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Funai

Em 42 anos na Amazônia não vi ameaça à soberania

24 de setembro de 2019 por Luiz Jacques

Possuelo, indigenista, ex-presidente da Funai.

https://exame.abril.com.br/brasil/ex-presidente-da-funai-em-42-anos-na-amazonia-nao-vi-ameaca-a-soberania

Para o indigenista Sydney Possuelo, ex-presidente da Funai, Bolsonaro é influenciado por corrente militar que se opõe a Rondon e prega a extinção das culturas indígenas

Por Vasconcelo Quadros, da Agência Pública

08 set 2019

Aos 79 anos de idade, 42 deles embrenhado na floresta amazônica, o sertanista, indigenista e etnógrafo Sydney Possuelo arrisca uma explicação para o que chama de “aversão” do presidente Jair Bolsonaro aos indígenas.

“Ele é influenciado pela Escola do Estado-Maior do Exército (Emfa) do Rio de Janeiro, que combateu muito o indigenismo”, afirmou Possuelo em entrevista à Agência Pública.

Na visão do sertanista, que foi presidente da Funai na gestão de Fernando Collor, logo após a promulgação da Constituição, o presidente Bolsonaro está alinhado a correntes militares que se  opuseram à filosofia e às práticas do marechal Cândido Rondon ao criar o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e pregavam abertamente a extinção dos índios.

“Vivemos um pensamento advindo de um homem das cavernas. O Bolsonaro quebrou a tradição dos militares dentro do que havia de positivista e humanista nas questões indígenas”, afirma o sertanista.

Para Possuelo, indigenismo e meio ambiente são inseparáveis. E vivem o pior momento com a alta de desmatamentos e queimadas no governo Bolsonaro, o que, segundo ele, deveria levar o presidente a refletir sobre os rumos de sua política para a Amazônia.

“Bolsonaro precisa ver que estamos na contramão do mundo. Hoje está feio e constrangedor falar que é brasileiro.” Para Possuelo, recusar ajuda internacional, dizer que ONGs representam perigo para a soberania ou imaginar que há um “um agente internacional escondido atrás de cada árvore da floresta para tomar a Amazônia” é paranoia e tolice. “Não tem perigo nenhum. Nossa soberania é inatacável.”

Criador do departamento que cuida de índios isolados na Funai e reconhecido internacionalmente como a maior autoridade no tema, Possuelo critica o esvaziamento da autarquia que, segundo ele, já não é mais relevante e caminha para a extinção, mesmo tendo voltado para o Ministério da Justiça. “O Moro já tinha dito que não quer a Funai e está sendo forçado a ficar com um órgão que menospreza.”

Possuelo também comenta a crise internacional provocada pelas queimadas na Amazônia – e a possibilidade de boicote dos produtos brasileiros nos mercados europeus – o que, segundo ele, pode gerar um conflito entre o presidente e seus apoiadores do agronegócio, colocando em xeque até mesmo sua permanência no cargo.

“Isso poderia até reverter o cenário atual ou, se Bolsonaro continuar nessa linha, provocar o impeachment dele.” Veja a entrevista.

Que avaliação o senhor faz do que está acontecendo na Amazônia?

Vivemos, com essas queimadas, os piores momentos da história na questão que envolve os índios e o meio ambiente, que não são separáveis. O que vemos hoje é o resultado do afã de se produzir sempre mais para atender o consumo exasperado e sem limites, como se a terra estivesse em expansão e seus recursos naturais não fossem finitos.

Essa loucura que configurou a sociedade na produção e consumo sem limites é uma das causas. É preciso dizer também que os estados amazônicos nunca tiveram envolvimento com as questões indígenas. Não conheço um só que as defenda. Eles sempre a combateram.

O Bolsonaro falou dia desses que tudo tem um preço e perguntou por que querem vir nos ajudar a combater os incêndios? É uma visão distorcida da realidade. Assim como já enviamos tropas para outros países para auxiliar em situações de emergência, também não deveríamos temer ajuda externa. Sabemos todos que a Amazônia é território nacional e está sob nossa responsabilidade.

O presidente enviou o Exército para a Amazônia e fala insistentemente em ameaças à soberania. Como o senhor vê a presença de militares no combate aos incêndios? Há algo a temer?

Não tem perigo nenhum. Nossa soberania é inatacável. Acho que há uma paranoia excessiva, longe até do que seria tolerável. Veja que curioso: o indigenismo moderno começa antes de 1910, quando Rondon criou o Serviço de Proteção do Índio (SPI) para proteger os indígenas e localizar trabalhadores rurais. E ele era um militar que, com sua visão humanista, positivista, tinha visão oposta aos militares que queriam a extinção dos índios.

Depois da morte de Rondon, sem presença militar digna e infestado por terrível corrupção, o SPI começou a degringolar e acabou fechado em 1967. Os militares extinguiram o SPI e poderiam ter ficado quietos. Mas fizeram a Funai dentro da mesma visão humanista [de Rondon] até os nossos dias. Absorvi muito da visão humanística de Rondon na Funai, que tinha meios, dinheiro, poder para demarcar e era respeitada.

Faço a retrospectiva para dizer que não entendo como vivemos essa situação de um pensamento advindo de um homem das cavernas, que é o Bolsonaro. Ele quebrou aquilo que poderia ser a tradição dos militares dentro do que havia de positivista e humanista nas questões indígenas.

O que o senhor acha que o influencia?

Não entendo o que se passa na cabeça de Bolsonaro, mas acho que ele é influenciado pela Escola do Estado-Maior do Exército do Rio de Janeiro, que combateu muito o indigenismo. Me recordo perfeitamente dos debates que tive com o presidente Collor quando o ministro do Exército [Carlos Tinoco, originário da mesma escola] se posicionava radicalmente contra a demarcação das terras Yanomami e as demais demarcações.

Passei 42 anos dentro da Amazônia e nunca vi qualquer ameaça à soberania. Seria melhor que as Forças Armadas voltassem seu olhar mais ao Sul do Brasil, onde tem um movimento real de separação do resto do Brasil. Onde se viu algum movimento separatista vindo dos povos indígenas? É melhor olhar os índios como eles são: amigos e companheiros que não representam perigo algum à nação brasileira.

Quando fiz os primeiros movimentos para demarcar a reserva dos Yanomami, Roraima era o único lugar em que, como presidente da Funai, tinha de andar com segurança por causa das ameaças.

Como eram essas ameaças?

Não se identificavam. Vinham pelo telefone, mas era movimento contrário à demarcação. Foram várias. Quando estava no hotel recebia telefonemas em que o interlocutor dizia: ‘Você está demarcando seu túmulo. Vamos te enterrar lá’.

Foi a primeira reserva contínua, incluindo a faixa de fronteira, área de segurança nacional, com ouro, minério, e que estava invadida por 45 mil garimpeiros. Retiramos mais de 43 mil garimpeiros daquela terra.

Qual foi o segredo?

Antes de me chamar, Collor mandou explodir pistas, mas não deu resultado porque eles reconstruíram e passaram a usar helicópteros. Então achamos que melhor era controlar o abastecimento. Fiz acordos com a FAB e a Polícia Federal; foi uma ação sistemática em que destruíamos tudo que encontrávamos. Não destruir [os equipamentos de madeireiros e garimpeiros] só dá poder aos invasores.

A fala do presidente [Bolsonaro], desde quando era candidato, dizendo que não demarcaria mais um centímetro de terra demonstrou aversão profunda aos índios e desconhecimento das questões da terra.

Esses milhões de hectares de áreas protegidas não são só para os índios viverem de acordo com suas tradições e cultura. Fazem parte do conjunto florestal brasileiro e são importantes para nós e para o mundo inteiro pelas implicações no clima.

Como o senhor avalia a possível abertura das terras indígenas a garimpos e mineração empresarial?

O espírito do artigo 231 da Constituição é demarcar e preservar para que os povos vivam segundo suas tradições e costumes. Não é hábito dos indígenas fazer estradas, pontes, minerar, destruir as árvores, pegar peixes e vender para fora. Quando o Estado começa a facilitar, a trabalhar a cabeça do índio para ele fazer que nem o branco, está quebrando o espírito da lei. A lei deixa implícito que o índio pode fazer faiscação, que é diferente do garimpo porque neste há o uso de máquinas e derrubada de barranco. Na faiscação pega o que está na superfície. Ainda assim, não sou favorável porque nas experiências passadas, como dos diamantes dos Cinta Larga, e a extração da madeira dos Caiapó, o que se viu foi a destruição. Vi demais isso na Amazônia. Os Yanomami viveram essa experiência danosa com a contaminação de mercúrio, que também destrói o meio ambiente. Se só estudamos cerca de 20% da biodiversidade, da microbiologia e de tudo o que há na Amazônia, estamos pondo fogo em 80% do que não conhecemos e que poderiam ser importantes para criar medicações e combater doenças.

