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ESTADOS UNIDOS - Publicação "NEW SCIENTIST"
/ AGOSTO, 26, 1995. "O
DESAPARECIMENTO DE PARTE DE NOSSOS ESPERMATOZÓIDES"
Este cenário, chocante,
foi inspirado no emocionante livro de P.D.James, "The Children
of Men" (Os filhos dos homens).
Alguma coisa disto aí poderia ser verdadeiro ? Estariam mesmo,
certos poluentes alterando a saúde reprodutiva tanto de humanos como
da vida selvagem ? "Todos
os que participam do movimento ecológico estão com a respiração em suspenso.
Pensam - meu Deus - e se for assim mesmo ?", diz Gwynne Lyons,
consultora sobre poluição do "World Wide Fund for Nature"
(Fundo Mundial pela Natureza). Sua organização juntamente com o "Friends
of the Earth" (Amigos da Terra) e o "Greenpeace", desencadearam
recentemente uma campanha contra à dispersão no ambiente, destes poluentes
conhecidos como tipo-hormônios ou "disruptores
endócrinos". Paralelamente, ela acredita que nós precisamos de
uma rápida ação para se reduzir a exposição tanto de humanos como da
vida selvagem a estes químicos seja através da água, da alimentação
ou do ar.
ESTATÍSTICAS
FALHAS Ainda
no mês do julho de 1995, um relatório do governo britânico, originário
do "Institute of Enviromment and Health" (Instituto de Meio
Ambiente e Saúde) de Leicester, encontrou uma evidência indireta de
uma interligação entre estes químicos ambientais e problemas reprodutivos
em pessoas. Conclui que "atualmente, é muito difícil correlacionar"
se estes estrógenos ambientais poderiam ser
responsabilizados pela queda do número de espermatozóides ou
pela elevação das taxas de canceres testiculares. Lewis Smith, diretor
deste Instituto, acrescenta que banir estes químicos suspeitos poderia ser prematuro. Já outros estão totalmente
céticos. "Não estou, absolutamente, nada preocupado", diz
Jack Cohen, biólogo e pesquisador junto à "Univerty of Warwick".
Acredita que a alegada queda do número de espermatozóides está baseada
em estatísticas falhas. E então, quem está certo
? A maioria dos pesquisadores
concorda que uma sobredose de químicos estrogênicos pode afetar o feto.
Hormônios sexuais como os estrogênios influenciam no desenvolvimento
do sistema reprodutivo do feto em formação, incluindo as "células
de Sertoli" que controlam a futura produção de espermatozóides.
E desde que hormônios sexuais possam também estimular a proliferação
de células cancerosas, em tese os químicos ambientais que mimetizam
estes hormônios poderão ser responsáveis pela elevação de cânceres dos
testículos. Teoricamente também, tais químicos podem danificar a saúde
reprodutiva da mulher. De fato, pesquisadores da área médica já têm
constatado o que pode ocorrer na vida dos fetos mais tarde quando expostos
à presença excessiva de hormônios durante a gravidez, graças ao famoso
"erro médico". Entre os anos quarenta e o final dos anos setenta, clínicos prescreviam
uma droga sintético, um estrogênio, o DES ou Dietilestilbestrol, a um
número estimado de 2 a 3 milhões de mulheres grávidas em todo o mundo.
