Embalagens de pizza e outros ‘deliveries’ além de pipoca de micro-ondas têm sido associadas à exposição ao PFAS. (Crédito: Aleksandra Sapozhnikova/Unsplash)
https://www.ehn.org/pfas-in-food-2657507160.html
24.06.2022
Em meio a testes inadequados e falta de regulamentação, todos estamos comendo “produtos químicos para sempre”.
Depois que um estudo muito divulgado este ano descobriu altos níveis de uma classe química tóxica em embalagens de alimentos, muitos de nós estão de olho nessa pizza ou salada para viagem e/ou ‘deliveries’ sob uma nova luz.
Especialistas alertam, porém, que não devemos nos preocupar apenas com a exposição de alimentos embalados. Os compostos, PFAS, abreviação de substâncias per e polifluoroalquil, parecem estar amplamente difundidos em nosso suprimento de alimentos . PFAS contaminaram fazendas de laticínios e carne bovina no Maine e em Michigan , e testes recentes do site de bem-estar Mamavation encontraram evidências dos compostos em molhos de massas orgânicas, óleos de canola e manteigas de nozes.
Mas pouco se sabe sobre quanto PFAS os americanos estão comendo. Em contraste com a água potável, que é amplamente estudada, “temos apenas evidências anedóticas para entender (outras) fontes de exposição ao PFAS para a população geral dos EUA”, disse Elsie Sunderland, professora de química ambiental da Universidade de Harvard, ao Comitê da Câmara Federal sobre Ciência, Espaço e Tecnologia, no final de 2021.
Defensores e alguns pesquisadores dizem que os esforços da Food and Drug Administration dos EUA para testar e regular o PFAS em alimentos são inadequados, e a agência provavelmente subestimou os riscos à saúde de nossa exposição rotineira.
Mais amplamente, como o PFAS pode entrar nos alimentos de várias maneiras, a questão “destaca ainda mais a necessidade de parar de criar e emitir PFAS globalmente”, disse Courtney Carignan, cientista de exposição e epidemiologista ambiental da Michigan State University, à EHN.
PFAS em alimentos
PFAS, um grupo de mais de 9.000 compostos feitos pelo homem, são conhecidos por sua capacidade de repelir água e óleo e suportar altas temperaturas. Essas propriedades os tornaram úteis em produtos que variam de espuma de combate a incêndios a maquiagem e panelas antiaderentes – e significa que levam muito tempo para se decomporem no meio ambiente e em nossos corpos, ganhando o apelido de “produtos químicos para sempre/forever chemicals”.
Essa longevidade é problemática porque alguns PFAS têm sido associados a certos tipos de câncer, doenças cardíacas, danos no fígado, eficácia reduzida da vacina, menor peso ao nascer e outros efeitos à saúde. Os PFAS fazem “um trabalho muito bom em atravessar a placenta”, disse Stephanie Eick, epidemiologista ambiental e reprodutiva da Emory University, à EHN, acrescentando que a exposição pré-natal ao PFAS (nt.: um dos efeitos dessas moléculas é que o flúor deslocaria o iodo, elemento chave que forma as tiroxinas, hormônio das tiroides e indispensáveis nos primeiros dias do embrião para a formação de seu sistema nervoso central. Elas têm sido acusadas de gerarem crianças nascidas, nos últimos tempos, com retardo mental. O índice do QI tem demonstrado essa tragédia global) tem sido associada a problemas cardíacos e outros problemas mais tarde na vida. Estão aumentando as evidências de que alguns PFAS mais recentes provavelmente também são inseguros.
A União Europeia, que tem mais testes e regulamentações de PFAS do que os EUA, estabeleceu um limite mínimo combinado de alimentos semanais para quatro tipos de PFAS, estimando que a maioria excede esse limite de segurança. Os EUA, por sua vez, só têm avisos sobre a saúde da água potável para dois compostos PFAS.
O PFAS pode entrar nos alimentos que ingerimos de várias maneiras, desde a lixiviação de revestimentos de embalagens de alimentos até a contaminação em fazendas. Em uma análise recente, o Environmental Working Group/EWG estimou que a prática comum de espalhar lodo de esgoto para fertilizante poderia ter contaminado até 8 milhões de hectares de terras agrícolas dos EUA com os ‘produtos químicos para sempre’.
Eick disse que é “muito claro” a partir de estudos anteriores que comer peixe, que pode concentrar poluentes encontrados na água em que nadam e nas presas que comem, tem sido associado a níveis mais altos de PFAS.
