Espermatozoide: contagem zero

Seremos uma espécie em extinção, conforme levantam cientistas, pela realidade constatada quanto à fertilidade masculina?

 

https://www.gq.com/story/sperm-count-zero

 

GQ USA September 2018

 

Uma estranha situação está acontecendo nas últimas décadas aos homens: estamos nos tornando progressivamente em inférteis. Isso é tanto, que dentro de uma geração poderemos perder a capacidade de nos reproduzir completamente. O que está causando essa queda misteriosa no número de espermatozoides – e existe alguma maneira de reverter isso antes que seja tarde demais?

Homens estão condenados. Todo mundo sabe disso. Obviamente que sabemos que todos estão condenados, incluindo as mulheres. Todos de modo geral. Estamos só num compasso de espera até que uma ou outra das estúpidas coisas que nossa mentecapta espécie está prestes a finalmente nos pregar. Mas, como se vê, não é surpresa: homens primeiro. Segundo exemplo da perplexidade: de que as mulheres serão levadas de roldão conosco.

Sempre houve evidências de que os homens, ao longo da vida, corriam maiores riscos de morte prematura – desde o início, há uma incidência mais alta masculina de Death by Mastodon Stomping (nt.: os organizadores do site se escusam porque não encontraram algo que pudesse, com coerência, traduzir esta expressão), de uma incidência maior de Spiked Club to the Brainpan (nt.: mesma situação anterior), uma disparidade estatisticamente significativa entre quantos homens e quantas mulheres morrem de Tiro Acidentalmente em seus Próprios Rostos ou Tornando-se Realmente Gordo/a bem como Tendo um Ataque Cardíaco. O macho das espécies morre mais cedo do que a fêmea – cerca de cinco anos, em média. Para tanto, divida-se uma população em grupos por ano de nascimento e, quando cada coorte atingir os 85 anos, restarão duas mulheres para cada homem vivo. De fato, o macho vence em todas as classes de idade: bebês do sexo masculino morrem com mais frequência que bebês do sexo feminino; menininhos morrem com mais frequência do que menininhas; o mesmo com adolescentes; homens jovens; e os de meia idade. Campeões na morte em todo o tabuleiro.

Agora parece que a morte prematura não está sendo suficiente para nós – estamos no caminho certeiro para extinguir completamente a espécie humana. No último verão, um grupo de pesquisadores da Universidade Hebraica e da Escola de Medicina Mount Sinai, publicou um estudo mostrando que a contagem de espermatozoides nos EUA, Europa, Austrália e Nova Zelândia caiu mais de 50% nas últimas quatro décadas. (Eles julgaram que os dados do resto do mundo são insuficientes para tirarem conclusões, mas há estudos sugerindo que a tendência pode ser mundial.) Isso quer dizer: estamos produzindo metade dos espermatozoides que nossos avós fizeram. Nós somos hoje, meio férteis.

O trabalho da Universidade Hebraica/Escola Mount Sinai foi uma metanálise de uma equipe de epidemiologistas, clínicos e pesquisadores que selecionou dados de 185 estudos, que analisaram o sêmen de quase 43 mil homens. Mostrou que a raça humana está aparentemente numa tendência para se tornar incapaz de se reproduzir. A contagem de espermatozoides passou de 99 milhões por mililitro de sêmen em 1973  (nt.: no entanto, conforme informações do documentário da BBC, de 1994, ‘Assault on the Male’, o número era de 150 milhões) para 47 milhões em 2011, e o declínio vem se acelerando. Mais 40 anos – ou menos – nos levariam a uma contagem: zero?

Ligamos para a dra. Shanna H. Swan, epidemiologista em reprodução da Escola de Medicina Mount Sinai, e uma das principais autoras do estudo, para perguntarmos se havia boas notícias escondidas atrás desses números brutais. Estamos realmente em risco de extinção? Ela não conseguiu me consolar. “A questão: ‘O Que Significa Isso’ nos leva a extrapolarmos além destes dados”, disse Swan, “o que é sempre uma situação complicada. Mas podemos nos perguntar: ‘Aonde isso leva? Quando uma espécie está, realmente, em perigo? Quando é que uma espécie está ameaçada?’ E nós estamos definitivamente nesta trilha.” Esse caminho, em suas partes mais sombrias, leva a bebês que não são mais naturalmente concebidos, mas potencialmente a nenhum bebê nascido naturalmente – e a geração final do Homo sapiens irá vagar pela Terra, sabendo que serão os últimos de sua espécie.

