Plásticos que nos salvam também nos agridem

Illustration by Delcan & Company

https://www.politico.eu/article/plastics-blood-bags-dehp-may-damage-humans/

By GINGER HERVEY

May 09, 2019, atualizada em May 17, 2019

Equipamentos médicos são, na maioria das vezes, livres de proibições quanto a substâncias prejudiciais.

Escondido da visão de todos, em cada hospital deste mundo, está um produto que incorpora tanto benefícios extraordinários como riscos inquietantes à saúde humana, por ser de resinas plásticas.

E este produto é a bolsa de sangue.

Introduzida em 1950, bem no tempo em que os Estados Unidos estavam prestes a entrar na Guerra da Coréia, a bolsa plástica de sangue era a solução para salvar vidas em um problema médico. Os médicos vinham coletando sangue e realizando transfusões desde a Primeira Guerra Mundial, mas o processo estava apenas começando a se ampliar. As garrafas de vidro usadas para guardar o sangue estavam longe de ser o ideal. Não só porque quebravam facilmente, mas também por serem difíceis de se manter esterilizadas e bolhas de ar presas nos recipientes rígidos, podiam complicar as transfusões.

As novas bolsas, inventadas por dois cientistas americanos, tinham uma série de vantagens: eram leves, baratas, inquebráveis e ocupavam metade do espaço, em uma geladeira, de uma garrafa de vidro, e contendo a mesma quantidade de sangue. Elas também podiam ser facilmente fabricadas e mantidas estéreis, além de descartáveis após um único uso.

Mais tarde, sua popularidade foi impulsionada por uma descoberta fortuita. Acontece que uma substância química (nt.: tecnicamente chamada de plastificante) usada para amolecer a resina plástica de PVC – o ftalato de di (2-etilhexil) ou DEHP (nt.: reconhecidamente um disruptor endócrino) – teve um efeito de conservar os glóbulos vermelhos do sangue. Significava que o sangue poderia ser armazenado por mais tempo. Enfim, foi só uma questão de tempo até que elas tomassem conta, podendo ser encontradas em clínicas, hospitais e bancos de sangue, em todo o mundo.

“A descoberta desta resina plástica revolucionou o armazenamento e o transporte de sangue”, escreveu (wrote), quanto à sua descoberta, Ole Grøndahl Hansen, gerente de projeto da PVCMed Alliance, um consórcio de empresas líderes do setor de PVC médico. Ela salvou “vidas de milhões de pessoas ao redor do mundo”.

Químicos e o sangue

Os plásticos tiveram efeito similar através de toda a área de cuidados da saúde. À prova de quebras, baratos, descartáveis e hipoalergênicos, o material torna-se indispensável e usado em praticamente tudo, de tubos intravenosos (IV) a corações artificiais.

No entanto, nos últimos tempos, especialistas estão alertando de que o uso generalizado de plásticos em dispositivos médicos pode também representar um risco a seus usuários. Como o plástico é tão crucial para esta área, estes dispositivos vêm recebendo isenções em regulamentações que proíbem certos produtos químicos usados neles, por serem potencialmente perigosos para a saúde humana, por sua associação íntima com o corpo.

“Isso sempre foi tratado de foma que, havendo tantos benefícios no emprego de plásticos, ele prevaleceria sobre quaisquer outras coisas”, disse Dorota Napierska, diretora de política de produtos químicos da ONG de defesa dos direitos à saúde, Health Care Without Harm.

Por exemplo, tomemos as bolsas de sangue: DEHP (nt.: em inglês – di(2-ethylhexyl)phthalate; e em português – ftalato de di-2-etilhexila) – substância química que interage com os glóbulos vermelhos (nt.: hemácias do sangue, tecnicamente denominadas de eritrócitos) para estender a vida de ‘prateleira’, e é conhecido como ‘ftalato’, membro de uma família de substâncias químicas (nt.: conhecidas como plastificantes) usados para amaciar a resina plástica PVC/polivinil cloreto. Medido em peso, ele representa 40% das bolsas de sangue e 80% dos tubos intravenosos (IV) (nt.: consta ser de 60% nos filmes plásticos de embalagens de PVC).