Qual a lição dessa crise ambiental?

Os territórios indígenas representam 12,2 % da superfície do país. O que está acontecendo mostra as diferenças do que é um governo. De 1910 para cá, tínhamos demarcado 500 e poucos mil quilômetros quadrados de terra indígena. No governo Collor, em um ano, demarcamos outras 166 áreas, e chegamos a mais de 1 milhão de quilômetros quadrados. A demarcação é um ato soberano do governo do Brasil. Não tem influência nenhuma do exterior. TI [Terra Indígena] demarcada é boa para os índios, para o meio ambiente e para o Brasil e para as relações com o mundo. Éramos reconhecidos como um país que cuidava dos povos indígenas e que administrava o meio ambiente. De repente, com as queimadas, se perdeu tudo isso. Veio a barbárie. Espero que isso obrigue o governo a dar uma parada e repense as questões da demarcação, proteção dessas terras e garimpos. É o momento de o presidente refletir: ele não é um Deus, não sabe todas as coisas e, se aceitar ouvir, talvez passe a acessar elementos que possam auxiliá-lo a enxergar melhor, com a ajuda de ministros capazes de ver e sentir a questão indígena como ela é. A tragédia pode ser uma luz no fim do túnel, mas que não seja a de um trem que pode nos pegar. Ele precisa ver que estamos na contramão do mundo e que proteger nos coloca num patamar mais digno e não enfraquece a soberania. Hoje está feio e constrangedor falar que é brasileiro.

O que representam os sucessivos ataques de Bolsonaro as ONGs?

Dizer que as ONGs nacionais ou internacionais são um perigo à soberania ou que por trás de cada árvore da Amazônia tem um agente internacional querendo pegar a Amazônia é uma grande tolice. Sou favorável às ONGs. Mas acho que as que trabalham na questão indígena precisam do controle do Estado porque as terras são de propriedade da União. O Estado tem de saber o que está se passando ali. Quem tem projeto interessante apresenta e o índio dá a palavra final. Se o governo não acompanhar, vira terra de ninguém. Nesse momento o governo não só não acompanha, como também usa a Funai para procrastinar as decisões. Muitos programas não foram executados porque a Funai nunca deu resposta. Por outro lado, algumas ONGs se posicionaram contra a Funai e põem um pé lá dentro para que ela diminua sua atuação ou seja extinta. O controle do Estado é importante, mas não sob o medo de perder soberania ou de os índios se sublevarem. Ninguém vai tomar a Amazônia.

Em que uma ONG não pode atuar na relação com indígenas?

Quando presidi a Funai [1990-1992], um de meus primeiros atos foi o monitoramento do grupo isolado Zoé, no extremo norte do Pará. Vimos e deixamos eles lá. De repente norte-americanos evangélicos e seus irmãos brasileiros foram à área e fizeram o contato. Eram da ONG Novas Tribos do Brasil. Como não tinham falado com ninguém, botei todos eles pra fora. Quando pediram renovação da licença, concordei que poderiam auxiliar a Funai em tudo, menos que fizessem proselitismo religioso. Expliquei que os índios têm suas próprias crenças e a Funai, a obrigação de defendê-los. Eles então não fecharam o acordo. Me chamaram de besta do apocalipse, Lúcifer, disseram que eu representava o número 666 e que eu estava impedindo que levassem a palavra de Cristo aos índios.

Que providência a Funai deveria tomar para evitar as invasões?

Eu já teria logo declarado que em terra indígena não tem mineração, não apenas por que isso fere o espírito da Constituição, mas por afetar tradições, hábitos e costumes. Se a Funai, que é o braço do Executivo, botar na cabeça do índio que a mineração é boa, mesmo o índio não querendo, pode aceitar. Hoje o diretor é um delegado da Polícia Federal que já disse a que veio: é favorável ao garimpo. Isso é péssimo, horrível, porque destrói o índio de todas as formas.

A Funai voltou para o Ministério da Justiça, mas os cargos estão sendo preenchidos por indicações políticas da bancada ruralista e por decisão de outra pasta. É normal?

O Moro já tinha dito que não quer a Funai e está sendo forçado a ficar com um órgão que menospreza. Na concepção do atual governo, o que está acontecendo é normalíssimo. A ideia é dividir e, se possível, extinguir a Funai. Atividades como saúde, educação, produção não são mais da Funai. Ela ficou com administração de índios isolados e demarcação. A questão da terra foi separada e jogada para o agronegócio. Do jeito que a Funai está, sem recurso, sem gente qualificada, pode botar qualquer um porque nesse governo: nada vai mudar e não haverá demarcação. Pela forma das indicações se vê que ela não tem mais relevância. Foi desmontada propositalmente para servir os interesses do agronegócio. Está caminhando para a extinção.

Diante da probabilidade de novos conflitos, como enfrentar esse cenário?

Houve uma reação dos compradores do couro brasileiro, que estão deixando de importar se não comprovar que não se origina do desmatamento, queimadas e invasões criminosas. Isso pode ser o início de uma caminhada que tende a chegar na carne e na soja, o que afetaria a balança comercial, provocando uma reação do próprio agronegócio, que já está arrependido. Isso poderia até reverter o cenário ou, se Bolsonaro continuar nessa linha, provocar o impeachment dele.


Arquivado em: Relações Humanas, Tradições Marcados com as tags: Devastação étnica, Funai, Indígenas

Kokama e Tikuna recebem posse permanente de terras no Amazonas

26 de abril de 2016 por Luiz Jacques

Kokama e Tikuna recebem posse permanente de terras no Amazonas. O contraditório que ocorre à realidade do outro lado do Oceano Atlântico onde está o Sahara e o Lago Chade.

 

http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-04/indios-kokama-e-tikuna-recebem-posse-permanente-de-terras-no-acre

 

 

Portaria do Ministério da Justiça publicada na segunda-feira (25) no Diário Oficial da União declara a Terra Indígena Riozinho, localizada nos municípios de Juruá e Jutaí (AM), de posse permanente dos grupos indígenas Kokama e Tikuna.

 

Orlando Villas Boas, no centro de óculos, um guerreiro branco entre os guerreiros indígenas. http://www.sandrofortunato.com.br/

 

De acordo com o texto,  a proposta foi apresentada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) com o objetivo de definir os limites da área, identificada como sendo tradicionalmente ocupada pelos grupos indígenas Kokama e Tikuna.

 

Portarias reconhecem um total de 384.561 hectares como de posse permanente dos povos Mura, Kokama e Ticuna

 

Ainda segundo a portaria, houve uma contestação no sentido de descaracterizar a tradicionalidade da ocupação, mas a demanda foi devidamente analisada e não logrou êxito. A Constituição prevê que os povos indígenas detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

A Terra Indígena Riozinho tem superfície aproximada de 362.495 hectares e perímetro também aproximado de 461 quilômetros. A publicação estabelece que a Funai promova a demarcação administrativa do local para posterior homologação pela presidenta Dilma Rousseff.

Arquivado em: Ecologia, Globalização, Sustentabilidade, Tradições Marcados com as tags: Comunidades indígenas, Conservação da natureza, Direitos humanos, Funai, Kokama, Preservação étnica, Tikuna

Ministro da Defesa constrange antropólogos e defensores de indígenas

22 de abril de 2016 por Luiz Jacques

Ministro da Defesa constrange antropólogos e defensores de indígenas, em plena CPI da Funai.

 

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/553151-ministro-da-defesa-vai-a-cpi-para-constranger-antropologos-e-defensores-de-indigenas

 

 

Em ato voluntário, Aldo Rebelo voltou a se aliar com ruralistas para colecionar delírios que seriam inadequados para um deputado; quanto mais à sua função no governo.

 

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O comentário é de Alceu Luís Castilho, jornalista, publicado por Outras Palavras, 03-04-2016.

Eis o artigo.

No que se refere à questão agrária, tema que acompanho de perto, nenhuma vez fiquei tão constrangido ao ver a fala de um político quanto agora, ao assistir o vídeo de Aldo Rebelo na CPI da Funai, na quarta-feira. E olhem que ele tem sérios concorrentes. Tivemos o deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS) chamando índios, gays, quilombolas de “tudo que não presta”. E falas absurdas da ministra Kátia Abreu, principalmente do tempo em que era senadora; ou do líder da milícia UDR, hoje senador, Ronaldo Caiado (DEM-GO).

E por que a fala de Rebelo é pior?

