A Crise da Infertilidade Masculina nos EUA Confunde os Especialistas

ILLUSTRATIONS BY RIKI BLANCO

https://www.newsweek.com/2017/09/22/male-infertility-crisis-experts-663074.html

By BRYAN WALSH on 12/09/17

[NOTA DA TRADUÇÃO: Há vinte e um anos era publicado neste mesmo periódico a matéria que tratava do mesmo tema. Algo foi feito neste tempo? Não deixe de ler a presente matéria até a última linha. Onde estamos nós? O que estamos legando aos nossos descendentes? Chega a ser desesperador!! – Esta matéria tem quase dois anos. Pode-se supor que a carruagem continuou andando… ]


Hagai Levine não se assusta facilmente. O pesquisador de saúde pública da Hebrew University é um antigo epidemiologista chefe das Israel Defense Forces, o que significa que ele está familiarizado com o perigo e o risco de uma maneira que a maioria de seus companheiros de academia não está.

Assim, quando ele levanta dúvidas sobre o futuro da raça humana, é uma preciosidade ouvi-lo. Juntamente com a Dra. Shanna Swan, professora de medicina ambiental e saúde pública da Icahn School of Medicine junto ao Hospital Mount Sinai de New York, Levine foi o autor da maior e mais nova análise que já se fez sobre os níveis de espermatozoides masculinos nos últimos anos e que o assustou. “A reprodução talvez seja a função mais importante de todas as espécies”, diz ele. “No entanto, alguma coisa de muito aterrador está acontecendo com os homens.”

Esta afirmativa é algo que podemos não estar muito habituados a ouvir por aí.

Pode-se pegar um homem e uma mulher – ou pelo menos um espermatozoide e um óvulo – para se formar uma nova vida. No entanto, são as mulheres que carregam o fardo médico e psicológico de tentarem ficar – e permanecerem – grávidas. São elas cujas escolhas de estilo de vida vem sendo infinitamente dissecadas por seu suposto impacto na fertilidade como são elas que ouvem o ameaçador tique-taque do relógio biológico. Ao mesmo tempo, são bombardeadas com inúmeras dietas e práticas especiais de ioga, por exemplo, como também aplicativos que possam caber em seu celulares, para aumentarem sua fertilidade. Além disso, estão sempre sendo os alvos de uma indústria da fertilidade que deve ser avaliada, globalmente, em mais de US $ 21 bilhões até 2020.

Até mesmo os CDCs/Centers for Disease Control and Prevention (nt.: Centros para Controle e Prevenção de Doenças) fixaram-se sobre as mulheres, rastreando a infertilidade nos EUA, registrando o número delas supostamente inférteis. “É como se todo o campo médico fosse moldado para atender tanto a infertilidade como o corpo das mulheres”, diz Liberty Barnes, socióloga e autora de Conceiving Masculinity: Infertility Male, Medicine, and Identity (nt. : Concepção da Masculinidade: Infertilidade Masculina, Medicina e Identidade). “Enquanto para os homens, não há nada neste levantamento.”

Essa ausência pode ser compreensível se as mulheres fossem as únicas responsáveis pelo sucesso ou o fracasso de uma gravidez. Mas elas não são. Segundo a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, o parceiro masculino é causa única ou contribuinte em cerca de 40% dos casos de infertilidade. Doenças infeciosas passadas, condições médicas, desequilíbrios hormonais e muito mais, podem causar o que é conhecido como fator de infertilidade masculina. Os homens também têm sua própria versão de um relógio biológico. Começa lá por volta dos 30 anos, quando a fertilidade masculina gradualmente vai se degradando. Mesmo que a maioria dos homens produza espermatozoides até o dia de sua morte, os dos últimos anos podem ajudar a levar à concepção um risco maior de passar anormalidades genéticas para seus filhos, incluindo o autismo. “Os homens são uma grande parte desse problema”, diz Barbara Collura, presidente e CEO da Resolve: a National Infertility Association.