[Nota do site: importantíssimo se saber destes percentuais porque estes materiais praticamente não são mais de PVC – já um problema porque a molécula básica, o monômero, que milhões deles formam o polímero, o ‘p’ do PVC, é considerada cancerígena -. Vê-se que, na verdade, são quase que exclusivamente Ftalato e esta família de químicos, a começar por este membro, DEHP – questionamento deste link destacado é de 2005! – é extremamente perigosa. Neste último link se vê que este ftalato, especificamente, está proibido para brinquedos infantis por ser perigoso, mas aqui nestes dispositivos médicos, são colocados dentro do corpo de todos os doentes, já fragilizados. Ver o documentário que trata deste tema, acessado pelos links – 1 e 2. Incoerência incompreensível.]

O DEHP constitui em mais de 40% do peso das bolsas de sangue | Gerard Julien/AFP via Getty Images

O DEHP não está fixado ao plástico. Ele lixivia, desloca-se, dos plásticos das bolsas de sangue e dos tubos intravenosos para a corrente sanguínea e o sangue que eles prendem. Um estudo (study) detectou de que o DEHP deslocado dos tubos é de 6 a 12% de seu peso durante o seu uso.

Isso é preocupante por ser o DEHP é um disruptor endócrino, de acordo com a agência química da União Europeia, o que significa que ele pode interferir no funcionamento normal dos hormônios. Os pesquisadores associaram o DEHP: à asma, câncer de mama, obesidade e diabetes tipo 2, aos baixos escores de QI, problemas de desenvolvimento cerebral, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtornos do espectro autista além da baixa fertilidade masculina.

Medidas foram tomadas na Europa para protegerem as pessoas de serem expostas ao DEHP e a outros ftalatos prejudiciais. Substâncias químicas que desregulam o sistema endócrino, como o DEHP, são mais perigosas no estágio em que o corpo está se desenvolvendo – então bebês e mulheres grávidas são particularmente advertidas a ficarem longe destas substâncias. Por este motivo, existem medidas específicas, em vigor, que proíbem os ftalatos nos brinquedos.

E desde 2012, vários ftalatos, incluindo o DEHP, que foi o mais utilizado nas últimas décadas, estão sujeitos a autorizações especiais na União Europeia. Isso significa que eles foram totalmente banidos, a menos que uma empresa solicite uma permissão específica.

No entanto, os dispositivos médicos estão excluídos inteiramente desta proibição.

Em parte, isso ocorre porque sua regulamentação foi fragmentada e tratada por leis diferentes e também porque estas substâncias são vistas como integrantes essenciais para determinados equipamentos e dispositivos médicos. Os riscos, julgam os que fazem as regras, são superados pelos benefícios.

Pacientes vulneráveis

Pesquisadores têm assinalizado (flagging) de que estamos efetivamente em risco pela exposição ao DEHP através de dispositivos médicos, há 20 anos.

Em 2008, um comitê científico da UE descobriu que a exposição ao produto químico, entre pacientes hospitalizados, aumentava a frequência ao atendimento médico. Quanto mais visitas faziam ao hospital, com tratamento com soro intravenoso com o tubo impregnado com DEHP, ou para receberem sangue de bolsas com o plastificante DEHP, amaciador da resina de PVC, maior eram os riscos que as pessoas estavam expostas.

No entanto, no final, a análise científica concluiu que o dano potencial causado pela exposição ao plastificante DEHP, “é justificável pelos efeitos benéficos destes procedimentos [médicos]”.

Em 2015, o comitê atualizou sua análise e encontrou evidências concretas de que os pacientes em diálise poderiam ter efeitos colaterais do DEHP. Ainda assim, diz, “o potencial de substituição do DEHP nesses produtos deveria ser considerado mesmo contra sua eficiência no tratamento”.