Porque ele é ministro da Defesa. Suas curiosas concepções sobre “antropologia colonial” já seriam particularmente bizarras por ele se declarar comunista – ele é um dos líderes do PCdoB. Mas este é um assunto menor: que esses comunistas específicos se virem com sua consciência e com suas leituras, diante das diatribes do ex-deputado. Que se olhem no espelho e tentem encarar, depois disso, uma liderança indígena, um antropólogo sério, sem passar profunda vergonha. Agora, repito: Rebelo é ministro da Defesa.

E, por isso, sua fala é indefensável. Vejamos.

“Dos três troncos, o indígena é o mais sofrido, o mais esquecido pelo Estado brasileiro. Enquanto os outros troncos alcançaram, de certa forma, seu espaço na construção da sociedade nacional, os índios foram ficando à margem desse processo, e carregando maior as penas e o sofrimento da construção da nossa pátria. Cabe, portanto, esse registro pra que essa injustiça possa ser reparada, para que nós possamos, de forma consequente, socorrer, amparar essa parcela da nossa população. Exatamente para que ela não fique à mercê [eleva a voz] da manipulação de demagogos, da manipulação de interesses espúrios internos e externos, como, lamentavelmente, vem acontecendo.

É preciso que o Estado brasileiro ampare a população indígena do Brasil, para que organizações não-governamentais interesseiras, muitas vezes agentes do próprio Estado, agindo contra o Estado, manipulem o sofrimento e o abandono das populações indígenas. Falo, senhoras e senhores, com a experiência de quem palmilhou, nas fronteiras do Brasil mais remotas da Amazônia, as terras indígenas e quem pôde dialogar com suas populações. E de quem pôde testemunhar, exatamente, aquilo que acabo de dizer. (…)

Nossa tradição, naturalmente, não nega as violências, não nega as brutalidades, não nega as injustiças, não nega tudo que de errado nós fizemos contra as populações indígenas. Mas isso também afirma a natureza da nossa civilização de buscar incorporar, não apenas no sangue, mas na cultura, na história, na literatura, na culinária, no imaginário e na psicologia do nosso povo a presença dos nossos queridos e das nossas queridas irmãs e irmãos indígenas.

Por essa razão, senhores, é inaceitável [eleva novamente a voz] a doutrina esposada por certos setores da antropologia, principalmente da antropologia colonial, antropologia criada na França e na Inglaterra exatamente para melhor realizar o trabalho de dominação das chamadas populações aborígenes. Antropologia que depois foi incorporada pelos exércitos coloniais como parte do esquema de dominação. Essa corrente antropológica neocolonialé que procura apartar da sociedade nacional e da integração à sociedade nacional as populações indígenas. E é preciso que se denuncie com vigor e com coragem, para que o Brasil não se ponha no papel de vítima dos crimes que, de fato, ele não cometeu. Basta aqueles que nós já cometemos.

Essa antropologia que influencia estruturas do próprio Estado brasileiro, que incorpora setores importantes da nossa mídia, que incorpora setores importantes de correntes religiosas trata de estabelecer um abismo entre a sociedade nacional, entre o Brasil e as populações indígenas, contrapondo ao esforço de integração a ideia de segregação. Como se na escala evolutiva da humanidade o índio pudesse ser contido e parado nos estágios anteriores à evolução de toda a humanidade.

Tenho amigos europeus que fazem estudos em populações tribais e que descobriram, aqui na região da Amazônia, como é óbvio, uma população indígena que não sabe contar, que não domina a aritmética como qualquer povo ágrafo. Eu dizia para ele: seus antepassados também não sabiam contar. Contam no máximo 1, 2, 3 e muito. (…) O que eu perguntava para esse amigo antropólogo era o seguinte: as crianças dessa tribo devem ter o direito de aprender matemática? Ou elas devem ter negado esse direito, para que a antropologia continue dispondo de estudo de caso para registrar nas suas teses de mestrado ou doutorado? (…)

A manipulação das causas nobres e justas, como é a causa da proteção dos índios, não é a única no mundo. Ela tem paralelo com a manipulação da causa do meio ambiente. É muito parecido. As potências usam o meio ambiente, as causas indígenas, os direitos humanos, a democracia, a liberdade como usaram o anticomunismo no passado. O que era o anticomunismo? Era o pretexto para se fazer golpes de Estado, para defender interesses econômicos em função da defesa da liberdade e da democracia. Depois que o comunismo deixou de ser o pretexto, porque não era de fato ameaça, eles procuraram outros pretextos: a causa indígena é um deles, o ambientalismo é outro”.

E assim por diante, como se pode ver no vídeo. De forma voluntária, sem que o ministro Aldo Rebelo tivesse sido convidado ou convocado à CPI, instalada pelos ruralistas para combater direitos indígenas e a reforma agrária. Como porta-voz do governo, portanto?

Note-se que ele chega a combater a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em determinado momento, pergunta: “Quem é índio e quem não é índio onde tudo já se misturou?” E cita um estudo de pedologia na Universidade Federal de Viçosa que considera não existir mais ali uma civilização indígena, “mas uma civilização miscigenada”.

É como resume o antropólogo Henyo Barretto Filho, do Instituto Internacional de Educação do Brasil: “Se o governo não desautorizar de modo igualmente público e expresso tal depoimento, fica sendo essa a versão do governo sobre os povos indígenas, a política indigenista e o papel da antropologia no reconhecimento dos direitos territoriais”.

PARA LER MAIS:

  • 07/01/2015 – O latifúndio e o país de Kátia Abreu
  • 07/01/2015 – Cimi repudia declarações da ministra Kátia Abreu
  • 05/12/2013 – Ruralistas ameaçam ignorar liminar e realizar leilão de animais sábado
  • 15/06/2012 – Aldo Rebelo é a estrela em festa de ruralistas
  • 17/07/2010 – Aldo Rebelo nega aquecimento global
  • 05/02/2010 – “Aldo Rebelo entra de vez para a Bancada Ruralista’
  • 20/01/2016 – ‘Ódio e violência contra indígenas têm relação com bancada ruralista no Congresso’
  • 13/01/2016 – “O preconceito aumenta a violência contra índios”, diz presidente da Funai
  • 26/06/2015 – Violência contra os indígenas é um problema ético. Entrevista especial com Lucia Helena Rangel

 

Terça, 05 de abril de 2016

CPI revela ‘ódio’ a índios e tem ‘direção conservadora’, diz presidente da Funai

 

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/553174-cpi-revela-odio-a-indios-e-tem-direcao-conservadora-diz-presidente-da-funai

 

O presidente da Fundação Nacional do Índio, João Pedro Gonçalves da Costa, 63, afirmou que a CPI da Funai e do Incra, instalada em novembro na Câmara dos Deputados, é “um desrespeito” aos índios e antropólogos, seus integrantes fazem discursos “que externam ódio aos povos indígenas” e o grupo “vai em direção conservadora”.

A entrevista é de Rubens Valente, publicada por Folha de São Paulo, 01-04-2016.

A comissão de inquérito foi criada com o objetivo de “investigar a atuação” da Funai e do Incra “na demarcação de terras indígenas e de remanescentes de quilombos”.

Costa criticou o modo pelo qual foi discutido e aprovado na Câmara, em agosto, um projeto de lei que obriga a Funai a recorrer a todos os meios para proteger crianças, adolescentes, idosos ou portadores de deficiências indígenas ameaçados por integrantes da própria etnia.

Ex-deputado estadual, ex-vereador e ex-suplente de senador pelo PT do Amazonas, Costa assumiu o cargo em junho passado.

Eis a entrevista.

Qual foi o corte do orçamento da Funai para 2016?

O que saiu do Congresso foi um orçamento de R$ 139 milhões. Já saiu R$ 5 milhões a menos [do total executado em 2015]. Aí vem o ajuste do governo, em torno de 20%, em fevereiro e março. Mas estou me preparando para uma contraofensiva, na janela que se abre no final de março, para a suplementação de crédito. Eu vou fazer uma justificativa no sentido de nós repormos o orçamento. Este orçamento não responde às demandas em nível nacional. Nós cairíamos para R$ 113 milhões.

Quais as áreas mais atingidas?

Não há uma área mais atingida. Tem uma redução [linear]. Todas as nossas diretorias vão sofrer com esse corte. […] O que nós poderíamos trabalhar para 20 terras, vamos ter que fazer 15, fazer menos. Temos condições de apresentar ao governo, ao Ministério da Justiça, ao Planejamento, e dizer, ‘olha, esse orçamento está muito pequeno. É o menor orçamento dos últimos quatro anos’.

O orçamento já vem em queda?

Vem em queda. Se você pega de 2010 para cá, ele vem diminuindo.

A que o sr. Atribui isso?

Primeiro, não podemos desconhecer a crise. Agora, eu na condição de gestor da Funai e por conta do que precisamos fazer, vamos ter que melhorar o orçamento. Estamos vivendo um momento em que a Funai precisa estar verdadeiramente ao lado dos povos indígenas. Temos ações importantes, mas a fundamental é definir terras para os povos indígenas.