 


Se nós somos a metade tão férteis quanto a geração anterior, por que não notamos? Uma resposta é que há muita redundância embutida na reprodução: você não precisa de 200 milhões de espermatozoides para fertilizar um óvulo, mas isso é quanto um homem médio pode dedicar ao trabalho. A maioria dos homens ainda pode conceber uma criança naturalmente com uma contagem de espermatozoides deprimida e aqueles que não podem entrar numa indústria de tratamento de fertilidade em expansão pronto para ajudá-los. E embora contagens mais baixas de espermatozoides provavelmente tenham levado a uma pequena diminuição no número de crianças concebidas, esse declínio foi mascarado por mudanças sociológicas que levaram a baixas taxas de nascimento ainda mais rápido: as pessoas no mundo desenvolvido estão optando por ter menos filhos e tê-los mais tarde.

O problema tem sido debatido entre os cientistas de fertilidade há décadas – estudos que sugerem que a contagem de espermatozoides está em declínio têm aparecido desde os anos 70 – mas até a metanálise de Swan e seus colegas, os resultados sempre foram julgados incompletos ou preliminares. A própria Swan havia realizado estudos menores sobre o declínio da contagem de espermatozoides, mas em 2015 ela decidiu que era hora de uma resposta definitiva. Ela se juntou a Hagai Levine, um epidemiologista israelense, e a Niels Jørgensen, um endocrinologista dinamarquês, e juntos com outras cinco pessoas, realizaram uma revisão sistemática e análise de meta-regressão – isto é, uma espécie de síntese estatística dos dados. “Hagai é um cientista muito bom e ele também costumava ser o chefe de epidemiologia das forças armadas israelenses”, disse-me a dra. Swan. “Então ele é muito bom em organizar.” Eles passaram um ano trabalhando com os dados.

 


“Devemos esperar o melhor e nos prepararmos para o pior”, disse Hagai Levine, principal autor do estudo. “E esta é a possibilidade de nos tornarmos extintos.”


 

Os resultados, quando chegaram, foram claros. Não só a contagem de espermatozoides por mililitro de sêmen diminuiu em mais de 50% desde 1973, mas sua contagem total caiu em quase 60%: na verdade, estamos produzindo menos sêmen e nele tem menos espermatozoides. Desta vez, até mesmo cientistas que eram céticos em relação a análises anteriores tiveram que admitir que o estudo era praticamente inatacável. Jørgensen, em Copenhague, me disse que, quando viu os resultados, exclamou em voz alta: “Não, não pode ser verdade”. Ele esperava ver um declínio no passado, mas depois haveria uma estabilização. Mas ele não pode contestar quando a equipe recorreu pelos números de novo e de novo. A inclinação descendente demonstrava ser constante.

Quase todos os cientistas com quem conversei enfatizaram que não apenas a baixa contagem de espermatozoides era alarmante, mas também o que disseram sobre o futuro reprodutivo da espécie – eles alertaram para um conjunto muito maior de problemas de saúde que os homens enfrentavam. Nesta visão, a produção de espermatozoides é como os canários na minas de carvão, usados para se constatar se haviam gases venenosos no seu interior e aqui são um sinal importante quanto ao que pode estar ocorrendo com os corpos masculinos: sabemos, por exemplo, que homens com baixa qualidade do sêmen têm uma taxa de mortalidade mais alta e são mais propensos a terem diabetes, câncer e doenças cardiovasculares quando comparados com homens férteis.

Os níveis de testosterona também caíram abruptamente, sendo que seus efeitos iniciam-se desde a fase  uterina e se estendem até a idade adulta. Um dos marcadores mais significativos no organismo de um feto do sexo masculino é a situação fisiológica chamada ‘distância anogenital/DAG’ (nt.: em inglês Anogenital Distance/AGD) – a medida entre o ânus e os genitais. A AGD masculina é tipicamente duas vezes o comprimento da da fêmea, uma diferença muito mais dramática entre os sexos fisiológicos do que altura, peso ou musculatura. A baixa testosterona no feto leva a uma AGD mais curta e uma medida menor que a mediana, correlacionando-se a um homem sete vezes mais propenso a ser sub-fértil, dando-lhe maiores probabilidades de ter testículos que não desceram para o saco escrotal, tumores testiculares e um menor pênis. “O que você está vendo em vários sistemas, além de outros ligados ao desenvolvimento fisiológico dos sexos, é que as diferenças entre eles estão diminuindo”, afirmou-se a dra. Swan. Os homens estando produzindo menos espermatozoides, torna-os também menos masculinos.

