Os desreguladores hormonais presentes em plásticos e cosméticos e que foram encontrados em crianças brasileiras

Infelizmente a propaganda parece não corresponder o seu romantismo e serem os produtos inócuos, como a imagem invoca, face os dados de pesquisa brasileira aqui tratada.

 

https://www.bbc.com/portuguese/geral-45555524

 

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  • 23 setembro 2018

 

Brinquedos PlásticosCrianças brasileiras estão expostas a desreguladores hormonais contidos em plásticos e cosméticos

 

 

Diariamente, absorvemos diferentes contaminantes presentes não só no ar, na água e em alimentos, mas também em diferentes produtos – de garrafas plásticas, detergentes, papéis emitidos pela máquina de cartão de crédito a esmaltes, sabonetes e plástico filme (nt.: feito de PVC e pelo link se toma conhecimento do que este produto causa).

Conhecidas como “desreguladores endócrinos” (nt.: no nosso site tratamos estas substâncias de disruptores endócrinos), algumas destas substâncias podem interferir na síntese e ação de hormônios, responsáveis por funções como metabolismo, crescimento, desenvolvimento, reprodução, sono e estado de ânimo.

A fim de verificar o nível de exposição de crianças brasileiras a essas substâncias, um grupo de pesquisadores analisou a concentração de 65 desreguladores endócrinos em urinas de 300 crianças das cinco regiões do país, com idades entre 6 e 14 anos.

Segundo a pesquisa, os compostos químicos associados ao uso de cosméticos, produtos de cuidado pessoal e plásticos foram encontrados em concentrações elevadas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país.

“Os dados da pesquisa mostram que crianças brasileiras estão expostas a alguns desreguladores hormonais em concentrações maiores do que aquelas encontradas em países como EUA, Canadá e China, que realizam esse estudo mais rotineiramente”, diz Bruno Alves Rocha, pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto e autor do estudo, publicado na revista científica Environmental International.

Iniciada em 2016 e realizada em parceria com pesquisadores do Departamento de Saúde do Estado de Nova York, a pesquisa apontou que a maioria dos desreguladores relacionados ao uso de cosméticos e produtos de cuidado pessoal foram encontrados em maior concentração nas meninas.

Esta diferença chegou ao dobro em algumas substâncias – como o triclosan (presente em desodorantes e sabonetes antibacterianos), alguns parabenos (conservantes) e alguns benzofenonas (utilizados principalmente na formulação de esmaltes e presentes em protetores solares, produtos de maquiagem e produtos de cabelo).

“Isso mostra que esses produtos são uma fonte importante de exposição a estas substâncias”, avalia o pesquisador. De acordo com a consultoria Euromonitor International, o mercado de cosméticos e produtos de cuidado pessoal voltados ao público infantil no Brasil foi o terceiro maior do mundo em 2017.

Bruno Alves Rocha                                                       Direito de imagem: ARQUIVO PESSOAL
           Segundo pesquisador, maioria dos desreguladores foram encontrados nas meninas

 

Outro destaque da pesquisa, segundo artigo publicado na revista Science of the Total Environment, se refere à presença de ftalatos em pelo menos 90% das amostras de urinas analisadas. A partir do cálculo do nível de ingestão diária, os pesquisadores apontaram que um terço das crianças apresentaram níveis tóxicos dessa substância.

Além de compor fragrâncias em produtos como sprays de cabelo, loções pós-barba, sabões, xampus e perfumes, os ftalatos também são usados como solventes e na fabricação de plásticos mais flexíveis ou resistentes – estando presentes em produtos de limpeza, resinas e principalmente em plásticos (como o policarbonato, plástico filme, embalagens e brinquedos).

Procurada pela BBC News Brasil, a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) disse que “não está claro o efeito dos ftalatos na saúde humana”. E a Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM) disse que ainda são necessários estudos científicos para entender “quando, onde e como usar seguramente cada substância” (leia mais abaixo).

Consequências ainda desconhecidas

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem cerca de 800 compostos químicos suspeitos de interferir no sistema hormonal e “apenas uma pequena fração” dessas substâncias foi investigada. A organização diz que a falta de dados traz “incertezas sobre a extensão dos riscos”.

“Muitas (dessas substâncias) propiciaram melhorias e progressos ao longo do século 20, mas ainda precisamos investigar os impactos sobre a saúde humana, principalmente quando elas estão associadas”, diz Denise Pires de Carvalho, médica da Sociedade Brasileira de Endocrinologia Médica (SBEM) e professora de biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Apesar das divergências na literatura científica sobre quais concentrações dessas substâncias são consideradas aceitáveis, em 2016, a Comissão Europeia divulgou uma lista com 66 compostos químicos avaliados de terem “clara evidência de perturbação da atividade endócrina”.

Em 2016, os EUA proibiram a comercialização de sabonetes antibacterianos que contenham 19 ingredientes químicos, incluindo o triclosan (agente bactericida), sob a justificativa de não haver garantias de que essas substâncias sejam seguras. A determinação se baseou em pesquisas que indicaram que a exposição prolongada às substâncias analisadas pode provocar alterações hormonais e aumentar a resistência bacteriana.

Estudos recentes investigam impactos de desreguladores endócrinos sobre o sistema reprodutor humano. Uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Rochester, em Nova York, apontou que alguns ftalatos bloqueiam a ação do hormônio masculino testosterona em bebês, interferindo no desenvolvimento genital e cerebral de meninos. Cientistas também investigam se a queda da qualidade do sêmen no mundo, verificada pela OMS, está relacionada à ação de desreguladores endócrinos.