O sr. Concorda que a Funai vive um processo de esvaziamento nos últimos anos?

Eu discordo dessa avaliação. Acho que temos sofrido cortes orçamentários, mas é preciso que mudemos essa situação. Nós saímos de uma conferência indígena, em dezembro, que acumulou muita força política. A presidente Dilma esteve lá e assumiu o compromisso com os povos indígenas.

Em 2012, a força de trabalho total na Funai era de 3.133 servidores. Em 2013, 2.946. Em 2014, 2.769. Quantos são hoje?

Em torno desse número. Mas nós temos 512 servidores aptos à aposentadoria. Nós vamos ter um concurso em maio para 220 vagas, podemos chegar a 300, para nível superior. Espero que os concursados sejam chamados com a urgência que nós precisamos.

Esses números não mostram esvaziamento da Funai?

São números que mostram uma redução, mas eu discordo desse termo esvaziamento ou qualquer coisa deliberada para essa situação de diminuir a Funai. A Funai continua sendo uma instituição atual, nós precisamos da Funai e precisamos ampliá-la, fortalecê-la.

O sr. Citou “verdadeiramente” ao lado dos indígenas por quê? Não está ao lado ou está pouco?

Estamos vivendo uma pressão muito grande contra os povos indígenas. Temos que reafirmar o compromisso de governo e de Estado. O que está acontecendo dentro do Congresso Nacional, com todo o respeito ao Congresso, mas algumas PECs, algumas iniciativas… A CPI que foi instalada contra a Funai e o Incra… É uma CPI que vem no sentido de desqualificar os relatórios antropólogos, os trabalhos da Funai. É uma CPI que tem uma estratégia, uma movimentação, no sentido de negar direitos aos povos indígenas. Principalmente negar direito à terra. É uma CPI que vai nessa direção que é conservadora. Este é um caminho dentro do Congresso, na CPI, que tenta negar a presença de mais de 300 povos indígenas no Brasil.

Com que objetivo?

Ela [CPI] tenta negar terras, direitos, a ancestralidade, a tradicionalidade dos povos indígenas. O que acontece em Mato Grosso do Sul é um absurdo, é uma vergonha ao Estado democrático de direito. Nós temos lá em torno de 50 mil índios guaranis e terenas. Como nós podemos aceitar um Estado tão promissor, tão rico na produção de grãos, no turismo, e negar direitos ancestrais a 50 mil índios? Isso depõe contra o Brasil, isso fere a nossa democracia. Que tenha produção [agrícola], mas que tenha as terras indígenas do povo guarani. O Brasil já tem em torno de 13% de terras indígenas mas esse é um número que foi alcançado com muita luta, com muitas vidas. […] Não podemos desconhecer que há uma dinâmica mais recente da monocultura no Brasil. Ela faz uma pressão violenta contra as terras indígenas, […] de impedir o reconhecimento das terras indígenas. A CPI tem uma ligação, por conta das falas, de desqualificar os relatórios antropológicos. Os antropólogos têm sofrido nesse ambiente da CPI. É um desrespeito. Como com a Funai. Nós estamos desde outubro respondendo à CPI. Parte das nossas horas de trabalho agora é respondendo à CPI.

O senhor recebeu algum pedido de informações absurdo ou desproporcional?

Principalmente porque a CPI está sem um marco temporal. Ela quer analisar tudo. Você imagina ter que voltar [no tempo] para dizer quantas lideranças indígenas vieram a Brasília para as reuniões na Funai. Tem esses pedidos absurdos. Querem ver as passagens de avião, os hotéis em que ficaram as lideranças indígenas. Isso é uma forma de constranger os povos originários desse país. Não há respeito com os povos originários. Nós estamos respondendo. […] Considero as audiências que já aconteceram um total desrespeito aos trabalhos técnicos [da Funai]. Perguntas constrangedoras que até me recuso a repetir. Querendo envolver a vida pessoal de técnicos que já trabalharam nas terras indígenas. Isso é um absurdo.

O senhor entende que a CPI não tem como alvo a Funai e o governo, mas o índio?

Essa é a minha opinião. Ela é para constranger, criar uma pressão, uma situação política para que não haja demarcação das terras indígenas e políticas públicas de reconhecimento e de ampliação dos direitos dos povos indígenas. É só olhar os discursos, a forma em algumas falas, que externam um ódio aos povos indígenas. Nós não vamos, evidentemente, nos calar ou nos intimidar frente a essa situação. Nós vamos enfrentar, fazendo um debate qualificado. Mas é inaceitável essa articulação política dentro do Congresso Nacional contra os povos indígenas.

Essa articulação passa pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha?

A CPI compõe a agenda conservadora do presidente Eduardo Cunha, tem a digital do presidente. Saiu em 2015 em lei –ela continua tramitando, foi para o Senado e eu espero que o Senado repare– a lei do infanticídio. A forma como a lei saiu, a partir de denúncias, de vídeos que já comprovadamente foram registros falsos, imprecisos, para se fazer uma lei contra ritos dos povos indígenas. Ora, a Constituição garante o respeito à tradicionalidade dos povos indígenas. Eu não quero negar o direito de o Congresso Nacional refletir, mas nós temos que fazer isso com muita profundidade, ouvindo antropólogos, estudiosos e os povos indígenas. Como se faz uma lei sem ouvir os caciques, sem ouvir os pajés, sem ouvir a tradicionalidade dos povos indígenas?

Como balancear isso com o direito à vida das crianças?

Pois é, nós precisamos de mais estudo, mais tempo, como se faz uma lei num prazo de um ano? E o caminho que saiu é o da punição, da criminalização. O Estado precisa estudar, aprofundar, dialogar para fazer uma lei justa e democrática. Mas criminalizar?

Mas o sr. Considera a hipótese de o Estado poder intervir no caso de uma morte iminente de uma criança?

Não se trata só de morte. Se trata dos rituais indígenas. Se quer punir os rituais. Foi um vídeo que levou um conjunto de deputados a fazer uma lei a toque de caixa, sem ouvir os povos indígenas. Eu estou chamando a atenção para isso. Precisamos ter cautela mas ter um diálogo e uma reflexão profundos sobre a realidade dos povos indígenas que vivem no país.

O senhor pensa em rever o plano de reestruturação de 2010 que reduziu a presença da Funai nas áreas indígenas? Acha que houve erros?

Tivemos um ano de muitos debates, tanto dos servidores como das lideranças indígenas, para olharmos essa experiência da reforma que a Funai sofreu […] Precisamos reavaliar essa experiência.

Quais os pontos positivos e negativos?

Precisamos fazer esse balanço com todos. […] Precisamos rearrumar a presença da Funai para ser mais justo e mais eficiente com a política indigenista.

Para ler mais:

  • 19/06/2015 – Novo presidente da Funai promete acelerar demarcação de terras indígenas
  • 13/01/2016 – “O preconceito aumenta a violência contra índios”, diz presidente da Funai
  • 07/01/2016 – Povos Indígenas 2016: Cenários de muitas lutas
  • 09/12/2015 – O Brasil indígena se mobiliza
  • 16/10/2015 – Guarani e Kaiowá – Os condenados desta terra

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INDÍGENAS-Dilma reduz estrutura da Funai e tem menor demarcação de terras desde 1985.

23 de fevereiro de 2015 por Luiz Jacques

No momento em que aumentam as pressões no Congresso contra as reivindicações indígenas por mais terras, a Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja missão é proteger e promover os direitos dessa população, vive um processo de enfraquecimento no governo Dilma Rousseff. A presidente encerrou o primeiro mandato com a menor área de terras indígenas demarcada desde a redemocratização e começou o segundo período no Palácio do Planalto sem indicar mudança no desinteresse pelo órgão.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/540046-dilma-reduz-estrutura-da-funai-e-tem-menor-demarcacao-de-terras-desde-1985

 

A reportagem é de Roldão Arruda, publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 19-02-2015.

Há 20 meses, a Funai está sob comando interino. Desde que a demógrafa Marta Azevedo pediu demissão, em junho de 2013, Dilma não nomeou oficialmente nenhuma pessoa para o cargo. O atual presidente interino, Flávio de Azevedo, é um procurador vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU) que prestava serviços à área jurídica da Funai até outubro, quando assumiu o posto temporário.

Dilma mantém há 20 meses a Funai com presidente interino. Primeiro mandato da presidente terminou com a menor área de terras indígenas demarcada desde a redemocratização

Para organizações que atuam na defesa dos indígenas, essa situação é mais uma demonstração do desinteresse de Dilma pelo órgão. A presidente é a que manteve a fundação sob comando interino pelo período mais longo desde sua criação, em 1967. Nesses 48 anos, a Funai teve 33 presidentes – média de 1 ano e 4 meses de mandato para cada um. Nos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a instituição teve dez presidentes. Com Luiz Inácio Lula da Silva, foram três.