Surpreendentemente, novas evidências sugerem que a infertilidade masculina pode ser muito pior do que parece. De acordo com o trabalho dos pesquisadores, Levine e Swan, os níveis de espermatozoides – a mais importante medição sobre a fertilidade masculina – estão em declínio em grande parte do mundo, incluindo nos EUA.

O relatório, publicado no final de julho de 17, analisou milhares de estudos e concluiu que a concentração de espermatozoides tinha caído 52%, entre 1973 e 2011, entre homens nos países ocidentais. Quatro décadas atrás, o homem ocidental médio tinha uma concentração de espermatozoides de 99 milhões por mililitro. Em 2011, caiu para 47,1 milhões. A queda é alarmante porque as concentrações estando abaixo de 40 milhões por mililitro são consideradas menores do que as normais, podendo comprometer a fertilidade. (Os pesquisadores não encontraram declínios significativos para os homens não-ocidentais, em parte por causa da falta de dados de qualidade, embora outros estudos tenham encontrado grandes quedas em países como a China e o Japão.) E o declínio foi mais acentuado nos últimos anos, o que significa que a crise está se aprofundando. “Isso é muito assustador”, diz a Dra. Swan, que há muito estuda a saúde reprodutiva. “Acho que devemos estar muito preocupados com essa tendência”.

Embora existissem anteriormente relatos da diminuição na contagem de espermatozoides, eram fáceis de ignorar. A pesquisa sobre os níveis de espermatozoides tem sido irregular, usando diferentes metodologias e desenhos de grupos variados, tornando difícil saber se os declínios, observados por alguns cientistas, eram reais e não em função de erros de contagem.

Os céticos das últimas conclusões contra-argumentaram de que o novo relatório é um estudo de muitos estudos – só podendo ser tão bom quanto os trabalhos sobre os quais ele se baseou. E mesmo que as conclusões da meta-análise sejam precisas, a contagem média de espermatozoides ainda deixa a maioria dos homens do lado normal da fertilidade. Apenas isso.

No entanto, as taxas de fecundidade – o número de nascidos vivos por mulher – diminuíram drasticamente nos mesmos países, em razão da queda na contagem de espermatozoides. Isso inclui os EUA, onde as taxas de fertilidade atingiram uma baixa recorde este ano e onde as mulheres não estão mais tendo filhos suficientes para equilíbrio da população existente. As mulheres precisam ter em média cerca de 2,1 filhos para manter a população de um país estável apenas com o nascimento. Este é o número suficiente para substituir a mãe e o pai além de um pouco maior para compensar as crianças que não sobrevivem até a idade reprodutiva. Os EUA estão em 1,8 e dependem da imigração contínua para manterem a população em crescimento. Fatores sociológicos e econômicos desempenham um papel na mudança do tamanho da família americana. As taxas de fertilidade estavam acima do nível de substituição até a recessão de 2007 quando então despencaram. E apesar de uma recuperação econômica de anos e ter baixo o desemprego, elas ainda estão caindo. Comparando este fato com estudos mostrando que quase um em cada seis casais nos EUA que tentam engravidar não podendo fazê-lo ao longo de um ano de sexo desprotegido – a definição médica de infertilidade – está claro que há algo que vai além da insegurança econômica que está impedindo os americanos de terem tantos filhos quanto eles querem. “Quando vejo as taxas de natalidade diminuindo, preocupo-me como médico de fertilidade de que a contagem de espermatozoides dos homens esteja efetivamente diminuindo”, diz o Dr. Harry Fisch, urologista da Weill Cornell Medicine, de Nova York.

Este parece ser o momento para o mundo médico fazer tudo que puder para entender o que está acontecendo com a fertilidade masculina. No entanto, os pesquisadores sobre a reprodução masculina são forçados a confiar em dados menos que perfeitos, porque o tipo de estudos longitudinais e abrangentes que podem conclusivamente nos dizer o que está acontecendo com a contagem de espermatozoides, nunca foi feito.

