutorado. Dizem que entre 2010 e 2015 Belo Monte foi o tema mais estudado do país. Todos os documentos que buscávamos em universidades brasileiras e estrangeiras mostravam que a obra não tinha possibilidade de gerar a energia que estava sendo propagada. Nós mostramos isso para o governo por meio de mais de 20 ações que foram propagadas e tivemos conversas com o governo, mostrando que alguns daqueles passos que estavam sendo dados eram passos errados e justificamos o porquê.

IHU On-Line – E qual foi a resposta do governo federal?

Felício Pontes Jr – A resposta foi sempre que não, que o governo não acataria a nossa decisão e o nosso pensamento, que ele já tinha feito todos os cálculos e que Belo Monte daria certo. Hoje vemos que não deu. E é bom que se diga que Belo Monte ainda não acabou: agora está na fase do tal Hidrograma de Consenso, que levará ao fim a Volta Grande do Xingu. De consenso esse hidrograma não tem nada, porque foi imposto pelo governo federal ao Ibama.

 

 

Belo Monte ImagemMapa ilustra a localização de Belo Monte (Fonte: Catraca Livre)

 

IHU On-Line – O Hidrograma de Consenso é um novo projeto ou uma continuação de Belo Monte?

Felício Pontes Jr – Desde o início do projeto de Belo Monte já existia a necessidade de se fazer esse hidrograma.

 


A violação dos direitos socioambientais é o que tem causado mais perplexidade a todos nós, porque vidas foram destruídas, comunidades inteiras foram desagregadas e se tirou o sustento dessas famílias – Felício Pontes Jr

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IHU On-Line – Hoje são feitas muitas críticas aos impactos socioambientais gerados em Altamira por conta da construção de Belo Monte. Quais são algumas das implicações jurídicas da construção dessa hidrelétrica?

Felício Pontes Jr – Existem 24 ações judiciais contra Belo Monte. Parte delas diz respeito à violação dos direitos indígenas e dos ribeirinhos, porque a sociedade local sofreu de forma muito forte os impactos socioambientais de Belo Monte, mas ninguém sofreu mais que a comunidade indígena e os ribeirinhos, principalmente a comunidade de pesquisadores. Ainda vai demorar algum tempo para que esses direitos sejam recuperados ou para que essas comunidades sejam indenizadas. A violação dos direitos socioambientais é o que tem causado mais perplexidade a todos nós, porque vidas foram destruídas, comunidades inteiras foram desagregadas e se tirou o sustento dessas famílias. Concordo com a procuradora da República em Altamira, Thaís Santi, em considerar que houve um etnocídio ali, porque foram destruídas culturas inteiras; Belo Monte fez isso.

IHU On-Line – Qual será a responsabilidade do Estado em relação à violação dos direitos das comunidades tradicionais?

Felício Pontes Jr – Estou curioso também para saber isso, para saber qual será o resultado depois de se considerar Belo Monte ilegal. Como o Judiciário fará a indenização e o ressarcimento dessas comunidades? Espero que não seja como aconteceu na Colômbia. A Colômbia viveu, em muitos aspectos, um processo muito parecido com o do Brasil. Um deles é a construção de uma hidrelétrica chamada Urrá, no noroeste da Colômbia, que impactou uma etnia indígena que precisou sair de lá. Os indígenas, que eram donos da terra e empoderados de uma vida digna, foram morar nas periferias das cidades porque o território deles foi inundado. Quando isso chegou na Corte Constitucional Colombiana, depois da construção da hidrelétrica, a Corte determinou que cada indígena teria que receber da hidrelétrica o equivalente a 30 dólares por mês. Então, transformaram os indígenas, senhores do seu território, em colombianos pobres que estão mendigando nas periferias das grandes cidades colombianas. Espero que não seja essa a solução que venha a ser dada, mas confesso que qualquer solução que venha a ser dada não conseguirá devolver a dignidade das pessoas atingidas.

IHU On-Line – É possível estimar quando será concluído esse processo?

Felício Pontes Jr – Não, porque precisamos obter sentenças e acórdãos favoráveis para que se possa começar a execução provisória dessas decisões. Esse é um problema que não é só de Belo Monte, mas é um problema nacional da morosidade da Justiça.

IHU On-Line – Em uma entrevista que nos concedeu em 2012, o senhor comentou que muitos juízes determinaram a paralisação do licenciamento de Belo Monte por ilegalidades, mas todas as decisões foram suspensas pelo Tribunal Regional Federal de Brasília. Quais são os conflitos que existem no meio jurídico sobre esse tipo de decisão e por que os juízes interpretam essas ações de forma distinta?

Felício Pontes Jr – É porque partimos de dois pressupostos diferentes. Tivemos até a Constituição de 88 uma doutrina jurídica que dizia que os índios deveriam ser integrados à comunhão nacional. Isso queria dizer que a cultura indígena, a língua e a religião não valiam, e que teríamos que fazer com que os indígenas viessem para a cultura da sociedade hegemônica. Isso foi mudado com a Constituição de 88, mas todos os livros que os operadores do Direito estudaram diziam que a comunidade indígena era inferior e que os indígenas deveriam ser incorporados à cultura hegemônica. Embora essa doutrina tenha sido quebrada há 30 anos, todos nós estudamos direito na doutrina anterior, que é a doutrina do integracionismo. (Nota do site: ressalva feita por nosso site porque demonstra a visão que ainda predomina entre os militares, os agronegocistas e todas as pessoas que não conseguem reconhecer outras formas de ser e estar no mundo!).

IHU On-Line – Essa é a doutrina que fundamenta o Estatuto do Índio?

Felício Pontes Jr – Exatamente. O Estatuto do Índio é de 1973. Nesse sentido, temos duas legislações nas quais a maioria dos dispositivos está em choque. O Estatuto do Índio é uma lei que espelha exatamente a doutrina do assimilacionismo ou integracionismo e a Constituição é uma lei que espelha a doutrina da autodeterminação dos povos indígenas ou doutrina pluralista. A Constituição diz o contrário do que diz o Estatuto do Índio, ou seja, defende que tem que se respeitar a cultura do índio porque o Brasil é um país pluriétnico. Embora exista uma mudança na legislação, não quer dizer que isso entre na cabeça de todo mundo do dia para a noite. Precisamos de tempo e estamos vivendo esse momento de transição, no qual a doutrina velha ainda não saiu e a doutrina nova ainda não se implantou de uma maneira total.

É por isso que há esse choque no Judiciário: o MP ganhou a grande maioria dos casos, e em todos esses casos o presidente do Tribunal suspendeu a decisão, não julgando o mérito, mas por causa de uma lei da ditadura chamada Lei da Suspensão de Segurança. Essa lei diz que se uma decisão for contrária à economia e à ordem pública, ela pode ser sustada pelo presidente do Tribunal, sem precisar entrar no mérito, isto é, sem precisar saber se a decisão está certa ou errada. Ele susta porque a decisão vai causar prejuízo à nação. Isso foi utilizado pelo governo federal durante todos esses anos de Belo Monte e é por isso que a usina foi construída, porque, pelo mérito, Belo Monte não teria sido construída.

IHU On-Line – O que é preciso fazer para garantir os direitos dos indígenas, segundo a Constituição? Muitos antropólogos argumentam que é fundamental demarcar as terras, mas outros dizem que isso por si só não será suficiente. O que precisa ser feito?

Felício Pontes Jr – Primeiro temos que ver de quem estamos falando, porque cada etnia no Brasil é uma etnia própria, e a própria Constituição determina que se veja cada uma das etnias com os olhos específicos. Portanto, nem todas estão no mesmo grau. Existem etnias, por exemplo, que têm contato com a cultura hegemônica há 500 anos, enquanto outras têm contato há 10 ou 20 anos; isso faz uma diferença enorme na forma de lidar com elas.

Precisamos saber e conhecer primeiro quem são as pessoas a quem estamos nos dirigindo. No Sul, por exemplo, onde as comunidades já têm muito tempo de contato, a realidade dos indígenas não é a mesma que a dos indígenas do Pará ou do Amazonas; eles estão vivendo mundos completamente diferentes e a própria cultura deles é diferente. Observamos conflitos no Rio Grande do Sul que não encontraremos no Amazonas e percebemos situações no Amazonas que não ocorrem no Rio Grande do Sul. Então, é preciso, primeiro, que se tire essa capa que foi dada por nós, pelos colonizadores, de que os índios são todos iguais, porque eles não são todos iguais.

IHU On-Line – Apesar do reconhecimento da diversidade étnica, o discurso acerca dos indígenas em geral é feito de forma genérica, referindo-se a todos do mesmo modo.

Felício Pontes Jr – Acredito que isso foi proposital, se não foi por desconhecimento. Foi imposto a nós que todos eles eram iguais para que se pudesse facilitar o modo de não conseguirmos compreendê-los ou de lidar com eles, mas eles são completamente diferentes e cada etnia merece ter um respeito próprio. Quando estamos lidando com uma etnia, procuro sempre o antropólogo que é o especialista naquela etnia, que tem estudado aquela etnia, para me assessorar.

Na volta do Rio Xingu, o rio que tem a maior diversidade social brasileira, existem muitas etnias: à margem esquerda do rio existe uma etnia do tronco Jê e à margem direita, uma etnia do tronco Tupi. Elas são completamente diferentes uma da outra, têm modos diferentes de ver a vida, suas cosmologias e religiões são diferentes, e vivem praticamente uma na frente da outra. Quando eu saía do território de uma delas e ia para o território da outra, era preciso mudar completamente o pensamento e ver que aquele era um outro mundo que não tinha nada a ver com o mundo que eu tinha acabado de visitar.

 


A questão da terra é básica, porque se não conseguirmos fazer com que os brancos respeitem os direitos territoriais indígenas, o resto todo não será respeitado – Felício Pontes Jr

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IHU On-Line – Depois de se retirar essa “capa preta”, o que precisa ser feito?

Felício Pontes Jr – Existem várias etapas. Depois da demarcação das terras, saúde e educação são as principais demandas. Também é preciso pensar a soberania alimentar, além de alguns projetos econômicos e de sustentabilidade. A questão da terra é básica, porque se não conseguirmos fazer com que os brancos respeitem os direitos territoriais indígenas, o resto todo não será respeitado. Por isso, chamo odireito à terra de “alicerce”, porque é ele que assegura todos os demais direitos.

Além da demarcação das terras, o MP é amplamente demandado pela questão da saúde, para que as comunidades tenham um atendimento diferenciado, que seja de acordo com a cultura local. Em seguida, recebemos demanda por educação. O MP tem várias ações judiciais no Tribunal Regional Federal de Brasília, que é o Tribunal de Apelação da Amazônia, que dizem respeito à educação indígena, solicitando que seja respeitada pelo Estado uma educação diferenciada, bilíngue, e para que os professores sejam também indígenas.

IHU On-Line – A demanda é para que as aulas aconteçam nas aldeias?

Felício Pontes Jr – E na língua também. Eles querem professores que sejam conhecedores daquela língua, daquela etnia e daqueles costumes.

