Tipo de parto pode modular a microbiota intestinal e impactar a resposta vacinal dos bebês

Pregnant Woman Talking To Clinician

https://portugues.medscape.com/verartigo/6508912

Dra. Sheena Meredith

02 de dezembro de 2022

A microbiota (nt.: para quem não estiver a par do que é esse microbioma leia o link) intestinal de bebês nascidos por parto vaginal é diferente da de bebês nascidos por parto cesáreo, e aparentemente a resposta vacinal também difere, favorecendo o primeiro caso.

Os achados são de um novo estudo, considerado “interessante e importante” por especialistas.

Sabe-se que o microbioma desempenha um papel nas respostas imunitárias à vacinação. No entanto, a relação entre os efeitos no início da vida na composição da microbiota intestinal e as subsequentes respostas vacinais na infância permanecia pouco compreendida. No novo estudo, “os achados sugerem que o parto vaginal tenha resultado em uma composição de microbiota associada a um aumento da resposta em um tipo específico de anticorpo a duas vacinas infantis de rotina em bebês saudáveis, em comparação com a cesárea”, registraram os autores.

Pesquisadores da University of Edinburgh, no Reino Unido, com colaboradores do Spaarne Gasthuis, do Universitair Medisch Centrum Utrecht e do Rijksinstituut voor Volksgezondheid en Milieu, todos na Holanda, acompanharam o desenvolvimento do microbioma intestinal em uma coorte de recém-nascidos a termo saudáveis e avaliaram seus níveis de anticorpos após duas vacinações usuais da infância.

O estudo, publicado no periódico Nature Communications, constatou “uma clara relação entre os microrganismos no intestino desses bebês e os níveis de anticorpos”. O parto vaginal foi associado tanto a níveis elevados de Bifidobacterium e Escherichia coli no microbioma intestinal nos primeiros meses de vida, como a níveis mais altos de anticorpos IgG após as vacinas pneumocócica e meningocócica.

Níveis de anticorpos dobraram quando o parto foi vaginal

Os bebês receberam vacinas antipneumococo e antimeningococo às 8 e 12 semanas de vida, e foi coletada saliva para medição dos níveis de anticorpos nas consultas de puericultura aos 12 e 18 meses de idade. Nos 101 bebês testados para anticorpos contra o pneumococo, os pesquisadores constataram que os níveis eram duas vezes mais elevados entre os nascidos por parto normal versus nascidos por cesárea. Altas contagens de duas bactérias intestinais, em particular (Bifidobacterium e Escherichia coli), foram associadas a altos níveis de anticorpos à vacina pneumocócica, mostrando que o microbioma mediou a ligação entre a via de parto e a resposta vacinal.

Em 66 bebês testados para anticorpos antimeningocócicos, os níveis foram 1,7 vez maiores nos bebês nascidos por parto normal versus nascidos por parto cesáreo; os altos níveis de anticorpos foram particularmente associados a altas contagens de Escherichia coli no microbioma.

Os resultados também foram influenciados pela amamentação; entre as crianças nascidas pela via vaginal, a amamentação foi associada a níveis 3,5 vezes maiores de anticorpos antipneumocócicos em comparação com crianças que utilizam fórmula láctea. Em contraste, os níveis de anticorpos contra o meningococo não foram afetados pelo tipo de alimentação.

Microbioma ‘define o nível de proteção contra infecções’

A equipe de pesquisa registrou: “O bebê adquire as bactérias Bifidobacterium e Escherichia coli por meio do parto normal, e o leite humano é necessário para fornecer a essas bactérias os açúcares para que se desenvolvam”. Eles explicaram: “O microbioma intestinal é semeado no nascimento, desenvolvendo-se rapidamente nos primeiros meses de vida, e é influenciado principalmente por via de parto, amamentação e uso de antibióticos”. O microbioma dos bebês no início da vida contribui para a resposta do sistema imunitário às vacinas, observaram eles, “e define o nível de proteção contra certas infecções na infância”.

A autora que liderou o estudo, a Dra. Debby Bogaert, Ph.D., médica, professora e diretora de pediatria da University of Edinburgh, no Reino Unido, registrou: “Acho que é especialmente interessante termos identificado vários microrganismos benéficos como o elo entre o tipo de parto e a resposta vacinal. No futuro, poderemos ser capazes de suplementar essas bactérias em crianças nascidas por cesárea logo após o nascimento, através de, por exemplo, ‘transplantes fecais’ de mãe para bebê ou uso de probióticos especificamente projetados”.

A primeira autora, Emma de Koff, estagiária de microbiologia no Amsterdam UMC, na Holanda, observou: “Esperávamos encontrar uma ligação entre o microbioma intestinal e as respostas vacinais dos bebês, mas nunca pensamos em encontrar tais efeitos de forma mais forte nas primeiras semanas de vida”.

Os achados “podem ajudar nas discussões sobre cesárea entre gestantes e seus médicos”, comentaram os pesquisadores, que afirmaram que também podem “delinear programas de vacinação mais personalizados”. No futuro, por exemplo, os calendários de vacinação poderão ser ajustados com base na via de parto ou na análise do microbioma do bebê.

Potencial para retificar o sistema imunitário após o parto cesáreo

Em um comentário sobre o estudo, o Dr. Neil Mabbott, Ph.D., professor e catedrático de imunopatologia no Roslin Institute da University of Edinburgh, no Reino Unido, disse ao Science Media Centre: “Este é um estudo muito interessante e importante. Os autores mostram que bebês nascidos por parto vaginal obtiveram respostas mais altas a dois tipos diferentes de vacinas contra doenças bacterianas, e isso foi associado a maiores contagens de bactérias potencialmente benéficas, como Bifidobacterium e Escherichia coli, no intestino desses bebês”.