Acreditavam que isto poderia prevenir abortos. As crianças adultas de
mães que tomaram DES estão agora conscientes do enorme risco de se desenvolverem
vários tipos de cânceres em seu sistema reprodutivo. Sofrem também uma
alta incidência de infertilidade e outros problemas reprodutivos. Mas o fato de que certas
substâncias podem danificar a saúde reprodutiva, não significa necessariamente
que todos os químicos aos quais a população está exposta, permanentemente
no seu dia-a-dia, provoquem isto atualmente. Estabelecer, cientificamente,
tal interligação não é uma tarefa fácil. A maioria das evidências acumuladas
até agora tem primado pela incerteza. A maior das evidências
de que alguma coisa está acontecendo, origina-se dos exames da saúde
reprodutiva de homens. Em particular, de amostras de sêmen analisadas
tanto em bancos de sêmen como em centros de fertilidade. De acordo com
estudos na Dinamarca, Escócia e França, nos últimos três anos, o número
de espermatozóides gerados em uma ejaculação por um homem médio "normal"
caiu substancialmente - quase a metade - comparado com amostras tomadas
há 50 anos atrás. Durante o mesmo período de tempo, a taxa de câncer
de testículos em homens adultos, duplicou. Como também, aparentemente,
o aumento no número de jovens que nasceram com o pênis e os testículos
deformados. Dois anos atrás, uma equipe de pesquisadores anglo-dinamarquesa
constatou a interligação de todas estas observações. Richard Sharpe,
da "MRC's Reproductive Biology Unit" de Edinburg e Niels Skakkebaek,
da Universidade de Copenhagen, argumentaram de que substâncias químicas
que mimetizavam estrógenos no meio ambiente, podem danificar fetos machos
no útero materno. "Isto é somente uma hipótese", enfatiza
Sharpe, "mas todos os fatos se encaixam." O problema é que o "fato"
central deste caso - que as quantidade e qualidade dos espermatozóides
declinaram - é fortemente controvertido. Um amplo estudo norte-americano,
publicado em 1979, não encontrou
evidências para algum declínio de 1951 a 1977. E estudos mais recentes
de pesquisadores ingleses e norte-americanos também o têm atacado. No
ano passado, por exemplo, Cohen junto com Ian Stewart, matemático também
de Warwick, publicaram um artigo no "British Medical Journal"
no qual enfatizam ter encontrado falhas estatísticas no estudo dinamarquês
que primeiro reportou este declínio. O trabalho é falho, diz Cohen,
porque a WHO (Organização Mundial da Saúde) "trocou os referenciais",
aumentando os baixos limites do número "normal" de espermatozóides,
na metade dos anos sessenta. "A troca no valor de referência vale
para quase todo o declínio e o que restou é provavelmente só ruído estatístico",
comenta Stewart. No início deste ano
em curso, um grupo de epidemiologistas da Dow Chemical Company, da Shell
Chemical e do "Baylor College of Medicine" em Houston, reanalizaram
os dados do estudo dinamarquês, utilizando três diferentes modelos estatísticos,
num trabalho publicado no "Fertility and Sterility". Os pesquisadores
avaliaram que o modelo de regressão linear usado pelo estudo dinamarquês,
se extrapolado no tempo, "prognostica o colapso dos meios tradicionais
de procriação em torno da metade do próximo século". Modelos alternativos
nos quais se adequou perfeitamente os dados, sugerem que a média dos
números de espermatozóides teriam
crescido desde o final dos anos setenta, enquanto numa terceira abordagem,
modelo "degrau-a-degrau", indicava que a maior queda aconteceu
no meio dos anos sessenta com números constantes, desde então. O estudo mais recente,
de doadores parisienses de esperma, presta-se melhor para averiguação
estatística. Contudo, revendo todos os estudos publicados, o relatório
do "Institute for Enviromment and Health" conclui que a evidência
para quedas nos números de espermatozóides "não são inteiramente
convincentes". Se comprovar que o número
de espermatozóides está caindo é difícil, estabelecer uma interligação
direta com químicos ambientais específicos - e levando-se em conta os
efeitos das mudanças de estilo de vida e dieta da população - é ainda
muito mais complexo. Certamente, a lista dos químicos alegados que mimetizam
ou interferem com os hormônios sexuais, é neste momento imensa. Inclui
químicos industriais onipresentes e substâncias originárias da combustão
de produtos petroquímicos tais como os hidrocarbonetos policíclicos
aromáticos (PAH's - sigla em inglês), policlorados bifenilos (PCB's)
e as dioxinas; os ftalatos que são agregados aos plásticos como aditivos
e utilizados como ingredientes em tintas, pigmentos e adesivos; as substâncias
alquilfenólicas (como os octil e nonilfenóis) que são metabólitos de
polietoxilatos alquilfenóis (APE's - sigla em inglês) utilizados como
sulfactantes em detergentes industriais e domésticos como também em
tintas, herbicidas e alguns plásticos; além dos agrotóxicos organoclorados
como o DDT, aldrin
e dieldrin. TUBULAÇÕES
PLÁSTICA Entretanto,
somente um ínfimo número destes químicos demonstra atualmente comportarem-se,
em testes de laboratório, como um hormônio sexual. A pesquisa que já
deveria ter sido feita, não foi, em parte, porque não estão disponíveis
meios rápidos e fáceis para desvendar os químicos com efeitos estrogênicos.