A ironia é que o ‘establishment‘ médico foi acusado – com razão – de ignorar as necessidades específicas das mulheres ao longo dos anos. No entanto, no tema reprodução são os homens cujos problemas são pouco estudados e muitas vezes incompreendidos. Alguns especialistas chegam a pensar se um desejo inconsciente de ignorar as ameaças à fertilidade masculina pode estar ligado a medos sobre o futuro da própria masculinidade. “Aqui está a evidência direta de que esta função da reprodução está falhando”, diz Michael Eisenberg, urologista e professor associado da Universidade de Stanford, referindo-se à mais recente pesquisa quanto aos níveis de espermatozoides. “Devemos buscar descobrir por que isso acontece”.

O que sabemos sobre o declínio na contagem de espermatozoides nos diz muito não apenas sobre a reprodução, mas também quanto à saúde dos homens em geral. E o que ela nos diz não é nada bom.

Os jovens podem se considerar invencíveis, mas o sistema reprodutor masculino é uma máquina surpreendentemente temperamental. Obesidade, inatividade, tabagismo – escolhas básicas de estilo de vida pobres e modernas – podem reduzir drasticamente a contagem de espermatozoides, assim como a exposição a alguns tóxicos ambientais. A baixa contagem de espermatozoides pode pressagiar uma morte prematura, mesmo entre os homens no auge de suas vidas, mesmo podendo aparentar estarem saudáveis. “O declínio na contagem de espermatozoides é como o canário na mina de carvão” (nt.: na Europa, durante os séculos em que se usou muito carvão mineral, canários eram enviados às profundezas das minas para se avaliar se havia gases tóxicos, permitindo a entrada ou não dos mineiros), diz Levine. “Há algo muito errado no ambiente”. O que significa que pode também haver algo muito errado refletido-se nos homens.

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O estudo sobre os espermatozoides sempre foi obscuro. Em 1677, o vendedor de tecidos e cientista amador holandês Antony van Leeuwenhoek coletou seu sêmen imediatamente após ter feito sexo com sua esposa. Examinou-o sob um microscópio de sua própria criação e viu milhões de pequenos “animálculos” contorcidos, nadando no fluido seminal. O holandês foi a primeira pessoa a observar os espermatozoides humanos, embora insistisse que o espermatozoide sozinho criava um embrião que era meramente nutrido pelo óvulo e pelos ovários femininos. Van Leeuwenhoek estava simplesmente seguindo o exemplo de pensadores clássicos como Aristóteles, que acreditavam que as parceiras no máximo davam um berço fértil de solo uterino no qual a semente fornecida pelo homem poderia germinar e florescer em uma criança.

Não seria antes do século 19 que os verdadeiros papéis do espermatozoide e do óvulo seriam finalmente entendidos.

Todos aqueles “nadadores” que van Leeuwenhoek viu, são aquilo que se veria se ampliássemos a amostra de sêmen de um homem saudável e fértil. Um espermatozoide é feito para uma ação: movimentar-se. Sua cabeça em forma de torpedo é um pedaço de DNA contendo os 23 cromossomos que o parceiro masculino contribui para seu futuro filho, conectado a uma cauda longa, ou flagelo, que o impulsiona em direção ao óvulo. Tudo funcionando num mar de combustível de um foguete celular de frutose que nada mais é do que o sêmen. A maioria dos espermatozoides nunca chega próximo de um óvulo – enquanto um homem fértil ejacula de 20 a 300 milhões de espermatozoides por mililitro de sêmen, apenas algumas dezenas podem chegar ao seu destino.

Quando então, apenas um pode perfurar a membrana do óvulo e alcançar a concepção. A composição química da vagina é ativamente hostil ao espermatozoide, que só pode sobreviver porque o sêmen contém substâncias alcalinas que compensam o ambiente ácido. Esse é o paradoxo de sua contagem – embora um deles saudável seja suficiente para fazer um bebê, são necessárias dezenas de milhões deles para superarem as probabilidades, o que significa que declínios significativos em sua contagem acabam comprometendo a fertilidade total masculina.

Conforme observa a Dra. Swan: “Mesmo uma mudança relativamente pequena na contagem média de espermatozoides tem um grande impacto na porcentagem de homens que serão classificados como inférteis ou subférteis” – significando um nível reduzido de fertilidade, o que dificultará a concepção.