Embora a evidência não seja tão forte quanto para peixes e mariscos, Eick disse que ovos, certos tipos de carne, especialmente fígado e outros órgãos e laticínios, também têm níveis mais altos de PFAS de cadeia mais longa em particular. Cientistas da UE também alertaram que a fruta pode conter níveis elevados de PFAS.
As embalagens de alimentos, especialmente para comida para viagem e/ou ‘deliveries‘, estão sob muito escrutínio ultimamente, pois os PFAS são comumente usados para ajudar recipientes, sacolas e papéis de padaria serem à prova de gordura e água. Um estudo seminal de 2019 descobriu que as pessoas que comem diariamente pipoca no micro-ondas, que geralmente vem em sacos revestidos, tinham níveis sanguíneos de PFAS “significativamente mais altos”, enquanto comer regularmente fast food e pizza também tendem a estar ligados a níveis mais altos de PFAS. No geral, o risco de comer alimentos processados ainda não é tão claro quanto comer um peixe contaminado porque os produtos químicos precisam migrar da embalagem para o alimento, observou Eick.
Alimentos de quaisquer tipos em embalagens como as da foto, podem estar contaminados.
O estudo da pipoca de microondas e outros descobririu que algumas das maiores concentrações de PFAS detectadas em humanos foram PFOA e PFOS – dois PFAS de geração mais antiga que são proibidos na Europa e foram eliminados pelos fabricantes dos EUA.
“Ainda é um grande problema, embora saibamos que eles foram eliminados gradualmente”, disse Eick, que conduziu um estudo que encontrou níveis elevados desses e de outros PFAS mais velhos em grávidas que comiam peixe e outros produtos animais.
PFAS em alimentos orgânicos
O site de bem-estar do consumidor Mamavation está testando a presença de flúor, em uma variedade de produtos de consumo, por ser um indicador para PFAS, em um laboratório certificado pela Agência de Proteção Ambiental/EPA. Leah Segedie, fundadora da Mamavation, disse à EHN que concentrou os testes em alimentos orgânicos e produtos comercializados como verdes ou naturais, já que as pessoas compram esses produtos em parte porque acham que são mais seguros.
Testes publicados recentemente por sua organização, descobriram que quatro dos 55 molhos de macarrão orgânicos testados no ano passado tinham flúor, enquanto cinco dos 17 óleos de canola e quatro das 33 manteigas de nozes tinham o indicador PFAS. Testes subsequentes de um número menor de molhos e óleos este ano não revelaram nenhuma evidência dos compostos.
EHN.org financiou parcialmente os testes. Pete Myers (nt.: coautor do icônico livro –OUR STOLEN FUTURE-, com Theo Colborn, que foi lançado no Brasil como “O Futuro Roubado”), cientista-chefe da Environmental Health Sciences, que publica o Environmental Health News/EHN, revisou as descobertas.
Linda Birnbaum, ex-diretora do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental e do Programa Nacional de Toxicologia e acadêmica residente na Nicholas School of the Environment da Duke University, disse à Mamavation que, embora “a boa notícia é que apenas 8% do tomate e os molhos para massas (testados) não continham PFAS”, idealmente não haveria PFAS em nossos alimentos, pois os compostos podem ser tóxicos em baixas doses (nt.: esse é o grande desafio desse século: desconsiderar, por ser uma molécula artificial, de que é a dose que define se uma substância é veneno ou não. Esse é o paradigma da toxicologia clássica. Mas por serem disruptores endócrinos, agem como hormônios naturais, em doses infinitesimais).
Carignan, da Michigan State University, disse que seus pensamentos iniciais sobre o teste sobre o molho de macarrão da Mamavation poderiam ser falsos positivos, pois há vários desafios com o teste de PFAS em alimentos. Mas ela acrescentou que os pesquisadores sabem que produtos com maior teor de água, como tomates, podem absorver mais compostos, então “é possível que os resultados sejam reais”.
Limitações nos testes da FDA/Food and Drug Administration de PFAS em alimentos
O esforço da FDA para testar o PFAS em alimentos destaca alguns dos desafios dos testes. Em 2019, a agência desenvolveu um novo método para testar 16 dos mais de 9.000 PFAS estimados em uma variedade de alimentos comuns. A agência inicialmente encontrou os compostos em 14 das 91 amostras – incluindo níveis chocantemente altos em um pedaço de bolo de chocolate.
Mais tarde, a FDA retirou esses resultados, dizendo que parecia que o outro resultado para o leite com chocolate eram falsos positivos, pois o teste não conseguia distinguir entre o composto PFPeA e o chocolate. A agência também elevou seu limite de detecção, dizendo que havia apenas dois alimentos que poderia dizer com segurança que tinham PFAS. A FDA disse que o tamanho da amostra neste estudo era muito pequeno para tirar conclusões.