IHU On-Line – Como é possível tornar isso viável?

Felício Pontes Jr – Com os próprios professores. Temos conseguido a abertura de universidades para que os indígenas venham, através da cota, estudar. Muitos estudam pedagogia e quando voltam para as suas comunidades, já são conhecedores, se tornam professores não só do currículo dos brancos, mas também do currículo indígena que eles implantam naquela comunidade. O programa de cotas, principalmente de cotas indígenas na Amazônia, foi excelente para que isso pudesse acontecer.

IHU On-Line – Em relação à legislação indígena, alguma questão deveria ser atualizada na Constituição?

Felício Pontes Jr – Não. O que precisamos da Constituição é a sua implementação, é fazer com que ela saia do papel e hoje sei que isso não é fácil.

IHU On-Line – Uma das razões para a realização do Sínodo Pan-Amazônico é a constatação da Igreja de que a Amazônia é um território que está sendo disputado. Quais são os empreendimentos que estão sendo projetados ou estão em disputa na Amazônia e que questões jurídicas estão envolvidas nessas disputas?

Felício Pontes Jr – Eu atuo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que é o Tribunal de Apelação da Amazônia, e todas as decisões que são tomadas na Amazônia, na esfera federal, são recorridas nesse tribunal. Ali existem 534 ações de recursos judiciais em tramitação que dizem respeito aos povos da floresta. Eles mostram que a Amazônia vive hoje o choque entre dois modelos diferentes de desenvolvimento. O primeiro pode ser chamado de desenvolvimento predatório. O segundo, de socioambiental.

 


O que precisamos da Constituição é a sua implementação, é fazer com que ela saia do papel e hoje sei que isso não é fácil -Felício Pontes Jr

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O primeiro modelo foi sintetizado de forma bem didática na Encíclica Laudato Si’, do papa Francisco. No capítulo em que cita a Amazônia duas vezes, a Carta constata que “o cuidado dos ecossistemas requer uma perspectiva que se estenda para além do imediato, porque, quando se busca apenas um ganho econômico rápido e fácil, já ninguém se importa realmente com a sua preservação. Mas o custo dos danos provocados pela negligência egoísta é muitíssimo maior do que o benefício econômico que se possa obter”. A consequência disso está explicada no item seguinte da Carta, “deterioração da qualidade da vida humana e degradação social”, a qual, a seu turno, leva a uma “desigualdade planetária”.

O modelo de desenvolvimento predatório se implantou na Amazônia em atividades básicas: madeira; pecuária extensiva, mineração, monocultura e energia. E criou consequências desastrosas. Fora o ciclo da borracha, durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil não havia realizado nenhum plano de desenvolvimento da Amazônia. Isso apenas se deu durante a ditadura militar. Em termos simples, o plano era a exploração de madeira, em primeiro lugar. O que sobrasse da floresta seria derrubado para a plantação de capim (pecuária extensiva). Paralelamente a essas atividades, o plano era explorar todos os minerais possíveis para exportação. Os rios foram vistos apenas como fonte de energia elétrica, esquecendo-se de seu uso múltiplo. E mais recentemente, trocou-se a floresta mais biodiversa do Planeta pela monocultura de commodities.

 


A Amazônia tinha uma taxa de desmatamento de 0,5% na década de 1970. Essa taxa alcançou quase 20% na primeira década deste século. Ou seja, em cerca de 40 anos desmatou-se quase ¼ da Amazônia brasileira – Felício Pontes Jr

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Para financiar esse plano houve três grandes fontes públicas: Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – Sudam. Não faltou dinheiro. Porém o resultado não se coadunou com a Amazônia. A região tinha uma taxa de desmatamento de 0,5% na década de 1970. Essa taxa alcançou quase 20% na primeira década deste século. Ou seja, em cerca de 40 anos desmatou-se quase ¼ da Amazônia brasileira.

Essa parte desmatada concentra hoje 9 em cada 10 mortes de ativistas no campo no Brasil. E mais. Desde 1995, foram libertados cerca de 55 mil trabalhadores escravizados em todo o país. Metade estava na Amazônia.

Outra consequência da implantação desse modelo foi um forte êxodo rural. Em 1960, 35% da população da Amazônia era urbana. Hoje, após a massificação desses projetos, quase 80% dos amazônidas estão nas cidades.

O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH da região é inferior ao da média nacional — que já é vergonhoso. Portanto, a injeção de dinheiro público promoveu mais concentração de renda, desmatamento e violência. A conclusão é que esse plano, baseado em atividades predatórias, não obteve sucesso, sobretudo do ponto de vista socioambiental.

A Encíclica Laudato Si’ tem razão: “o ambiente humano e o ambiente natural se degradam juntos”.

Em oposição a esse modelo está o socioambiental. Ele parte de um princípio básico: articulação entre a biodiversidade e a sociodiversidade. Dito de outro modo, ele concilia desenvolvimento com preservação ambiental. É concebido e voltado para os povos da floresta que possuem centenas de anos em conhecimento na forma de lidar com os recursos florestais sem o impacto suicida.

 


O Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG estima que, de 10 espécies existentes no Planeta, uma esteja na Amazônia – Felício Pontes Jr

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Suas principais atividades podem ser sintetizadas no termo agroecologia. São produtos cada vez mais fortes no mercado, como açaí, castanha-do-pará, cacau, óleos de andiroba e copaíba… Isso sem falar no que ainda não foi estudado. O Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG estima que, de 10 espécies existentes no Planeta, uma esteja na Amazônia. O potencial farmacológico da flora amazônica só foi estudado em 5%. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa estima que 788 espécies de sementes da região possuem interesse econômico, mas apenas metade delas foi estudada.

É um modelo redistribuidor de renda porque predomina a forma coletiva de uso da terra, como reservas extrativistas, terras indígenas, territórios quilombolas e projetos de desenvolvimento sustentável. Seu cultivo é realizado por indígenas, quilombolas, camponeses(as), agricultores(as) familiares e povos e comunidades tradicionais. Essa forma de agricultura é a responsável por cerca de 70% dos alimentos dos brasileiros.

Mesmo que se leve em conta apenas o aspecto econômico, o conjunto, por exemplo, de 17 tipos de atividades do ecossistema amazônico — do abastecimento de água e regulação climática ao fornecimento de alimentos, como peixes, frutas e castanhas — atinge 692 bilhões de dólares por ano.

O desmatamento inviabiliza essas atividades. Os mais respeitados estudos sobre mudança climática informam que a Amazônia é decisiva para a fertilidade das terras do centro-oeste, sul e sudeste do Brasil, além do norte argentino. Tudo por causa da umidade transportada para essas regiões.

O professor Antônio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, apresentou um trabalho em que faz a revisão de mais de 200 estudos sobre o clima e a Amazônia. Denominado O Futuro Climático da Amazônia, o relatório é um alerta impressionante sobre as consequências da destruição de nossa maior floresta.

Um dos segredos revelados é que no Brasil, ao contrário de outros países, não existem desertos na faixa do Trópico de Capricórnio (centro-sul). O motivo para a manutenção de ciclos hidrológicos amigáveis nessa região é a Floresta Amazônica. Basta olhar para o lado, onde o poder regulatório da umidade amazônica não chega por causa da barreira natural dos Andes. Ali está o deserto do Atacama, no Chile. Na mesma faixa ficam as maiores cidades do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro.

No relatório, o ecossistema amazônico é definido como uma bomba biótica, impulsionando umidade pelo céu do país, e funcionando como o coração do ciclo hidrológico. São os chamados rios aéreos, que despejam mais água no centro-sul do Brasil do que o Rio Amazonas despeja no Atlântico. Para o cientista, é preciso um esforço urgente para reverter a destruição do ecossistema amazônico.

E mais. Empreendimentos em bionegócios na Amazônia já são responsáveis por pelo menos 1,2 mil produtos e serviços, em setores como os de alimentos, fármacos, essências, turismo e artesanato. Só o mercado mundial de fitoterápicos movimenta 50 bilhões de dólares anuais. No Brasil, esse mercado é recente. Movimenta 500 milhões de dólares/ano.

É também o modelo dos povos que consideram que desenvolvimento é possuir exatamente o que já possuem: água limpa e floresta protegida, como afirma o cacique-geral Munduruku, Arnaldo Kaba.

 


Recebi informações muito mais preciosas que vinham do Cimi ou da CPT ou de alguma paróquia do interior da Amazônia, do que aquelas que vinham da Polícia Federal ou do Ibama – Felício Pontes Jr

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IHU On-Line – Como o senhor avalia a proposta do Sínodo Pan-Amazônico e a atuação da Igreja Católica junto às comunidades tradicionais na região?

Felício Pontes Jr – A Igreja é fundamental na Amazônia. A Amazônia é uma área onde o poder público não tem uma presença efetiva na sua imensa maioria. Existem lugares onde as violações de direitos são muito fortes e esses conflitos não chegam até o poder público, porque não existe Ministério Público, polícia, Ibama, Incra e os órgãos estaduais presentes de maneira forte na região.

A Igreja tem um papel fundamental e, de um modo geral, não se esconde desse papel. Basta ver que padres e freiras são ameaçados de morte na Amazônia, exatamente porque eles não se escondem e não se furtam a fazer com que essas violações de direitos sejam reparadas. Além disso, eles não fazem justiça com as próprias mãos. Ao contrário, acionam o poder público para que ele possa estar presente nessas áreas. Por conta disso, a Igreja tem um papel fundamental. Eu recebi, enquanto era procurador na Amazônia durante 18 anos, informações muito mais preciosas que vinham do Cimi ou da CPT ou de alguma paróquia do interior da Amazônia, mostrando onde estava a extração ilegal de madeira, um garimpo irregular ou a contaminação de um rio, do que aquelas que vinham da Polícia Federal ou do Ibama. Isso, para nós, é fundamental e faz com que ganhemos tempo, tenhamos informações qualificadas do local do conflito, podendo se fazer presente e evitar mortes.

IHU On-Line – As Organizações Não Governamentais – ONGs também contribuem com o MP?

Felício Pontes Jr – As ONGs também, mas nenhuma delas têm a capilaridade que a Igreja tem. Então, a Igreja tem um papel fundamental. Se não aconteceram hoje mais mortes de líderes indígenas, quilombolas, ribeirinhos e de populações tradicionais na Amazônia, foi por conta da atuação da Igreja. Se não existisse essa atuação da Igreja, nós iríamos saber do conflito depois que as pessoas estivessem mortas.