Os temores sobre a infertilidade masculina vão muito além da ciência nua e crua. “É o dilema entre virilidade e fertilidade”, diz a terapeuta de infertilidade, Sharon Covington, de Maryland. “Como o homem se vê e como o mundo o vê como homem. Muitas vezes tudo isso está ligado à sua capacidade de engravidar uma mulher”. Assim, provavelmente não seja uma surpresa que a discussão sobre o quanto os espermatozoide estão declinando – se estiverem mesmo – tem sido um debate científico muito menos cortês do que uma batalha feroz que já dura mais de duas décadas.

Esta contenda começou na Dinamarca, em 1990, quando o endocrinologista pediátrico dinamarquês Niels Skakkebaek (nt.: o artigo destacado no nome do Dr. Niels com o que está abaixo na palavra avaliar, foram os motivadores que desencadearam a busca deste site no aprofundamento, há mais de 20 anos, deste tema) começou a investigar a saúde reprodutiva masculina. Durante anos, ele ficou preocupado com o aumento do câncer testicular, bem como com o crescimento no número de meninos com testículos malformados. Ele achava que avaliar (nt.: este texto também, como o de cima, são importantes para se constatar que desde o início dos anos 90, esta tragédia já era, cientificamente, conhecida) a qualidade e a quantidade de espermatozoides poderia lhe dar uma pista sobre o que estava acontecendo com seus pacientes.

Em 1992, Skakkebaek e seus colegas revisaram todos os estudos publicados quanto à contagem de espermatozoides, em todo o mundo. (Esta é feita com seu número presente em um microlitro de sêmen, multiplicado por 10.000 para estimar o total de espermatozoides em um mililitro, não diferentemente da maneira como a polícia tenta estimar o tamanho de uma grande multidão em uma amostra geográfica). Eles calcularam que a contagem média de espermatozoides em 1940 era em torno de 113 milhões por mililitro de sêmen e que, em 1990, havia caído para 66 milhões. Além disso, eles viram um aumento de três vezes no número de homens com uma contagem de espermatozoides abaixo de 20 milhões, ponto em que a infertilidade se torna um sério risco.

O artigo (paper) de Skakkebaek, de 1992, levantou a preocupação sobre a capacidade da espécie humana continuar se auto reproduzindo. No entanto, os céticos imediatamente atacaram, questionando a confiabilidade dos estudos espermáticos originais nos quais a análise foi baseada. Os estudos se basearam em grupos muito diferentes de homens de diferentes idades e fertilidade. (A contagem de espermatozoides tende a diminuir com a idade e os homens que deram uma amostra de sêmen em uma visita a uma clínica de fertilidade, podem razoavelmente ter uma contagem menor do que, digamos, homens saudáveis selecionados como doadores para um banco de sêmen). Alguns cientistas acreditam que técnicas mais antigas e menos precisas para esta contagem, podem ter inflado artificialmente os níveis espermáticos de nossos pais e avós, o que faria com que a queda para as contagens atuais parecesse mais acentuada do que é.

É por isso que esta nova meta-análise é tão importante.

Swan, Levine e seus colegas internacionais escolheram cuidadosamente mais de 7.500 artigos revisados por pares antes de restringir sua busca a 185 artigos envolvendo 43.000 homens de todo o mundo. Ao excluir os estudos anteriores a 1973, eles eliminaram algumas das medições mais antigas e menos confiáveis e descartaram quaisquer estudos de homens com complicações conhecidas de fertilidade ou que fossem fumantes, já que fumar reduz a contagem de espermatozoides. Não é perfeito – nenhuma meta-análise é -, mas essa evidência é a melhor que temos atualmente, e as conclusões são perturbadoras. “A comunidade masculina está se aproximando disso aí ”, diz Eisenberg. “Tem havido alguns bons contra-argumentos sobre o declínio do nível de espermatozoides, mas este artigo realmente joga muitos desses argumentos por terra.”