Alguns pesquisadores e defensores da saúde ambiental levantaram preocupações sobre os esforços de testes da FDA até o momento. A agência deve testar os PFAS específicos encontrados em embalagens de alimentos, não apenas aqueles encontrados no meio ambiente, disse Melanie Benesh, advogada do Environmental Working Group, à EHN.
Além disso, a FDA deve reconsiderar seu atual limite de detecção, já que o PFAS pode ser prejudicial em quantidades muito baixas, acrescentou. “Nós realmente achamos que eles deveriam, no mínimo, divulgar toda a sua detecção para que tenhamos uma imagem mais completa de exatamente quantos alimentos estão testando positivo para algum nível de PFAS, mesmo que seja em níveis baixos”.
No geral, há uma “ausência de métodos validados” para testar PFAS em alimentos, de acordo com Charles Neslund, diretor científico da Eurofins USA, um laboratório líder de testes de PFAS, embora os pesquisadores estejam trabalhando para resolver isso. A FDA, por exemplo, está expandindo seu método para testar quatro PFAS adicionais. Os cientistas também estão trabalhando para melhorar os métodos de teste de flúor em embalagens de alimentos para rastrear rapidamente a presença de PFAS.
Um desafio emergente é que existem métodos limitados para testar os “precursores” de PFAS – ou seja, compostos que se decompõem no meio ambiente ou em nossos corpos em PFAS.
Passos para reduzir os danos à saúde do PFAS em alimentos
Até agora, sete estados – Califórnia, Maine, Connecticut, Nova York, Vermont, Minnesota e Washington – estão seguindo a Dinamarca ao proibir o PFAS de embalagens de alimentos, com a mais rápida dessas proibições entrando em vigor em Nova York no final deste ano. Enquanto isso, uma nova certificação rastreia se os recipientes de alimentos de uso único têm PFAS, BPA e outros tóxicos.
Além disso, um número crescente de restaurantes e redes de fast food começaram a banir o PFAS das embalagens de alimentos. Burger King, Chipotle, Taco Bell, Wendy’s, McDonald’, Sweetgreen e outras cadeias já baniram ou em breve eliminarão o PFAS das embalagens – embora testes recentes do Consumer Reports tenham descoberto que muitas empresas com proibições já em vigor ainda têm os compostos em suas embalagens .
A Starbucks é uma das várias empresas que se comprometeram com a eliminação do PFAS. (Crédito: Asael Peña/Unsplash)
Keith Vorst, professor associado de ciência de alimentos da Iowa State University, disse à EHN que os desafios permanecem para eliminar completamente o PFAS das embalagens de alimentos, incluindo a falta de alternativas seguras e baratas à prova de gordura. Além disso, os fabricantes de embalagens de plástico reciclado para alimentos estão encontrando vestígios de PFAS em seus produtos, mesmo quando os compostos não são adicionados como revestimento.
Se o PFAS nas proibições de embalagens de alimentos avançar, será necessário haver um consenso sobre o que conta como PFAS adicionado intencionalmente versus contaminação de fundo, acrescentou. “Não ouvi nenhuma das empresas com as quais trabalho dizer ‘há um futuro para a fluorquímica em nossos produtos’. ”
Em geral, os especialistas em saúde ambiental gostariam de ver as agências reguladoras federais dos EUA cooperarem para melhor abordarem a pesquisa de exposição ao PFAS e emitirem advertências de saúde apropriadas. A EPA poderia, por exemplo, realizar mais testes do lodo gerado em estações de tratamento de águas residuais e campos de cultivo onde foi espalhado, disse Benesh. “A extensão em que os alimentos estão sendo contaminados com lodo é, eu acho, dramaticamente subestimada, e quanto mais testamos, mais percebemos o tamanho do problema”, disse Benesh.
Michigan agora exige que empresas, como fábricas de papel e empresas químicas, que criam águas residuais especialmente ricas em PFAS, façam o pré-tratamento desses resíduos antes de irem para as estações de tratamento públicas.
Existem algumas medidas simples que as grávidas e qualquer pessoa preocupada com a exposição ao PFAS podem tomar, como reduzir a quantidade de peixe e outros produtos animais que consomem, disse Eick. Ela também sugere jogar fora quaisquer panelas antiaderentes com arranhões e usar o banco de dados Skin Deep do Environmental Working Group para garantir que seus produtos de cuidados pessoais sejam de baixo risco. Apesar da ampla prevalência de PFAS, “eu realmente sinto que é possível minimizar a exposição”, acrescentou Eick.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2022.