Nem tampouco a precisão do grau de nossa exposição. O que se conhece
tem sido mais por acidente do que por planejado. Por exemplo, em 1991
Ana Soto da "Tufts University" em Boston, penou para precisar
qual substância, aditivo comum em plásticos, havia migrado da estrutura química dos tubos plásticos para
células em crescimento em laboratório. Ela observou que alguma coisa
estava estimulando o crescimento de um tipo de célula humana de câncer
de mama. O "culprit", substância química do tipo nonilfenol,
transforma-se para agir como um hormônio feminino estrogênico, estimulando
a divisão de células de mama. "A indústria emprega em torno de
300 mil toneladas de APE's (alquilfenol, e octo e nonilfenol) a cada
ano. 60% delas acabam nas águas", diz Charles Tyler, pesquisador
que estuda estrogênios no meio ambiente junto com o endocrinologista
de peixes John Sumpter na "Brunel University". Seu mais novo
trabalho, a ser publicado no "Envirommental Health Perspectives",
relata um experimento com ratas de laboratório prenhes alimentadas com
nonilfenóis em doses comparáveis com aquelas que a espécie humana está
exposta. Na maturidade, os machos da ninhada apresentam testículos significativamente
menores e números mais baixos de espermatozóides. Sumpter começou sua
investigação, na metade dos anos oitenta, quando peixes ("diabo
marinho") começaram a apresentar uma estanha aparência, tinham
genitálias indefinidas. Com recursos oficiais,
desenvolveu uma pesquisa colocando peixes machos (truta arco-íris
genuína) em gaiolas, próximas
das descargas de esgotos nos rios. Serviriam como "bio-indicadores"
sensíveis à poluição hormonal. Se os machos detectassem estrogênios,
diz Sumpter, passariam a produzir uma proteína da gema de ovo, vitelogenina,
usualmente produzida, em quantidade, somente pelas fêmeas. Quanto mais
vitelogenina no seu sangue, mais estrogênio no rio, supõe Sumpter. Ele
encontrou machos, em 30 locais diferentes nos rios britânicos, produzindo
vitelogenina em volume considerável. "Fisiologicamente, eles estavam
se comportando como fêmeas", ele diz. O agrotóxico DDT também
foi identificado como um desregulador endócrino na vida selvagem. Pelo
menos o enorme volume de jacarés machos que apareceram com pênis anormalmente
atrofiados, no Lago Apopka na Flórida, em razão de uma poluição acidental
pelo derrame de agrotóxicos em 1980. Como resultado constatou-se que
a maioria dos répteis machos estavam estéreis. Concluiu-se que, pela
exposição ao veneno tipo do DDT, o dicofol, estava-se frente a um produto
do tipo estrogênio "feminilizador". Mas um novo capítulo seria
adicionado a esta história. Em junho daquele mesmo ano, Willian Kelce,
da EPA (sigla em inglês da Agência de Proteção Ambiental do USA-nt)
e seus colegas relataram na "Nature" que o DDE, o metabólito
mais importante do DDT, é um "antiandrogênio". Ou seja, ao
mesmo tempo que atua como um estrogênio (hormônio feminino) também bloqueia
a ação de hormônios androgênios "masculinos". Como se fosse uma chave
errada que se encaixa, perfeitamente, na fechadura mas não tem condições
de abri-la, todos os compostos
desreguladores endócrinos podem se conectar com os receptores dos hormônios
na membrana das células humanas. Assim, o DDE conecta-se ao receptor
do androgênio, por exemplo, enquanto o nonilfenol conecta-se ao receptor
do estrogênio. Uma vez aderido fortemente ao receptor, estes hormônios
artificiais passam a se comportar anormalmente. Eles estimulam somente
algumas das reações bioquímicas que normalmente seriam feitas por androgênios
ou estrogênios genuínos. E ainda mais, basta sua presença junto aos
receptores para bloquearem as linhas normais de comunicação entre o
hormônio natural e a célula. Na nomenclatura popular
está se tratando estas substâncias como "emasculadoras" ou
de "químicos que agridem o sexo masculino". Mas tanto as mulheres
como as fêmeas de animais selvagens também estão sob risco. Por exemplo,
uma epidemia de ovos inférteis postos por gaivotas do oeste, andorinhas
rosadas e outras fêmeas na costa do Pacífico dos Estados Unidos, foi
recentemente atribuída aos efeitos estrogênicos do DDT e dos PCB's. Alguns acreditam que
os compostos estrogênicos no meio ambiente podem estar contribuindo
para a constância no aumento nos níveis de câncer de mama. Mas na Inglaterra, em
geral, os epidemiologistas estão céticos sobre estas questões. "Não
houve uma elevação súbita de mortes de câncer de mama desde que os agrotóxicos
foram introduzidos", diz Valerie Beral, diretora do "Imperial
Cancer Research Fund's Cancer Epidemiology
Unit" em Oxford. A crescente tendência de mulheres em ter