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Monsanto condenada… mata-mato=mata-gente

11 de agosto de 2018 por Luiz Jacques

Pela primeira vez o ‘inócuo’ Glifosato passa a ser condenado por gerar câncer!  Monsanto deve pagar indenização de 289.2 milhões de dólares pelos efeitos maléficos de seu produto comercial ‘Roundup’, a um jardineiro na Califórnia.

https://www.organicconsumers.org/blog/monsanto-roundup-trial-verdict

by Baum Hedlund Law

August 10, 2018

Um júri de San Francisco emitiu hoje seu veredicto (verdict) contra a Monsanto Company (Monsanto Company), no caso (the case) de um ex-jardineiro que está com câncer terminal, ordenando que a gigante agroquímica pagasse $ 39,2 milhões de dólares como dano compensatório além de $ 250 milhões de dólares como agravo punitivo por não avisar (failing to warn) aos usuários-consumidores de que a exposição ao herbicida Roundup (nt.: com seu princípio ativo – glifosato) causa câncer (nt.: conforme consta pode se apresentar como: Non-Hodgkin Lymphoma; câncer ósseo; do cólon; dos rins; do fígado, melanoma; do pâncreas e da tiroide).

Para acessar às legendas em português, clicar na barra abaixo na roda dentada, à direita, e onde aparece legendas, colocar traduzir automaticamente, escolhendo a língua -português-. E retornar a barra vermelha, para seu início, para se ver toda a reportagem.

Dewayne “Lee” Johnson impetrou (filed the lawsuit) uma ação judicial (case no. CGC-16-550128) contra a Monsanto Co., sediada na cidade de St. Louis, Missouri, em 28 de janeiro de 2016, alegando ter sido exposto ao herbicida Roundup que ele aspergiu enquanto trabalhava como jardineiro/zelador junto à escola distrital ‘Benicia Unified School District‘, desenvolvendo nele o tipo de câncer linfático chamado “Linfoma não-Hodgkin” (nt.: em inglês – Non-Hodgkin lymphoma/NHL).

Em 18 de junho de 2018, sua ação foi encaminhada à juíza Suzanne Ramos Bolanos do Superior Tribunal de São Francisco, Califórnia. O caso de Johnson foi o primeiro a acelerar seu julgamento face o seu diagnóstico terminal.

Depois de oito semanas na sequência dos procedimentos judiciais, o juri declarou unanimemente que o mata-mato da Monsanto, Roundup, com o princípio ativo glifosato (glyphosate), levou o sr. Johnson a desenvolver linfoma não-Hodgkin e que a corporação falhou em não advertir sobre o severo perigo que representa à saúde dos usuários. Destacadamente, também é declarado de que a Monsanto atou maliciosa, opressiva e fraudulentamente e que deveria ser punida por esta sua conduta.

A Monsanto Co. continua a se recusar a alertar os consumidores sobre os perigos de seu produto Roundup, que lhe rende bilhões de dólares, apesar da maior autoridade mundial em câncer – a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer/OMS/ONU (nt.: International Agency for Research on Cancer/IARC) – listar o glifosato, princípio ativo do herbicida, como provável carcinogênico (probable carcinogen), em 2015 (nt.: por uma questão ética não se faz pesquisa em seres humanos, por isso ser provável cancerígeno, diferente das pesquisas com animais quando se afirma ser ou não cancerígeno).

Lee Johnson é um dos mais de 4.000 cidadãos por todo este país, EUA, que acionam judicialmente a Monsanto tanto nos tribunais estaduais como federais, baseados nas alegações da conexão do Roundup ao câncer.

Foi representado judicialmente pelos senhores dos escritórios de advocacia: Brent Wisner of Baum, Hedlund, Aristei and Goldman, David Dickens of the Miller Firm e Mark Burton of Audet & Partners LLP.

O advogado e co-autor da ação, Brent Wisner, afirma de que a decisão de hoje, é resultado de documentos confidenciais originários da corporação e recém revelados.

“Finalmente pudemos mostrar ao júri documentos internos e secretos da Monsanto, que comprovavam de que a corporação sabia, há décadas, de que o princípio ativo do herbicida, glifosato, e especificamente o produto comercial Roundup poderiam causar câncer”, disse Wisner. “Mesmo com a incapacidade da EPA (nt.: Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) em exigir rotulagem, estamos orgulhosos de que um júri independente seguiu as evidências e usou sua voz para enviar uma mensagem à Monsanto de que seus anos de fraude sobre o Roundup acabaram e que eles deveriam colocar a segurança do consumidor em primeiro lugar acima dos lucros.”

Por anos, a Monsanto clamou de que não havia evidências de que o Roundup causasse câncer. No entanto, montanhas de testemunhos e documentos (mountain of testimony and documents) foram adicionados ao litígio. Os advogados da vítima, o jardineiro Johnson, provaram, por meio de depoimentos de testemunhas da Monsanto, de que funcionários da empresa escreviam artigos científicos com “ghostwrote”  (nt.: autores fantasmas, pessoas que são contratadas para escreverem algo ‘comprado’), bem como pagavam cientistas externos para publicarem os mesmos em seus nomes.

Documentos internos revelaram que um consultor científico contratado pela Monsanto disse à empresa que testes anteriores para o herbicida eram insuficientes porque o glifosato, ingrediente ativo do produto comercial, foi testado isoladamente, sem os outros ingredientes químicos que compõem a formulação do Roundup.

“Muitos desses documentos confidenciais da Monsanto foram abertos pela primeira vez”, disse David Dickens, advogado co-autor jurídico da ação. “Eles mostram que a Monsanto sabia que seus testes eram insuficientes e que havia um efeito sinérgico quando o glifosato era combinado com surfactantes que ajudam o glifosato a penetrar nas paredes das células das plantas e dos animais.”

Em outros documentos agora públicos, os funcionários da Monsanto reagiram à lista do órgão ambiental da Califórnia que identificava o glifosato como carcinogênico (California EPA’s listing of glyphosate as a carcinogen), chamando os californianos de “liberais e idiotas”, esmagando a Monsanto como um “filme de zumbi” que eles tiveram que eliminar um de cada vez, a partir da eleição presidencial de 2016.

Além de ouvir o testemunho de especialistas, o juri também teve uma audiência com o testemunho doloroso tanto de Lee Johnson como de sua mulher, Araceli.

Araceli lembrou ao júri as muitas noites insone nas quais Lee passou chorando na cama quando seus filhos não estavam por perto. “Tentava esconder e da mesma forma mostrar ser forte”, disse ela. “Buscava ser positivo; queria ser… tanto para nós como para as crianças.”

Depois que o marido começou a quimioterapia, Araceli conseguiu um segundo emprego trabalhando 14 horas por dia para ajudar a pagar as contas médicas da família enquanto ainda levava seus dois filhos, a 45 minutos, para a escola, Napa Valley School District, na esperança de lhes oferecer melhores oportunidades educacionais.

Quando Lee reconheceu sua situação, disse ao júri o quanto ele ficou assustado e confuso depois de receber a notícia de que tinha câncer. Descreveu também as muitas vezes em que contatou a Monsanto para ver se as lesões de pele que ele havia desenvolvido, tinham a ver com o emprego do Roundup. Ao não ouvir nada que confirmasse suas suspeitas, por parte da empresa, continuava a aplicar o herbicida.

Mais impactante foi Johnson ter declarado que nunca teria usado o Roundup se soubesse de seus perigos. E também acusou a Monsanto de ter ocultado os riscos de segurança do Roundup para continuar lucrando com seu multi-bilionário herbicida.

“Nunca teria aspergido este produto nos jardins e terrenos da escola e próximo de pessoas, se eu soubesse que isso poderia causar-lhes algum mal”, disse Johnson durante seu emociante testemunho. “Isso é anti-ético. Isso está errado. As pessoas não merecem este tipo de coisa.”

Uma equipe de advogados de três escritórios de advocacia representou o Sr. Johnson neste julgamento: The Miller Firm, LLC (The Miller Firm, LLC) de Orange, Virgínia, Baum, Hedlund, Aristei & Goldman, P.C. (Baum, Hedlund, Aristei & Goldman, P.C.) de Los Angeles e Audet & Partners LLP (Audet & Partners LLP) de São Francisco. Essas empresas representam milhares de demandantes que sofrem de câncer relacionado ao Roundup, em todo o país.

As empresas advocatícias são nacionalmente conhecidas e lidam com casos complexos de responsabilidade por produtos, entre outros, ocupando posições de liderança nos processos judiciais federais e estaduais na Califórnia quanto ao Roundup da Monsanto. Esta corporação vem enfrentando mais de 4.000 casos de câncer deste produto em todo o país. E esse número está crescendo.

O próximo processo por câncer ligado ao Roundup, e contra à Monsanto, também é um caso estadual e está programado para acontecer em outubro, em St. Louis, Missouri. Agora que o juiz no litígio federal multi-distrital (baseado no Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito do Norte da Califórnia em San Francisco), aceitou vários especialistas dos queixosos para testemunharem, as datas de julgamento para os casos federais devem ser anunciadas nos próximos meses.

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2018, atualizada em 10.2019.

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Doente terminal leva Monsanto ao tribunal

15 de julho de 2018 por Luiz Jacques

Photograph: POOL/Reuters

Jardineiro que utilizou glifosato como mata mato, hoje sofre de linfoma não-Hodgkin porque ele  também mata muito mais que mato.

 

https://articles.mercola.com/sites/articles/archive/2018/07/03/roundup-linked-to-non-hodgkin-lymphoma.aspx

 

 

 

Resumo da história

  • Em 2015, o IARC (nt.: International Agency for Research on Cancer – Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer/OMS/ONU) classificou o glifosato como um provável carcinogênico humano baseado em evidências limitadas mostrando que ele pode causar linfoma não-Hodgkin como câncer pulmonar além de evidência convincente de sua ligação ao câncer em animais; 
  • Pesquisa recente conduzida pelo respeitável Ramazzini Institute mostra que a ingestão diária de glifosato nos níveis diários aceitáveis pela EPA. altera o desenvolvimento sexual em ratos bem como do microbioma intestinal além de efeitos genotóxicos; 
  • Testes recentes do U.S. National Toxicology Program revelam que a formulação do herbicida Roundup é muito mais tóxica do que somente seu princípio ativo, glifosato, sendo letal às células humanas;
  • Há uma estimativa de que 4.000 indivíduos acionaram judicialmente a Monsanto, alegando de que o Roundup causou seus linfomas não-Hodgkin. O primeiro paciente de câncer que teve seu dia de tribunal é Dewayne “Lee” Johnson que utilizou o herbicida Roundup extensivamente em seu trabalho como jardineiro;
  • A Bayer parece estar apostando em sua capacidade de reabilitar a reputação dos produtos da Monsanto simplesmente descartando o nome Monsanto, mas no mundo todo a luta contra esta corporação com a qual se fundiu, está agora se voltando para a corporação alemã como sua sucessora.

 

By Dr. Mercola

De acordo com um relatório de 2017 1 emitido pela Monsanto (agora fundida com a Bayer, que retirou o nome comercial ‘Monsanto’), “os herbicidas à base de glifosato estão apoiados em um dos mais extensos bancos de dados sobre os efeitos ambientais e de saúde humana já compilados para um agrotóxico. Estudos completos destinados tanto toxicológica como ambientalmente, realizados nos últimos 40 anos, demonstraram, de tempos em tempos, o forte perfil de segurança deste herbicida amplamente utilizado no mundo.”

