ESTADOS UNIDOS - Publicação "NEW SCIENTIST" / AGOSTO, 26, 1995.

"O DESAPARECIMENTO DE PARTE DE NOSSOS ESPERMATOZÓIDES"

                           A qualidade dos espermatozóides humanos declinou, constantemente, nos primeiros anos do século XXI, até o ponto em que dificilmente qualquer homem  pudesse reproduzir pelas vias normais. Enquanto isto, áreas rurais ficaram virtualmente vazias de animais como as populações naturais definharam. Os primeiros indícios iminentes desta catástrofe foram observados em 1990. No entanto, poucas pessoas deram crédito de que o coquetel de poluentes que mimetizavam hormônios poderia ter efeitos de tal magnitude. E assim nada foi feito, até o instante em que já era tarde demais.

                         Este cenário, chocante, foi inspirado no emocionante livro de P.D.James, "The Children of Men" (Os filhos dos homens).  Alguma coisa disto aí poderia ser verdadeiro ? Estariam mesmo, certos poluentes alterando a saúde reprodutiva tanto de humanos como da vida selvagem ?  "Todos os que participam do movimento ecológico estão com a respiração em suspenso. Pensam - meu Deus - e se for assim mesmo ?", diz Gwynne Lyons, consultora sobre poluição do "World Wide Fund for Nature" (Fundo Mundial pela Natureza).  Sua organização juntamente com o "Friends of the Earth" (Amigos da Terra) e o "Greenpeace", desencadearam recentemente uma campanha contra à dispersão no ambiente, destes poluentes conhecidos como tipo-hormônios ou "disruptores endócrinos". Paralelamente, ela acredita que nós precisamos de uma rápida ação para se reduzir a exposição tanto de humanos como da vida selvagem a estes químicos seja através da água, da alimentação ou do ar. 

 

ESTATÍSTICAS FALHAS 

                         Ainda no mês do julho de 1995, um relatório do governo britânico, originário do "Institute of Enviromment and Health" (Instituto de Meio Ambiente e Saúde) de Leicester, encontrou uma evidência indireta de uma interligação entre estes químicos ambientais e problemas reprodutivos em pessoas. Conclui que "atualmente, é muito difícil correlacionar" se estes estrógenos ambientais poderiam ser  responsabilizados pela queda do número de espermatozóides ou pela elevação das taxas de canceres testiculares. Lewis Smith, diretor deste Instituto, acrescenta que banir  estes químicos suspeitos poderia ser prematuro.

                         Já outros estão totalmente céticos. "Não estou, absolutamente, nada preocupado", diz Jack Cohen, biólogo e pesquisador junto à "Univerty of Warwick". Acredita que a alegada queda do número de espermatozóides está baseada em estatísticas falhas.

                         E então, quem está certo ?

                         A maioria dos pesquisadores concorda que uma sobredose de químicos estrogênicos pode afetar o feto. Hormônios sexuais como os estrogênios influenciam no desenvolvimento do sistema reprodutivo do feto em formação, incluindo as "células de Sertoli" que controlam a futura produção de espermatozóides. E desde que hormônios sexuais possam também estimular a proliferação de células cancerosas, em tese os químicos ambientais que mimetizam estes hormônios poderão ser responsáveis pela elevação de cânceres dos testículos. Teoricamente também, tais químicos podem danificar a saúde reprodutiva da mulher. De fato, pesquisadores da área médica já têm constatado o que pode ocorrer na vida dos fetos mais tarde quando expostos à presença excessiva de hormônios durante a gravidez, graças ao famoso "erro médico".  Entre os anos quarenta e o final dos anos setenta, clínicos prescreviam uma droga sintético, um estrogênio, o DES ou Dietilestilbestrol, a um número estimado de 2 a 3 milhões de mulheres grávidas em todo o mundo. Acreditavam que isto poderia prevenir abortos. As crianças adultas de mães que tomaram DES estão agora conscientes do enorme risco de se desenvolverem vários tipos de cânceres em seu sistema reprodutivo. Sofrem também uma alta incidência de infertilidade e outros problemas reprodutivos.

                         Mas o fato de que certas substâncias podem danificar a saúde reprodutiva, não significa necessariamente que todos os químicos aos quais a população está exposta, permanentemente no seu dia-a-dia, provoquem isto atualmente. Estabelecer, cientificamente, tal interligação não é uma tarefa fácil. A maioria das evidências acumuladas até agora tem primado pela incerteza.