Na avaliação de Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o enfraquecimento da Funai está se agravando. “A manutenção de interinos no cargo de presidente é um dos reflexos mais visíveis desse processo”, disse. “Existem enormes pressões políticas para que não sejam aprovados relatórios de delimitação e demarcação de novas terras, uma das principais responsabilidades do presidente da Funai. Como ele pode levar adiante essa função se está interino no cargo?”

Esse enfraquecimento da Funai apontado pelo dirigente do Cimi ocorre em paralelo à maior pressão no Congresso para aprovação de uma emenda constitucional que delega ao Legislativo o poder de demarcar terras indígenas. Hoje, essa prerrogativa é exclusiva do Executivo.

No governo Dilma, essa atribuição foi pouco efetiva. A petista homologou em quatro anos a criação de 11 terras, um total de 2 milhões de hectares, mais baixa marca dos governos pós-ditadura militar. Em metade do tempo, Itamar Franco homologou 16 áreas e 5,4 milhões de hectares.

Quedas

Para Buzatto, outros indicadores de enfraquecimento são a redução do quadro de funcionários, especialmente os que atuam nas demarcações, e do orçamento. Segundo a Funai, o quadro de funcionários permanentes caiu de 2.396 em 2010 para 2.238 em 2014. O grupo dedicado à delimitação e demarcação de terras foi reduzido de 21 para 16 funcionários fixos. O número de antropólogos na equipe baseada em Brasília baixou de seis para dois.

O encolhimento também é visível no orçamento. Em 2013, a verba da Funai (a soma de custeio e investimento, em valores já corrigidas pela inflação) chegou a R$ 174 milhões. Em 2014, segundo o órgão, foram R$ 154 milhões.

Fora isso, hoje há 13 processos de demarcação parados no Ministério da Justiça, onde precisam de uma Portaria Declaratória para seguirem tramitando no governo. Outros 21 processos de demarcação já estão na mesa de Dilma, à espera da assinatura da presidente. Segundo levantamento da Assessoria Especial de Participação Especial, essas terras indígenas totalizam 1,4 milhão de hectares.

Para André Villas-Bôas, secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA), o esvaziamento da Funai começou no governo Lula e se agravou com Dilma. “Diante de obras como as hidrelétricas que estão sendo construídas e que afetam populações indígenas, o óbvio teria sido o fortalecimento de instituições que cuidam dessas populações. O que se vê é o oposto, com licenciamentos a toque de caixa e desenvolvimento a qualquer preço.”

 

Milícia anti-indígena sequestra e tortura jovem Kaiowá em Naviraí (MS)

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/540049-milicia-anti-indigena-sequestra-e-tortura-jovem-kaiowa-em-navirai-ms

 

Segundo denúncia realizada junto ao Ministério Público Federal (MPF), na manhã do último dia 7, um jovem Kaiowá de 17 anos foi sequestrado por um grupo armado, nas imediações de Naviraí (MS), e submetido a sessões de tortura – espancamentos e pressão psicológica. O indígena vive em acampamentos que compõem a Terra Indígena Santiago Kue, localizados às margens da BR-163, trecho que liga as cidades de Juti e Naviraí.

A reportagem é de Matias Rempel, publicada por Cimi, 19-02-2014.

Tal contexto reforça a existência de milícias armadas com intuito de atacar comunidades indígenas e suas lideranças. Não é a primeira vez que tais indícios reforçam algo que já não é mais uma tese, mas possui elementos concretos. A finalidade desses bandos criminosos é a de impedir os indígenas de terem acesso a seus territórios tradicionais, sobretudo aqueles já demarcados ou identificados pela Funai.

Segundo o relato que acompanha a denúncia, o relógio marcava 11 horas da manhã quando o jovem Kaiowá voltava da cidade de Naviraí, caminhando ao longo da BR-163, após a jornada cotidiana de trabalho. Quando passava pelo trecho que fica em frente à fazenda conhecida na região como “Central”, próxima ao posto da Polícia Rodoviária Federal, foi abordado violentamente por um grupo armado constituído de aproximadamente 20 homens, que estavam em um comboio composto por duas caminhonetes Hilux, uma preta e uma branca, quatro carros populares e mais duas motos.

Com os veículos, rapidamente os jagunços cercaram o jovem, que ficou sem nenhum poder de reação ou possibilidade de fuga. Os jagunços lhe mostraram as armas, que portavam na cintura. O jovem então foi levado por cerca de 01 Km para dentro das terras pertencentes à fazenda Central. Atrás de uma pequena picada de mato, com acesso a uma barragem, o grupo estacionou. Os jagunços fotografaram o rosto do indígena e passaram a lhe indagar a respeito do nome e aparência das lideranças da aldeia Kurupi.

Sob terror e tensão, o jovem Kaiowá apenas afirmava que não pertencia a referida comunidade. Era o que conseguia dizer. Os jagunços então passaram a espancá-lo e apontaram contra ele o cano das armas, mandando por mais de uma vez que se ajoelhasse para ser executado. De tempo em tempo, apontavam para a barragem dizendo ao indígena que o atariam às pedras e assistiriam a seu afogamento. A violência era para o Kaiowá “cooperasse”. O martírio durou mais de seis horas. Após muitas outras juras de morte, incluindo as lideranças Kaiowá da região, o jovem foi deixado no local. O bando criminoso evadiu-se.

Jagunços monitoram e atacam

O histórico de violência contra as aldeias do entorno de Naviraí evidencia que o atentado não foi por acaso, e nem se tratou de uma ação isolada. Pelo contrário, é infelizmente uma ação padrão de jagunços contratados pelos fazendeiros da região. Tudo indica que existe de fato um grupo que há tempos está constituído como uma milícia armada e que tem rondado a região para impedir o avanço dos indígenas na retomada de seu território tradicional.

Segundo narram indígenas que pedem para não serem identificados, os jagunços têm realizado um forte cerco intencional sobre as comunidades. Observam em piquetes na estrada, sobretudo próximo ao posto da Polícia Rodoviária Federal, a movimentação em toda a região. Do monitoramento resultam tais ações criminosas. Os indígenas afirmam que os jagunços sondam cotidianamente todos os integrantes da aldeia e dos acampamentos que ficam no entorno da fazenda Central. Monitoram e investem contra os indígenas.

A comunidade de Kurupi há tempos vem denunciando, sem efeito, os atentados sofridos. Em outubro do ano passado, houve a tentativa de sequestro de um indígena cadeirante por parte dos jagunços. Leia mais aqui.

A região apresenta diversos casos de ataques e inclusive torturas realizadas contra indivíduos e comunidades indígenas. Os Kaiowá denunciaram estes fatos e ao mesmo tempo solicitaram que as autoridades solicitassem a força policial para fazer ronda no local. O intuito é garantir um pouco de segurança para as comunidades. Nada foi feito até o momento.

Em outubro do ano passado, o Cimi denunciou uma onda de ameaças advindas de fazendeiros da região com o intuito claro de desmobilizar a luta dos indígenas pela reconquista de seu território tradicional – áreas de onde os indígenas foram sistematicamente expulsos por estes mesmos fazendeiros e familiares no passado. Leia mais aqui.

Sem leilões, mas com milícias

Em meados de 2013, começou a circular de forma aberta e pública a informação sobre a realização dos “Leilões da Resistência”, organizado por fazendeiros e sindicatos rurais do Estado do Mato Grosso do Sul. Os organizadores anunciavam orgulhosos que os fundos arrecadados com a venda de gado seriam utilizados para a contratação de segurança privada e compra de armamentos. A Justiça entendeu o leilão como uma forma de injetar recursos em formação de milícia.

A revoltante iniciativa gerou uma onda de denúncias e de grande mobilização por parte do movimento indígena e de seus apoiadores. Por decisão judicial, a realização do leilão foi impedida. A despeito da decisão, os fazendeiros o realizaram. Todavia, a decisão foi a de que o montante arrecadado, cerca de 1 milhão de reais, fosse depositado em juízo e com a utilização vinculada a aprovação das comunidades indígenas.

Pode-se dizer que esta fundamental medida conseguiu brecar a face pública da formação das milícias anti-indígenas, porém trata-se de um ledo engano acreditar que a Justiça conseguiu impedir que na prática, no submundo das ações criminosas, os fazendeiros e ruralistas, dotados de grandes poder econômico, oriundos, sobretudo, da exploração ilegal das terras indígenas, continuem com a arregimentação de jagunços para consolidar a expulsão dos povos originários dos seus territórios tradicionais por meio da força. Chamam a isso de segurança privada.