“ Individualmente, tanto países como hospitais devem começar a tentar encontrar alternativas para os produtos com DEHP ”

A maioria das pessoas está exposta a vestígios de ftalatos como o DEHP, através das partículas presentes nos alimentos (nt.: principalmente quando são embrulhados com filmes de PVC) ou no ar dos ambientes interiores – já que eles vêm sendo utilizados em tudo. De cones de trânsito a bolsa e sacolas que imitam couro (nt.: é o chamado ‘courino’, feito de PVC) e selantes para portas – mas a exposição média diária é inferior ao nível que os cientistas da UE adotam (the level that EU scientists OKed) que é de 4,8 miligramas por quilo de peso corporal todos os dias (nt.: hoje, com os disruptores endócrinos, não é mais a dose que faz o veneno e sim a sua presença. Os níveis em que atuam os hormônios e seus disruptores são ínfimos. Este conceito de dose ou exposição média diária não pode mais ser aplicado a estas substâncias).

Para os pacientes que necessitam de transfusões de sangue regulares, foram estimados níveis de 22 mg/kg de peso corporal. Para recém-nascidos prematuros na unidade neonatal, “sendo dependentes de múltiplos procedimentos médicos”, seus níveis de exposição podem chegar a 35 mg/kg – mais de sete vezes o limite considerado seguro para adultos de 4,8.

De fato, estudos detectaram que em hospitais, grupos particularmente vulneráveis como bebês prematuros e mulheres grávidas, são expostos a altos níveis de substância química em plásticos que poderiam afetar seus hormônios, anos mais tarde.

Em 2016, pesquisadores da Universidade de Leuven, na Bélgica, monitoraram centenas de crianças que eram frequentemente colocadas em unidades de terapia intensiva quando bebês e expostas a grandes quantidades de DEHP no sangue. O estudo os testou quatro anos depois e descobriu que eles tinham mais distúrbios de déficit de atenção do que seus colegas saudáveis.

Pesquisadores da Universidade de Leuven, Bélgica, conduziram estudo quanto aos efeitos do DEHP em bebês | Mark Renders/Getty Images

Depois de realizarem análises estatísticas e controlarem outros fatores, os pesquisadores disseram que a exposição ao ftalato explicava metade do déficit de atenção nas crianças.

“A discussão até agora tem sido: bem, temos que ajudar estas crianças, elas estão seriamente enfermas e, provavelmente, é mais importante usarmos estes equipamentos médicos para salvarmos suas vidas do que nos preocuparmos com as conseqüências a longo prazo, da lixiviação do DEHP”, disse a Dra. Greet Van den Berghe, a principal autora deste estudo e chefe da unidade de terapia intensiva da Katholieke Universiteit/KU de Leuven, na Bélgica.

“Mas o legado neurocognitivo de longo prazo, também é realmente muito, muito importante”, disse ela.

Alternativas

Individualmente, países e hospitais devem começar a tentar encontrar alternativas para os produtos com DEHP.

A França baniu os tubos que continham esta substância nos departamentos de maternidade, pediatria e neonatal dos hospitais, em 2015. Ao mesmo tempo, hospitais em vários países europeus começaram a banir totalmente os dispositivos médicos contendo PVC.

A União Europeia também começa a agir. Reformulou sua regulamentação sobre dispositivos médicos em 2017 e, como parte desta reformulação, propôs padrões bem mais restritivos para comprovar de que os ftalatos devem estar nestes dispositivos.

As empresas que usam o DEHP e outros produtos químicos perigosos em dispositivos médicos agora terão que publicar uma sustentação detalhada de como e porque o produto químico é usado, uma avaliação de como os benefícios superam os riscos e uma explanação de como possíveis alternativas poderiam funcionar. Um rascunho dessas diretrizes foi publicado no início de março e a Comissão que constituiu este procedimento, solicitou um parecer no final de abril.

“Se tirarmos o [DEHP] e usarmos outro como substituto, precisamos ter certeza de que a flexibilidade ainda é boa o suficiente. Caso contrário, poder-se-á sufocar o paciente” – Oliver Bisazza, da MedTech Europe.

O que temos que observar agora, de acordo com Darota Napierska, da ONG Health Care Without Harm, é o quão bem serão estes procedimentos implementados e aplicados, pois isso determinará quanto de informações de segurança as empresas terão para torná-las públicas.

