ESPIRITUALIDADE-O que precisa ser agregado ao processo de educação: o cuidado e a espiritualidade.

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“Outra tarefa é resgatar a dimensão da espiritualidade. Ela não deve ser identificada com a religião. Ela subjaz à religião porque é anterior a ela. A espiritualidade é uma dimensão inerente ao ser humano como a razão, a vontade e sexualidade”, escreve Leonardo Boff, colunista do JBonline, teólogo, filósofo e escritor.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/540019-o-que-precisa-ser-agregado-ao-processo-de-educacao

 

Eis o artigo.

Geralmente o processo educativo da sociedade com suas instituições como a rede de escolas e de universidades estão sempre atrasadas em relação às mudanças que acontecem. Não antecipam eventuais processos e custam-lhes fazer as mudanças necessárias para estar à altura deles.

Entre outras, duas são as grandes mudanças que estão ocorrendo na Terra: a introdução da comunicação global via internet e redes sociais e a grande crise ecológica que põe em risco o sistema-vida e o sistema-Terra. Podemos eventualmente desaparecer da face da Terra. Para impedir esse apocalipse a educação deve ser outra, diversa daquela que dominou até agora.

Não basta o conhecimento. Precisamos de consciência: uma nova mente e um novo coração. Precisamos também de uma nova prática. Urge nos reiventar como humanos, no sentido de inaugurar uma nova forma de habitar o planeta com outro tipo de civilização. Como dizia muito bem Hannah Arendt: “podemos nos informar a vida inteira sem nunca nos educar”. Hoje temos que nos reeducar.

Por isso, acrescento às dimensões acima referidas, estas duas: aprender a cuidar e aprender a se espiritualizar.

Mas antes faz-se mister, previamente, resgatar a inteligência cordial, sensível ou emocional. Sem ela, falar do cuidado e da espiritualidade faz pouco sentido. A causa reside no fato de que todo sistema moderno de ensino se funda na razão intelectual, intrumental e analítica. Ela é uma forma de conhecer e de dominar a realidadade, fazendo-a mero objeto. Sob o pretexto de que a razão sensível impediria a objetividade do conhecimento, foi recalcada. Com isso surgiu uma visão fria do mundo. Ocorreu uma espécie de lobotomia que nos impede de nos sentir parte da natureza e de perceber a dor os outros.

Sabemos que a razão intelectual, como a temos hoje, é recente, possui cerca de 200 mil anos quando surgiu o homo sapiens com seu cérebro neo-cortical. Mas antes dele, surgiu há cerca de 200 milhões de anos, o cérebro límbico, por ocasião da emergência dos mamíferos. Com eles, entrou no mundo o amor,o cuidado, o sentimento que se devotam à cria. Nós humanos, esquecemos que somos mamíferos inteletuais. Logo, somos fundamentalmente portadores de emoções, paixões e afetos. No cérebro límbico reside o nicho da ética, dos sentimentos oceânicos como os religiosos. Antes ainda há 300 milhões de anos, irropeu o cérebro reptilínio que responde por nossos reaçõs instintivas; mas não é o caso de abordá-lo aqui.

O que importa é que hoje temos que enriquecer nossa razão intelectual com a razão cordial, muito mais ancestral, se quisermos fazer valer o cuidado e a espiritualidade.

Sem essas duas dimensões não iremos nos mobilizar para cuidar da Terra, da água, do , das relações inclusivas. Precisamos cuidar de tudo, sem o que as coisas se deterioram e perecem. E então iríamos encontro de um cenário dramático.

Outra tarefa é resgatar a dimensão da espiritualidade. Ela não deve ser identificada com a religião. Ela subjaz à religião porque é anterior a ela. A espiritualidade é uma dimensão inerente ao ser humano como a razão, a vontade e sexualidade. É o lado do profundo, de onde emergem as questões do sentido terminal da vida e do mundo. Infelizmente estas questões foram tidas como algo privado e sem grande valor. Mas sem sua incorporação, a vida perde irradiação e alegria. Mas há um dado novo: os neurólogos concluiram que sempre que o ser humano aborda estas questões do sentido, do sagrado e de Deus, há uma aceleração sensível nos neurônios do lobo frontal. Chamaram a isso “ponto Deus” no cérebro, uma espécie de órgão interior pelo qual captmos a Presença de uma poderosa e amorosa que liga e re-liga todas as coisas.

Alimentar esse “ponto Deus” nos faz mais solidários, amorosos e cuidadosos. Ele se opõe ao e materialismo de nossa cultura. Todos, especialmente os que estão na escola, devem ser iniciados nessa espiritualdidade, pois nos torna mais sensíveis aos outros, mais ligados à mãe Terra, à natureza e ao cuidado, valores sem os quais não garantiremos um futuro bom para nós.

Inteligência cordial e espiritualidade são as exigências mais urgentes que a a tual situação ameaçadora nos faz.