O caso ocorrido em Santiago Kue é uma boa demonstração de que as milícias continuam sendo formadas e patrocinadas pelos senhores do agronegócio. Conforme apuração da Procuradoria Geral da República (PGR) de Ponta Porã, o assassinato de Nísio Gomes Guarani Kaiowá se deu sob tais circunstâncias. Sob a roupagem de seguranças privados, os fazendeiros continuam organizados. Soma-se a isso a política do governo federal de paralisação das terras indígenas e a intenção da mudança do procedimento de demarcação. Dessa forma, sentem-se os inimigos dos povos indígenas livres para praticar verdadeiros absurdos contra a vida, o bom senso, a Justiça, a democracia e o Estado Democrático de Direito.

Como tudo indica, nas bordas de Naviraí, uma destas milícias armadas domina geograficamente a região habitada secularmente pelo povo Kaiowá, e de onde estes jamais sairão. Praticam abertamente o terror impedindo os indígenas até mesmo de exercerem o direito de ir e vir. Fazem isso a todo momento, inclusive em plena luz do dia. Estão impunes. Espera-se que com mais este episódio de violência, que por sorte não acabou com mais um assassinato entre tantos contabilizados junto aos povos indígenas, medidas sejam efetivamente tomadas com intuito de livrar da morte aqueles que só buscam a vida e a sobrevivência física e cultural de seus filhos e filhas.

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INDÍGENAS-‘A Funai está sendo desvalorizada e sua autonomia totalmente desconsiderada’, diz ex-presidente.

2 de fevereiro de 2015 por Luiz Jacques

Maria Augusta Assirati foi presidente interina da Fundação Nacional do Índio (Funai) por um 1 ano e 4 meses, tempo em que ela diz ter vivido com “grande descontentamento e constrangimento”. Na gestão que menos demarcou terras desde José Sarney, ela aponta a interferência política do governo Dilma Rousseff como a maior responsável pela paralisação do trabalho técnico do órgão indigenista. “A orientação é no sentido de que nenhum processo de demarcação em nenhum estágio, delimitação, declaração, ou homologação, tramite sem a avaliação do Ministério da Justiça e da Casa Civil”.

 

http://www.ecodebate.com.br/2015/01/28/a-funai-esta-sendo-desvalorizada-e-sua-autonomia-totalmente-desconsiderada-diz-ex-presidente/

 

Por Ana Aranha, de A Pública

Na primeira entrevista desde que deixou o cargo, Maria Augusta Assirati fala sobre a interferência política no órgão indigenista, liderada pela Casa Civil e pelo Ministério da Justiça. E revela a manobra do governo para licenciar a usina de São Luiz do Tapajós

Assirati ao lado do ministro José Eduardo Cardozo, do Ministério da Justiça, ao qual a Funai responde. Ela descreve como a interferência política segura o trabalho técnico do órgão indigenista: “nada mais, nesse momento, depende apenas da Funai”. Foto: Agência Brasil

Na primeira entrevista desde que saiu, em outubro, ela fala sobre o estopim para o seu pedido de exoneração: uma manobra para licenciar a usina de São Luiz do Tapajós, que pode alagar terra Munduruku (leia mais na nossa reportagem). Depois de analisar o caso e se comprometer com os indígenas a publicar o relatório que delimita a terra, Assirati diz que foi obrigada a voltar atrás. “Nós tivemos que descumprir esse compromisso em razão da prioridade que o governo deu ao empreendimento. Isso é grave”.

A ex-presidente da Funai fala sobre como tentou apresentar uma alternativa, propondo que se selecionasse outro local para a obra. Mas o governo não teria considerado a solução satisfatória, pois o setor elétrico indicava que o leilão precisava ser lançado ainda em 2014.

De fato, em setembro, o Ministério de Minas e Energia anunciou o leilão da usina de São Luiz do Tapajós. Mas dias depois teve que adiar para uma data não definida, pois o licenciamento da hidrelétrica ainda não estava concluído. A “culpa” do atraso não foi da Funai ou do Ibama. Faltava a conclusão do Estudo de Componente Indígena, avaliação de impactos que é feita pelo grupo de empresas interessadas em construir a hidrelétrica: Eletrobras, Eletronorte, GDF SUEZ, EDF, Neoenergia, Camargo Corrêa, Endesa Brasil, Cemig e Copel.

Hoje com 38 anos, Assirati é formada em direito e trabalhou em gestões municipais do PT em São Paulo. Foi para Brasília em 2007 para integrar a mesa de negociações com servidores públicos do Ministério do Planejamento. Desde então passou pelo Ministério da Saúde, Justiça e Secretaria-Geral da Presidência, sempre em áreas ligadas à interlocução com movimentos sociais.

Deixou a Funai em 1o de outubro de 2014, nove dias depois de uma tensa reunião com lideranças Munduruku sobre a terra indígena que pode ser alagada pela usina de São Luiz do Tapajós. Nesse encontro, ela disse aos indígenas que não poderia encaminhar a demarcação porque a hidrelétrica é prioridade de outros setores do governo. Hoje vive em Portugal, onde faz um curso de doutorado em Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI.

maria_augusta_assirati_edisonbuenofunaiEm setembro, o Ministério de Minas e Energia anunciou o leilão de São Luiz do Tapajós antes que a Funai pudesse dar seu parecer sobre a usina. Como interpretou esse ato?

Como uma completa desconsideração da presença dos indígenas na área de influência do empreendimento e dos seus respectivos direitos, além de uma desconsideração com o trabalho do órgão indigenista.

A Funai fez um parecer técnico apontando a usina como inconstitucional. Por que esse parecer ainda não entrou como documentação do processo de licenciamento?

A Funai não chegou a emitir o parecer sobre a licença previa de Tapajós, mas houve esse documento da equipe técnica. Assim que concluído o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), expusemos nossa posição institucional, que corrobora esse parecer da equipe técnica. O EIA aponta que um dos impactos é a supressão por alagamento de áreas dentro da terra indígena. Como o alagamento foi identificado, o empreendimento dependeria de remoção da comunidade indígena, o que é proibido pela Constituição Federal. No entanto, o Ministério do Planejamento e o Ministério de Minas e Energia alegam que não há terra indígena ali.

Por que o relatório de delimitação da Sawré Muybu, a terra que seria alagada pela usina, nunca foi publicado pela Funai?

O processo foi levado à consideração do Ministério da Justiça e Casa Civil, que, em virtude da usina, acreditam que a demarcação tem que ser discutida mais profundamente e com outros órgãos de governo.

Em reunião com os munduruku, a senhora revelou que a usina impedia a demarcação e disse que só permanecia no cargo porque acreditava em uma solução para o caso. Mas, nove dias depois, deixou a presidência da Funai. O que esse caso significou para a senhora? Foi o estopim para a sua saída?

A solução que, do ponto de vista da Funai, garante o respeito à legislação brasileira e os direitos indígenas daquele povo [Munduruku] foi descartada pelo governo

Essa reunião foi um momento muito duro para todos nós: para os indígenas, para nós da Funai, e para mim, pessoalmente. Nós, como Funai, havíamos assumido um compromisso com os Munduruku no sentido da publicação do relatório [de delimitação da Sawré Muybu]. E nós tivemos que descumprir esse compromisso em razão da prioridade que o governo deu ao empreendimento. Isso é grave. Uma situação como essa fragiliza a confiança que deve pautar as relações com os indígenas. Eles já foram muito enganados, por mais de 500 anos. Uma relação de confiança não se constrói só com palavras, exige compromisso e coerência. Por isso procurei explicar a eles o que estava acontecendo, dizer como estávamos buscando solucionar essas questões e quais seriam os próximos passos. Mas a solução que, do ponto de vista da Funai, garante o respeito à legislação brasileira e os direitos indígenas daquele povo foi descartada pelo governo naquele momento. Espero que ela possa ser reconsiderada nesse segundo governo Dilma.

Qual foi a solução apresentada pela Funai?

Solicitei que fossem apresentadas alternativas locacionais para a barragem, que o setor elétrico indicasse outros locais possíveis para a construção, onde a comunidade não fosse afetada dessa forma. A aldeia é uma área de habitação permanente daquela comunidade munduruku. Além do grave impacto que isso geraria aos indígenas, há também um entrave jurídico. Adverti sempre que a remoção daquele local é uma situação que o nosso ordenamento jurídico proíbe. 

Como a proposta de mudar o lugar da barragem foi recebida?

Não foi considerada como uma solução satisfatória tendo em vista que, segundo o setor elétrico, havia necessidade de realizar o leilão em 2014.

Quem são os representantes do governo federal que defendem o projeto da usina mesmo com o alagamento de uma terra indígena?