Castração Ambiental

Provar que os níveis de esperma estão caindo já foi difícil o suficiente. Agora destrinchar qual a causa é ainda mais complicado. A obesidade, que tem aumentado dramaticamente nos países ocidentais, ao mesmo tempo em que a contagem de espermatozoides supostamente cai, está ligada à fraca qualidade do sêmen, da mesma forma como a inatividade física. Um estudo de 2013 com estudantes universitários americanos, descobriu que os homens que se exercitavam mais de 15 horas por semana tinham contagem de espermatozoides, 73% maior do que os homens que se exercitavam menos de cinco horas por semana. Já os que assistiram de 20 horas ou mais de TV por semana, tiveram uma contagem muito menor do que aqueles que assistiram pouca ou nenhuma TV. Também o estresse é um fator de risco, assim como o uso de álcool – em ascensão nos EUA – bem como o uso de drogas, que aumenta graças à epidemia dos medicamentos opioides.

Alguns cientistas teorizaram de que os campos eletromagnéticos de dispositivos como celulares poderiam degradar a qualidade do sêmen, levando a espermatozoides fracos e imóveis. Até o calor pode desempenhar algum papel. Sabemos com certeza que altas temperaturas podem matá-los e é por isso que os testículos estão fora do corpo, mantendo-os até 5,4 graus mais frios. Os pesquisadores sabem que as taxas de natalidade diminuem nove meses após uma onda de calor, levando alguns especialistas em infertilidade a acreditarem que as mudanças climáticas podem, na verdade, ser um fator no declínio da contagem de espermatozoides.

A idade também é importante. Em um estudo recente, Laura Dodge, do Centro Médico Beth Israel Deaconess, analisou milhares de tentativas de fertilização in vitro (FIV) realizadas na área de Boston e tentou avaliar o impacto da idade masculina e feminina no seu sucesso. A idade feminina continuou a ser o fator dominante, mas a idade masculina também foi determinante – mulheres com menos de 30 anos com um parceiro masculino entre 40 e 42 anos tiveram uma probabilidade significativamente menor de dar à luz do que aquelas que estavam com homens de 30 a 35 anos. Outras pesquisas mostram que, à medida que os homens envelhecem, seus espermatozoides sofrem um número crescente de mutações, o que, por sua vez, pode tornar um pouco mais provável que seus filhos nasçam com distúrbios como autismo e esquizofrenia. Mães mais velhas podem ser culpadas pela infertilidade, mas um novo estudo descobriu que os novos pais nos Estados Unidos são em média quase quatro anos mais velhos que foi em 1972, enquanto quase 9% dos novos pais americanos têm mais de 40 anos, o dobro de 45 anos atrás. “Dizemos aos homens que a idade não é um problema, mas agora sabemos que o relógio biológico masculino é real”, diz Fisch.

Será então, simplesmente, a própria vida moderna – obesidade, inatividade, estresse, celulares, e até mesmo a paternidade mais velha – que estaria derrubando os níveis de espermatozoides? É o começo de uma resposta, mas ainda totalmente completa. Temos também o tabagismo que, definitivamente, prejudica sua contagem. No entanto, ele caiu significativamente nos Estados Unidos. E esta é uma razão para que um grupo crescente de pesquisadores suspeite da influência de substâncias tóxicas que estão no ambiente – especificamente, produtos químicos encontrados em compostos onde estão o Bisfenol A (BPA) e os ftalatos, que são considerados disruptores endócrinos.

A teoria é realmente simples: estas substâncias químicas, disruptores endócrinos, têm a capacidade de imitar o efeito do estrogênio, hormônio feminizante, podendo assim interferir nos hormônios masculinizantes, como é a testosterona.

