Cesarianas e a humanidade

Photograph: Graeme Robertson for the Guardian

 

Michel Odent: ‘Quanto tempo a humanidade poderá sobreviver ao agora? ‘

 

Michel Odent … ‘Se não pudermos ter um filho, não podemos medicalizar a concepção. De outra forma, estaremos neutralizando as leis da seleção natural.’

De pioneiro dos primórdios do parto natural passa hoje a ser um profeta dos novos tempos predizendo de que a solução do parto pela cesariana incrementará as desordens do espectro do e  mudará a humanidade em um nível evolutivo.

 

https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2017/oct/07/michel-odent-how-long-can-humanity-survive-now

 

Michel Odent dispendeu sua vida desafiando as convenções da medicina ortodoxa. Agora aos oitenta anos, este médico que encorajou as mulheres a experimentarem um trabalho de parto sem dor, em banheiras mornas, e que foi o primeiro a escrever sobre a importância de colocar os recém nascidos no seio materno, torna-se uma Cassandra com seu vaticínio. Seu novo livro é um alerta à humanidade de que ela está se confrontando com um futuro sombrio pelo acolhimento descuidado de tecnologias médicas; que as mesmas tecnologias que são usadas para salvar vidas, estão também mudando a raça humana em um nível evolutivo.

The Birth of Homo, The Marine Chimpanzee (nt.: livre – O nascimento do Homo, o chimpanzé aquático) teoriza de que a forma como os nenês são paridos pode ser uma das causas do aumento no número de desordens do desenvolvimento, problemas psicológicos e comportamentos viciados. Ele interpretou estudos epidemiológicos que mostravam que o alto número de crianças nascidas por cesariana ou por parto induzido, passaram a ser diagnosticadas com um espectro de transtorno autista, dando suporte a suas teorias.

Não é de se surpreender de que o homem que viveu sua vida de médico como cirurgião na França nos anos 50 e tenha se tornado o guru do movimento de nascimento natural, sendo o pioneiro nos partos feitos em banheiras ou piscinas, além do contato pele a pele, nascituro e mãe, viesse a ter um interesse apaixonado pela saúde neonatal. Desde que se afastou, em 1985, do hospital Pithiviers, ao sul de Paris, onde revolucionou a sala de parto, tem passado seu tempo escrevendo e dando palestras em todo o mundo tanto para parteiras como para médicos. Agora, estabelecido em Londres, gosta de se descrever como “um estudante interdisciplinar da natureza humana”.

Odent mantém um banco de dados de língua inglesa que cataloga artigos científicos sobre gravidez, nascimento e epidemiologia. Ele é incansável em sua produção, tendo publicado, sozinho, cinco livros nos últimos 10 anos. A inspiração para seu último livro veio há um ano, enquanto palestrava para uma audiência de parteiras e instrutores de natação que trabalham com bebês. Baseou em suas percepção de descobertas recentes nas áreas de paleontologia, microbiologia e genética e está impaciente para ver como seus argumentos serão recebidos.

Ele explora amplamente a teoria realmente controversa dos macacos aquáticos (aquatic ape theory ) – teoria de que os ancestrais humanos teriam descido das árvores através de uma fase evolutiva aquática – particularmente quando faz eco em sua crença de que algumas mulheres no trabalho de parto são atraídas pela imersão em água. Ele também está fascinado com a pesquisa atual sobre epigenética – o estudo de mecanismos biológicos que alteram genes dentro e fora – e estudos que investigam como o microbioma (nt.: sugerimos que os leitores procurem, neste próprio site, este tema, atualíssimo) materno – os organismos microscópicos, como bactérias, que habitam o corpo humano – pode afetar o desenvolvimento de um bebê na gravidez, parto e infância. Ele está empenhado, apaixonadamente, de que avance sua teoria de que alterar a forma como as mulheres estão concebendo e dando à luz, está mudando a humanidade em um nível evolutivo. Odent acredita que a indução do parto, através do uso de hormônios artificiais, partos feito com cesariana e avanços na medicina neonatal, têm levado a nascerem mais bebês de mães que de outra forma não poderiam ter sobrevivido.

“Um efeito da moderna obstetrícia foi neutralizar as leis da seleção natural – leis que nos frustraram a todos nós [no passado]. Nós neutralizamos estas leis. Isso significa de que no início do século 20, uma mulher que não poderia ter um filho naturalmente podendo até morrer, enquanto uma outra mulher da região agrícola podia facilmente gestar 12 filhos. Hoje, o número de crianças que dependem de outros fatores que vão além de sua própria capacidade física de nascer.

“Eu normalmente falo sobre obstetrícia, mas também posso falar sobre a concepção. Ao me dirigir às mães, avalio se ela pode ou não dar à luz. Caso negativo, poderá ter então somente uma concepção medicalizada. Por isso, neutralizamos as leis da seleção natural. E este é um dos maiores problemas para a humanidade nos dias de hoje e as pessoas não estão percebendo isso. Qualquer matemático, qualquer estatístico interessado neste tópico, encontrará maneiras de calcular o que acontecerá – e no meu livro, dou vários exemplos.”