menos filhos e mais tarde em suas vida, pode ser provavelmente um dos
grandes responsáveis, suspeita ela. Analogamente, a constante elevação
das taxas de câncer de testículos pode também estar interligada às marcantes
mudanças no estilo de vida após a 2ª Guerra Mundial. Procurar responsabilizar
os químicos estrogênicos quanto aos problemas de saúde humana, precisar-se-ia
também computar o fato de que os fetos estão inevitavelmente expostos
pela corrente sanguínea de suas mães a serem inundados com estrogênios
durante a gravidez. Mas Sharpe e seus colaboradores argúem de que enquanto
os fetos podem estar de alguma forma protegidos contra os estrogênios
naturais, não estariam a salvo
dos mimetizadores sintéticos. Um indício de que estrogênios
naturais encontrados em plantas são benéficos, é a longevidade e a boa
saúde dos japoneses. A dieta japonesa é extraordinariamente rica em
mimetizadores de estrogênios produzidos por plantas como a soja. Da
mesma forma não há sinais de infertilidade crescente no Japão e as taxas
nacionais de câncer estão entre as mais baixas do mundo. De fato, nutricionistas
tanto da "MRC Dunn Nutrition Unit" de Cambridge como de outros
centros, suspeitam de que uma dieta rica em estrogênios vegetais pode
baixar drasticamente os riscos de mulheres desenvolverem câncer de mama GORDURA
CONTAMINADA Estrogênios
de plantas podem ser algo com o qual nós evoluímos para melhorar nossa
adaptabilidade, sugere Lyons do WWF. "O que é novo são os químicos
artificiais mimetizarem hormônios". Certamente, a habilidade de
químicos sintéticos como o DDT, os ftalatos e os APE's acumularem-se
nos tecidos gordurosos dos organismos, é que os coloca dissociados dos
estrogênios naturais de plantas, tornando-os muito mais perigosos. Estes
químicos podem ser captados por algas e peixes em quantidades mínimas
(traço) em rios, lagos e mar, multiplicando sua presença em milhares
de vezes quando no processo da cadeia alimentar. Podem então ser armazenados
na gordura humana. Se esta gordura é metabolizada, como muitas vezes
ocorre nas primeiras fases da gravidez, poluentes concentrados poderão
circular por todos os sistemas do organismo. Podem também ter efeitos
cumulativos, como os pesquisadores da "Brunel University"
descobriram. Quando peixes foram expostos a uma mistura de compostos
estrogênicos, a resposta com a proteina viteloginina foi muito maior
do que se cada químico tivesse sido agregado sozinho, diz Tyler. A conclusão
aqui é que mesmo se o estrogênio químico for muito menos poderoso do
que esteróides naturais - e alguns compostos tipo-PCB são conhecidos
como sendo um milhão de vezes menos potente - os efeitos combinados
da miscelânea de diferentes químicos podem ser ainda notáveis. "Nós
estamos particularmente preocupados com as dezenas ou centenas de diferentes
substâncias atuando sobre os mesmos receptores hormonais", diz
Lyons, "e que mesmo pequenas quantidades de poluentes no meio ambiente
podem ser suficientes para gerar efeitos completos". Um relatório produzido
para o governo dinamarquês e publicado no início deste ano em curso,
proclama por pesquisas urgentes, principalmente em relação à exposição
de mulheres em idade de procriação aos poluentes estrogênicos. Chama a atenção também de que os métodos existentes
para testar a toxicidade podem não detectar os efeitos nefastos dos
poluentes estrogênicos. Nos Estados Unidos, ambientalistas veteranos
têm clamado para que os novos químicos sejam avaliados quanto a sua
habilidade de mimetizar hormônios antes de serem liberados
no meio ambiente. Sumpter e seus colaborados têm trabalhado para
desenvolver uma cepa de fermento, alterada geneticamente, que contenha
o receptor do estrogênio humano. Isto poderia ser uma via para avaliação
de milhares de químicos e transformar-se num teste padrão para os efeitos
estrogênicos. O relatório do "Institute
for Enviromment and Helath", aceito pelo governo, levanta de que
mais pesquisas precisam ser feitas antes de os químicos serem banidos.
"É o maior pesadelo tentar descortinar-se o que está ocorrendo
bem como se descobrir a quantidade de estrogênios existe e quais são
suas conseqüências. Serão necessários mais de 50 anos de pesquisa",
diz Sumpter. Mas Lyons e seus companheiros militantes dizem que nós
não podemos esperar por provas científicas de causa e efeito. "Com
a exposição múltipla a estes químicos e em todos os lugares, será praticamente
impossível ter-se uma prova", argumenta. "Nós precisamos agir
agora em função do peso das evidências, no sentido de se reduzir a liberação
destas substâncias." Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, Porto Alegre /RS, nov. de 1996. |