No entanto, as chamadas evidências que sustentam ser o herbicida Roundup seguro, humana e ambientalmente, estão baseadas em pesquisas conduzidas principalmente por ela própria ou por ela financiadas. Mas, documentos internos 2,3, obtidos durante descoberta legal em ações judiciais contra a empresa, revelaram que ela nunca realmente testou a formulação comercial ‘Roundup‘ para carcinogenicidade.

Evidência também revela que a EPA estava de conluio com a Monsanto (US. Environmental Protection Agency (EPA) has colluded with Monsanto) para proteger os interesses da corporação pela manipulação e obstrução de investigações chave quanto ao potencial do glifosato causar câncer.

O Glifosato conectado a Muitos Risco à Saúde

Em março de 2015, a International Agency for Research on Cancer (IARC), um braço de pesquisas da World Health Organization/WHO (nt.: Organização Mundial da Saúde), reclassificando-o, considerou dentro do padrão ouro para os estudos de carcinogenicidade, como “provável carcinogênico” (Classe 2A),4,5 baseado em “evidência limitada” mostrando que o mata mato pode causar linfoma não-Hodgkin e câncer de pulmão em seres humanos,  e com “evidência convincente” conectando-o a câncer em animais (nt.: como eticamente não há pesquisas sobre seres humanos, a conclusão tem que ser ‘provável’, mas como se pesquisa sobre animais, aí sim pode ser indiscutível! Mas os seres humanos não são também animais, mamíferos e racionais?).

Neste mesmo ano, seguindo a reclassificação da IARC, o California’s Environmental Protection Agency’s Office of Environmental Health Hazard Assessment/OEHHA (nt.: o Escritório de Avaliação de Risco para a Saúde Ambiental da Agência de Proteção Ambiental da Califórnia), anunciou que o glifosato será listado como uma substância química conhecida por gerar câncer sob a Proposição 65 (Proposition 65), que exige que produtos de consumo com ingredientes com potencial de causar câncer portem rótulos de advertência.

A Monsanto entrou com uma ação judicial contra o OEHHA em janeiro de 2016 para impedir a classificação de cancerígeno do glifosato, mas um juiz do tribunal superior na cidade de Fresno, Califórnia, decidiu favoravelmente à decisão do OEHHA em fevereiro de 2017.

Além de seu potencial carcinogênico, pesquisas independentes, não contaminadas pela influência da Monsanto ou da indústria química como um todo, também conectaram herbicidas à base de glifosato com uma lista crescente de efeitos preocupantes para a saúde e o meio ambiente. Por exemplo, ele demonstrou:

Afetar a habilidade de nosso corpo a plena função de produzir proteínas
Inibir a rota metabólica chiquimato (Inhibit the shikimate pathway) (encontrada na flora intestinal)
Interfere com  a função das enzimas citocromo P450 (cytochrome P450 enzymes) (necessária para a ativação da vitamina D e da criação do óxido nítrico e do sulfato de colesterol)
Quelatiza importantes minerais
Interrompe a síntese e o transporte do sulfato
Interfere com a síntese dos amino ácidos aromáticos e a metionina, resultando em escassez de folato e neurotransmissores
Perturba o microbioma intestinal tanto de humanos como de outros animais por atuar como um antibiótico
Destrói o revestimento intestinal, podendo levar a sintomas de intolerância ao glúten
Impede as vias metabólicas da metilação
Inibe a liberação pela pituitária do hormônio estimulante da tiroide, que podem levar ao hipotiroidismo 6,7

‘Roundup’ É Mais Tóxico do que o Glifosato Sozinho

O altamente respeitado Instituto Ramazzini, na Itália, está atualmente trabalhando o glifosato (glyphosate) 8 , em um estudo global abrangente, para averiguar sua carcinogenicidade e seu potencial de toxicidade crônica. A fase piloto 9 já revelou que a ingestão diária de glifosato no nível de exposição pela ingestão diária aceitável estabelecido pela EPA, altera o desenvolvimento sexual em ratos, produz alterações no microbioma intestinal e exibe efeitos genotóxicos.

O que é pior, testes 10 realizados pelo Programa Nacional de Toxicologia dos EUA (nt.: U.S. National Toxicology Program/NTP), publicado no mês de maio último, revelam que a fórmula do Roundup é muito mais tóxica do que o glifosato sozinho. De acordo com o resumo dos resultados do NTP, as formulações de glifosato alteram significativamente a viabilidade das células humanas ao interromperem a funcionalidade das membranas celulares. Em termos leigos, o Roundup mata células humanas.

Embora os testes de primeira fase não tenham revelado evidências de que o Roundup e outros herbicidas à base de glifosato sejam carcinogênicos (glyphosate-based weed killers are carcinogenic), ele mostra que as formulações são mais tóxicas do que o glifosato isoladamente – e já há evidências de que o glifosato tem potencial carcinogênico. Nada disso é um bom augúrio para a Bayer, que agora é proprietária da patente do Roundup.

Começou nos EUA o Primeiro Julgamento sobre a  Carcinogenicidade do Roundup

Nestes anos após a classificação do glifosato pelo IARC como possível carcinogênico humano, estima-se que 4.000 pessoas 1  entraram com ações judiciais contra a Monsanto, alegando que o herbicida causou o linfoma não-Hodgkin (Non-Hodgkin lymphoma), um tipo de câncer que começa nos glóbulos brancos (linfócitos), que fazem parte do seu sistema imunológico. Mais de 425 deles estão atualmente pendentes em um litígio multidistrital (multidistrict litigation/MDL) com o Tribunal Distrital dos EUA em San Francisco. 12

Embora o procedimento de um litígio MDL seja semelhante a uma ação coletiva na medida em que consolida os procedimentos pré-julgamento, cada caso receberá seu próprio veredicto por júri e os resultados irão variar dependendo da força da evidência de cada caso. Documentos internos obtidos durante o processo de descoberta foram liberados por advogados, e ficaram conhecidos como “The Monsanto Papers“. 13

O primeiro paciente de câncer que teve, na verdade, seu dia no tribunal foi Dewayne “Lee” Johnson ,14,15,16 ao ter garantido seu julgamento rapidamente devido ao fato de estar próximo da morte. Em julho, seu oncologista previu que ele talvez tenha somente seis meses de vida .17

Johnson — cuja ação foi impetrada em tribunal estadual e não por meio de um MDL na esperança de uma resolução mais rápida — é um homem de 46 anos, casado e pai de dois filhos, alega ter usado o Roundup de 20 a 40 vezes por ano enquanto trabalhava como jardineiro na escola distrital de Benícia na Califórnia, de 2012 até o final de 2015.18

Algumas vezes isso envolvia a mistura e a aperção de centenas de litros do produto comercial ‘Roundup PRO‘ de cada vez. Johnson foi diagnosticado com um tipo de linfoma não-Hodgkin chamado micose fungoides, em agosto de 2014. Relatou ao seu médico que as erupções que ele desenvolveu no verão se tornavam piores depois de exposto ao herbicida. Sua ação judicial foi impetrada em 2016, após ele ter se tornado muito doente para trabalhar, acusando então a Monsanto de ter escondido os riscos de saúde deste seu produto. Seu processo judicial no tribunal, presidido pela Juíza da Corte Superior, Suzanne Ramos Bolanos, começou em 18 de junho de 2018.19

A lei que dá o direito do cidadão saber (nt.: U.S. Right to Know/USRTK) publicou os documentos do processo e os documentos descobertos relativos a este caso particular em seu website.20 A seleção do juri começou em 21 em junho. Numa entrevista ao meio de comunicação Bloomberg,21 um dos três advogados de Johnson, Timothy Litzenburg, conectou esta ação de Johnson ao dito “é o canário na mina de carvão” (nt.: no século XIX, leva-se um canário numa gaiola para as minas de carvão inglesas para se ver se haviam gases venenosos na atmosfera ou não, assim os mineiros ficavam ou logo saiam): o resultado de sua ação pode claramente ter um impacto significativo sobre os futuros julgamentos, tanto para melhor como pior.

Ação Judicial Que Abre Portas, a Pioneira

O advogado Litzenburg contou à rede midiática CNN,22 que o “Sr. Johnson está com muita raiva e é a pessoa mais cuidadosa com a segurança que eu conheço. No momento, ele é o ‘cara’ mais corajoso dos Estados Unidos”. Litzenburg também representa mais de 2.000 outros doentes diagnosticados com linfoma não-Hodgkin, que acreditam que com o uso extensivo de Roundup contribuiu para suas doenças.

Linda Wells, diretora organizacional da ONG Pesticide Action Network na América do Norte, comentou o caso, dizendo: 23  “a Monsanto propositadamente enganou o público sobre a segurança de seu principal herbicida, o Roundup, por décadas. Se Johnson for bem sucedido no julgamento, será um enorme abalo a toda a indústria de agrotóxicos”. Da mesma forma, a rede de informações CNN observou: “Há muita coisa neste caso, que pode estabelecer um precedente legal para milhares de casos que virão a seguir”. 24

De acordo com a Bloomberg, 25 a Bayer “provavelmente assumirá o risco da Monsanto quanto aos litígios em cascata que virão pelo glifosato”, observando que, a partir de agosto, o fundo de reserva da Monsanto para responsabilidade ambiental e contenciosa totalizou US $ 277 milhões de dólares. Embora isso pareça muito, pode ser uma mera gota, se as quantias pelos danos em cada e todos os casos começarem a chegar aos milhões.

A ação judicial de Johnson está com a perspectiva de estar concluído em meados ou final de julho. Um segundo caso, este de St. Louis, está agendado para ir a julgamento em outubro próximo. 26  Em um recente artigo o jornalista e pesquisador de interesse público conectado com a lei do direito de saber da EcoWatch (nt.: importante mídia global focada nos aspectos ambientais), Carey Gillam, escreve: 27

“A Monsanto e seus aliados da indústria agroquímica criticaram o litígio e a classificação do IARC por falta de validade, contrariando as décadas de estudos de segurança que provam que o glifosato não causa câncer quando usado conforme planejado. A Monsanto citou as descobertas da EPA e de outras autoridades reguladoras como respaldando sua defesa. A empresa também pode indicar para um esboço de avaliação do risco da EPA quanto ao glifosato, 28 que concluiu que o glifosato não é provavelmente cancerígeno.”

No entanto, como mencionado anteriormente, parte da evidência que surgiu durante a descoberta é que a EPA conspirou com a Monsanto para proteger seus interesses. Uma reunião em dezembro de 2016 na qual um painel consultivo científico reanalisou as evidências científicas e avaliou a força da decisão da EPA de exonerar o glifosato concluiu que a agência havia violado suas próprias diretrizes ao desconsiderar dados de estudos nos quais uma ligação positiva com câncer foi encontrada. 29

Provas de julgamento também incluem pilhas e pilhas de papeis mostrando artigos que a EPA invocou quando da segurança do glifosato. Há também evidências de que a Monsanto suprimiu a publicação de dados prejudiciais. Como relatado por Gillam, “os advogados de Johnson dizem que os documentos internos da Monsanto mostram uma extensa ‘manipulação’ do registro científico e claramente interações impróprias e fraudulentas com os reguladores”.