 

Às agressões humanas, a Terra responde com flores

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“Me dou conta de que a Terra é de fato mãe generosa: às nossas agressões ainda nos sorri com flora e fauna. E nos infunde a esperança de que não o apocalipse mas um novo gênesis está a caminho”, escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.

Eis o artigo.

Mais que no âmago de uma crise de proporções planetárias, nos confrontamos hoje com um processo de irreversibilidade. A Terra nunca mais será a mesma. Ela foi transformada em sua base fisico-quimica-ecológica de forma tão profunda que acabou perdendo seu equilíbrio interno. Entrou num processo de caos, vale dizer, perdeu sua e afetou a continuação do que, por milênios, vinha fazendo: produzindo e reproduzindo vida.

Todo caos possui dois lados: um destrutivo e outro criativo. O destrutivo representa a desmontagem de um tipo de equilíbro que implica a erosão de parte da biodiversidade e, no limite, a diminuição da espécie humana. Esta resulta ou por incapacidade de se adaptar à nova situação ou por não conseguir mitigar os efeitos letais. Concluído esse processo de purificação, o caos começa mostrar sua face generativa. Cria novas ordens, equilibra os climas e permite os seres humanos sobreviventes construírem outro tipo de civilização.

Da história da Terra aprendemos que ela passou por cerca de quinze grandes dizimações, como a do cambriano há 480 milhões de anos, que dizimou 80-90% das espécies. Mas por ser mãe generosa, lentamente, refez a diversidade da vida.

Hoje, a comunidade científica, em sua grande maioria, nos alerta face a um eventual colapso do sistema-vida, ameaçando o próprio futuro da espécie humana. Todos podem perceber as mudanças que estão ocorrendo diante de nossos olhos. Grandes efeitos extremos: por um lado estiagens prolongadas associadas à grande escassez de água, afetando os ecossistemas e a sociedade como um todo, como está ocorrendo no sudesde de nosso país. Em outros lugares do planeta, como nos USA, invernos rigorosos como não se viam há decênios ou até centenas de anos.

O fato é que tocamos nos limites físicos do planeta Terra. Ao forçá-los como o faz a nossa voracidade produtivista e consumista, a Terra responde com tufões, tsunamis, enchentes devastadoras, terremotos e uma incontida subida do aquecimento global. Se chegarmos a um aumento de dois graus Celsius de calor, a situação é ainda administrável. Caso não não fizermos a lição de casa ao diminuirmos drasticamente a emissão de gases de efeito estufa e não reorientarmos nossa relação para com a natureza na direção da auto-contenção coletiva e de respeito aos limites de suportabilidade de cada ecossistema então preve-se que o clima pode se elevar a quatro e até seis graus Celsius. Aí conheceremos a “tribulação da desolação” para usarmos uma expressão bíblica e grande parte das formas de vida que conhecemos não irão subsistir, inclusive porções da humanidade.

A renomada revista Science de 15 de janeiro de 2015 publicou um trabalho de 18 cientistas sobre os limites planetários (Planetary Bounderies: Guiding human development on a changing Planet). Identificaram nove dimensões fundamentais para a continuidade da vida e de nosso ensaio civilizatório. Vale a pena citá-las:

(1) ;

(2) mudança na integridade da biosfera com a erosão da biodiversidadae e a extinção acelerada de espécies;

(3) diminuição da camada de ozônio estratosférico que nos protege de raios solares letais;

(4) crescente acidificação dos ;

(5) desarranjos nos fluxos biogeoquímicos (ciclos de fósforo e de nitrogênio, fundamentais para a vida);

(6) mudanças no uso dos solos como o desmatamento e a desertificação crescente;

(7) escassez ameaçadora de água doce;

(8) concentração de aerossóis na atmosfera(partículas microscópicas que afetam o clima e os seres vivos);

(9) introdução agentes químicos sintéticos, de materiais radioativos e nanomateriais que ameaçam a vida.

Destas nove dimensões, as quatro primeiras já ultrapassaram seus limites e as demais se encontram em elevado grau de degeneração. Esta sistemática guerra contra Gaia pode levá-la a um colapso como ocorre com as pessoas.

E apesar deste cenário dramático, olho em minha volta e vejo, extasiado, a floresta cheia de quaresmeiras roxas, fedegosos amarelos e no canto de minha casa as “belle donne” floridas, tucanos que pousam em árvores em frente de minha janela e as araras que fazem ninhos debaixo do telhado.

Então me dou conta de que a Terra é de fato mãe generosa: às nossas agressões ainda nos sorri com flora e fauna. E nos infunde a esperança de que não o apocalipse mas um novo gênesis está a caminho. A Terra vai ainda sobreviver. Como asseguram as Escrituras judeo-cristãs:“Deus é o soberano amante da vida”(Sab 11,26). E não permitirá que a vida que penosamente superou caos, venha a desaparecer.

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