“O plástico sob vários pontos de vista é um material muito bom”, diz ela. “Mas isso depende do que este produto plástico está constituído e o que lhe acontece no decorrer de toda sua vida útil. E esta informação deve estar disponível”.

O esforço para trocar os dispositivos com DEHP por opções menos tóxicas funcionou em algumas aplicações, mas nem sempre foi bem, de acordo com Oliver Bisazza, diretor de regulamentação e política industrial da associação de tecnologias médicas MedTech Europe.

“Às vezes se acha que não há alternativa”, diz ele. “Ou se descobrimos que existe uma alternativa ao DEHP e que pode ser usada, mas no final, o produto, como resultado, não corresponde.”

Bisazza usou como exemplo as tubulações para alimentar ou auxiliar na respiração dos pacientes, nos hospitais. “Esses tubos precisam ser extremamente flexíveis”, diz, sendo possível graças a um plastificantes que amacia a resina de PVC como é o DEHP. “Então, se nos desfizermos dele e usarmos outro produto químico em seu lugar, precisaremos ter certeza de que a flexibilidade ainda é boa o suficiente. Caso contrário, o paciente pode ser sufocado”.

A melhor bolsa de sangue

Para bolsas de sangue, a eliminação do risco químico desta substância tem provado ser difícil.

Há, mais ou menos, 10 anos, um grupo de hospitais na Suécia quis mostrar às empresas que havia demanda por bolsas de sangue que não contivessem o plastificante DEHP.

Eles receberam financiamento do programa LIFE da União Europeia que patrocina projetos ambientais e de conservação, e começaram a pesquisar alternativas (began researching alternatives).

O projeto terminou no ano passado. Os pesquisadores criaram um desenho técnico para uma bolsa de glóbulos vermelhos que não tem PVC, mas não alcançaram sua meta de poder usá-la em alguns hospitais. Da mesma forma, ainda não encontraram uma grande empresa médica disposta a financiar seu projeto.

“Se você começa em um e chegar a 10, e estes 10 colocando sua bolsa no mercado, teremos cerca de quatro”, disse Gustav Eriksson, encarregado de questões ambientais no Hospital Universitário Karolinska, em Estocolmo que fez parte do projeto.

Há uma preocupação de tornar pública a necessidade de subtrair químicos potencialmente tóxicos das bolsas de sangue, sob pena de poder assustar as pessoas que doam sangue | Desiree Martin/AFP via Getty Images

A bolsa de sangue do projeto tem uma vida de prateleira muito menor do que as bolsas contendo ftalatos (nt.: não vimos na matéria nenhum questionamento do porquê os ftalatos prolongam a viabilidade dos eritrócitos. Será que tem algum efeito que pode se transferir, negativamente, pela paralisia/conservação deles, ao paciente que faz a transfusão?) Uma bolsa de sangue padrão impregnada com o DEHP pode durar mais de 40 dias antes que os glóbulos vermelhos se rompam. As bolsas que são feitas de outra resina (nt.: qual? parece ser uma poliolefina), ou seja, sem ser de PVC, só podem chegar a 28 (can only make it). Isto é especialmente importante para os tipos de sangue raros, onde os tempos de armazenamento longos são muitas vezes necessários.

Eriksson disse que uma solução possível seria usar bolsas de sangue de PVC quando o tempo de armazenamento for crucial e os novos substitutos, nos outros casos. “Sempre precisaremos de plásticos, mas que tipo de resina? Isso pode ser melhorado”, diz ele. “Agora que descobrimos alguns dos riscos, temos a possibilidade de mudar”.

Mas, mesmo tentando mudar para opções saudáveis, o equilíbrio entre riscos e benefícios não pode ser ignorado.

Eriksson diz haver preocupação em divulgar a necessidade de excluir substâncias químicas potencialmente tóxicas das bolsas de sangue, por receio de assustar as pessoas de doarem sangue.

“Queremos mudar sim a bolsa, mas não podemos ficar alardeando muito alto sobre isso”, disse Eriksson.

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2019.