Matéria da revista norte-americana - “TIME" -
18.03.1996
"
O QUÊ HÁ DE ERRADO COM NOSSOS ESPERMATOZÓIDES ?
"
- Células
reprodutivas masculinas parecem estar em franco declínio em todo
o mundo. Provável causa: poluição química
-
por
Michael D. Lemonick
O processo de
concepção humana é quase absurdamente ineficiente.
Durante a cópula, o homem expele dezenas de milhões de
espermatozóides com considerável força no interior
do canal vaginal de sua companheira. Apesar deste impulso inicial, a
maioria destas finas e auto-propulsoras células com aspecto de
um girino, jamais alcançarão o longuíquo óvulo
feminino flutuando nas profundezas das trompas de Falópio. E
se um deles, finalmente completa sua trajetória, pode não
dispor de energia suficiente para fertilizá-lo.
Em razão desta monumental odisséia, o homem obviamente
necessita preservar cada um de seus espermatozóides. Qualquer
situação que coloque o o seu número abaixo de algo
em torno de 20 milhões por mililitro de sêmen - uma ejaculação
normal varia de 40 a l20 milhões - já faria a chance do
homem ser pai de um nenê, cair abruptamente. Este é o motivo
da profunda preocupação de médicos a respeito de
certas tendências que a medicina têm observado nos últimos
anos. Caso após caso, constata-se que a contagem de espermatozóides,
em homens de todo o mundo, parece estar numa queda vertiginosa.
O último destes casos apareceu, no último mês, no
"British Medical Journal". Pesquisadores de Edimburgo, Escócia,
relataram que homens nascidos depois de 1970 apresentavam uma contagem
de espermatozóides, 25% mais baixa do que aqueles que nasceram
antes de 1959 - uma média de declínio de 2,1% ao ano.
Um estudo de 1995 feito sobre parisienses também encontrou os
mesmos 2,1% de declínio nas últimas décadas. E
numa análise mais abrangente de todas, que cobriu perto de 15
mil homens de 21 países, cientistas dinamarqueses descobriram
uma queda drástica em torno de 50% na média da contagem
de espermatozóides nos últimos 50 anos.
Nenhum destes estudos deixa de ter seus críticos e uma dúzia
de outros trabalhos mostra não um declínio mas até
um incremento nesta contagem. No entanto há indicativos de que
algum distúrbio está efetivamente ocorrendo. Não
só o número de espermatozóides está caindo
mais também sua qualidade. Ou seja, o percentual de células
sadias e vigorosas em contrapartida às malformadas e inativas
parece estar em sério declínio. Os médicos também
constataram um acréscimo na incidência de câncer
e na retenção abdominal dos testículos.
Juntos, estes fatores aumentam significativamente a queda da fertilidade
masculina. Nos anos sessenta, diz Dr. Masood Khatamee da "New York
City's Fertility Research Foundation (Fundação de Pesquisa
sobre Fertilidade da Cidade de Nova York)", somente 8% dos homens
que vinham consultar, tinham problemas de fertilidade. Hoje este número
está acima dos 40%. "Isto nos preocupa seriamente",
diz ele, "e é por isto que estamos tão enfáticos
na busca de suas causas."
Exatamente quais causas devem ser estas, permanece ainda como um grande
mistério. Tabagismo, "stress" e drogas são todas
velhas conhecidas. Agrega-se o fato de que hoje homens estão
sendo pais mais tarde em suas vidas quando o número de espermatozóides
naturalmente decresce. Soma-se também o incremento das doenças
sexualmente transmissíveis. Mesmo a troca de cuecas largas por
sungas justas também se coloca como uma possível explicação.
Mas de acordo com um novo livro que teve grande repercussão na
mídia, há uma poderosa evidência indicando outra
hipótese. "Our Stolen Future" (Nosso Futuro Roubado)
demonstra que estas doenças ligadas à reprodução,
hoje de alcance generalizado, podem ser causadas por poluentes químicos
lançados no ambiente como o DDT, algumas formas de dioxinas e
os PCBs além de outras substâncias sintéticas. A
ideia é que a exposição no útero, mesmo
em contaminações traço, ou seja infinitésimas,
podem interferir com o apropriado desenvolvimento do sistema reprodutivo,
conduzindo a sérias consequências, anos ou décadas
mais tarde. A infertilidade masculina é somente uma parte do
problema, dizem os autores. Estes mesmos poluentes podem também
ser responsáveis pelo aumento além do câncer de
mama, de outros canceres em humanos bem como nos comportamentos aberrantes
de acasalamento e malformações genitais em animais (pênis
atrofiados entre jacarés, na Flórida, contaminados por
agrotóxicos).
As indústrias químicas desdenharam estas especulações,
argumentando de que ninguém tem uma conclusão definida,
estabelecendo relações de causa e efeito. De fato, a evidência
para a relação infertilidade/produto químico permanece
ainda muito circunstancial. "Não é um tiro na mosca",
admite John Peterson Myers, diretor da organização ambientalista
"W.Alton Jones Foundation" na Virgínia e um dos co-autores
do livro. (Os outros são a repórter científica
Dianne Dumanoski e a zoóloga do "World Wildlife Fund"
Theo Colborn).