Odent cita a descoberta na década de 70 de que a medicação poderia tratar a doença de incompatibilidade do Rh (‘rhesus‘) (nt.: ver o link – http://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/problemas-de-sa%C3%BAde-feminina/complica%C3%A7%C3%B5es-da-gravidez/incompatibilidade-de-rh) que desde então salvou centenas de milhares de vidas. É possível aos pais que sejam Rh incompatíveis, terem vários bebês. Ele também cita pesquisas sobre nascimentos do nenê virado que mostraram um componente genético: “No passado, os nascimentos de nenê virados eram mais perigosos do que quando a cabeça vinha primeiro, mas de repente com o advento das modernas técnicas de cesariana, eles não são mais perigosos. Assim, as pessoas com os genes para nascimento de nenê virados (e podem vir da mãe ou do pai) podem ter a mesma quantidade de bebês. Este é um fato matemático.”

Para onde agora se move Odent é em direção a um campo muito mais controverso: sua interpretação bem pontual de dois grandes estudos longitudinais em que as taxas mais elevadas de cesariana e de parto induzido, se relacionam com crianças diagnosticadas posteriormente com condições de estarem no espectro do autismo. Esses estudos de caso utilizaram dados baseados na população e feitos em 2002 e 2004, tendo detectado associação dos partos por cesariana com autismo. Odent alega que o aumento da prevalência em casos de distúrbios do espectro autista não pode ser atribuído apenas a uma maior conscientização e mudanças na definição do conceito desta síndrome. Suas preocupações se concentram na oxitocina sintética usada para induzir o trabalho de parto, no aumento do número de cesarianos e as condições ambientais no útero. Ele sugere que alguns ou todos esses fatores podem, em alguns casos, desencadear uma predisposição genética para desenvolver o autismo.

Mas correlação não é igual a relação de causa e efeito. Uma interpretação muito diferente das taxas mais elevadas de autismo entre crianças nascidas por meio da intervenção, vem do pediatra e especialista norte-americano em autismo Paul Wang: “Um feto com problemas de desenvolvimento pode ter um baixo tônus muscular, podendo interferir em se mover para uma posição adequada para o parto natural. Nesta e noutras situações, o feto desempenha um papel crucial na iniciação e promoção do trabalho de um parto natural”.

 

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 ‘Hoje, o número de crianças que vêm dependendo de outros fatores que estão muito além de sua própria capacidade física de nascer,’ diz Michel Odent. Photograph: Virginia Star/Getty Images

Outros apontaram de que as taxas mais elevadas podem não ser uma indicação de que as intervenções no processo de nascimento tenham desencadeado o autismo, mas que as dificuldades associadas a ele – planejamento motor, diferenças hipo ou hiper sensoriais, deficiências de comunicação – podem dificultar o bebê, já autista no útero, de participar do processo de nascimento de maneira convencional.

A Dra. Carole Buckley, representante clínica do General College of General Practitioners no que tange ao autismo, está contrariada com esta hipótese: “Não há evidências para apoiar as reivindicações deste livro além de ser extremamente inútil que Dr. Odent as faça. Sugerir que induzir trabalho de parto ou fazer nascer um bebê por cesariana, possa levar ao autismo, é muito irresponsável. Isso só aumentará a ansiedade e o sentimento de culpa ou inadequação que as mulheres geralmente sentem, quando precisam de alguma intervenção para darem à luz a seus bebês.”

Preocupar pais ansiosos é a última coisa que Odent acredita estar fazendo. “Coloco uma advertência em meus livos – não são para mulheres grávidas. Inclusive desaconselho-as a os lerem. São livros dirigidos a pessoas que estão interessadas no futuro dos seres humanos – preferencialmente aquelas com fundamentação científica, pessoas interessadas em pensar em termos do futuro, o futuro das espécies. Este é o público que eu quero alcançar.”

Isso pode parecer um pouco falso quando a pequena editora do livro se especializa em guias de nascimento e paternidade. Tentando provocar Odent se ele está argumentando de que os futuros pais que têm problemas com fertilidade ou o parto, não deveriam adotar a tecnologia médica no caso de aumentar o risco de autismo, resulta em uma resposta defensiva:

“Eu não estou pensando dessa maneira – não em termos de opinião e julgamento, estou apenas observando. O que estou dizendo é que as pessoas  têm pensado no curto prazo, o que fazemos geralmente – nosso objetivo sempre é: o que podemos fazer agora? Então, se dissermos que todos podem ter um bebê, desde uma perspectiva de curto prazo, isso é positivo. Mas não falo sobre o curto prazo, estou pensando no futuro da humanidade. Há seres humanos neste planeta há milhões de anos e a pergunta é: quanto tempo a humanidade pode sobreviver a este tipo de agora? Provavelmente é um número de anos insignificante em comparação com o tempo já passado.”

Aqueles que veem o autismo e outras síndromes ligadas ao desenvolvimento como diferenças a serem acomodadas e aceitas em vez de algo a ser prevenido, podem muito bem achar o tom de seu capítulo conclusivo, preocupante:

“Sugerimos que, à neutralização das leis da seleção natural pela área da obstetrícia e de outros ramos da medicina reprodutiva, seja dada um lugar proeminente como fator a primeira vista irreversível: a tendência de fazer andar o “Relógio do Juízo Final”. É urgente que percebamos, os prováveis e sem precedentes, efeitos na evolução humana gerados pelas técnicas simples, rápidas e seguras de cesariana.”

É uma mudança considerável na imagem de Odent, de um benigno pioneiro da técnica do nascimento natural para  a de um profeta bombástico; será interessante ver como seus argumentos serão avaliados .

 ‘The Birth of Homo, The Marine Chimpanzee’ by Michel Odent (Pinter & Martin Ltd, £11.99). To order a copy for £10.19, go to guardianbookshop.com or call 0330 333 6846. Free UK p&p over £10, online orders only. Phone orders min. p&p of £1.99.

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, novembro de 2017.