Mortalidade maior de árvores, migração de espécies, extinção. Esses são alguns dos piores prognósticos para o que vai acontecer com a biodiversidade do planeta diante do aumento da temperatura e das mudanças do clima. O alerta deve aparecer no relatório sobre impactos, vulnerabilidades e adaptação, que será divulgado na noite deste domingo, 30, pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) em Yokohama, no Japão. De acordo com uma versão preliminar do documento, que vazou na internet, “uma grande fração de espécies, tanto terrestres quanto de água doce, enfrenta um aumento do risco de extinção diante das mudanças climáticas projetadas ao longo do século 21 e depois”. Isso é dito, no jargão do IPCC, com alto grau de confiança.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/529788-painel-alerta-para-migracao-de-especies
A reportagem é de Giovana Girardi, publicada por O Estado de S. Paulo, 29-03-2014.
Para o painel, a ameaça é ainda maior quando combinada com outras pressões, como modificação do habitat, superexploração, poluição e a presença de espécies invasoras. Já com as alterações sentidas hoje, apontam os cientistas, muitas espécies têm alterado a área de abrangência – plantas e animais estão migrando para localidades com clima mais favorável.
Em outros casos, há uma modificação na abundância das espécies – como no caso das abelhas (clique aqui para ler) – e em suas atividades sazonais. Isso está acontecendo em muitas regiões e vai continuar com o futuro de alteração do clima, dizem. “Mas muitas espécies serão incapazes de rastrear climas mais adequados, nos cenários de média ou mais alta mudança climática.” Eles se referem a trabalhos científicos, baseados em observações e em modelagens, que mostram que existe uma velocidade máxima com a qual as espécies conseguem se mover pelas paisagens em relação à projeção da velocidade com que as temperaturas e outras alterações devem avançar por essas mesmas paisagens. Principalmente árvores, mas também muitos anfíbios e alguns pequenos mamíferos estarão nessas condições.
Morte de árvores. Outra alteração que já vem sendo observada e deve se intensificar com o aumento da temperatura é um alto grau de morte de árvores em todo o globo, da Amazônia à Floresta Boreal e à tundra no Hemisfério Norte. Árvores estão morrendo mais rápido do que costumava ocorrer em muitas regiões, e em alguns casos a mudança do clima, especialmente o calor e a seca, parece ser o gatilho. Mas os cientistas admitem que essa relação é difícil de estabelecer.
Para o painel, as evidências do envolvimento no declínio de florestas é mais forte nas regiões temperadas daEuropa, da América do Norte e da Rússia. Nas regiões tropicais, em especial no Brasil, vários estudos mostram que após as duas grandes secas recentes da Amazônia, em 2005 e em 2010, a mortalidade de árvores foi bem mais alta, mostrando que há um limiar da floresta para esses eventos. Mesmo com a queda expressiva da taxa de desmatamento desde 2008, condições extremas de seca aliadas ao fogo – comumente usado por agricultores na região – podem ser cruciais para a vegetação e, por consequência, para as espécies que dependem dela.
Um dos autores desses trabalhos mencionados no relatório do IPCC é o pesquisador Britaldo Soares-Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais, especialista na dinâmica da floresta. Ele comenta que estudos mais recentes – um deles acabou de ser aceito para publicação na revista PNAS – revelam a interação entre seca e fogo, levando a aumento abrupto na mortalidade das árvores.
O pesquisador Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, que também participou, conta que em uma versão anterior desse estudo, uma parcela da floresta foi queimada intencionalmente em Mato Grosso, nas cabeceiras do Xingu. O evento coincidiu com um momento de temperatura mais alta e ventos fortes. O resultado foi uma mortalidade de 50% das árvores.
Tundra. O capítulo que trata do assunto mostra que a morte de árvores está disseminada pelo planeta. Chama a atenção o que ocorre no ecossistema boreal e de tundra, no Hemisfério Norte. No último relatório do IPCC, de 2007, ele parecia que estava ficando mais verde. Imaginava-se que a floresta estava migrando para áreas com menos neve. Mas estudos posteriores viram que há um feedback levando degradação para o sistema.
A morte de árvores tem um efeito ainda mais problemático que é a realimentação do efeito estufa, o principal responsável pelas mudanças do clima. As florestas absorvem uma quantidade enorme de carbono em seus troncos, folhas e debaixo do solo. Quando elas morrem, isso acaba sendo eliminado para a atmosfera, aumentando a concentração de gases de efeito estufa.
Na grande seca de 2005, a perda massiva de biomassa levou a uma liberação estimada de 5 bilhões de toneladas de CO2, mostrou um estudo publicado na revista Science em 2009.
De acordo Nepstad, estima-se que as árvores contenham cerca de 90 bilhões de toneladas de CO2 armazenado. “É quase uma década do que a população libera por ano, que é de cerca de 10 bilhões.”