Pelo menos 10 funcionários, atuais e antigos, da Monsanto serão chamados para testemunharem no julgamento de Johnson. De acordo com Brent Wisner, um advogado chefe da equipe jurídica de Johnson que entregará as declarações de abertura e fechamento do caso: “vamos trazê-los para o julgamento.  Temos fatos em mãos. Se a evidência que temos for autorizada de ser conhecida, a Monsanto está em apuros.”

A Bayer Dificilmente Reabilitará ou Superará a Sórdida Reputação da Monsanto

A Bayer parece estar apostando em sua capacidade de reabilitar a reputação dos produtos da Monsanto simplesmente descartando o nome ‘Monsanto’. Mas as chances são de que eles falharão. Em todo o mundo, a luta contra a Monsanto está agora se voltando para a Bayer como sua sucessora. Uma troca de nome simples não pode desfazer o dano causado e o que ainda está sendo cometido,  sob falsos pretextos, tanto pelo Roundup como pelos outros herbicidas à base de glifosato.

Como a Monsanto, a Bayer está se recusando a ceder quando se trata da suposta segurança do Roundup e de outros herbicidas à base de glifosato, apesar de todas as evidências em contrário, além das preocupações globais pelo aumento dos níveis de glifosato nos corpos humanos (glyphosate levels in human bodies). Entre 1993 e 2016, a prevalência da exposição humana ao glifosato aumentou 500%, e os níveis reais da substância química encontrada nos indivíduos testados, aumentaram em um impressionante nível de 1.208%. Como observado por Adrian Bebb, um ativista de alimentos e agricultura da ONG Friends of the Earth – Europa: 30

“A Bayer, em tudo, se tornará Monsanto, a não ser que tome medidas drásticas para se distanciar do controverso passado do gigante químico dos EUA. Se continuar a vender agrotóxicos e transgênicos indesejáveis, logo se encontrará lidando com a mesma resistência global que a Monsanto construiu.”

Da mesma forma, a Forbes (nt.: revista norte americana que trata de negócios e economia) comentou sobre a fusão entre a Monsanto e a Bayer prevendo um caminho menos que suave para este novo gigante químico: 31

“Sim, a Bayer apresentou o mundo à aspirina e ao fenobarbital. Mas também registrou heroína (nt.: artigo interessante da revista alemã ‘Der Spiegel’ para quem domina a língua!) e, quando era IG Farben durante a Segunda Guerra Mundial, usou prisioneiros de campo de concentração como trabalhadores escravos e testadores de drogas com resultados desastrosos. Mesmo com esse contexto, há dois desafios especiais para integrar líderes da Monsanto à Bayer:

1) A história da Monsanto como empresa privada;    e

2) a ‘toxicidade’ da marca Monsanto obtida por sua fabricação e comercialização de DDT, PCBs (DDT, PCBs), Agente Laranja, hormônios recombinantes de crescimento bovino, culturas geneticamente modificadas e modelo de patenteamento de sementes e sua implementação …

Há todas as razões para esperar que o pessoal da Monsanto seja mais focado para os resultados e menos cuidadoso, mais hierárquico e mais motivado pela autoridade do que o pessoal da Bayer. Esses são obstáculos culturais nada simples de serem superados.“

Monsanto Foi Processada por Embalagem, Marketing e Venda Enganosos do Roundup

Além de todas as ações civis pendentes contra a Monsanto, a Beyond Pesticides e a Organic Consumer’s Association, também processaram 32 a Monsanto em nome do público em geral em abril de 2017, acusando-a de etiquetagem, marketing e venda enganosos do Roundup. Este caso também ainda está pendente, e poderia se transformar em outro buraco negro para a Bayer.

Segundo a denúncia, a Monsanto “ativamente anuncia e promove que seus produtos Roundup atuam com o alvo em uma enzima ‘encontrados em plantas, mas não em pessoas ou animais de estimação’. Essas alegações são falsas, enganadoras e enganosas”. A realidade é que a enzima, alvo do glifosato, é de fato encontrada em animais e humanos, já que está presente nas bactérias intestinais tanto de uns como de outros. Embora a Monsanto tenha tentado repudiar o caso, o juiz distrital Timothy Kelly negou o requirido, 33 determinando 34 que serem suficientes as evidências que haviam sido apresentadas para apoiar o peticionado.

Alguns dos leitores ainda podem se lembrar do tempo em que a Monsanto propagandeava de que o Roundup era “biodegradável” e “ambientalmente correto”, indo tão longe quando afirmava que ele “deixava o solo limpo”. Essas alegações foram finalmente deixadas de lado quando a empresa foi responsabilizada por fazer propaganda enganosa, já que as evidências mostravam que a substância química não é nada disso.

Acredito que a verdade sobre o impacto do Roundup na saúde humana acabará sendo, finalmente, reconhecida e este herbicida entrará para a história como uma das maiores e mais perigosas trapaças já perpetradas pela indústria química.

Fontes e Referências

  • 1 Benefits and Safety of Glyphosate
  • 2 Monsanto Papers December 2010 Emails
  • 3 Monsanto Papers November 2003 Emails
  • 4 The Lancet Oncology March 20, 2015
  • 5 Institute of Science in Society March 24, 2015
  • 6 Entropy 2013, 15(4), 1416-1463
  • 7 Glyphosate Pretending to Be Glycine: Devastating Consequences, Stephanie Seneff
  • 8 Global Glyphosate Study
  • 9 Global Glyphosate Study May 16, 2018
  • 10 National Toxicology Program, Glyphosate and Glyphosate Formulations
  • 11, 12, 13, 20 USRTK, The Monsanto Papers: Roundup (Glyphosate) Cancer Case Key Documents & Analysis
  • 14, 17, 21, 25 Bloomberg June 18, 2018
  • 15 Business Day June 21, 2018
  • 16 Phys.org June 21, 2018
  • 18, 26, 27 Eco Watch June 19, 2018
  • 19 Organic Authority June 20, 2018
  • 22, 24 CNN June 17, 2018
  • 23 India Times June 21, 2018
  • 28 EPA.gov, September 12, 2016, Glyphosate Issue Paper, Evaluation of Carcinogenic Potential (PDF)
  • 29 Huffington Post December 16, 2016
  • 30 The Guardian June 4, 2018
  • 31 Forbes June 8, 2018
  • 32 Beyond Pesticides/Organic Consumers Association V. Monsanto Company, Superior Court of the District of Columbia Civil Division Complaint (PDF)
  • 33 OCA.org May 7, 2018
  • 34 Beyond Pesticides et al V. Monsanto Co et al, Memorandum Opinion (PDF)

 

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2018.

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Tiros na lavoura de soja

18 de março de 2016 por Luiz Jacques

Tiros na lavoura de soja. A Alemanha tem relação direta com isso. 6,4 milhões de toneladas de grãos e farelo de soja foram importados, além de empresas como Bayer e a BASF fazem consideráveis lucros vendendo fertilizantes e agrotóxicos no Brasil.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/552746-tiros-na-lavoura-de-soja

A reportagem foi publicada pelo jornal alemão Die Zeit, 03-03-2016. A tradução é de Walter O. Schlupp.

À noite Antônio Bento fala do futuro dourado. Corta a carne do churrasco e a assa sobre o fogo “para fortalecer meus guerreiros”. A essas alturas ele ainda nada sabe da explosão de violência que acontecerá nos próximos dias. Ele não imagina que vão caçá-lo como um bicho pela floresta; que os seguranças do latifundiário ali perto vão atirar com revólveres e armas semi-automáticas. “Eu acho que as coisas vão acontecer numa boa”, declara esse homem atarracado e forte junto à fogueira. “E nós não vamos ceder.”

Antônio encara os semblantes sérios e resolutos de um grupo de agricultores e lavradores que, na madrugada, pretendem ocupar uma grande fazenda nas proximidades. “Não posso mais ficar vivendo feito cachorro na rua”, diz esse homem de 45 anos enquanto pisca para a lanterna do acampamento, improvisada com bateria de carro e uma lâmpada fluorescente pendurada num pau. Em frente, alguns homens parrudos confirmam com a cabeça. Só que a maioria são idosos, mulheres e crianças. Faz meses que estão acampados na beira da estrada, em redes debaixo de lonas de plástico que todas as tardes são testadas pela chuva tropical. Amanhã sua vida há de mudar. “Vamos ser fortes porque nada temos a perder”, diz um preto corpulento, que então dá meia volta e vai dormir. Afinal, que mais haveria para se combinar?

Antônio Bento luta por um pedaço de terra que, pelo direito brasileiro, já lhe deveria pertencer faz muito tempo – a ele e às quase 100 famílias no acampamento provisório, que chamam de “Acampamento da Boa Esperança“. A maior parte das pastagens e lavouras nessa região do Brasil central é propriedade do estado. Há décadas está previsto que ali se formem granjas de porte médio até 100 hectares.

As glebas devem ser distribuídas entre pequenos agricultores e lavradores sem-terra como Antonio e seus companheiros, para que assim fundem a base da sua subsistência. O grupo do Antônio até já tinha vivido nessa terra. Entre 2013 e 2015 haviam estabelecido uma bela agricultura. 100 famílias habitavam casinhas de madeira e brasilite entre canteiros de verduras, galinheiros e chiqueiros. Alguns deles pegam celulares e fotos em papel para mostrar essa época feliz. Nas fotos pode-se vê-los em roupas de serviço na sua lavoura. Faziam festa com bolo cor-de-rosa. O ônibus escolar vinha buscar as crianças.

Acontece que ali também que fica o miolo da produção agrária brasileira. Trata-se do estado do Mato Grosso, duas vezes o tamanho da Alemanha e um dos maiores produtores mundiais de milho, soja e carne bovina. É o coração doagronegócio brasileiro, com suas propriedades a perder de vista a se ampliarem ano a ano, invadindo a floresta, reservas indígenas, áreas de proteção natural e lavouras de pequenos agricultores. A agricultura do Mato Grosso gera milionários e bilionários, o que também atrai homens de negócio sem escrúpulos, que não estão muito aí para o direito e a lei, para a proteção ambiental ou para as pessoas no Acampamento da Boa Esperança.

Um latifundiário com unidades de produção em várias regiões do Brasil, Marcelo Bassan, hoje é proprietário daFazenda Araúna nas proximidades do acampamento. Contra Antônio e sua gente ele está numa luta acirrada pela terra que por direito nem lhe pertence. Funcionários do latifúndio expulsaram várias vezes as famílias, por último no ano passado. Tocaram fogo nas casas, mataram cachorros e vacas, deram tiros de revólver para o ar e na frente dos pés dos agricultores. Isolaram a terra com uma cerca reforçada e a ocuparam com seguranças armados, cerca de 20 pistoleiros mal-encarados que, ao que se comenta, são todos ex-presidiários, todos com histórico de condenação! Quando está na região, o fazendeiro Bassan fica num hotel com piscina numa cidade próxima.