Presumi de que a próxima coisa que a dra. Swan iria me relatar, seria de que essas mudanças eram um mistério para os cientistas. Se ao menos pudéssemos descobrir o que estava causando a queda na contagem de espermatozoides, imaginei, poderíamos resolver todos os problemas de saúde ao mesmo tempo. Mas acontece que tudo isso não é um mistério: sabemos qual é o culpado. No entanto, está se escondendo à vista de todos nós .

 


O sexto andar do Rigshospitalet, instituição hospitalar e de pesquisa em Copenhague, abriga o ‘Departamento de Crescimento e Reprodução’. Os bebês estão todos a poucos andares abaixo – em seis, e a unidade não é ocupada por novos pais, mas com médicos e pesquisadores curvados sobre espectrômetros de massa, sensores de gel e coisas do gênero. Eu estava lá para conhecer Niels E. Skakkebæk, um pediatra endocrinologista de 82 anos, que fundou o departamento em 1990. Depois de me guiar pelo laboratório, mostrou-me seu escritório, um espaço apertado e parecido com um armário – modesto para alguém que é um gigante em seu campo profissional. A fertilidade masculina e a saúde reprodutiva masculina, segundo Skakkebæk, estão em plena crise. “Aqui na Dinamarca, há uma epidemia de infertilidade”, disse ele. “Mais de 20% dos homens dinamarqueses não podem fazer filhos”.

Skakkebæk primeiro suspeitou que algo estava errado no final dos anos 70, quando ele tratou um paciente infértil com uma anormalidade em células testiculares que ele nunca havia visto antes. Quando tratou um segundo com a mesma anormalidade, alguns anos depois, começou a investigar possível conexão. O que ele descobriu foi uma nova forma de células precursoras para o câncer testicular, uma doença antes rara cuja incidência havia dobrado. Além disso, essas células precursoras haviam começado a se desenvolver antes mesmo do paciente nascer. “Teve a percepção de que o câncer testicular, que é um câncer de homens jovens, é algo que na verdade é originado no útero”, disse-me a dra. Swan. E se estes testículos tivessem, de alguma forma, se desenvolvido anormalmente no útero, Skakkebæk se perguntou, o que mais estava acontecendo com esses bebês antes de nascerem?

Finalmente, Skakkebæk conectou vários outros sintomas, anteriormente raros, a uma condição que ele chamou de síndrome da disgenesia testicular (nt.: testicular dysgenesis syndrome/TDS), um conjunto de problemas reprodutivos masculinos que incluem hipospádia (local anormal para o fim da uretra no pênis), criptorquidismo (testículo que não desce normalmente para o saco escrotal), pobre qualidade do sêmen e câncer testicular. O que Skakkebæk propôs com a TDS é de que esses distúrbios podem ter uma origem fetal comum, alguma disfunção no desenvolvimento do feto masculino no útero.

Assim, o que então estaria causando essa disfunção? Dizer que há apenas uma única resposta pode ser um exagero – estresse, tabagismo e obesidade, por exemplo, deprimem a contagem de espermatozoides. No entanto, há cada vez menos críticos da seguinte teoria: de que algo se passa a partir da revolução industrial. Da mesma forma com a indústria do petróleo que aconteceu. Além da química, predominantemente sintética, do século 20 também ter ocorrido. Em resumo, os humanos começaram a ingerir toda uma série de compostos químicos sintéticos que afetam seus hormônios – incluindo os sexuais, mais especificamente, o estrogênio (nt.: feminizante) e a testosterona (nt.: masculinizante).

 

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Os cientistas com quem conversei foram menos cautelosos ao aceitar essa explicação do que eu esperava. No final do corredor do escritório de Skakkebæk, conheci Anna-Maria Andersson, uma bióloga cuja pesquisa se concentrou no declínio dos níveis de testosterona. “Aconteceu uma revolução química a partir do início do século 19, talvez até um pouco antes”, disse ela, “e foi se expandindo até explodir após a Segunda Guerra Mundial, quando centenas de novos produtos químicos entraram no mercado dentro de um período de tempo muito curto.”

