Jennie L. Durant, Research Affiliate in Human Ecology, University of California, Davis
05 dezembro 2023
[NOTA DO WEBSITE: Está cada vez mais inteligível de que a formulação comercial dos agrotóxicos não se define somente pelo seus princípios ativos, mas também pelos outros produtos que são agregados ao material vendido para os agricultores e para outros aplicadores. O crime do envenenamento é muito mais amplo].
As abelhas ajudam a polinizar mais de um terço das plantações do mundo, contribuindo com um valor estimado de US$ 235 bilhões a US$ 577 bilhões para a agricultura global. Elas também enfrentam uma infinidade de estresses, incluindo patógenos e parasitas, perda de fontes de alimentoe habitat adequados, poluição do ar e extremos climáticos.
Um estudo recente identificou outra pressão importante, mas pouco estudada, sobre as abelhas: Os ingredientes “inertes” dos agrotóxicos.
Todos os produtos comerciais dos agrotóxicos nos EUA contêm os princípios ativos e inertes. Os princípios ativos são projetados para matar ou controlar um inseto, erva daninha ou fungo específico e estão listados nos rótulos dos produtos. Todos os outros ingredientes – emulsificantes, solventes, transportadores, propelentes de aerossol, fragrâncias, corantes e outros – são considerados inertes.
O novo estudo expôs as abelhas a dois tratamentos: os princípios ativos isolados do fungicida Pristine, que é usado para controlar doenças fúngicas em amêndoas e outras culturas, e a formulação completa do Pristine, incluindo ingredientes inertes. Os resultados foram bastante surpreendentes: A formulação comercial completa prejudicou a memória das abelhas, enquanto os ingredientes ativos isolados não prejudicaram.
Isso sugere que os ingredientes inertes da fórmula eram, na verdade, o que tornava o Pristine tóxico para as abelhas – seja porque os inertes eram tóxicos por si só ou porque a combinação deles com os princípios ativos tornava-os mais tóxicos. Como cientista social com foco no declínio das abelhas, acredito que, de qualquer forma, essas descobertas têm implicações importantes para a regulamentação de agrotóxicos e a saúde das abelhas.
As ameaças às abelhas incluem a monocultura, a perda de habitat, a poluição do ar e a exposição a agrotóxicos.
O que são ingredientes inertes?
Os ingredientes inertes têm uma variedade de funções. Eles podem estender a vida útil do veneno, reduzir os riscos para as pessoas que aplicam ou ajudá-lo a funcionar melhor. Alguns inertes, chamados de adjuvantes, os ajudam a aderirem às superfícies das plantas, reduzem sua deriva ou ajudam os princípios ativos a penetrarem melhor na superfície da planta.
No entanto, o rótulo “inerte” é um termo coloquial errôneo. Conforme observado pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA – EPA, os inertes não são necessariamente inativos ou mesmo não tóxicos. Na verdade, os usuários às vezes sabem muito pouco sobre como os inertes funcionam em uma fórmula de agrotóxico. Isso se deve, em parte, ao fato de eles serem regulamentados de forma muito diferente dos princípios ativos.
Medição dos efeitos sobre as abelhas
De acordo com a Lei Federal de Inseticidas, Fungicidas e Rodenticidas (Federal Insecticide, Fungicide, and Rodenticide Act/FIFRA), a EPA supervisiona a regulamentação dos agrotóxicos nos EUA. Para registrar um produto para uso externo, as empresas químicas devem fornecer dados confiáveis de avaliação de risco sobre a toxicidade dos princípios ativos para as abelhas, incluindo os resultados de um teste agudo de contato com elas.
O teste de contato agudo rastreia como as abelhas reagem a uma aplicação de agrotóxico durante um curto período de tempo. Ele também visa estabelecer a dose que matará 50% de um grupo de abelhas, um valor conhecido como LD50. Para determinar a LD50, os cientistas aplicam o veneno na barriga das abelhas e, em seguida, observam-nas por 48 a 96 horas para detectar sinais de envenenamento.
Em 2016, a EPA expandiu seus requisitos de dados, exigindo um teste agudo de toxicidade oral para abelhas, no qual abelhas adultas são alimentadas com um produto químico, bem como um teste de larva de abelha de 21 dias que rastreia a reação da larva a um agroquímico desde o ovo até sua emergência como abelhas adultas.
Todos esses testes ajudam a agência a determinar o risco potencial que um princípio ativo pode representar para as abelhas, juntamente com outros dados. Com base nas informações desses diversos testes, eles são rotulados como não tóxicos, moderadamente tóxicos ou altamente tóxicos.
Uma caixa preta química
Apesar desses testes rigorosos, muito ainda não se sabe sobre a segurança deles para as abelhas. Isso é particularmente verdadeiro para os que têm toxicidade subletal ou crônica – em outras palavras, aqueles que não causam morte imediata ou sinais óbvios de envenenamento, mas têm outros efeitos significativos.