A sina dessas pessoas do Acampamento da Boa Esperança é apenas um dentre muitos conflitos desse tipo pela terra. Segundo informações da Pastoral da Terra, organização da Igreja Católica, nos últimos 15 anos no mínimo 20.000 famílias foram expulsas no Mato Grosso, e o número continua aumentando. O “número de execuções” no contexto desses conflitos é de 30 a 40 por ano no Brasil, várias delas só no Mato Grosso.

De um lado se encontram agricultores que têm o direito de praticar agricultura familiar em até 100 hectares de terras estatais. Não se trata de latifúndios, mas também não são pequenos (uma granja alemã tem, em média, 60 hectares). Do outro lado está o agronegócio com gigantescas passagens, monoculturas de milho e soja até o horizonte, usando fertilizantes químicos e agrotóxicos contra pragas.

A Alemanha tem relação direta com isso. Produtos de soja provenientes principalmente do Brasil estão sendo cada vez mais usados como ração para porcos e aves, em quantidade menor também para gado bovino. 6,4 milhões de toneladas de grãos e farelo de soja recentemente foram importados para a Alemanha por empresas de importação como ADM, BayWa e Agravis, principalmente do Brasil, sendo que critérios sociais ou ecológicos só desempenham papel secundário quando se trata de escolher o fornecedor. Por outro lado, empresas [alemãs] como a Bayer e a BASF fazem consideráveis lucros vendendo fertilizantes e agrotóxicos no Brasil.

Poucos anos atrás a organização de proteção ambiental World Wide Fund For Nature calculou que os 17 milhões de hectares de área de produção agrícola na Alemanha estariam por assim dizer ampliados, via importação, em 7 milhões de hectares no estrangeiro. Só as exportações de soja do Brasil para a Alemanha exigem, então, uma área de 1,6 milhões de hectares nesse país da América do Sul. Trata-se de uma área cultivada do tamanho do estado alemão de Schleswig-Holstein. Existe, portanto, uma conexão direta entre o Brasil e o filé comprado no supermercado alemão.

A reconquista na Fazenda Araúna estava prevista para o amanhecer. Mas pouco depois das 9h, com o sol tropical queimando como se fosse meio-dia, o pessoal ainda está fazendo café, amarrando redes e colchões em cima de velhos calhambeques, dão-se as mãos em círculo e rezam o Pai-nosso. Um nenê chora nos braços da mãe. Um musculoso lavrador de boné vermelho empunha um machado e arrebenta o cadeado na entrada da fazenda. O comboio de carros, motos, pedestres, cães e gansos começa a se deslocar, os líderes acenam nervosamente, é para andar ligeiro. De vez em quando se enxerga entre as árvores o chapéu branco e o azul vistoso da camisa de seguranças a cavalo; mas estes logo desaparecem.

“Hoje tudo ficará tranquilo”, diz o representante da Pastoral da Terra para acalmar os nervos, homem esguio, de testa alta e imponente nariz embicado. “Os problemas vão começar nos próximos dias, caso os pistoleiros resolverem contra-atacar, talvez mancomunados com a polícia.” Essa pessoa está acompanhando, a bem dizer como assessor de ocupação, e ajuda a carregar o transporte. Conta como foi a a ocupação mais recente na fazenda vizinha. Nessa ocasião oito pessoas foram mortas a tiros. Relata histórias de um latifundiário local que mantinha escravos como animais, que certa vez dispunha de uma milícia de 200 homens armados, conseguindo inclusive rechaçar a Polícia Federal. “E sabe o melhor? Ele nunca foi realmente cobrado por seus crimes, está morando tranquilamente na cidade.”

A Fazenda Araúna tem 14.000 hectares, 230 vezes a média de uma granja alemã. A turma do Antônio quer recuperar 9000 hectares. As regras brasileiras de proteção ambiental determinam que então poderão usar 1800 hectares como lavoura, o restante precisa ficar em estado natural, selvagem. Antônio já tem planos detalhados, pretende fazer agricultura, exatamente como antes: plantar arroz, feijão, abóboras, quiabo, banana e mandioca, criar galinhas e porcos. Nada de soja nem pastagens sem-fim que, segundo ele, “um dia ainda vão arruinar este planeta”. Nada de equipamentos enormes, sem essas quantidades gigantescas de agroquímicos aplicados com avião.

Existe um procedimento oficial para a a causa do Antônio: uma vez apresentado o requerimento de terra em tempo hábil, anos atrás, deveriam ter recebido do estado as suas parcelas. Para tanto existem leis, órgãos públicos, regulamentos policiais. Só que na prática não funciona assim, pelo menos não no Mato Grosso. Embora nenhum jurista coloque em dúvida o direito das pessoas do Acampamento da Boa Esperança, a sua causa foi parar na pilha de “Causas Pendentes” da justiça local, junto com centenas de outras. O órgão federal competente e até mesmo o delegado de polícia local confirmam que ocupações de terra violentas e ilegais da parte de empresários do agronegócio são um grande problema na região. Mesmo assim, muitas vezes a polícia demora a agir ou nada faz contra os excessos dos latifundiários e seus pistoleiros. Às vezes, até mesmo funcionários do governo atormentam agricultores sem-terra que estão na espera, xingam-nos de “vagabundos”.

A Pastoral da Terra acredita que alguns policiais e juízes foram subornados. Em alguns casos isso foi comprovado.

O que também acontece é que nessas paragens vigora uma convicção básica dos tempos feudais: um fazendeiro tem que ser o senhor da terra, ao passo que os sem-terra são ralé. “Essa nova ocupação pelos agricultores a rigor não é legal”, admite um representante local da Pastoral da Terra. Anos atrás uma juíza determinou expressamente que eles não teriam direito de voltar para a terra, porque primeiro seria necessário concluir a tramitação pelos órgãos públicos. “Acontece que, se não lutarem, daqui a dez anos ainda estarão aqui na beira da estrada. Eles precisam forçar os órgãos públicos a cumprir sua função.”

Às 20 para as 10 os ocupadores da fazenda chegam ao local coberto de árvores onde pretendem montar seu acampamento-base. Ali se achavam as suas casas antigamente, hoje apenas se encontram vestígios, madeira queimada espalhada pelo chão. Os homens e mulheres nem fazem pausa para descanso. Vão limpando o solo, matam cobras venenosas com a enxada, buscam galhos na floresta para novas barracas. Um velho chega carregando uma enorme melancia que encontrou ali no mato. Deposita-a todo orgulhoso no chão, com os olhos arreganhados de felicidade. “Veja como é fértil este chão! Aqui é a melhor terra do Mato Grosso!”

Dentro de poucos anos novas cidades surgiram do nada, feitas de asfalto e concreto. Sorriso é uma delas, de 80.000 habitantes e com ruas especialmente largas para máquinas agrícolas e caminhões. Em dez anos a economia cresceu cinco vezes, a imigração é intensa e o desemprego quase nulo. “Em nenhum outro lugar se produz tanto milho e soja”, declara Dirceu Rossato, prefeito desde 2013. “Podem dizer para os empresários alemães que estamos abertos para novos investimentos!”

Rossato é um gênio dos números; sem usar qualquer anotação ele recita os dados da estatística de uso da terra: 65.000 hectares de área de soja, mais de 350.000 hectares de milho, 15.000 hectares de algodão. Ele explica o que significa Sorriso em português. declara que ele é o prefeito da cidade-sorriso. De profissão ele é fazendeiro da soja e do milho. Possui cinco gigantescos silos de aço e concreto, e suas empresas também atuam no comércio e na logística.

Rossato não tem nenhuma dúvida de que o futuro é por aí. Trata-se de uma agricultura com tecnologia de ponta, extremamente limpa e incrivelmente eficiente. “Todas as ruas da minha cidade estão asfaltadas“, observa o prefeito. O sapato dele não apresenta a menor sujeira da lavoura. Junto às estradas de acesso se vêem centros de pesquisa,de produção de sementes e escritórios de distribuição de empresas químicas como Monsanto, Bayer e Dow. Um outdoor promete “sementes de alto desempenho”. No rádio se houve um alerta sobre gente sem-terra nos arredores da cidade. É para abrir o olho. Parece um chamado para a caçada.

O prefeito é cordial e prestativo, mas fazer uma entrevista é complicado. Não há problema algum quando se fala com ele sobre o assentamento de indústrias, novas rodovias, ferrovias e hidrovias. A coisa muda de figura quando se trata de questões como expulsão de agricultores, proteção da saúde e da natureza. Você pode mostrar a ele estudos idôneos segundo os quais a economia da monocultura causa uma chuva tóxica de 136 litros por habitante / ano na região de Sorriso, que resíduos podem ser comprovados inclusive no leite materno. A resposta de Rossato: “É tudo lenda.” Proteção ambiental? Problemas de saúde dos lavradores na cidade? Aí o prefeito muda de assunto rapidamente e passa a desfiar um discurso de princípios: os empresários do agronegócio visam o bem das pessoas. O estado e seus fiscais devem ficar longe da sua cidade.

Semelhante é o papo dos outros empresários do agronegócio. Muitos também são, simultaneamente, prefeitos e governadores, deputados federais e senadores em Brasília, onde o lobby agrário do centro do país ganha influência cada vez maior. “O agronegócio é a vocação deste estado”, declara o o vice-governador do Mato Grosso, fazendeiro Carlos Fávaro. Outras opções seriam inconcebíveis ali. “Você por acaso instalaria uma montadora por aqui?”

Organizações ecológicas e dos direitos humanos criticam os políticos por terem criado no Mato Grosso um mundo em que o direito e as leis nada valem. ONGs regionais compilaram coletâneas inteiras de casos em que os políticos teriam alterado arbitrariamente dispositivos legais em favor dos empresários do agronegócio. Mais outros casos em que juízes e chefes de polícia, jornalistas e diretores de escola teriam sofrido pressão para que nada viesse a público sobre as realidades do agronegócio brasileiro.

Para as ONGs os problemas são dos mais diversos tipos: conflitos pela terra, agrotóxicos, manutenção de pessoas em regime de escravidão, desmatamento, expulsão de indígenas e tecnologia genética. Suas vozes mal se ouvem, a imprensa local muitas vezes prefere ignorar seus posicionamentos públicos, alguns representantes de ONGs têm sido até ameaçados de morte. Um médico confidencia que no Mato Grosso é “muito mais seguro” diagnosticar um vírus como causa de alguma disenteria do revelar que a causa foi um agrotóxico. Em outubro passado o líder da bancada verde [alemã] visitou o país de origem das rações utilizadas na Alemanha. Conversou com políticos locais e acabou confessando horrorizado: “Isso me lembra filmes sobre a máfia.”

