De 1985 a 2022, o espaço ocupado por pastos saltou de 137 mil km2 para 577 mil km2 em toda a Amazônia. Foto: Reuters
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06.10.23
[NOTA DO WEBSITE: Aqui está a demonstração de como o mito grego do rei usurpador Erisícton sobrevive até os dias de hoje. Como? Pela trágica ideologia do supremacismo branco que vem persistindo, há milênios, nas vísceras da civilização ocidental].
Levantamento do Mapbiomas mostra que a Amazônia ultrapassou o Cerrado e concentra as maiores pastagens do país, com área equivalente ao tamanho de Minas Gerais.
A região que ainda abriga a maior floresta tropical do mundo entrou para um outro ranking que compete com sua vegetação nativa. A Amazônia é, desde 2022, o bioma que tem a maior área de pastagem do Brasil.
A conclusão faz parte do levantamento mais recente feito pelo Mapbiomas sobre o uso da terra no país e publicado nesta sexta-feira (06/10). A iniciativa, fundada em 2015, é um esforço que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia na análise das mudanças de paisagens no território nacional.
De 1985 a 2022, o espaço ocupado por pastos saltou de 137 mil quilômetros quadrados para 577 mil quilômetros quadrados em toda a Amazônia. É como se, nestes 38 anos, a área dedicada ao gado saiu de um território equivalente ao estado do Amapá e passou a uma Minas Gerais.
“A gente vê esses números uma dinâmica que acompanha a fronteira agropecuária no país. O processo de ocupação da Amazônia se deu pelo desmatamento, e uma maneira de consolidar esta apropriação de terras foi com pasto”, comenta Laerte Ferreira, coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG), em entrevista para a DW.
As análises foram feitas com base no processamento de mais de 200 mil imagens. Os dados são gratuitos e os códigos usados nos modelos são públicos, destaca Ferreira.
A Amazônia concentra 43% do rebanho bovino do país. Foto: picture-alliance/dpa/AP/L. Correia
Nas últimas décadas, os estados amazônicos que mais transformaram a floresta em pasto foram o Pará (185 mil km2), Mato Grosso (155 mil km2), Rondônia (74 mil km2), Maranhão (54 mil km2) e Tocantins (45 mil km2) .
O crescente avanço do gado na Amazônia deixou o Cerrado para trás. Nesse bioma, o segundo maior do Brasil, uma área de pastagem registrada uma pequena queda, de 550 mil km2 para 513 mil km2 entre 2013 e 2022.
“Sob a pata do gado”
Na Amazônia Legal, formada por nove estados, quase metade dos últimos são recentes, com menos de 20 anos. O bioma concentra a maior parte (43%) do rebanho bovino do país, com mais de 96 milhões de cabeças de gado – o triplo do número de moradores –, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge).
“Foi na pata do boi que a gente viu este grande maciço de floresta ser comido pelas beiradas e virar a maior área de pastagem do Brasil”, analisa Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Embora a atividade peculiar seja importante para a economia do Brasil, líder global no ranking de rebanhos bovinos, a atividade teria um lado “perverso” na Amazônia, afirma Alencar.
“Ela é muitas vezes uma fachada para especulação de terra, que é um dos principais vetores do desmatamento . Muitas dessas áreas não são pastagens produtivas de verdade, mas usadas para demarcar um território que, comprovado, tem um dono”, explica a pesquisadora.
Na engrenagem que move o desmatamento na região , áreas de floresta pública são invadidas e os bosques são colocados no terreno para demonstração de posse. “O investimento do invasor não pode ser muito alto porque o risco de perda da área é grande. Por isso a pecuária avançou tanto na região, porque o boi é relativamente fácil de manejar – e de vender”, argumenta Alencar.
Áreas de floresta pública são invadidas e bosques são colocados no terreno para demonstração de posse. Foto: Getty Images/AFP/A. Scorza
Um estudo recente publicado por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e da Universidade da Flórida tentou estimar o tamanho dessa apropriação ilegal de terras públicas. Eles analisaram as cidades com maior avanço da fronteira agropecuária no estado do Amazonas e concluíram que 46% das supostas propriedades reivindicadas estão dentro de áreas protegidas.
Expansão agro
Em 2022, uma área ocupada por todas as atividades agropecuárias se estenderá por um terço do território nacional. Nos últimos 38 anos, a expansão do setor foi de 50%, aponta a nova coleção de dados do Mapbiomas.
Dentre as culturas temporárias, a soja tem ganhado relevância também na Amazônia. Nas últimas duas décadas, o plantio passou de 10 mil km2 para os atuais 70 mil km2. O Cerrado tem hoje a maior área dedicada ao grão, com 180 mil km2, o equivalente a 11% do bioma.
O café, historicamente estabelecido no país, desponta entre as atividades perenes: representa 55% das culturas do tipo mapeadas em 2022.
A conversão direta de vegetação nativa para agricultura é relativamente constante no período analisado. O que mudou foi sua distribuição geográfica: as novas fronteiras agrícolas se concentram principalmente nas zonas chamadas de Matopiba – que engloba Tocantins, partes dos estados do Maranhão, Piauí e Bahia – e Amacro, que inclui o sul do Amazonas e parte do Acre.
Intensificar e recuperar
Para Laerte Ferreira, da UFG, o processo de manipulação das pastagens brasileiras também chama a atenção. Só no Cerrado, 60% deles apresentam algum estado de cobertura, apontam estudos liderados pelo pesquisador.
“É preocupante, mas representa uma oportunidade. Toda esta reserva de terras abertas pode ganhar outros usos”, afirma Ferreira.
Outros estudos feitos pelo Mapbiomas mostram que a recuperação de pastagens aumenta o estoque de carbono no solo, o que poderia compensar de 60% a 70% das emissões de gases de efeito estufa provenientes da pecuária.
“Temos que falar seriamente sobre a necessidade de intensificar a pecuária, usar áreas já desmatadas, aumentar a eficiência. As pastagens na Amazônia são pouco eficientes do ponto de vista produtivo. Poucas cabeças de gado ocupam áreas muito grandes”, sublinha Ane Alencar, do Ipam.