É um projeto prioritário do PAC, essas prioridades são definidas junto ao Palácio. Além do setor elétrico, há uma dedicação especial do Ministério do Planejamento. Como é um projeto caro à própria presidenta, vira um projeto prioritário para todo o centro de governo.

Como o governo federal pretende driblar a Constituição?

Como presidenta da Funai quando no governo e como ex-presidenta e cidadã hoje, eu não acho que a Constituição tem que ser driblada. Acho que tem que ser respeitada, e o parágrafo 5º do artigo 231 diz: “É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, garantido o retorno imediato logo que cesse o risco”. Essa proibição foi expressamente colocada na Constituição para evitar que qualquer interesse se sobreponha ao direito dos indígenas de viverem em suas terras e impedir que fossem removidos sob quaisquer pretextos, como era permitido antes de 88. Hoje uma remoção forçada é mais difícil, justamente porque há uma proteção normativa.

Como o governo planeja viabilizar a usina apesar desse impedimento constitucional?

O parágrafo 3º do artigo 231 diz que o aproveitamento dos recursos hídricos em terras indígenas só pode ser efetivado com “autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados”. Como não há lei regulamentando isso, há quem ache fundamental a proposição de um projeto de lei dizendo como se dará a exploração desses recursos dentro de terra indígena.

Eu acho que isso vai ser muito prejudicial nesse contexto político em que está em curso a mais grave ofensiva aos povos indígenas pós-democratização. Regulamentar nesse momento é afirmar que os recursos naturais são mais importantes que os próprios indígenas. E pergunto: os povos indígenas serão consultados sobre isso? Terão participação nesse debate? Depois, mesmo que regulamentado esse parágrafo, a vedação do parágrafo 5º continuará existindo e, portanto, proibindo que os Munduruku sejam removidos.

Está em curso a mais grave ofensiva aos povos indígenas pós-democratização

Essa tentativa de mudança é um caso isolado? Como ela se assemelha ao PLP 227 (projeto que regulamenta situações em que não-índios podem explorar terras indígenas)?

Tudo isso vem no bojo dessa ofensiva anti-indígena: PEC 215 [pretendia transferir ao Legislativo a decisão final sobre a demarcação], regulamentação de artigos da Constituição, mudanças no procedimento de demarcação. Quando estava na Funai apresentamos uma nota técnica manifestando nossa posição contrária a esse projeto e as razões. Esse PLP cria situações que reduzem as possibilidades de demarcação de terras. Só por isso já é impróprio.

Há ainda a portaria 303 da Advocacia Geral da União (estende para todas as demarcações as condicionantes criadas em Raposa Serra do Sol, como por exemplo proibir a extensão de terras já demarcadas). Qual o contexto político em que essa norma foi aprovada?

Um dia cheguei para trabalhar e essa portaria estava publicada no Diário Oficial. Não tive acesso a nenhuma informação prévia à aprovação, pois sequer sabia que a AGU tomaria uma medida como essa. Não sei se foi discutida com alguém ou com algum órgão de governo antes da publicação. Ela afeta muito negativamente os direitos territoriais indígenas. Inclusive diz que haveria revisão de processos de demarcação já concluídos. Isso é um absurdo político e jurídico.

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O governo Dilma foi o que menos demarcou terras desde José Sarney. Como a senhora viveu isso na presidência da Funai?

Com grande descontentamento e constrangimento. Acho esse número lastimável para um governo que se diz democrático e que teve um importante apoio de setores populares.

Acho esse número [de demarcações] lastimável para um governo que se diz democrático

Caiu também o número de delimitações de terras indígenas, processo que depende apenas da Funai. Há orientação para que o órgão segure esses processos?

A orientação é no sentido de que nenhum processo de demarcação em nenhum estágio, delimitação, declaração, ou homologação, tramite sem a avaliação do Ministério da Justiça e da Casa Civil. Isso é, nada mais, nesse momento, “depende apenas da Funai”.

O governo Dilma está operando um processo de desconstrução da Funai?

O que sei é que a Funai está sendo desvalorizada e sua autonomia totalmente desconsiderada. Ela precisa ser fortalecida, e ter o mínimo de condições para sua sobrevivência e bom funcionamento. Não tem recebido a atenção que merece do ponto de vista administrativo e político. Não foi realizado ou sequer aprovado um concurso público, o orçamento é insuficiente. Sob o aspecto político-institucional, esse apoio também não vem. A Fundação segue com um dirigente interino enquanto ruralistas afirmam publicamente que os processos da Funai são fraudulentos, o que é uma grande calúnia, e não há defesa por parte de setores importantes do governo.

Em 2013, a então ministra-chefe da Casa Civil Gleisi Hoffmann pediu a suspensão de demarcações com base em estudo da Embrapa. Logo depois o governo anunciou que demarcações seriam submetidas a outros órgãos. O que essa mudança significa?

A Funai já tem a prerrogativa de consultar outros órgãos e já faz isso sempre que necessário. Isso não sou eu que digo, basta olhar os processos: consulta-se o Incra, a Fundação Palmares, o ICMBio, o Ibama, o Iphan. Mas não vejo como a imposição da obrigatoriedade de consultar outros órgãos, como o Ministério da Agricultura, a Embrapa e o Planejamento pode contribuir para concluir um estudo de identificação de terra indígena. Que elementos técnicos imprescindíveis esses órgãos podem produzir acerca da identificação de um território tradicional ou de sua delimitação? Sua participação, em meu entender, seria de ordem política, com vistas à defesa de interesses que estão fora do âmbito dos direitos constitucionalmente garantidos aos povos indígenas. 

Ou o governo olha com respeito para a Funai e para a importância de sua missão, ou deixará claro que não se importa nem se responsabiliza pelo futuro dos povos indígenas no Brasil.

Como a Constituição mudou os processos de demarcação?

Antes das atuais garantias constitucionais, a Funai fazia o estudo de identificação com base em elementos técnicos, apresentava uma delimitação e esse trabalho era submetido a uma apreciação de um colegiado, que ficou conhecido como “grupão”. Em Brasília, o “grupão” definia, segundo critérios políticos, qual seria o limite da terra indígena. Mas, com os parâmetros estabelecidos a partir de 88, isso é impensável.

Como é hoje?

A partir da Constituição de 88 e da atual legislação, os processos se aperfeiçoaram e se sofisticaram. As esquipes se especializam continuamente, há profissionais competentes nessa área. Claro que se pode colocar em análise algum aspecto jurídico, para isso há análise pela AGU e Ministério da Justiça. A legislação também prevê um prazo para que qualquer interessado conteste, apresente novos elementos e questione aspectos técnicos e jurídicos. Ao fim, quem decide sobre a declaração da área como terra indígena é o Ministro da Justiça. Caso precise de novos elementos, ele ainda pode solicitar a realização de diligências. E, depois disso tudo, ainda há uma análise da Casa Civil. Portanto, a legislação atual já traz instrumentos suficientes para a efetivação segura de um processo de demarcação.

Qual será o impacto dessa série de mudanças propostas pelo governo?

Uma efetiva política indigenista pública precisa de um órgão plenamente capaz de coordená-la e implementá-la. Hoje, a ação indigenista ainda não faz parte da preocupação e atuação de um grande número de órgãos públicos, federais, estaduais e municipais. Isso significa que, em certos casos, se a ação da Funai não chegar aos indígenas, nenhuma outra ação pública vai chegar a eles. Por isso, o desempenho da Funai é fundamental para a sobrevivência de muitos indígenas. Um funcionamento inadequado pode significar perdas irreparáveis. A desconsideração de comunidades indígenas por parte do Estado pode permitir ou acarretar a perda de vidas indígenas, ou até o desaparecimento de todo um povo indígena, o que equivale a um genocídio.

A Secretaria-Geral da Presidência coordena o processo de consulta aos Munduruku sobre as usinas no rio Tapajós. As demandas dos indígenas estão sendo ouvidas?

Não dá para fazer consulta como se ela fosse mera etapa burocrática ou obrigação processual apenas. O que está em questão são vidas que serão modificadas para sempre em função dessa intervenção [usinas]. Não dá para encarar como se os indígenas fossem um empecilho ou um fator de atraso no cronograma de um empreendimento. A intervenção é que interrompe, dificulta ou impede as práticas das comunidades indígenas. A demanda dos munduruku é, primeiro, entender o que se passa. Querem um diálogo respeitoso, esclarecedor e num tempo que permita verdadeiramente isso. Os momentos de diálogo que ocorreram durante o período em que eu estive na Funai não foram suficientes para esclarecer as questões que o povo munduruku tem sobre o assunto.

O governo trata a consulta como “mera etapa burocrática”?