De repente, uma vasta gama de produtos químicos estava entrando em nossa corrente sanguínea, aqueles que nenhum corpo humano jamais teve que lidar. A revolução química nos deu algumas coisas maravilhosas: novos medicamentos, novas fontes de alimento, produção em massa mais rápida e barata de todos os tipos de produtos necessários. Também nos deu, Andersson aponta, um experimento vivo no corpo humano que não tinha absolutamente nenhuma predisposição para o que veio e resultou nisto.

Quando uma substância química afeta nossos hormônios, ela é chamada de disruptor endócrino. E acontece que muitos dos compostos usados para tornar a resina plástica mais macia e flexível (como os plastificantes ftalatos) ou torná-las mais duras e fortes (como o plastificante Bisfenol A ou BPA), já são reconhecidamente disruptores endócrinos consumados. Os ftalatos e o BPA, por exemplo, imitam o estrogênio na corrente sanguínea. Se és um homem com muito ftalato no sistema, produzirás menos testosterona e menos espermatozoides. Já se o feto masculino for exposto a ftalatos no útero, seu próprio sistema reprodutivo será alterado: ele se desenvolverá para ser menos masculino.

As mulheres com níveis elevados de ftalatos na urina durante a gravidez eram significativamente mais propensas a ter filhos com menor distância anogenital, bem como menor comprimento do pênis e testículos menores. “Quando os testículos [do feto do sexo masculino] começam a produzir testosterona, que é cerca de oito semanas de gravidez, eles fazem um pouco menos”, disse ela. “Esse é o cerne de toda essa história. Então os ftalatos diminuem a testosterona. Os testículos, então, não produzem quantidade adequada de testosterona, e a distância anogenital pode, daí, ser menor ”.

O problema é que esses produtos químicos estão por toda parte. O BPA pode ser encontrado em garrafas plásticas d’água, recipientes para alimentos e recibos de máquinas termo-impressas de recibos de vendas. Os ftalatos são ainda mais comuns: eles estão nos revestimentos de medicamentos e suplementos nutricionais; são usados em agentes gelificantes, lubrificantes, aglutinantes, agentes emulsionantes e de suspensão. Para não mencionar os instrumentos médicos, catéteres etc (nt.: feitos com a resina plástica PVC), detergentes e embalagens, tintas e modelagem de argila, produtos farmacêuticos e têxteis além de aparelhos e vibradores eróticos, esmalte de unhas, sabão líquido e spray para o cabelo. Eles são usados em tubulações que processam alimentos, então serão resíduos em leite, iogurte, molhos, sopas e até, em pequenas quantidades, em ovos, frutas, legumes, macarrão, ‘noodles‘, arroz e água. O CDC/Centers for Disease Control and Prevention (nt.: órgão governamental dos EUA para controle e prevenção de doenças) verificou que praticamente toda a população dos Estados Unidos tem níveis mensuráveis de ftalatos em seus corpos – eles parecem ser inevitáveis (nt.: dentro da visão da produção industrial petroquímica sim, mas serão mesmo?).

Além do mais, há evidências de que o efeito destes disruptores endócrinos aumenta ao longo das gerações, devido a algo chamado herança epigenética. Normalmente, os traços adquiridos – como, digamos, uma contagem de espermatozoides diminuída pela obesidade – não são passados de pai para filho. Mas algumas substâncias químicas, incluindo ftalatos e BPA, podem mudar a forma como os genes são expressos sem alterar o código genético subjacente, e essa mudança É hereditária. Nosso pai passa sua baixa contagem de espermatozoides para nós e nossa contagem fica ainda mais baixa depois que somos expostos a disruptores endócrinos (nt.: vale a ressalva de que todos os disruptores endócrinos que lesaram nossos pais ainda continuarão ativos somados a todos os que nós agregarmos ao ambiente). Isso é parte da razão pela qual não houve estabilização mesmo após 40 anos de declínio na contagem dos espermatozoides – a linha do patamar mínimo continua caindo.

 


Com todo o respeito devido à dra. Swan e os problemas de extrapolar além dos dados, eu queria voltar à questão: ‘O Que Significa Isso’, trazida acima. A resposta, pensei, pode ser encontrada no 13 º Simpósio Internacional de Espermatologia, realizado em maio (nt.: de 09 a 13 de maio de 2018), em Lidingö, uma pequena ilha no interior do arquipélago de Estocolmo. Uma centena de espermatologistas em um só lugar: poderíamos pensar (incorretamente) que as piadas seriam boas. Skakkebæk havia me dito que eu seria capaz de encontrar alguns dissidentes quanto as conclusões da meta-análise de Swan, mas o que eu testemunhei foi a derrota final dos poucos que duvidavam.