                         A maior das evidências de que alguma coisa está acontecendo, origina-se dos exames da saúde reprodutiva de homens. Em particular, de amostras de sêmen analisadas tanto em bancos de sêmen como em centros de fertilidade. De acordo com estudos na Dinamarca, Escócia e França, nos últimos três anos, o número de espermatozóides gerados em uma ejaculação por um homem médio "normal" caiu substancialmente - quase a metade - comparado com amostras tomadas há 50 anos atrás. Durante o mesmo período de tempo, a taxa de câncer de testículos em homens adultos, duplicou. Como também, aparentemente, o aumento no número de jovens que nasceram com o pênis e os testículos deformados.

                         Dois anos atrás, uma equipe de pesquisadores anglo-dinamarquesa constatou a interligação de todas estas observações. Richard Sharpe, da "MRC's Reproductive Biology Unit" de Edinburg e Niels Skakkebaek, da Universidade de Copenhagen, argumentaram de que substâncias químicas que mimetizavam estrógenos no meio ambiente, podem danificar fetos machos no útero materno. "Isto é somente uma hipótese", enfatiza Sharpe, "mas todos os fatos se encaixam."

                         O problema é que o "fato" central deste caso - que as quantidade e qualidade dos espermatozóides declinaram - é fortemente controvertido. Um amplo estudo norte-americano, publicado em 1979,  não encontrou evidências para algum declínio de 1951 a 1977. E estudos mais recentes de pesquisadores ingleses e norte-americanos também o têm atacado. No ano passado, por exemplo, Cohen junto com Ian Stewart, matemático também de Warwick, publicaram um artigo no "British Medical Journal" no qual enfatizam ter encontrado falhas estatísticas no estudo dinamarquês que primeiro reportou este declínio. O trabalho é falho, diz Cohen, porque a WHO (Organização Mundial da Saúde) "trocou os referenciais", aumentando os baixos limites do número "normal" de espermatozóides, na metade dos anos sessenta. "A troca no valor de referência vale para quase todo o declínio e o que restou é provavelmente só ruído estatístico", comenta Stewart.

                         No início deste ano em curso, um grupo de epidemiologistas da Dow Chemical Company, da Shell Chemical e do "Baylor College of Medicine" em Houston, reanalizaram os dados do estudo dinamarquês, utilizando três diferentes modelos estatísticos, num trabalho publicado no "Fertility and Sterility". Os pesquisadores avaliaram que o modelo de regressão linear usado pelo estudo dinamarquês, se extrapolado no tempo, "prognostica o colapso dos meios tradicionais de procriação em torno da metade do próximo século". Modelos alternativos nos quais se adequou perfeitamente os dados, sugerem que a média dos números  de espermatozóides teriam crescido desde o final dos anos setenta, enquanto numa terceira abordagem, modelo "degrau-a-degrau", indicava que a maior queda aconteceu no meio dos anos sessenta com números constantes, desde então.

                         O estudo mais recente, de doadores parisienses de esperma, presta-se melhor para averiguação estatística. Contudo, revendo todos os estudos publicados, o relatório do "Institute for Enviromment and Health" conclui que a evidência para quedas nos números de espermatozóides "não são inteiramente convincentes".

                         Se comprovar que o número de espermatozóides está caindo é difícil, estabelecer uma interligação direta com químicos ambientais específicos - e levando-se em conta os efeitos das mudanças de estilo de vida e dieta da população - é ainda muito mais complexo. Certamente, a lista dos químicos alegados que mimetizam ou interferem com os hormônios sexuais, é neste momento imensa. Inclui químicos industriais onipresentes e substâncias originárias da combustão de produtos petroquímicos tais como os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAH's - sigla em inglês), policlorados bifenilos (PCB's) e as dioxinas; os ftalatos que são agregados aos plásticos como aditivos e utilizados como ingredientes em tintas, pigmentos e adesivos; as substâncias alquilfenólicas (como os octil e nonilfenóis) que são metabólitos de polietoxilatos alquilfenóis (APE's - sigla em inglês) utilizados como sulfactantes em detergentes industriais e domésticos como também em tintas, herbicidas e alguns plásticos; além dos agrotóxicos organoclorados como o DDT, aldrin e dieldrin.  

TUBULAÇÕES PLÁSTICAS 

                         Entretanto, somente um ínfimo número destes químicos demonstra atualmente comportarem-se, em testes de laboratório, como um hormônio sexual. A pesquisa que já deveria ter sido feita, não foi, em parte, porque não estão disponíveis meios rápidos e fáceis para desvendar os químicos com efeitos estrogênicos. Nem tampouco a precisão do grau de nossa exposição. O que se conhece tem sido mais por acidente do que por planejado.