Estes químicos são encontrados em muitos produtos plásticos de nosso dia a dia e estão em todo o ambiente, podem estar reconectando com o sensível sistema reprodutor masculino, corroendo tanto a qualidade como a quantidade de espermatozoides. Contribuem até mesmo para o tipo de distúrbios testiculares que alarmaram, primeiramente, o Dr. Skakkebaek anos atrás. A produção de espermatozoides é rigidamente regulada pelos hormônios de nosso corpo, podendo assim qualquer interferência neste processo hormonal – por exemplo, através da exposição a substâncias químicas que desregulam o sistema endócrino – fazer-se sentir primeiro através de danos à quantidade ou qualidade espermática. “Você ainda pode ter espermatozoides, mas [os níveis] podem ser significativamente menores que os do seu pai”, diz a Dra. Germaine Louis, diretora e investigadora sênior do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano Eunice Kennedy Shriver.

A maioria das evidências de como esses produtos químicos afetam os espermatozoides vem de estudos com animais. Um estudo de 2011 descobriu que ratos que receberam injeções diárias de BPA tiveram menor contagem de espermatozoides e menores níveis de testosterona do que aqueles que receberam injeções salinas.

Um estudo surpreendente de 2016 com peixes em refúgios de vida selvagem, no nordeste dos EUA, descobriu que de 60 a 100% de todos os machos estudados tinham óvulos crescendo em seus testículos – uma feminização surpreendente. Os pesquisadores associaram esta anomalia aos disruptores endócrinos presentes nas águas.

Outros estudos mostraram que os ftalatos parecem perturbar a masculinização de ratos jovens de laboratório. Modelos animais não são perfeitos, mas, como ressalta Andrea Gore, toxicologista da Universidade do Texas, “a biologia da reprodução é incrivelmente similar em todos os mamíferos. Somos todos vertebrados e temos os mesmos órgãos e processos reprodutivos que se desenvolvem de forma semelhante, com os mesmos hormônios”.

Os cientistas não podem expor seres humanos aos disruptores endócrinos em um experimento controlado, mas algumas pesquisas recentes, no mundo, encontraram associações entre a exposição ao BPA e aos ftalatos com o declínio na contagem de espermatozoides e a infertilidade masculina em adultos.

Um estudo de 2010 constatou, em operários chineses de De-Kun Li no consórcio transnacional norte americano de atendimento de saúde, Kaiser Permanente, de que níveis crescentes de BPA na urina estavam significativamente relacionados à diminuição na contagem e na qualidade dos espermatozoides, mesmo entre os homens que foram expostos a níveis de BPA comparáveis ​​aos homens na população dos EUA.

Outro estudo de 2014 acompanhou cerca de 500 casais que tentaram conceber, descobrindo de que a exposição ao ftalato entre os homens, estava ligada a redução de suas fertilidades. Essas descobertas são todas associações, significando que, embora a exposição a diruptores endócrinos seja mais provável de ser encontrada em homens que sofrem de fertilidade reduzida, o que não significa que estes produtos químicos em si sejam definitivamente a causa. Mas os estudos estão tendo alguma lógica. “Para alguns destes disruptores endócrinos como os ftalatos, a evidência básica é forte suficiente de que afetam a saúde reprodutiva”, diz a epidemiologista Dra. Louis, que realizou o estudo dos ftalatos.

Ainda mais preocupante, mas mais difícil de comprovar, é o dano que os disruptores endócrinos podem estar causando antes mesmo do nascimento. Quando um feto se desenvolve no útero materno, ele é bombardeado por hormônios e outras substâncias químicas que modelam seu desenvolvimento. Isso inclui o sistema reprodutivo masculino. Os testículos são formados e maturados no útero. Embora os níveis dos espermatozoides possam ser alterados na idade adulta, parecem ser, em grande parte, definidos mesmo antes de o menino nascer. Isso significa que podemos ver os níveis de espermatozoides continuarem a diminuir por anos, já que os meninos que foram expostos aos disruptores endócrinos antes do nascimento ao atingirem a idade reprodutiva, enfrentarão problemas ao tentar gerar seus próprios filhos. “Essa tendência não mudou e não vai se alterar sozinha”, diz a Dra. Swan, que vem estudando os efeitos destes disruptores endócrinos, há décadas. “Não temos muito tempo a perder”.