Essa falta de conhecimento sobre os efeitos subletais e crônicos é problemática, pois as abelhas podem ser expostas repetidamente, por longos períodos, a agrotóxicos presentes no néctar floral ou no pólen, ou à sua contaminação que se acumula nas colmeias. Elas podem até mesmo ser expostas por meio de acaricidas que os apicultores usam para controlar os ácaros Varroa, um parasita devastador das abelhas.
Para complicar a questão, os sintomas da exposição subletal geralmente são mais sutis ou demoram mais para se tornar aparentes do que a toxicidade aguda ou letal. Os sintomas podem incluir capacidade anormal de forrageamento e aprendizado, diminuição da postura de ovos pela rainha, deformação das asas, crescimento atrofiado ou diminuição da sobrevivência da colônia. A EPA nem sempre exige que as empresas químicas realizem os testes que poderiam detectar esses sintomas.
Os ingredientes inertes acrescentam outro nível de mistério. Embora a EPA analise e deva aprovar todos os ingredientes inertes, ela não exige os mesmos testes de toxicidade dos ingredientes ativos.
Isso ocorre porque, de acordo com a FIFRA, os ingredientes inertes são protegidos como segredos comerciais ou informações comerciais confidenciais. Somente a porcentagem total de ingredientes inertes é exigida no rótulo, geralmente agrupados e descritos como “outros ingredientes”.
Exemplo de rótulo de ingrediente de agrotóxico de um guia de treinamento da EPA, mostrando que apenas 0,375% dos ingredientes são divulgados e testados quanto à segurança das abelhas. EPA
Armas subletais
Um conjunto crescente de evidências sugere que os inertes não são tão inofensivos quanto o nome sugere. Por exemplo, a exposição a dois tipos de adjuvantes – organosilicone e surfactantes não iônicos – pode prejudicar o desempenho de aprendizado das abelhas. As abelhas dependem das funções de aprendizado e memória para coletar alimentos e retornar à colmeia, portanto, a perda dessas habilidades cruciais pode colocar em risco a sobrevivência de uma colônia.
Os inertes também podem afetar os zangões. Em um estudo de 2021, a exposição a etoxilatos de álcool (nt.: aqui está uma incógnita: se esse álcool etoxilato é o substituto do outro surfactante não iônico – NONILFENOL – por esse ser um disruptor endócrino, NOVAMENTE MOSTRA QUE AS SUBSTITUIÇÕES QUE AS CORPORAÇÕES FAZEM, NÃO TRAZEM NENHUMA VANTAGEM. Acabam repetindo os mesmos efeitos nefastos que as moléculas anteriores causavam), um coformulante do fungicida Amistar, matou 30% das abelhas expostas a ele e causou vários efeitos subletais.
Embora alguns inertes possam não ser tóxicos por si só, é difícil prever o que acontecerá quando eles forem combinados com princípios ativos. Pesquisas demonstraram que, quando dois ou mais agroquímicos são combinados, eles podem se tornar mais tóxicos para as abelhas do que quando aplicados isoladamente. Isso é conhecido como toxicidade sinérgica.
O sinergismo também pode ocorrer quando os inertes são combinados com agrotóxicos. Outro estudo de 2021 mostrou que os adjuvantes que não eram tóxicos por si só causavam aumento da mortalidade da colônia quando combinados com inseticidas.
Uma estratégia de teste melhor
As evidências crescentes sobre a toxicidade dos inertes apontam para três mudanças importantes que poderiam apoiar melhor a saúde das abelhas e minimizar a exposição das abelhas a possíveis fatores de estresse.
Primeiro, as avaliações de risco ambiental para agrotóxicos poderiam testar toda a formulação do agrotóxico, incluindo os ingredientes inertes, para fornecer um quadro mais completo da toxicidade de um veneno para as abelhas. Isso já é feito em alguns casos, mas poderia ser exigido para todos os usos externos em que as abelhas correm risco de exposição.
Em segundo lugar, os ingredientes inertes poderiam ser identificados nos rótulos dos produtos para permitir pesquisas independentes e avaliação de risco.
Em terceiro lugar, poderiam ser necessários mais testes sobre os efeitos subletais de longo prazo dos agrotóxicos sobre as abelhas, como o comprometimento do aprendizado. Essa pesquisa seria especialmente relevante para os que são aplicados em plantações ou flores que atraem abelhas.
Pesquisadores e grupos ambientais vêm defendendo mudanças como essas pelo menos desde 2006. No entanto, como a regulamentação de agrotóxicos é ditada por lei federal, as mudanças exigem ação do Congresso. Isso seria um desafio político, pois aumentaria a carga regulatória sobre o setor químico.
No entanto, as preocupações crescentes com o declínio das abelhas e as perdas anuais significativas de colônias dos apicultores são um forte argumento a favor de uma abordagem mais preventiva à regulamentação de agrotóxicos. Com o crescimento da população mundial e o aumento do estresse no fornecimento de alimentos, apoiar a contribuição das abelhas para a agricultura é mais importantedo que nunca.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, dezembro de 2023.