                         Por exemplo, em 1991 Ana Soto da "Tufts University" em Boston, penou para precisar qual substância, aditivo comum em plásticos, havia migrado da  estrutura química dos tubos plásticos para células em crescimento em laboratório. Ela observou que alguma coisa estava estimulando o crescimento de um tipo de célula humana de câncer de mama. O "culprit", substância química do tipo nonilfenol, transforma-se para agir como um hormônio feminino estrogênico, estimulando a divisão de células de mama. "A indústria emprega em torno de 300 mil toneladas de APE's (alquilfenol, e octo e nonilfenol) a cada ano. 60% delas acabam nas águas", diz Charles Tyler, pesquisador que estuda estrogênios no meio ambiente junto com o endocrinologista de peixes John Sumpter na "Brunel University". Seu mais novo trabalho, a ser publicado no "Envirommental Health Perspectives", relata um experimento com ratas de laboratório prenhes alimentadas com nonilfenóis em doses comparáveis com aquelas que a espécie humana está exposta. Na maturidade, os machos da ninhada apresentam testículos significativamente menores e números mais baixos de espermatozóides.

                         Sumpter começou sua investigação, na metade dos anos oitenta, quando peixes ("diabo marinho") começaram a apresentar uma estanha aparência, tinham genitálias indefinidas. Com recursos oficiais,  desenvolveu uma pesquisa colocando peixes machos (truta arco-íris genuína) em gaiolas,  próximas das descargas de esgotos nos rios. Serviriam como "bio-indicadores" sensíveis à poluição hormonal. Se os machos detectassem estrogênios, diz Sumpter, passariam a produzir uma proteína da gema de ovo, vitelogenina, usualmente produzida, em quantidade, somente pelas fêmeas. Quanto mais vitelogenina no seu sangue, mais estrogênio no rio, supõe Sumpter. Ele encontrou machos, em 30 locais diferentes nos rios britânicos, produzindo vitelogenina em volume considerável. "Fisiologicamente, eles estavam se comportando como fêmeas", ele diz.

                         O agrotóxico DDT também foi identificado como um desregulador endócrino na vida selvagem. Pelo menos o enorme volume de jacarés machos que apareceram com pênis anormalmente atrofiados, no Lago Apopka na Flórida, em razão de uma poluição acidental pelo derrame de agrotóxicos em 1980. Como resultado constatou-se que a maioria dos répteis machos estavam estéreis. Concluiu-se que, pela exposição ao veneno tipo do DDT, o dicofol, estava-se frente a um produto do tipo estrogênio "feminilizador". Mas um novo capítulo seria adicionado a esta história. Em junho daquele mesmo ano, Willian Kelce, da EPA (sigla em inglês da Agência de Proteção Ambiental do USA-nt) e seus colegas relataram na "Nature" que o DDE, o metabólito mais importante do DDT, é um "antiandrogênio". Ou seja, ao mesmo tempo que atua como um estrogênio (hormônio feminino) também bloqueia a ação de hormônios androgênios "masculinos".

                         Como se fosse uma chave errada que se encaixa, perfeitamente, na fechadura mas não tem condições de abri-la,  todos os compostos desreguladores endócrinos podem se conectar com os receptores dos hormônios na membrana das células humanas. Assim, o DDE conecta-se ao receptor do androgênio, por exemplo, enquanto o nonilfenol conecta-se ao receptor do estrogênio. Uma vez aderido fortemente ao receptor, estes hormônios artificiais passam a se comportar anormalmente. Eles estimulam somente algumas das reações bioquímicas que normalmente seriam feitas por androgênios ou estrogênios genuínos. E ainda mais, basta sua presença junto aos receptores para bloquearem as linhas normais de comunicação entre o hormônio natural e a célula.

                         Na nomenclatura popular está se tratando estas substâncias como "emasculadoras" ou de "químicos que agridem o sexo masculino". Mas tanto as mulheres como as fêmeas de animais selvagens também estão sob risco. Por exemplo, uma epidemia de ovos inférteis postos por gaivotas do oeste, andorinhas rosadas e outras fêmeas na costa do Pacífico dos Estados Unidos, foi recentemente atribuída aos efeitos estrogênicos do DDT e dos PCB's.

                         Alguns acreditam que os compostos estrogênicos no meio ambiente podem estar contribuindo para a constância no aumento nos níveis de câncer de mama.

                         Mas na Inglaterra, em geral, os epidemiologistas estão céticos sobre estas questões. "Não houve uma elevação súbita de mortes de câncer de mama desde que os agrotóxicos foram introduzidos", diz Valerie Beral, diretora do "Imperial Cancer Research Fund's Cancer Epidemiology  Unit" em Oxford. A crescente tendência de mulheres em ter menos filhos e mais tarde em suas vida, pode ser provavelmente um dos grandes responsáveis, suspeita ela. Analogamente, a constante elevação das taxas de câncer de testículos pode também estar interligada às marcantes mudanças no estilo de vida após a 2ª Guerra Mundial.