“Este estudo levanta a possibilidade de que seja possível tratar bebês, especialmente os nascidos por cesárea, com um suplemento bacteriano, ou mesmo um produto produzido por essas bactérias benéficas, para ajudar a melhorar o sistema imunitário, melhorar suas respostas a certas vacinas e reduzir suas suscetibilidades a infecções”, acrescentou.

O estudo levanta questões importantes, disse ele, por exemplo, se os níveis elevados de anticorpos às vacinas pneumocócica e meningocócica após o parto vaginal também levam a uma maior proteção dos bebês contra infecções ou doenças graves.

A Dra. Sheena Cruickshank, Ph.D., imunologista e professora de ciências biomédicas na University of Manchester, no Reino Unido, comentou: “Agora está bem estabelecido que o microbioma é importante no desenvolvimento imunitário. Por sua vez, a via de parto e o método inicial de alimentação são importantes para a forma como o microbioma é gerado primariamente no bebê.

“No entanto, outros fatores, como a exposição a antibióticos e a alimentação subsequente, também desempenham um papel na forma como ele evolui, tornando bastante complexa a compreensão da maneira como o microbioma se desenvolve e muda. Os microrganismos funcionam em comunidades e pode ser difícil determinar se as mudanças em cada espécie são funcionalmente importantes. O leite materno também desempenha um papel importante na proteção do bebê por meio da transferência de imunoglobulinas maternas, que diminuirão ao longo de um período de 6 a 12 meses no bebê; assim, é um desafio comprovar se o benefício ocorre na imunoglobulina do bebê.

“Dada a complexidade da multiplicidade de interações, é importante que isso seja levado em consideração, e os tamanhos dos grupos sejam grandes o suficiente para garantir que os dados sejam robustos. Embora este seja um estudo interessante que aumenta nosso conhecimento sobre como o microbioma evolui e as possíveis implicações para o desenvolvimento da imunidade, ainda são conclusões muito preliminares, e o tamanho pequeno dos grupos justifica a necessidade de mais estudos para verifica-las em grupos maiores”.

Ela acrescentou: “Precisamos entender se os possíveis impactos do parto e da alimentação no desenvolvimento imunitário ou nas respostas às vacinas podem ser restaurados, por exemplo, manipulando o microbioma”.

A Dra. Kim Barrett, Ph.D., professora e vice-reitora de pesquisa da University of California Davis School of Medicine, nos Estados Unidos, disse que, embora sejam necessários mais estudos para descobrir se e como a manipulação do microbioma humano após o parto cesáreo pode melhorar a eficácia da vacina, “o trabalho deve pelo menos levar a uma consideração adicional imediata sobre uma consequência não intencional da indicação cada vez maior de cesáreas que podem ser desnecessárias”.

A Dra. Marie Lewis, Ph.D. e pesquisadora em microbiota intestinal na University of Reading, no Reino Unido, disse: “Sabemos há algum tempo que a via de parto é extremamente importante quando se trata do tipo de bactéria que coloniza o intestino. Também sabemos que nossa flora intestinal no início da vida estimula o desenvolvimento do nosso sistema imunitário, e que o parto normal está associado a risco reduzido de doenças inflamatórias, como a asma. Portanto, talvez não seja realmente surpreendente que o tipo de parto também esteja relacionado às respostas vacinais”.

“A parte realmente interessante aqui é até que ponto nossa microbiota intestinal é acessível e mutável, e este importante trabalho pode abrir caminho para a administração de probióticos e prebióticos para melhorar as respostas vacinais em crianças nascidas por cesárea”.

‘Dados tentadores’

Convidada a comentar pelo Medscape, a Dra. Chrissie Jones, médica, Ph.D., professora associada de infectologia pediátrica da University of Southampton, no Reino Unido, e líder educacional do British Paediatric Allergy, Immunity and Infection Group, disse: “A associação entre a via de parto e as bactérias que vivem no intestino do bebê já foram demonstradas anteriormente. O que é realmente interessante sobre este estudo é que pela primeira vez foi evidenciada a ligação entre o tipo de parto (vaginal versus cesáreo), as diferenças nas comunidades bacterianas do intestino e as diferenças nas respostas às vacinas”.

“Este estudo pode nos dar novas percepções sobre as diferenças na quantidade de anticorpos protetores produzidos após a vacinação infantil. Também nos dá sugestões sobre como podemos tornar o microbioma o mais homogêneo possível em todos os bebês no futuro, para por exemplo, administrar a eles uma combinação segura de ‘bactérias amigáveis’, como um probiótico ou uma dose adicional de vacina.

“Este estudo é o primeiro passo; mostra-nos uma ligação ou associação, mas não estabelece uma relação de causa e efeito, em que as diferenças na forma como os bebês nascem alteram a forma como o sistema imunitário responde às vacinas. Para comprovar essa relação, precisamos de estudos maiores, mas são dados tentadores.”

A pesquisa foi financiada pelo Scotland’s Chief Scientist Office e pela Nederlandse Organisatie voor Wetenschappelijk Onderzoek. A Dra. Debby Bogaert recebeu subsídio da OM pharma e Sanofi. Todos os autores informaram não ter outros conflitos de interesses.

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Referências

de Koff EM, van Baarle D, van Houten MA, et al. Mode of delivery modulates the intestinal microbiota and impacts the response to vaccination. Nat Commun. 2022;13:6638. https://doi.org/10.1038/s41467-022-34155-2

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