Manifestação de ativistas perto dos escritórios da gigante química alemã Bayer-Monsanto, em Bruxelas, 8 de dezembro de 2022. KENZO TRIBOUILLARD / AFP.
25 de janeiro de 2024
[NOTA DO WEBSITE: Quando se compara esse material com o apresentado com a visão de mundo dos povos originários como os canadenses, pode-se ficar chocado como a visão eurocêntrica está centrada no dinheiro acima da vida de todos os seres, incluindo os humanos. E essa visão supremacista branca eurocênrica está, na agricultura, plasmada pelo agronegócio e/ou agrbusiness. E uma pergunta surge: será que não são exatamente as petroagroquímicas que estão financiando a ‘ira dos agricultores’ europeus? Vê-se uma tendência à extrema-direita individualista, etnocida e autofágica, que se estente para os jovens de hoje e que se dissemina por vários países do Globo. Por que será?].
Dois procedimentos distintos lançados hoje, 25.01, para contestar a decisão da Comissão Europeia deverão conduzir, nos próximos meses, a um recurso ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
É uma barreira sem precedentes. Quinta-feira, 25 de janeiro, mais de 80 organizações não governamentais (ONG), bem como meia dúzia de parlamentares europeus, anunciaram que pediram à Comissão Europeia que reconsiderasse a sua decisão de reautorizar o glifosato por dez anos. Dois processos separados foram iniciados quase simultaneamente. A primeira pelo coletivo Secretstoxicaux – uma coligação de 78 ONG, apoiada por vários eurodeputados –, a segunda por diferentes organizações da Pesticide Action Network (PAN), representada na França pela associação Générations Futures. Estes dois procedimentos deverão conduzir, nos próximos meses, a um recurso ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
As partes interessadas contestam a legalidade da autorização concedida ao controverso herbicida. Consideram que a avaliação dos riscos para a saúde e o ambiente, realizada pelas autoridades reguladoras, derroga o direito da União. Na véspera da interposição destes dois recursos, o jornal online Politico lançou uma terceira pedra no jardim da Comissão, ao revelar um memorando confidencial sobre o assunto, produzido em 2022 pelo serviço jurídico do Parlamento de Estrasburgo.
Este analisa um acórdão de 2019 (conhecido como “acórdão Blaise”) do Tribunal de Justiça da União Europeia segundo o qual as formulações comerciais de produtos fitossanitários – ou seja, os produtos efetivamente utilizados – devem cumprir o objeto de estudos que avaliam a riscos de exposição a longo prazo (geralmente dois anos em roedores) antes da comercialização. No entanto, atualmente, no caso do glifosato (mas também da maioria dos agrotóxicos), tais estudos não foram realizados. Os únicos testes deste tipo (para avaliar o risco cancerígeno em animais, por exemplo) dizem respeito às moléculas ativas e/ou princípios ativos – neste caso o glifosato sozinho, sem misturas de co-formulantes destinados a aumentar a sua eficácia. De acordo com a nota publicada pelo Politico, a Comissão não parece ter respeitado a regulamentação europeia sobre a matéria, tal como interpretada pelo tribunal comunitário superior.
Um “problema de avaliação de toxicidade”
A ação da coligação Toxic Secrets diz respeito precisamente a este aspecto do caso. “Decidimos centrar a nossa ação no problema da avaliação da toxicidade a longo prazo dos agrotóxicos à medida que são aplicados, e não apenas na sua substância ativa e/ou princípio ativo”, afirma Andy Battentier, coordenador da coligação. Muitas vezes há confusão entre os produtos comerciais formulados na medida que são disseminados pelo ambiente e o princípio ativo isolado. Nesse caso, não é o glifosato puro que se espalha no campo, mas sim formulações contendo glifosato e todo um conjunto de coformulantes. É a toxicidade a longo prazo desta mistura que nos interessa!» (nt.: sempre vale relembrar de que a visão da toxicologia convencional que considerava que a dose é que determinava se o produto era ou não veneno, está cada vez mais ultrapassado depois que se descobriu que a maioria das moléculas artificiais, como os agrotóxicos agem como hormônios. E assim, sua dose passa a ser a mesma do hormônio natural, infinitesimal!).
Os estudos de toxicidade apresentados pelos fabricantes para avaliar os efeitos das formulações são testes de toxicidade aguda. “Temos alguns estudos [realizados em animais de laboratório] com duração de três meses, e que mostram efeitos deletérios, mas são estudos acadêmicos [realizados por investigadores de organizações públicas de investigação], que não são levados em consideração pelas autoridades”, explica o Sr. Battentier. Estes estudos, que não cumprem as normas regulamentares estabelecidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e seguidos pelos fabricantes, geralmente não são considerados relevantes ou confiáveis pelas agências de saúde como a Autoridade Europeia para a segurança alimentar.
Esta falha sistemática em levar em conta os estudos acadêmicos, para a avaliação do próprio glifosato, está no centro do segundo apelo, formado pelas diversas organizações membros da Pesticide Action Network. “As regulamentações europeias sobre agrotóxicos, em teoria, exigem que as agências reguladoras levem em conta todos os estudos acadêmicos publicados nos dez anos anteriores ao pedido de comercialização, e devem basear-se no estado do conhecimento científico e técnico e nas melhores evidências científicas disponíveis, explica Pauline Cervan, toxicologista da Générations Futures. No entanto, na prática, respectivamente 95% e 93% dos estudos acadêmicos sobre a toxicidade e ecotoxicidade do glifosato foram considerados irrelevantes ou não fiáveis e não tiveram peso na avaliação do risco.»
As consequências desta dicotomia entre estudos industriais e acadêmicos podem ser significativas. “De 145 estudos acadêmicos sobre a questão da genotoxicidade [toxicidade do DNA] do glifosato, três quartos concluem que ele é genotóxico, mas nenhum é considerado confiável ou relevante pelas autoridades”, explica Helmut Burtscher, toxicologista da ONG Global 2000. Por outro lado, nenhum dos 64 testes industriais sobre o assunto conclui que o glifosato é genotóxico, e cerca de metade deles são considerados confiáveis pelas autoridades.»
A Comissão Europeia tem agora pouco menos de seis meses para responder e possivelmente reconsiderar a sua decisão. No caso – provável – de esta resposta não satisfazer as ONG, estas terão justificativa para levar a questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, fevereiro de 2024.