                         Procurar responsabilizar os químicos estrogênicos quanto aos problemas de saúde humana, precisar-se-ia também computar o fato de que os fetos estão inevitavelmente expostos pela corrente sanguínea de suas mães a serem inundados com estrogênios durante a gravidez. Mas Sharpe e seus colaboradores argúem de que enquanto os fetos podem estar de alguma forma protegidos contra os estrogênios naturais,  não estariam a salvo dos mimetizadores sintéticos.

                         Um indício de que estrogênios naturais encontrados em plantas são benéficos, é a longevidade e a boa saúde dos japoneses. A dieta japonesa é extraordinariamente rica em mimetizadores de estrogênios produzidos por plantas como a soja. Da mesma forma não há sinais de infertilidade crescente no Japão e as taxas nacionais de câncer estão entre as mais baixas do mundo. De fato, nutricionistas tanto da "MRC Dunn Nutrition Unit" de Cambridge como de outros centros, suspeitam de que uma dieta rica em estrogênios vegetais pode baixar drasticamente os riscos de mulheres desenvolverem câncer de mama

GORDURA CONTAMINADA 

                         Estrogênios de plantas podem ser algo com o qual nós evoluímos para melhorar nossa adaptabilidade, sugere Lyons do WWF. "O que é novo são os químicos artificiais mimetizarem hormônios". Certamente, a habilidade de químicos sintéticos como o DDT, os ftalatos e os APE's acumularem-se nos tecidos gordurosos dos organismos, é que os coloca dissociados dos estrogênios naturais de plantas, tornando-os muito mais perigosos. Estes químicos podem ser captados por algas e peixes em quantidades mínimas (traço) em rios, lagos e  mar, multiplicando sua presença em milhares de vezes quando no processo da cadeia alimentar. Podem então ser armazenados na gordura humana. Se esta gordura é metabolizada, como muitas vezes ocorre nas primeiras fases da gravidez, poluentes concentrados poderão circular por todos os sistemas do organismo.

                         Podem também ter efeitos cumulativos, como os pesquisadores da "Brunel University" descobriram. Quando peixes foram expostos a uma mistura de compostos estrogênicos, a resposta com a proteina viteloginina foi muito maior do que se cada químico tivesse sido agregado sozinho, diz Tyler. A conclusão aqui é que mesmo se o estrogênio químico for muito menos poderoso do que esteróides naturais - e alguns compostos tipo-PCB são conhecidos como sendo um milhão de vezes menos potente - os efeitos combinados da miscelânea de diferentes químicos podem ser ainda notáveis. "Nós estamos particularmente preocupados com as dezenas ou centenas de diferentes substâncias atuando sobre os mesmos receptores hormonais", diz Lyons, "e que mesmo pequenas quantidades de poluentes no meio ambiente podem ser suficientes para gerar efeitos completos".

                         Um relatório produzido para o governo dinamarquês e publicado no início deste ano em curso, proclama por pesquisas urgentes, principalmente em relação à exposição de mulheres em idade de procriação aos poluentes estrogênicos.  Chama a atenção também de que os métodos existentes para testar a toxicidade podem não detectar os efeitos nefastos dos poluentes estrogênicos. Nos Estados Unidos, ambientalistas veteranos têm clamado para que os novos químicos sejam avaliados quanto a sua habilidade de mimetizar hormônios antes de serem liberados  no meio ambiente. Sumpter e seus colaborados têm trabalhado para desenvolver uma cepa de fermento, alterada geneticamente, que contenha o receptor do estrogênio humano. Isto poderia ser uma via para avaliação de milhares de químicos e transformar-se num teste padrão para os efeitos estrogênicos.

                         O relatório do "Institute for Enviromment and Helath", aceito pelo governo, levanta de que mais pesquisas precisam ser feitas antes de os químicos serem banidos. "É o maior pesadelo tentar descortinar-se o que está ocorrendo bem como se descobrir a quantidade de estrogênios existe e quais são suas conseqüências. Serão necessários mais de 50 anos de pesquisa", diz Sumpter. Mas Lyons e seus companheiros militantes dizem que nós não podemos esperar por provas científicas de causa e efeito. "Com a exposição múltipla a estes químicos e em todos os lugares, será praticamente impossível ter-se uma prova", argumenta. "Nós precisamos agir agora em função do peso das evidências, no sentido de se reduzir a liberação destas substâncias."

  Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, Porto Alegre /RS, nov. de 1996.