O que os cientistas sabem, é que a água, o ar e o solo,
em todos os cantos do mundo, estão envenenados com pequenas quantidades
de muitas destas substâncias artificiais. Da mesma forma uma vez
que estes poluentes se introduzem nos organismos, podem então
conectar-se com receptores hormonais que normalmente só reconheceriam
estrógenos ou outros hormônios naturais. Também
sabem estes cientistas que estes mesmos hormônios são cruciais
para o desenvolvimento normal do sistema reprodutivo. E inclusive que
minúsculas porções destes químicos industriais,
administrados num estágio crítico do desenvolvimento do
feto - pelo menos, em animais de laboratório - podem "feminilizar"
o embrião masculino, ocasionando testículos atrofiados,
baixa produção de esperamtozóides e miniaturando
ou extinguindo seu pênis.
Até 1992 os cientistas não dispunham de alguma evidência
convincente de que os homens estavam vivenciando problemas reprodutivos
em larga escala. Foi quando surgiu um trabalho inédito do endocrinologista
dinamarques, Dr. Niels Skakkebaeck do Hospital Universitário
Nacional em Copenhagen. Ele e seus colegas fizeram o que se chama de
meta-análises. Combinaram os resultados de 61 estudos autônomos
de contagens e da qualidade de espermatozóides de homens de todo
o mundo, nos últimos cinquenta anos. Encontraram que sua média
havia caído de, mais ou menos, 113 milhões por mililitro
em 1938 para 66 milhões em 1990.
Depois que o trabalho de Skakkebaeck apareceu, diz Myers, "torna
aparente de imediato o vigoroso sinal que a natureza está enviando:
alguma coisa está em descompasso". Da mesma forma como a
ciência química, nos anos setenta, previu a descoberta
do buraco da camada de ozônio uma década depois, ele argumenta,
"o trabalho laboratorial com tóxicos ambientais prognostica
a descoberta do declínio na contagem nos espermatozóides".
Inicialmente, muitos pesquisadores da área médica ficaram
profundamente céticos. Entre eles estava Pierre Jouannet, um
biólogo especialista em reprodução junto ao Centro
para o Estudo e a Conservação de Óvulos e Espermatozóides
do Hospital Cochin em Paris. Começou seu próprio estudo
um ano mais tarde. "Quando nós iniciamos nosso trabalho
em 1993, pensávamos que as análises anteriores estavam
equivocadas". Seus dados, no entanto, debelaram estas dúvidas:
os espermatozóides dos parisienses estavam em franco declínio.
Nem todo mundo aceita a ligação entre estrogênios
ambientais e enfermidades reprodutivas. Esta relação,
argui Stephen Safe, professor toxicologista da "Texas A&M University",
permanece "discutível e sem comprovação".
A própria ideia de que a contagem de espermatozóides esteja
caindo em todo mundo, está aberta a contestações.
Alguns pesquisadores têm questionado a metologia de Skakkebaeck.
Eles geralmente concordam com sua descoberta de que há um declínio
na Dinamarca mas consideram qualquer interpretação mais
ampliada, pura especulação. Muitos outros pesquisadores
têm demonstrado que a contagem de espermatozóides na Finlândia,
pelo menos, permanece normal. Um estudo de homens em Toulouse na França,
mostra o mesmo resultado. Assim na mesma linha dos trabalhos publicados,
mais três outros estudos com homens nos USA estão planejados
para aparecerem na edição de maio da publicação
"Fertility and Sterility".
"Nós não estamos dizendo de que alguma não
esteja acontecendo, por exemplo, na Dinamarca", observa o Dr. Larry
Lipschultz, urologista do "Baylor College of Medicine" no
Texas. "Mas deduzir para implicações a nível
mundial de um problema localizado, não se admite isto".
O que os cientistas podem fazer, dizem os partícipes de ambos
os lados do debate, é ampliar o leque das pesquisas. Se a contagem
de espermatozóides está em queda, mesmo que seja somente
em alguma lugar do planeta, é importante que se saiba o seu porquê.
E se eles constatarem que pode estar ocorrendo em todos os lugares,
o melhor é se saber antes do que tarde demais. Extrapolando dos
dados presumivelmente controversos de Skakkebaeck, é concebível
de que, dentro de um século, o homem médio poderá
estar totalmente infértil. Mesmo se as coisas forem só
a metade desta sombria realidade, já seria sem dúvida
uma triste notícia para toda a espécie humana.
- Colaboração de Bruce Crumley/Paris; Lawrence
Mondi/New York; Ulla Plon/Copenhagen e Lisa H.Twle/Raleigh.
Tradução
livre de Luiz Jacques Saldanha, Porto Alegre/RS, out/96.