No jantar de boas-vindas (rena e galo), conheci Hagai Levine, o co-autor israelense da meta-análise da Universidade Hebraica/Mount Sinai. Levine, que tem 40 anos, disse que tínhamos motivos para nos preocupar. “Estou dizendo que devemos esperar o melhor e nos prepararmos para o pior”, disse ele. “E essa é a possibilidade de nos extinguirmos. E devemos considerar esta possibilidade, seriamente. Eu não estou dizendo que vai acontecer. Eu não estou dizendo que é provável que isso aconteça. Nem que é uma previsão. Só estou dizendo que devemos estar preparados para tal possibilidade. Isso é tudo. E, parece que não estamos preparados”.

Sua palestra na manhã seguinte – “Estão os espermatozoides à beira da extinção?” – seria o evento decisivo da conferência: lançou uma sombra sobre todas as outras palestras. Em um painel de discussão que seguiu sua apresentação, Levine continuou seu argumento para abordar as causas da crise, dizendo: “Minha percepção, caso não soubesse, é de que cabe aos fabricantes de produtos químicos provarem que seus produtos químicos são seguro. Mas eu não sinto que precise de mais evidências para agir como ajo com estes produtos químicos que já são conhecidos por perturbarem o sistema endócrino”.

O organizador do simpósio, Lars Björndahl, um espermatologista sueco que havia apresentado no início da manhã, pediu cautela. “Tenho grande respeito pelos estudos epidemiológicos, mas devemos lembrar que as correlações matemáticas não provam que existe uma relação de causa e efeito”, disse ele. As perguntas da platéia – muitas vezes sob a forma de declarações – eram muito semelhantes: ter cuidado com um preconceito em relação à suposição de que todas essas coisas estão conectadas. Levine assentiu com a cabeça apenas com uma ponta de desapontamento, como um paciente professor esperando que seus alunos o alcançassem.

David Mortimer, que dirige uma empresa que projeta e instala laboratórios de concepção assistida, foi um dos únicos membros da audiência dispostos a questionar diretamente o estudo de Levine. Ele apontou de que os métodos para medição dos espermatozoides mudaram drasticamente durante o período de tempo do estudo e que os trabalhos antigos eram efetivamente pouco confiáveis.

Levine estava pronto com uma resposta. “Pois essa é uma das razões pelas quais também realizamos uma análise de sensibilidade”, disse ele do palco, “com estudos com coleta de amostras somente depois de 1995 — e a inclinação era ainda mais acentuada. Então isso não poderia explicar o declínio que vemos depois de 1995.”

“Eu nunca disse que não houve declínio na contagem de espermatozoides”, disse Mortimer, um pouco na defensiva. Levine, que fora tão gentil e comprometido com seus críticos, começou a parecer um pouco cansado. Ele se reanimou, no entanto, quando o grupo concordou em divulgar uma declaração conjunta sobre esta crise. As cátedras do simpósio conclamaram o mundo a reconhecer que a saúde reprodutiva masculina era essencial para a sobrevivência da espécie e que seu declínio era alarmante. Assim, deveria ser estudado e que, no momento, estava sendo negligenciado tanto no apoio financeiro como na atenção.

Mortimer veio se aproximando e acabou assinando a declaração. Quando o encontrei mais tarde, ele não chegou a desprezar as conclusões do estudo como eu esperava. Concordou que não havia dúvida de que as contagens de espermatozoides estavam diminuindo, tendo até adotado algumas das mais terríveis previsões de cientistas como Levine. “A epigenética é a parte assustadora”, disse-me ele, “porque o que estamos fazendo agora afeta o futuro da raça humana”. Quando até mesmo os céticos estão assustados, provavelmente é hora de prestarmos atenção.

 