 

Mulher tomando banho                                                              Direito de imagem: GETTY IMAGES
Um terço dos 65 compostos químicos analisados na pesquisa apareceram simultaneamente em pelo menos metade das amostras 

Em 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a presença do bisfenol A (usado na produção de plástico policarbonato) em mamadeiras destinadas a crianças de até 12 meses.

“Hoje sabemos que essa substância está associada à diabete mellitus e obesidade infantil, além de poder causar puberdade precoce e alterações na tireoide”, afirma Carvalho, da UFRJ.

No estudo do pesquisador da USP, a mineração dos dados – metodologia que verifica padrões em uma grande quantidade de informações – apontou que urinas com altas concentrações de diferentes desreguladores também apresentaram maiores concentrações de 8OHDG, molécula que, em grande quantidades, indica a ocorrência de lesão nas células.

“Este processo danifica o DNA e favorece a ocorrência de obesidade, infertilidade, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, principalmente aqueles relacionados ao sistema reprodutor”, explica Rocha.

Um terço dos 65 compostos químicos analisados na pesquisa apareceu simultaneamente em pelo menos metade das amostras e apresentaram altas concentrações de 8OHDG, o que indicou a associação entre diferentes compostos e a ocorrência de estresse oxidativo.

“Analisar a coexposição é importante porque as pessoas não estão em contato com um só contaminante, mas com vários ao mesmo tempo. Eles atuam juntos”, diz o pesquisador.

Necessidade de investigação

Por e-mail, a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal Perfumaria e Cosméticos disse que “o estudo é muito recente e existem variáveis importantes que precisam ser conhecidas/controladas para poder analisar os resultados identificados.”

Já a Associação Brasileira da Indústria Química enfatizou que, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, a Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ) está formulando um regulatório nacional que dispõe sobre o cadastro, a avaliação e o controle de substâncias químicas industriais.

Contatada pela BBC News Brasil, a Anvisa disse adotar os limites apontados em avaliações conduzidas por autoridades internacionais e que as listas de substâncias permitidas são resultado de uma “harmonização entre os Estados do Mercosul e estão de acordo com o que está sendo praticado em outros países ou blocos, como Estados Unidos e Europa.”

Potes de cosméticos em banheiro                                                              Direito de imagem: GETTY IMAGES
“Pequenas contaminações ocorrem diariamente, já que eles estão presentes em várias coisas”, diz endocrinologista

 

A agência disse que parabenos são conservantes “bem difundidos nas indústrias e em alguns casos, de difícil substituição por questões de estabilidade do produto, custos, etc.”.

A Anvisa também disse já estar avaliando a redução da quantidade permitida de alguns parabenos e afirmou ter solicitado ao Mercosul a redução do limite de ftalatos permitidos em “materiais destinados ao contato com alimentos para crianças de até três anos.”

Questionada se a exposição simultânea é utilizada para definir os limites aceitáveis dos compostos químicos destacados na pesquisa, a Anvisa disse que “na maioria dos casos, os limites dizem respeito a análises individuais.”

Princípio da precaução

A diversidade de fontes, a dosagem e a análise dessas substâncias em conjunto no organismo estão entre os principais desafios para os estudiosos do tema hoje.

“Falta metodologia para dosar as concentrações desses compostos. Pequenas contaminações ocorrem diariamente, já que eles estão presentes em várias coisas. É importante analisar a intensidade das concentrações e o tempo de exposição a elas. Se uma pessoa está exposta a grandes quantidades de forma sistemática, haverá efeitos sobre a saúde”, pondera Angela Maria Spinola, endocrinologista pediátrica e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Ela enfatiza a necessidade de mapear e acompanhar as concentrações destas substâncias com regularidade, o que não é feito em países como o Brasil. “A meu ver, ainda não é possível fazer um prognóstico a partir dos dados da pesquisa da USP. É preciso um acompanhamento em longo prazo para verificar se as crianças brasileiras desenvolvem doenças a partir das altas concentrações de alguns contaminantes”, avalia Angela.

Alguns estudos indicam que a contaminação por parabenos e benzofenonas também podem estar relacionados à puberdade precoce e ao aumento de câncer de mama em indivíduos suscetíveis.

“Testes in vitro e em animais de laboratório mostraram que essas substâncias têm ações estrogênicas (agindo como os esteroides sexuais femininos) e antiandrogênicos (inibindo a ação de hormônios sexuais masculinos). Os efeitos em humanos estão sendo estudados, por isso o princípio da precaução é necessário”, diz Denise.

Aplicado pela Anvisa na proibição do Bisfenol A, este princípio prevê a adoção de medidas de proteção “sem ter que aguardar que a seriedade dos riscos se torne aparente” sempre que haja “incerteza sobre a existência ou amplitude dos riscos para a saúde humana”.

“Devemos evitar contaminações, porque ainda não conseguimos definir qual a dose mínima de desreguladores endócrinos que não causam efeitos ruins no nosso organismo”, avalia a professora da UFRJ.

Como se prevenir?

De acordo com especialistas ouvidas pela BBC News Brasil, ações cotidianas podem contribuir para diminuir a exposição a desreguladores endócrinos.

“É fundamental ler os rótulos dos produtos e procurar evitar aqueles que tenham desreguladores em sua composição. Principalmente mulheres grávidas, já que elas podem armazenar essas substâncias no tecido adiposo e liberar para o feto através da placenta”, diz Denise.

Outra recomendação se refere ao cuidado com o manuseio de embalagens de alimentos.

“A contaminação dos alimentos pode ocorrer a partir de fissuras causadas nas embalagens”, explica Angela. Por isso, é recomendado não esquentar ou congelar alimentos em recipientes ou embalagens plásticas, priorizar vidro em vez de plásticos e evitar o consumo de alimentos enlatados (cuja embalagem é revestida de bisfenol A).