O ‘mata-mato’ que, ao se imiscuir em nosso alimento, vai virando ‘mata-gente’.
https://www.theguardian.com/us-news/2018/apr/30/fda-weedkiller-glyphosate-in-food-internal-emails
A FDA (nt.: agência norte americana de alimentos e medicamentos) testou amostras de alimentos quanto a quantidades traços de glifosato durante dois anos. No entanto, não tornou público seus resultados oficiais.
Cientistas do governo dos EUA detectaram um ‘mata-mato’, conectado ao câncer, em uma variedade de alimentos comumente consumidos pela sociedade. Isso é conforme mensagens, emails obtidos através de requerimentos pela lei de livre acesso a informações.
A agência de medicamentos e alimentos dos EUA (Food and Drug Administration/FDA) testou (testing) amostras de alimentos quanto a resíduos de glifosato, princípio ativo de centenas de herbicidas comerciais largamente usados, durante dois anos, mas os resultados oficiais ainda não foram liberados.
“Eu trouxe bolachas de trigo, granola e fubá da minha casa e há uma quantidade razoável do herbicida em todos eles”, disse o químico Richard Thompson (Richard Thompson wrote), da FDA, a colegas em um e-mail no ano passado, tratando do glifosato. Thompson, que está lotado num laboratório regional da agência, em Arkansas, escreveu que o brócolis era o único alimento que ele tinha “à mão” que detectou ser livre do glifosato.
Este email interno da FDA, de janeiro de 2017, faz parte de uma série de comunicações (a string of FDA communications) que detalham seus esforços para averiguar quanto deste herbicida, de uso global, estaria efetivamente aparecendo no alimento dos norte americanos. Os testes marcam as primeiríssimas analises da agência quanto a glifosato.
“As pessoas se importam em saber quais contaminantes estão em sua comida. Se houver informações científicas sobre a presença destes resíduos, a FDA deve torná-los público”, disse Tracey Woodruff, professora da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em San Francisco. “Ajuda as pessoas a tomarem decisões informadas. Os contribuintes pagam para o governo fazer este trabalho, eles querem começar a conhecer estas informações”.
A FDA tem a responsabilidade de testar anualmente amostras de alimentos para monitorar resíduos de agrotóxicos quanto aos altos níveis ilegais de seus resíduos. O fato da agência ter começado recentemente a testar o glifosato, uma substância química usada há mais de 40 anos na produção de alimentos, levou a críticas de grupos de consumidores (criticism) e do (Government Accountability Office/GAO). As necessidades para análises cresceram depois que a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) da OMS classificou, em 2015, o glifosato como um provável carcinógeno humano.
Glifosato é o conhecido princípio ativo do herbicida Roundup, marca comercial da Monsanto Co. Mais de 100 mil toneladas dele são usados anualmente pelos agricultores dos EUA (farmers on their fields). O ‘mata-mato’ é aspergido diretamente sobre algumas das culturas agrícolas, incluindo milho, soja, trigo e aveia. Muitos produtores também usam sobre as áreas agrícolas antes das culturas sazonais, como os produtores de espinafre e de amêndoas.
A detecção de glifosato feita por Thompson foi quando estava validando seus métodos analíticos, o que significa que esses resíduos provavelmente não serão incluídos em nenhum relatório oficial.
Separadamente, o químico da FDA Narong Chamkasem encontrou níveis de glifosato “acima-da-tolerância” no milho (“over-the-tolerance” levels of glyphosate in corn), detectados em 6,5 partes por milhão/ppm, afirma um email da FDA. O limite legal é de 5,0 ppm. Um nível ilegal seria normalmente reportado à Agência de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency/EPA), mas um supervisor da FDA escreveu a um funcionário da EPA que o milho não era considerado uma “amostra oficial”.
Juntamente como o glifosato, a agência tem tentado medir os resíduos (trying to measure residues) dos herbicidas 2,4-D e dicamba devido ao projetado aumento do uso desses ‘mata-mato’ nas novas culturas transgênicos ou geneticamente modificadas. O porta-voz da FDA disse que a agência tem “capacidade expandida” para testar, neste ano, alimentos onde se usou estes herbicidas.
Outras descobertas detalhadas nos documentos do FDA mostram que em 2016, Chamkasem encontrou glifosato em numerosas amostras de mel (numerous samples of honey). Chamkasem também encontrou glifosato em produtos de aveia (in oatmeal products). A FDA suspendeu temporariamente os testes após estas descobertas e o laboratório de Chamkasem foi “transferido para outros programas”, mostram os documentos do FDA. A agência informa que estes testes não faziam parte de sua atribuição oficial quanto aos resíduos de glifosato.
A exposição a agrotóxicos através da dieta é considerada um risco potencial para a saúde. Regulamentadores, a Monsanto (Monsanto) e interesses da indústria agroquímica dizem que os resíduos dos agrotóxicos nos alimentos não são prejudiciais se estiverem abaixo dos limites legais. Mas muitos cientistas contestam isso, dizendo que a exposição dietética prolongada a combinações destes venenos pode ser prejudicial.
A toxicologista Linda Birnbaum que é diretora do US National Institute of Enviromental Health Sciences/NIEHS, diz que a atual regulamentação analítica dos perigos dos agrotóxicos não leva em conta a exposição aos baixos níveis da dieta, constante e diária.
“Mesmo com baixos níveis de agrotóxicos, estamos expostos a muitos deles e não contamos com o fato de sofrermos exposições cumulativas”, disse Birnbaum.
O Ministério da Agricultura dos EUA deveria iniciar suas próprias análises de alimentos quanto aos resíduos de glifosato em 2017, no entanto o plano foi abandonado (dropped the plan).
A falta de dados governamentais sobre resíduos ocorre na medida em que a Monsanto tenta barrar a apresentação de provas sobre os resíduos alimentares do glifosato perante os tribunais onde a empresa está lutando contra as alegações (fighting off allegations) de que seus produtos, da marca comercial Roundup, causem câncer.
Em um caso marcado para julgamento em 18 de junho, o juiz da corte superior de São Francisco, Curtis Karnow, recentemente negou a proposta da empresa (denied the company’s motion) de impedir que o júri ouvisse sobre resíduos de alimentos. O juiz disse que, embora a Monsanto se preocupe com a informação, ela “irá inflamar o júri contra a Monsanto com base em seu próprio medo de que este conhecimento possa ser exposto”. Este conteúdo “não deve ser excluído”.
- Carey Gillam é um jornalista e autor (journalist and author) e um pesquisador do interesse público pelo US Right to Know, um grupo de pesquisa não lucrativo sobre a indústria de alimentos.
Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2018.