O passivo ambiental provocado pelo enchimento do reservatório da hidrelétrica de Teles Pires, na fronteira dos Estados do Mato Grosso e Pará, incluirá a perda de extenso trecho de corredeiras e cachoeiras que hoje formam a região conhecida como as “Sete Quedas”.
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29/9/2011
Não será a primeira vez que o Brasil abrirá mão de um espetáculo natural com essa característica para garantir geração de energia. Em 1982, o “Salto de Sete Quedas” do rio Paraná, no município de Guaíra (PR), desaparecia por completo após a formação do lago da hidrelétrica de Itaipu. Era um dos maiores do mundo em volume de água.
A reportagem é de André Borges e publicada pelo jornal Valor, 29-09-2011.
O Valor percorreu trechos das “Sete Quedas” do Teles Pires. De um lado da margem está o municípios de Paranaíta, no Mato Grosso. Do outro, o de Jacareacanga, que pertence ao Pará. A reportagem também navegou pelo Teles Pires entre os municípios de Colíder e Nova Canaã, no Mato Grosso. Nesta última região, onde a floresta ainda está bem conservada, é comum a presença de macacos, jacarés e capivaras nas beiras do rio. A riqueza da fauna e da flora que perseguem o curso do Teles Pires foi contabilizada nos levantamentos feitos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Na bacia do rio foram identificadas 695 espécies de plantas. Desse total, 90 espécies estão exclusivamente na área que será diretamente afetada pela construção da usina, a qual tem previsão de absorver um total de 112 quilômetros de cobertura vegetal. Os pesquisadores também encontraram nada menos que 940 espécies de fauna terrestre. Ao todo, doze espécies de mamíferos citadas como “quase ameaçadas” ou “vulneráveis” estão presentes na região, entre elas a onça-pintada, a onça-parda e o tamanduá-bandeira. A pesca esportiva, prática que atrai muita gente para o Teles Pires, é alimentada por nada menos que 218 espécies de peixes.
Apesar do impacto ambiental, de modo geral a população e prefeituras da região são favoráveis à construção da usina. No “Nortão” do Mato Grosso, como é conhecida a região, não se ouve polêmicas contra o projeto, como se via – ou se vê – em casos como os das usinas do rio Madeira e de Belo Monte. O reconhecimento de que o estrago será grande, no entanto, torna-se inevitável. “Queremos a usina, o país precisa de energia. Mas quem quiser ver as belezas do Teles Pires, que venha logo e fotografe bem. Sabemos que muita coisa vai desaparecer. Estamos dando tchau para o rio”, diz Irene Duarte, secretária de Meio Ambiente de Alta Floresta.
Os empreendedores do consórcio Teles Pires, sociedade formada pelas empresas Neoenergia (50,1%), Eletrobras Eletrosul (24,5%), Eletrobras Furnas (24,5%) e Odebrecht (0,9%), afirmam que todas as ações serão tomadas para minimizar os impactos. Em seu Projeto Básico Ambiental (PBA), o consórcio prevê 44 programas em diversas áreas: ambiental, social, apoio à infraestrutura local, saúde pública e educação. “Para o desenvolvimento das atividades dos programas ambientais e sócio-econômicos onde estão contidas as medidas preventivas, mitigadoras, de controle e compensatórias decorrentes do empreendimento, está previsto o investimento da ordem de R$ 330 milhões”, diz Paulo Rogério Lopes de Novaes, gerente de Meio Ambiente do consórcio Teles Pires.
A construção da usina, acredita Novaes, poderá até ampliar o potencial do turismo na região. O consórcio tem um projeto para explorar atividades na beira do lago que será formado com o enchimento do reservatório. “Até hoje a região de Paranaíta tinha uma praia que só apareceria uma vez por ano, com a vazão do rio, mas com o lago, vamos propor locais para que seja aberta uma praia permanente, disponível o ano todo”, comenta.
A praia temporária citada por Paulo Novaes é o local onde, duas semanas atrás, ocorreu o maior festival de praia do Nortão do Mato Grosso, o “Fest Praia”, evento que há 11 anos reúne milhares de pessoas para um festival regado a shows musicais e pesca.
O lago de Teles Pires, que ocupará os municípios de Paranaíta (84%) e Jacareacanga (16%), terá 70 quilômetros de comprimento e um espelho d’água de 135,6 quilômetros quadrados. A área inundada, descontada a calha natural do rio, será de 95 quilômetros quadrados. O consórcio comemora esses números, que são resultado de uma revisão técnica dos estudos da usina. Antes, a previsão era ter um espelho d’água de 152 quilômetros quadrados.
O consórcio Teles Pires garante que, concluída a barragem da usina de R$ 3,3 bilhões e 1.820 megawatts (MW), toda a vegetação engolida pelo lago será replantada. Promete ainda o reflorestamento da mata ciliar, a qual, em alguns trechos de Paranaíta, foi devastada. Apesar de correr pela região da floresta amazônia, hoje o que sobrevive ao longo do leito do rio é apenas um cinturão de mata nativa. Fora dessa faixa de proteção permanente, a imagem que se tem é de desolação. Queimadas a perder de vista deixaram de pé apenas os troncos ocos de enormes castanheiras, cuja casca é tão rígida que, mesmo sob o fogo intenso, resistem.
Não é por acaso que os municípios de Alta Floresta e Paranaíta foram indicados entre os maiores devastadores da Amazônia na operação “Arco de Fogo”, iniciada em 2008 pela Polícia Federal. É um título que incomoda as prefeituras. Alta Floresta é sede de três frigoríficos e dona de um dos maiores rebanhos do Mato Grosso. A pressão é grande para que saia da lista, já que pode ser prejudicada por grandes compradores de carne que exijam cumprimento de regras ambientais. Os problemas, no entanto, como verificou a reportagem, persistem até hoje. Durante a noite, o Valor flagrou diversos caminhões clandestinos carregados de madeira, circulando livremente pelas estradas de terra de Paranaíta.
“Sou favorável à hidrelétrica, mas também sou um defensor da natureza”, diz Edson de Carvalho, dono da pousada Floresta Amazônica, em Alta Floresta, e um dos criadores do Parque Estadual do Cristalino.
Colado ao rio Teles Pires, o parque criado por Edson de Carvalho e sua esposa, Vitória da Riva, foi primeiro lugar criado para observação de aves do Brasil e o terceiro no mundo. Por ali voam 485 espécies de pássaros. Carvalho é favorável à construção de Teles Pires. “O governo quer a usina, o país precisa. Eu sou um administrador da natureza e vivo dessa preservação. Espero o menor impacto possível”, diz.
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