A meu ver, parte do governo, em especial a parte que considera apenas a importância de empreendimentos de infraestrutura, trata assim. Mas há uma parte que não trata. A Ministra Tereza Campello fez questão que o Ministério de Desenvolvimento Social realizasse uma consulta prévia à realização de uma pesquisa em comunidades indígenas.

Em entrevista ao El País, a procuradora Thais Santi denunciou o não cumprimento das condicionantes em Belo Monte, o que provocou impactos profundos e irreversíveis entre os indígenas. Por que a Funai não exigiu que a Norte Energia cumprisse o plano?

A Funai cobrou inúmeras vezes o cumprimento das condicionantes. Eu mesma assinei muitos documentos nesse sentido. Mas exigir é uma medida que está bastante distante das possibilidades da Funai. Lembrando, inclusive, que o órgão licenciador é o Ibama, que também já recebeu muitos ofícios da Funai nesse sentido.

A procuradora descreve os impactos de Belo Monte como etnocídio e aponta a senhora, quando presidente da Funai, como uma das responsáveis. Como responde a essa acusação?

Reconheço e respeito a importância do trabalho do Ministério Publico. Mas estar na posição de presidente da Funai é bem diferente, bem mais difícil. Primeiro porque não compete à Funai conceder, negar ou suspender licenças de empreendimentos. Isso é competência do Ibama. Se o Ibama não considera o descumprimento de certas condicionantes apontadas pela Funai (e pelo MPF) como razão para rediscutir a licença de um empreendimento, não é a Funai quem vai reverter administrativamente essa situação. O que compete à Funai é cobrar do empreendedor e do Ibama. E isso nós fizemos sempre, inclusive em Belo Monte. Mas, se nem o próprio judiciário solucionou a questão nos mais de dez processos judiciais a que esse empreendimento foi submetido, parece que nada é tão simples como na compreensão da Dra. Thais. Não se resolve apenas a partir de aspectos administrativos e jurídicos.

A Funai ainda é capaz de desempenhar seu papel de defesa dos direitos indígenas no Brasil?

A Funai é, sem dúvida, a instituição pública comprometida com a defesa dos direitos indígenas no Brasil. Essa é a sua missão institucional, mas tem sido cada vez mais difícil desempenhar esse papel com a qualidade e especificidade que os povos indígenas demandam e merecem. A Funai precisa ser fortalecida. O movimento indígena e outros segmentos da sociedade civil têm tido um papel importante, é fundamental que continue a mobilização social em favor dos direitos indígenas. Mas não dá para desconsiderar que garantir a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas no Brasil é uma obrigação inequívoca do Estado. Ou o governo olha com respeito para a Funai e para a importância de sua missão, ou deixará claro que não se importa nem se responsabiliza pelo futuro dos povos indígenas no Brasil.

 

A Pública, Agência de Jornalismo Investigativo

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Relatório da Funai determina que terra é dos Munduruku.

15 de dezembro de 2014 por Luiz Jacques

Considerado um território histórico para os Munduruku, a terra indígena Sawré Muybu, no oeste do Pará, nunca foi oficialmente demarcada pelo estado brasileiro. Desde setembro de 2013, a Fundação Nacional do índio (Funai) segura um detalhado relatório que identifica e delimita os perímetros necessários ao modo de vida dos índios. Tudo indica que o relatório ainda não foi publicado porque o reconhecimento desta terra pode atrapalhar os planos do governo federal para a construção de usinas hidrelétricas na região. O processo de demarcação só pode ter início quando esse relatório for publicado no Diário Oficial da União – algo que ainda não há previsão para acontecer.

 

 

http://envolverde.com.br/sociedade/exclusivo-relatorio-da-funai-determina-que-terra-e-dos-munduruku/

 

 

por Ana Aranha e Jessica Mota, da Agência Pública

indiosribeirinhos Exclusivo: Relatório da Funai determina que terra é dos Munduruku

Índios e ribeirinhos se uniram na batalha pela defesa do território. Foto: Marcio Isensee e Sá.

Demarcação da terra Sawré Muybu é vista como um empecilho pelo governo, que planeja construir sete usinas na bacia do rio Tapajós. Leia na íntegra o documento, que está parado na Funai há mais de um ano

Se construída como prevista, a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós alagaria a área, obrigando o estado a realocar indígenas, o que é vedado pela constituição. Assim, o reconhecimento da terra é visto como um entrave pelo governo federal. Enquanto o processo de demarcação segue parado em Brasília, no Tapajós, os Munduruku decidiram fazer a demarcação de sua terra por conta própria (leia mais aqui).

A Pública teve acesso ao Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu e o apresenta com exclusividade. (Acesse o documento completo no texto original)

O relatório é fruto dos estudos realizados pela Funai ao longo de 2012 e 2013. Mas poderia estar pronto há mais tempo. Em 2008, os estudos de identificação da Sawré Muybu já haviam sido cumpridos, mas o relatório não foi entregue pela então antropóloga-coordenadora do grupo.

O trabalho agora apresentado é rico. São 193 páginas que descrevem com profundidade a história e relação dos Munduruku com esse território cercado pelos rios Tapajós e Jamanxim, no meio da floresta amazônica. A área é habitada permanentemente por 113 pessoas que dependem da terra. “A TI Sawré Muybu se constitui em unidade socioambiental indissolúvel e necessária à reprodução física e cultural dos Munduruku que nela habitam”, conclui o documento.

A fixação definitiva da primeira aldeia no território da Sawré Muybu se deu em 2004. Em 2006, os índios construíram uma segunda aldeia, desta vez no alto do morro, depois que uma criança morreu de malária. Hoje o território abriga as duas que, de acordo com o relatório, podem ser consideradas como uma só: a aldeia Sawré Muybu.

Antes disso os índios utilizavam a terra para caça, pesca e cultivo de suas roças. “Trata-se de uma área que os Munduruku sempre enxergaram como parte de seu território histórico, e que de fato utilizavam, desde pelo menos a década de 1980”, indica o documento. A fixação da aldeia na região foi motivada pela interrupção do atendimento médico pela Funasa para índios não aldeados e pelos conflitos com locais da comunidade de Pimental, onde moravam antes.

O relatório aponta ainda que, embora seja provavelmente mais antiga, a ocupação indígena no médio Tapajós, onde fica Sawré Muybu, foi registrada pela primeira vez no século 18. “É apenas no início da década de 1770, quando começaram a atacar sistematicamente os portugueses situados ao longo das margens do rio Amazonas, que os Munduruku se tornaram conhecidos na historiografia oficial”. O documento destaca “um ousado ataque” desses índios ao estado do Maranhão. Pelos registros, foi a resposta militar da província do Grão-Pará que forçou a migração do alto do rio, onde até hoje vivem muitos Munduruku, na região de Jacareacanga, sul do Pará, para as calhas do Tapajós.

Importância simbólica

Em sítios arqueológicos de Montanha e Mongabal, comunidade de ribeirinhos próxima à Sawré Muybu, foram encontrados artefatos com desenhos similares às pinturas corporais Munduruku. O grupo de trabalho da Funai também encontrou diversos artefatos arqueológicos na terra em questão. Por essas evidências, o relatório indica que “os ancestrais destes índios podem ter ocupado a calha do médio Tapajós antes do século XIX, e até mesmo antes da conquista”.

Para os Munduruku, isso não é novidade. A Sawré Muybu é circundada por cemitérios, localizados no rio Jamanxim e nos igarapés Prainha e São João; e inclui locais de grande importância simbólica como a região do Fecho e a Ilha da Montanha, onde morava, segundo sua tradição oral, o primeiro Munduruku do mundo, chamado Karosakaybu. Foi ali na região do Fecho, dentro da Sawré Muybu, que para os Munduruku se deu a origem dos homens, mulheres, animais e do próprio rio Tapajós, criado a partir da semente de tucumã.

O relatório também chama atenção para a ameaça que o projeto das hidrelétricas no Tapajós representa aos índios. “O temor dos Munduruku do médio Tapajós se justifica por acompanharem, de perto, a luta de seu povo e de outros povos indígenas contra a implantação das hidrelétricas em áreas próximas, como é o caso da UHE São Manoel, no rio Teles Pires, em Mato Grosso, que atingirá as TIs Munduruku, Kayabi e Apiaká do Pontal e Isolados, e da UHE Belo Monte, que está em processo de construção no rio Xingu, no estado do Pará”, explica. Na conclusão desse item, o documento é taxativo: “O reconhecimento da TI Sawré Muybu, por parte do Estado, é imprescindível para conferir segurança jurídica aos indígenas e garantir que seus direitos sejam plenamente respeitados”.

* A realização dessa reportagem só foi possível graças a uma bolsa da organização Mongabay.

** Publicado originalmente no site Agência Pública.

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