Os hospedeiros brasileiros não dão muita bola para a esse tipo de crítica. Acontece que chineses e americanos compram produtos brasileiros em quantidade até maior do que os alemães. Além disso, também há empresas alemãs e representantes dos seus interesses mancomunados com o agronegócio: mesmo depois de várias solicitações , a representante da Câmara de Comércio e consulesa [da Alemanha] honorária local, Tania Kramm da Costa, não se dispôs a conversar com a ZEIT sobre o assunto. O pai dela é latifundiário que, conforme ele próprio conta, conhece muito bem o “rei da soja ” brasileiro Blairo Maggi. Ao telefone ele comentou o quanto parceiros de negócio estão se incomodando com visitantes da Alemanha. “De saída já ficam perguntando: tem alguém dos verdes junto?”

Dois dias após a ocupação o sonho de Antônio Bento e das 100 famílias sem-terra desfez-se novamente. Ao amanhecer os pistoleiros voltaram. Mascarados, atacaram o acampamento com armas de calibre 12 e 38. Deram tiros até as pessoas entrarem em pânico. Pisotearam jovens e encharcaram de gasolina a barraca onde dormiam as crianças. Quando ameaçaram botar fogo, quebrou-se a resistência. “Fiquei implorando pela vida dos meus filhos”, relata um pai em estado de choque. Carros, motos e a barraca nova pegaram fogo. Antônio e outros quatro líderes foram escorraçados para dentro do mato, numa perseguição que durou horas.

Plantação em grande estilo

A agropecuária industrial brasileira é big business para grandes fazendeiros e para a indústria química.

 

Fontes:

Federação alemã da agropecuária, Estatística comercial alemã, CIA, Banco Mundial, Abracso, BUND, Agência alemã do meio-ambiente, Pesticide Action Network.

 

Antônio conseguiu sobreviver à perseguição. Alguns dias depois da ocupação ele liga de um esconderijo, contando que “escapou por um fio”. Mas precisava ficar escondido, “estou sendo ameaçado de morte”; diante das ameaças de morte a seus parentes, a família inteira teria fugido. Mais outros quatro pequenos agricultores do Acampamento Boa Esperança desapareceram por vários dias . Um destacamento especial da polícia apareceu no local horas depois da notícia de um possível massacre; fizeram uma busca por cadáveres, mas nada encontraram. DIE ZEIT encaminhou ao fazendeiro solicitações de entrevista, por escrito e repetidas vezes por telefone; segundo testemunhas ele as recebeu, mas não conseguimos entrevistá-lo.

O governo e os órgãos policiais na capital do Mato Grosso, Cuiabá, demonstraram intensa atividade em função dos acontecimentos: observadores foram para a região, prometeram a criação de uma “comissão”, no palácio do governo se cogita enviar um “delegado especial de polícia da capital a fim de tirar o ônus da polícia local”. Até o encerramento da redação ele ainda não tinha sido designado.

Os pretendentes a agricultores voltaram acampar junto à mesma estrada; agora possuem ainda menos do que antes. Os pistoleiros queimaram todos os seus pertences. Com base em relatos do Acampamento Boa Esperança o número de funcionários armados na Fazenda Araúna aumentou consideravelmente; consta que ficam dando tiros de pistola nas proximidades das acomodações improvisadas e ameaçam com novos assaltos. No final de semana um sem-terrade um acampamento numa fazenda vizinha foi assassinado em plena luz do dia.

Colaboração: Shanna Hanbury

PARA LER MAIS:

  • 24/02/2016 – No Mato Grosso a esperança não é boa e o mundo não é novo
  • 04/09/2015 – O estado atual do massacre étnico no MS
  • 29/02/2016 – O Brasil roubado por latifundiários. Vem aí mais um crime desse tipo
  • 20/08/2014 – Entidades do Mato Grosso repudiam assassinato de três lideranças do campo
  • 28/02/2013 – Blairo Maggi assume a presidência da Comissão de Meio Ambiente
  • 02/08/2011 – Do latifúndio ao agronegócio. A concentração de terras no Brasil. Entrevista especial com Inácio Werner
  • 27/01/2015 – A fragilidade da Anvisa e o uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil. Entrevista especial com Victor Manoel Pelaez Alvarez
  • 23/09/2015 – Para compreender os conflitos entre fazendeiros e indígenas em Mato Grosso do Sul

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A hegemonia de Berlim contra a alma da Europa.

26 de julho de 2015 por Luiz Jacques

Jürgen Habermas, uma das personalidades intelectuais mais representativas que se debruçaram sobre o tema da integração europeia, lançou um veemente ataque contra a chanceler alemã, Angela Merkel, acusando-a de ter desperdiçado, com a linha dura em relação à Grécia, todos os esforços das gerações alemães anteriores para reconstruir a reputação da Alemanha no pós-guerra. A reportagem é de Philip Oltermann, publicada no jornal The Guardian, 18-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Falando sobre o acordo alcançado na segunda-feira passada com Atenas, o filósofo e sociólogo afirma que a chanceler fez um “ato de punição” contra o governo de esquerda liderado por Alexis Tsipras. Jürgen Habermas é professor emérito de filosofia da Johann Wolfgang Goethe University de Frankfurt.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/544762-a-hegemonia-de-berlim-contra-a-alma-da-europa-entrevista-com-juergen-habermas

 

Eis a entrevista.

Qual é o seu veredito sobre o acordo alcançado na segunda-feira?

O acordo sobre a dívida grega anunciado na segunda-feira de manhã é prejudicial tanto no seu resultado quanto no modo como foi alcançado. Primeiro, o resultado das conversações está mal aconselhado. Mesmo que considerássemos os termos estranguladores do acordo como o curso certo de ação, não podemos esperar que essas reformas sejam implementadas por um governo que, por sua própria admissão, não acredita nos termos do acordo.

Em segundo lugar, o resultado não faz sentido em termos econômicos, devido à mistura tóxica de reformas estruturais necessárias do Estado e da economia com mais imposições neoliberais que vão desestimular completamente uma população grega exausta e matar qualquer ímpeto de crescimento.

Em terceiro lugar, o resultado significa que um impotente Conselho Europeu está efetivamente se declarando politicamente fracassado: o rebaixamento de facto de um Estado-membro ao status de um protetorado contradiz abertamente os princípios democráticos da União Europeia.

Finalmente, o resultado é vergonhoso porque forçar o governo grego a concordar com um fundo de privatização economicamente questionável e predominantemente simbólico não pode ser entendido senão como um ato de punição contra um governo de esquerda. É difícil ver como se poderia causar mais danos. E, no entanto, o governo alemão fez exatamente isso quando o ministro das Finanças, Schaeuble, ameaçou a saída da Grécia do euro, revelando-se assim, assim despudoradamente, como o chefe disciplinador da Europa.

O governo alemão, assim, pela primeira vez, fez um manifesto de reivindicação pela hegemonia alemã na Europa – é assim, de qualquer modo, como as coisas são percebidas no resto da Europa, e essa percepção define a realidade que importa. Eu temo que o governo alemão, incluindo a sua facção social-democrata, tenha jogado fora, em uma noite, todo o capital político que uma Alemanha melhor tinha acumulado em meio século – e por “melhor” eu me refiro a uma Alemanha caracterizada por uma maior sensibilidade política e uma mentalidade pós-nacional.

Quando o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, convocou um referendo no mês passado, muitos outros políticos europeus acusaram-no de traição. A chanceler alemã, Angela Merkel, por sua vez, foi acusada de chantagear a Grécia. Que lado você vê como mais culpado pela deterioração da situação?

Eu não tenho certeza sobre as reais intenções de Alexis Tsipras, mas temos que reconhecer um fato simples: a fim de permitir que a Grécia voltasse a ficar de pé, as dívidas que o FMI considerou como “altamente insustentáveis” precisam ser reestruturadas. Apesar disso, Bruxelas e Berlim persistentemente recusaram ao primeiro-ministro grego a oportunidade de negociar uma reestruturação das dívidas da Grécia desde o início. Para superar esse muro de resistência entre os credores, o primeiro-ministro Tsipras finalmente tentou fortalecer a sua posição por meio de um referendo – e ele conseguiu mais apoio doméstico do que esperava. Essa legitimação renovada forçou o outro lado ou a buscar um compromisso ou a explorar a situação de emergência da Grécia e agir, mais ainda do que antes, como disciplinador. Nós sabemos o resultado.

A atual crise na Europa é um problema financeiro, um problema político ou um problema moral?

A crise atual pode ser explicada tanto por meio de causas econômicas quanto por um fracasso político. A crise da dívida soberana que emergiu da crise bancária tinha suas raízes nas condições nada boas de uma união monetária composta heterogeneamente. Sem uma política econômica e financeira comum, as economias nacionais dos pseudo-soberanos Estados-membros continuará se afastando em termos de produtividade. Nenhuma comunidade política pode sustentar tal tensão em longo prazo.

Ao mesmo tempo, concentrando-se em evitar o conflito aberto, as instituições da União Europeia estão impedindo iniciativas políticas necessárias para a expansão da união monetária a uma união política. Apenas os líderes governamentais reunidos no Conselho Europeu estão em posição de agir, mas precisamente eles são os únicos que são incapazes de agir no interesse de uma comunidade europeia conjunta, porque eles pensam principalmente no seu eleitorado nacional. Estamos presos em uma armadilha política.

Wolfgang Streeck, no passado, alertou que o ideal habermasiano da Europa é a raiz da crise atual, e não o seu remédio: a Europa, alertou ele, não iria salvar a democracia, mas aboli-la. Muitos na esquerda europeia sentem que os desenvolvimentos atuais confirmam a crítica de Streeck ao projeto europeu. Qual é a sua resposta para essas preocupações?

Ponto de lado a sua previsão de um fim iminente do capitalismo, eu concordo fortemente com a análise de Wolfgang Streeck. Ao longo da crise, o executivo europeu acumulou mais e mais autoridade. Decisões-chave estão sendo tomadas pelo Conselho, pela Comissão e pelo Banco Central Europeu – em outras palavras, as próprias instituições que são ou insuficientemente legitimadas para tomar tais decisões ou carecem de qualquer base democrática.

Streeck e eu também compartilhamos a opinião de que esse esvaziamento tecnocrático da democracia é o resultado de um padrão neoliberal das políticas de desregulamentação do mercado. O equilíbrio entre a política e o mercado está fora de sincronia, às custas do Estado de bem-estar social. Onde nós diferimos é em termos das consequências a se retirar dessa situação.

Eu não vejo como um retorno aos Estados-nações que devem ser geridos como grandes corporações em um mercado global pode conter a tendência para a desdemocratização e para a crescente desigualdade social – algo que vemos também na Grã-Bretanha, aliás. Tais tendências só podem ser combatidas, no máximo, por uma mudança de direção política, provocada por maiorias democráticas em um “núcleo europeu” mais fortemente integrado.

A união monetária deve ganhar a capacidade de agir no nível supranacional. Em vista do processo político caótico desencadeado pela crise na Grécia, já não podemos nos dar ao luxo de ignorar os limites do atual método de compromisso intergovernamental.