O Bebê Sem Crescimento

Se isso é uma crise, por que o establishment médico ainda está discutindo a precisão dos métodos estatísticos que aproximam os níveis de espermatozoides de um grande número de estudos? Tentar descobrir o que está acontecendo com os níveis dos espermatozoides não é como tentar criar uma vacina contra o HIV. Os pesquisadores poderiam seguir uma coorte de homens representativos desde o início de sua idade adulta até os anos reprodutivos, tomando amostras regulares de sêmen sob as mesmas condições e acompanhando o estilo de vida e os fatores ambientais, incluindo a exposição aos produtos químicos disruptores endócrinos. Estes estudos de longo prazo não são fáceis ou baratos, mas, de alguma forma, conseguíamos afastá-los de certas doenças, como as cardiovasculares e o câncer. O futuro da raça humana – se houver um – parece estar se qualificando como um tópico importante para explorarmos com profundidade. “Por que estamos brincando com isso?”, reflete o professor Allan Pacey, um especialista em fertilidade masculina da Universidade de Sheffield, na Inglaterra. “Devemos apenas responder a esta pergunta.”

No entanto, nenhum estudo abrangente sobre a qualidade dos espermatozoides foi ainda financiado. Os médicos estão relutantes mesmo de solicitar aos homens, amostras de seus sêmen, bem como os homens também estão relutantes em fornecê-las — embora, como sarcasticamente o Dr. Eisenberg observa, “seja bem mais prazerosa para o paciente do que uma coleta de sangue”

“A infertilidade masculina vem sendo ignorada há 30 anos”, diz Christopher Barratt, professor de medicina reprodutiva da Universidade de Dundee, na Escócia. “O que entendemos pode ser escrito sobre um selo postal”.

O homem comum sabe muito, mas muito pouco mesmo sobre este tema. Poucos poderiam até nomear a especialidade médica que cobre a saúde reprodutiva masculina – a urologia – e menos ainda os que já visitaram um deles, uma vez que há menos de 12.000 nos EUA, cerca de um terço do número quando comparados com os da área de OB-GYNs (nt.: sigla para as especialidades femininas da obstetrícia e da ginecologia) no país. Além de alguns fóruns on-line, não há sistemas de apoio reais para homens com problemas de infertilidade. Muitos homens carecem de conhecimentos básicos sobre fatores de risco quanto à infertilidade. Um estudo canadense de 2016 descobriu que os homens poderiam identificar apenas cerca de 50% dos riscos potenciais para a produção de espermatozoides, em grande parte por não terem noção sobre as conhecidas ameaças como a obesidade e andar frequentemente de bicicleta por amassar, pela posição, os testículos e assim prejudicar a produção de espermatozoides. “A maioria dos homens está convencida de que quando eles quiserem ter filhos, estarão completamente aptos”, diz Phyllis Zelkowitz, diretora de pesquisa do Hospital Geral Judaico de Montreal e principal autora do estudo. “Mas esse não é o caso de um bom número de homens.”

A contínua ignorância quanto à infertilidade masculina é, a seu modo, outra forma de expressão dos privilégios masculinos. Fingir de que a gravidez é quase que só uma responsabilidade feminina significa que as mulheres são forçadas a carregar o peso e a culpa quando algo dá errado. Enquanto isso os homens, que são tão vitais para uma concepção saudável quanto às mães, raramente se preocupam sobre como seus estilos de vida afetam sua própria fertilidade ou seus possíveis filhos. “As mulheres muitas vezes são enviadas para procedimentos invasivos e caros para se avaliar a fertilidade antes mesmo que haja um teste sobre os espermatozoides dos homens”, diz Barbara Collura, da Resolve: a National Infertility Association.

Assim, os homens estão ficando livres enquanto suas parceiras se submetem a tratamentos dolorosos e caros de fertilidade. Bem, não exatamente. A produção constante de novos espermatozoides torna o sêmen altamente sensível a toxinas e doenças, tornando-o um indicador ideal para mostrar a saúde masculina – da mesma forma “como a pressão sanguínea”, coloca a Dra. Louis. Assim vai muito além do que ser somente um sinalizador de fertilidade.