Pode alguma coisa ser feita? Nos últimos 20 anos, tem havido tentativas ocasionais de limitar o número de disruptores endócrinos em circulação, mas inevitavelmente estas correções são irreais e inconsistentes: um produto químico removido, vem outro para substituí-lo, que acaba tendo seus próprios perigos. Este foi o caso do BPA, que foi parcialmente substituído pelo Bisfenol S, o que pode ser ainda pior para todos. A indústria química, sem surpresa, tem resistido à noção de que os bilhões de dólares de suas receitas que seus produtos lhes trazem, também podem representar danos terríveis ao corpo do ser humano. Muitas vezes elas têm seguido o mesmo modelo das gigantes do fumo e do petróleo – Big Tobacco e Big Oil, respectivamente – combatendo sua regulamentação com lobistas de toda espécie e financiando seus próprios estudos que sugerem que seus produtos são inofensivos. O website do American Chemistry Council, uma associação de lobby da indústria, tem uma página dedicada aos ftalatos. E ela consiste principalmente em chamar a pesquisa de Shanna Swan de “controversa”  e afirma que ela faz “uso de metodologias que não foram validadas e análises de dados não convencionais vem sendo criticadas pela comunidade científica”. (Entre os críticos citados sobre o trabalho da dra. Swan está Elizabeth Whelan, agora falecida, uma epidemiologista famosa por lutar contra a regulamentação de produtos químicos de sua posição como presidente do American Council on Science and Health (nt.: Conselho Americano de Ciência e Saúde, outro grupo de lobby da indústria agora travestido como associação científica) e que recebeu financiamento da Chevron, DuPont, e outras empresas do ramo de negócios de plásticos.)

Assumindo de que estamos incapacitados  de nos afastarmos (nt.: por estarmos viciados e dependentes?) dos plásticos e outras maravilhas da ciência moderna, poderemos estar atados para inovar saídas para esta confusão toda. Por quanto tempo conseguiremos ultrapassar a queda na contagem de espermatozoides? Tudo pode depender, em última análise, de como seremos bons para obtermos por fertilização in vitro ou por outros tratamentos de fertilidade. Quando falei com Marc Goldstein, um urologista e cirurgião no centro médico de Weill Cornell, em Nova York, disse que, embora “não houvesse dúvida de que houve um grande aumento de homens com infertilidade por fatores ligados ao sexo masculino”, ele não estava preocupado pelo futuro da espécie. A reprodução assistida manteria os bebês nascendo, não importando o quão lesado se tornasse o espermatozoide dos homens.

É verdade que os tratamentos de fertilidade já deram aos homens com contagem de espermatozoides extremamente baixa a chance de serem pais. De fato, observando seus casos, podemos vislumbrar como nosso futuro com baixa contagem de espermatozoides ira ser. Sabemos que será árduo conceber e dispendioso – assim ter filhos será tão elitista que poderá não ser mais uma opção disponível para todos os casais. Também é improvável que um futuro dependente de tratamento de fertilidade produza uma taxa de natalidade, em qualquer lugar, perto dos níveis atuais.

Não faz muito tempo, falei com Chris Wohl, engenheiro de superfície/pesquisa de materiais do NASA Langley Research Center (nt.: Centro de Pesquisas Langley da NASA), na Virgínia, que tentou por seis anos conceber uma criança. Tanto ele como sua esposa tinham problemas de fertilidade: a contagem de espermatozoides de Wohl era inferior a 2 milhões por mililitro – a contagem média que esperávamos atingir, no ritmo atual, lá por 2034. “Começamos da maneira normal de tentar ter filhos”, disse ele, “e depois de alguns anos, dissemos: ‘Ok, vamos conversar com algumas pessoas’”. Eles passaram por várias sessões de inseminação intra-uterina. “E depois da sexta vez, dissemos: ‘Isso não está funcionando. Precisamos melhorar nosso jogo tecnológico.’ Então fomos a um endocrinologista que atua em reprodução e passamos por várias rodadas de fertilização in vitro. E então, quando isso falhou, nós estávamos indo para a adoção. Foi quando alguém se apresentou e disse que seria um substituto para nós.” Finalmente, com o substituto, o processo funcionou. Ele e sua esposa agora têm uma menina de quatro anos, saudável e com força de vontade.

Então, talvez essa seja a solução: enquanto estivermos em algum lugar acima do Sperm Count Zero (nt.: contagem zero de espermatozoides), e com uma assistência da medicina moderna, temos uma chance. Os homens continuarão sendo essenciais para a sobrevivência da espécie. O problema com as inovações tecnológicas, porém, é que elas nunca param. Uma nova tecnologia conhecida como IVG – gametogênese in vitro – está mostrando promessas iniciais de transformar células-tronco embrionárias em espermatozoides. Em 2016, cientistas japoneses criaram camundongos bebês fertilizando ovos de camundongos normais com espermatozoides criados via IVG. As células-tronco em questão foram retiradas de camundongos fêmeas. Ou seja, não havia mais necessidade de machos.

Esta matéria apareceu originalmente na edição de setembro de 2018 com o título “Sperm Count Zero”.

 

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, outubro de 2018.