PARA LER MAIS:

  • 17/07/2015 – Habermas: Ao pressionar Grécia, Merkel arrisca reputação alemã reconstruída no pós-guerra
  • 29/06/2015 – O governo dos banqueiros. Artigo de Jürgen Habermas
  • 17/07/2015 – Dez fatos sobre a Grécia
  • 16/07/2015 – Rendição da Grécia, miséria do euro e do capitalismo
  • 16/07/2015 – Leiloar a Grécia
  • 16/07/2015 – Grécia. “O problema é a austeridade”. Entrevista com Simon Tilford
  • 15/07/2015 – Grécia tem saída fora da rendição condicional?
  • 14/07/2015 – Grécia sai de negociações com acordo ainda mais rígido
  • 14/07/2015 – Crise política na Grécia por causa das concessões de Tsipras à Europa
  • 13/07/2015 – UE e Grécia anunciam acordo que adia crise e evita saída da zona do euro
  • 10/07/2015 – A história da dívida da Alemanha se repete na Grécia

Merkel, a menina e a ferocidade que agrada ao eleitor

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/544800-merkel-a-menina-e-a-ferocidade-que-agrada-ao-eleitor

Frau Merkel foi inundada por críticas por ter mostrado – diante de uma refugiada palestina em lágrimas – a humanidade e a empatia da senhora Rottenmeier.

A reportagem é de Silvia Truzzi, publicada no jornal Il Manifesto, 19-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Reem Sahwil tem 14 anos, chegou a Rostock, cidadezinha do extremo norte da Alemanha, há quatro anos, depois de viver em um acampamento libanês. A menina, durante um encontro em uma escola, explicou à chanceler que tem medo: tem medo de ser devolvida. “Eu não sei como será o meu futuro, porque não sei se vou poder ficar. Eu também tenho projetos, gostaria de estudar. É uma sensação um pouco incômoda ver como os outros podem viver a sua vida, e eu não.”

A resposta da senhora Merkel: “Eu entendo, você é muito simpática, mas, nos campos de refugiados palestinos noLíbano, há milhares e milhares de pessoas, e não somos capazes de fazer com que todos venham para cá”.

Reem começou a chorar, e a chanceler tentou consolá-la. Dizendo: “Tudo bem, você foi muito bem”. Como se a questão fosse a emoção por ter falado em público (e diante da prestigiada chefe do governo) e não o medo de ser expulsa.

A menina tinha acabado de dizer a uma TV local, contando a sua vida: “Eu lidei muito com a guerra e com a insegurança. Por isso, também estou feliz por estar aqui, porque é muito mais seguro. E o medo que eu tinha antes, que está sempre dentro de mim, enquanto eu estou aqui, continua diminuindo”.

Obviamente, a questão é: eu me encontro com a chefe do governo, talvez possa pedir uma mão e não vou causar uma boa impressão. Era fácil de intuir, até mesmo para quem não dispõe de uma chancelaria ou de uma licenciatura em psicologia.

O vídeo de Merkel girou o mundo (assista abaixo), com o habitual séquito de críticas, deboches, piadas, insultos. Comentários diversos: alguns pró-Angela, alguns pró-Reem, alguns espirituosos, outros abomináveis (“Esses aí nasceram chorando”). Mas, atenção, descobriu-se o seguinte: a resposta – impiedosamente realista – à la Cruella deMerkel era inútil.

O ministro para as Políticas Migratórias alemão, Aydan Oezoguz, explicou bem isso no dia seguinte. “Eu não conheço a situação da menina, mas ela fala alemão perfeitamente e vive há muito tempo na Alemanha. Precisamente para pessoas como ela, acabamos de modificar a lei, para dar, aqui entre nós, uma perspectiva aos jovens que se integraram”.

A norma já aprovada pelo Bundestag e pelo Bundesrat entrará em vigor nos próximos meses: ela prevê que jovens estrangeiros que vivem ao menos há quatro anos sem interrupção na Alemanha possam ter a permissão de permanência. A lei, em geral, vem ao encontro de todos aqueles que, há muito tempo, vivem na Alemanha, se integraram, mas não tiveram acolhido o seu pedido de asilo (atualmente, cerca de 125 mil pessoas). Fácil, não? Bastava dizer isso.

Os comentaristas também destacaram a desumanidade da chanceler rigorista. Mas não é esse o ponto: tendo que escolher entre informar a menina sobre a nova lei e reiterar o “não podemos acolher a todos”, Angela Merkel tomou o segundo caminho. Porque repetita juvant, rapazes. Porque, acima de tudo, é preciso falar para o eleitorado. Porque a obsessão é a de enfatizar primados, regras, diktats e ultimatos, até mesmo quando uma lei já aprovada pode tranquilizar uma menina assustada.

E ainda: a indignação global pelas lágrimas de Reem é facilmente compreensível. Menos compreensível é a substancial indiferença à humilhação de um povo inteiro, ocorrida apenas uma semana antes, aos gritos de “salvemos a Europa“. Quem sabe quem vai salvar a Europa da estupidez míope da ferocidade.

Assista ao diálogo de Merkel com a menina Reem abaixo:

 

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Manoki flagram novas estradas, esteiras, fazendas e lavouras dentro da terra indígena.

18 de julho de 2015 por Luiz Jacques

Em 2015, o processo administrativo que reconheceu o direito do povo Manoki ao seu território tradicional debutou. A identificação da área ocorreu em 2000. Desde 2008, quando a Terra Indígena (TI) Manoki foi demarcada, os indígenas aguardam uma assinatura da presidência da República para ver sua terra homologada, dando segurança jurídica a quem deseja ter condições de usufruir em paz de seu território e também definindo a situação dos não indígenas que exploram parte dos 206 mil hectares de floresta amazônica, no noroeste de Mato Grosso. Indenizar quem ocupou a área de boa-fé no passado, em decorrência de incentivos do próprio governo, é direito defendido também pelos Manoki. Mas, enquanto nada acontece, a situação torna mais complexa a relação entre populações vizinhas que sofrem, no campo, com carências em comum. Os maiores desmatamentos ocorridos nos últimos anos na TI Manoki concentram-se justamente na divisa com o Projeto de Assentamento (PA) Tibagi, no norte da terra indígena.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/544411-manoki-flagram-novas-estradas-esteiras-fazendas-e-lavouras-dentro-da-terra-indigena

 

A reportagem é de Andreia Fanzeres, publicada por OPAN, 08-07-2015.

“Políticos de Brasnorte estão estimulando que os assentados entrem na TI Manoki. Estão ocupando uma área e já até chamam o local de Nova Brasil”, contam os indígenas. Não é à toa, grandes incêndios têm sido registrados de forma recorrente nessa região. Os dados mais recentes de monitoramento do desmatamento e degradação florestal, aferidos pela OPAN até 2014, não deixam dúvidas.

O PA Tibagi foi criado em 1992, antes da identificação da TI Manoki. E, ainda assim, os limites da terra indígena foram definidos respeitando a existência recente do assentamento vizinho.

Lamentavelmente, o incentivo ao confronto só é vantajoso para quem tem interesse em não ver camponeses e indígenas prosperarem em seu modo de vida, pois, juntos, poderiam enfrentar desafios bem maiores. Um exemplo é o direito de serem consultados durante a fase de planejamento do potencial energético no rio do Sangue. Se construídas, as usinas dessa região poderão afogar porções relevantes da TI Manoki e do PA Tibagi.

Nas partes central e sul da TI Manoki, o resultado da falta de vontade política entristece o povo Manoki cada vez que eles registram agressões em seu próprio território. Em vez de mata, eles veem lavoura. No lugar das maiores e mais nobres árvores amazônicas, toras de madeira são arrastadas floresta afora, de forma totalmente ilegal. Onde existiam picadas, há agora estradas por onde passam tratores, esteiras e caminhões toreiros. Não há segurança para formar aldeias e a terra indígena está cheia de sedes de fazendas que se recusam a paralisar suas atividades irregulares, em afronta ao poder de fiscalização que o governo federal deveria exercer. Para os Manoki, o preço da omissão é alto: mais de 20% da Terra Indígena Manoki já viraram cinzas.

Em uma viagem de vigilância, feita em maio de 2015 por conta e risco dos indígenas com o intuito de acompanhar e registrar o que vem ocorrendo com seu território, os Manoki notaram não apenas novas áreas abertas, mas também novas fazendas, como a Elo Verde. “Antes, da estrada, não dava para ver a sede da fazenda. Agora dá. Abriram estrada nova. E pelo que estamos vendo essa estrada será uma divisa. Vão passar o correntão”, diz Sérgio Calomezoré Teodoro. As estradas, que há poucos anos eram trilhas na mata, são vias de mão dupla para caminhões pesados, carregados de madeira.

Em 2013, os Manoki se mobilizaram e destruíram pontes construídas ilegalmente pelos madeireiros sobre o rio do Sangue, utilizadas para o escoamento das toras até as serrarias. Restou, no entanto, uma sobre o rio Membeca, na divisa sul da terra indígena, rota que liga a TI Manoki ao município de Nova Maringá. Só que impedir o trânsito de carretas ali é algo que os obriga ao enfrentamento direto, o que seria um risco para todos. “Fomos até a ponte do Membeca e encontramos quatro homens armados fazendo guarda de uma porteira”, relatam os Manoki. Tiveram que retornar. “Vimos também muita tora enleirada”. Isso quer dizer que em breve haverá queimadas, usadas para abrir novas áreas para lavoura. Aliás, no mês de maio, o que chamou a atenção dos indígenas foi a extensão de áreas plantadas de arroz. “Isso aqui era um capoeirão alto. Calculamos uns 1.500 hectares só de arroz”, estima José Francisco Jomexi.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) até 2013, a área Manoki figurava no terceiro lugar entre as terras indígenas com as maiores extensões desmatadas de Mato Grosso.

Desde os anos 70, quando os Manoki deixaram o Internato Jesuítico de Utiariti e receberam do governo a posse da área onde hoje é a Terra Indígena Irantxe, eles pleiteiam o direito ao pleno uso de seu território tradicional, que guarda histórias sagradas e recursos naturais importantes para sua sobrevivência tão extensamente descritos em seu plano de gestão territorial, publicado em março de 2013. O exemplo Manoki mostra que o alinhamento às políticas públicas como a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) ou o envolvimento de terras indígenas no planejamento energético do país vêm ocorrendo sem a garantia do direito fundamental ao seu território originário. O passo que precisa ser dado de forma urgente é a homologação da terra indígena, com indenização e desintrusão da área. E abrir mão disso não está nos planos do povo Manoki.

PARA LER MAIS:

  • 01/06/2015 – Terena é baleado durante ataque de pistoleiros à Terra Indígena Cachoeirinha, em Miranda (MS)
  • 10/04/2015 – Usina ameaça demarcação de terra indígena no Tapajós
  • 17/04/2013 – Agronegócio: uma burrice insustentável. Artigo de Egydio Schwade
  • 09/04/2014 – Assembleias Indígenas: 40 anos depois segue a luta e articulação
  • 25/06/2013 – Mato Grosso, hidrelétricas e a cegueira programada
  • 02/06/2015 – Nota de repúdio contra as ameaças à Cacica Eunice Antunes da Terra indígena Morro dos Cavalos

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