Níveis pobres de espermatozoides e infertilidade são um sinal claro de que a saúde dos homens está periclitante. Um estudo de 2015 constatou que os homens diagnosticados com infertilidade têm um risco muito maior de desenvolverem problemas de saúde como doenças cardíacas, diabetes e abuso de álcool. Já outro relaciona infertilidade a câncer. “A qualidade do sêmen não é apenas um sinal para que o casal engravide”, diz a Dra. Louis. “Há cada vez mais evidências, em nível populacional, de que homens com qualidade diminuída de seu sêmen morrem mais cedo além de terem mais doenças crônicas. Isso é tão importante para a saúde quanto qualquer outro estado de doença”.

Que a saúde reprodutiva masculina seja em grande parte ignorada diante dessas preocupações é um exemplo notável do que Cynthia Daniels, cientista política da Universidade Rutgers e autora de Expondo Homens: A Ciência e a Política da Reprodução Masculina, chama de “paradoxo do privilégio masculino”. Uma sociedade que valoriza os homens em detrimento das mulheres presumivelmente gastaria dinheiro e recursos para determinar exatamente o que está acontecendo com a contagem de espermatozoides bem como sua saúde reprodutiva. Mas isso correria o risco de confirmar que os homens, que são socialmente condicionados a pensarem em si mesmos como indestrutíveis, seriam de fato vulneráveis ​​- e vulneráveis ​​naquela parte de si mesmos mais vital para sua masculinidade. No momento em que outros talismãs da masculinidade, como a capacidade de sustentar financeiramente uma família, estão sob ataque, reconhecer o risco para a reprodução, poderá parecer ainda mais ameaçador para eles. “Reconhecer o problema da saúde reprodutiva masculina desvenda a noção de quem são os homens e como eles alcançam sua masculinidade”, diz Daniels. “Parece ser mais importante proteger nossos padrões de masculinidade e relações tradicionais de gênero do que lidarmos com as necessidades reais de sua saúde.”

Uma maneira de atingir esse objetivo é permitir que os homens assumam a responsabilidades sobre sua saúde reprodutiva. É o que Greg Sommer, diretor científico da Sandstone Diagnostics, está tentando fazer com o Trak (Trak), um kit que os homens podem usar para avaliarem seus níveis de espermatozoides. É um dos vários serviços similares de testes de espermatozoides que oferecem aos homens a chance de avaliarem sua própria fertilidade sem entrarem em um consultório médico. Essa abordagem é mais do que uma mera conveniência, porque os homens são significativamente menos propensos a procurar o médico do que as mulheres, especialmente os homens em seus primeiros anos reprodutivos, quando sua saúde provavelmente é boa.

É necessária uma mudança real e substancial das comunidades médicas e de financiamento para se lidar com a crise da infertilidade masculina. Pode ser verdade, como os céticos rebateram após a publicação da metanálise de Swan e Levine, de que estamos longe de diminuir as contagens de espermatozoides como um anúncio do fim da raça humana, pelo menos como retratado em obras de arte pop como The Children of Men (nt.: romance distópico do escritor inglês P.D. James, de 1992, que trata de uma sociedade com infertilidade generalizada) e The Handmaid’s Tale (nt.: romance da escritora canadense, Margaret Atwood, de 1985 que também trata de uma sociedade que fica infértil). Milhões de homens e mulheres estão tendo filhos todos os dias – mesmo que um número crescente precise de ajuda artificial como a fertilização in vitro. No entanto, cada vez mais países se veem incapazes de elevar suas taxas de fertilidade acima do nível necessário para substituir sua população, levando um proeminente demógrafo a profetizar que o mundo já atingiu o “pico da criança”.

É difícil não pensar e não se preocupar com o que está por vir. “É uma mensagem inconveniente, mas a espécie está sob ameaça e isso deve ser um alerta para todos nós”, diz o Dr. Skakkebaek. “Se isso não mudar em uma geração, será uma sociedade enormemente diferente para nossos netos e seus filhos”

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2019.