Belo Monte sob fogo amigo.

As de fio de água, como , são fator de maior insegurança energética para o Brasil, afirmam executivos do setor elétrico.

 

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por Mario Osava*

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As margens cobertas de selva são, na realidade, ilhas do Rio Xingu. Foto: Mario Osava.


São Paulo, Brasil, 12 de maio de 2012 (Terramérica).- Os que decidiram o projeto final das hidrelétricas de Belo Monte responderão no futuro a julgamentos por danos provocados. Seria natural que esta afirmação viesse dos ambientalistas, mas procede de seus opostos, os adeptos decididos da energia hidráulica. “Belo Monte é um mau projeto, que não atende as exigências ambientais nem as energéticas”, declarou ao Terramérica o físico José Goldemberg, um dos destaques brasileiros em matéria de energia e ecologia, para justificar a crescente rejeição de técnicos e empresários do setor elétrico à opção do governo por centrais a “fio de água”.

Este tipo de hidrelétrica está projetado para não alterar o regime fluvial, limitando o tamanho de suas represas, em resposta às pressões ambientais. Em consequência, durante os períodos secos ficam sem reservas hídricas para operar com uma carga razoável. “Estamos aumentando a capacidade instalada” de geração, mas o “armazenamento hídrico está parado desde a década de 1980”, e isto preocupa, alertou Nelson Hubner, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, órgão regulador estatal.

“A energia armazenada” nas represas não acompanhou a demanda, o que torna “impossível” manter o fornecimento de hidreletricidade em um ano de seca, disse Hubner na Segunda Cúpula Latino-Americana de Hidreletricidade (Hydropower Summit Latin America), realizada dias 9 e 10 deste mês em São Paulo pela Business News Americas, empresa de informação econômica e negócios com sede em Santiago.

No encontro, que reuniu dezenas de dirigentes de empresas estatais e privadas, houve muitas críticas ao modelo das novas hidrelétricas, apontando-as como fator de maior insegurança energética para o Brasil. “As gerações futuras cobrarão o fato de se reduzir a diversidade e de não se fazer reservatórios” nos projetos atuais, afirmou José Marques Filho, assistente de meio ambiente e cidadania empresarial da Companhia Paranaense de Energia, controlada pelo governo do Paraná.

Ao renunciar a essa “bateria de longa duração”, como definiu as represas outro participante do encontro, o Brasil tem que multiplicar suas centrais termoelétricas movidas a combustível fóssil, mais contaminantes, mas que não estão sob ataque dos ambientalistas, queixam-se os barrageiros (construtores de barragens e represas) e seus partidários.

A represa de Belo Monte, cuja construção começou em 2011 no amazônico Rio Xingu, inundará 516 quilômetros quadrados, apenas 42% da área prevista no projeto original elaborado nos anos 1980 e que foi substituído na década passada pelo novo formato. Porém, sua capacidade de geração, 11.233 megawatts, só será efetiva durante as breves cheias máximas do rio. Nas secas será difícil produzir eletricidade, porque o fluxo hídrico do Xingu pode cair de 30 mil metros cúbicos por segundo, em março e abril, para menos de 500 metros cúbicos em um mês seco como outubro.

“É preciso acostumar-se às hidrelétricas sem grandes represas”, porque “o meio ambiente assim exige” e a Amazônia, que concentra o potencial hidrelétrico brasileiro, é plana, com poucos pontos onde acumular água sem inundar extensas florestas, explicou Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, que orienta o Ministério de Minas e Energia.

Belo Monte, localizada ao final de um cânion, é um desses lugares. Ali, uma grande represa inundaria dois territórios indígenas onde vivem pouco mais de 200 pessoas. “Isso foi determinante” para modificar seu desenho, admitiu Tolmasquim ao Terramérica. No entanto, a decisão não evitou que Belo Monte fosse alvo da mais ampla mobilização contra um projeto energético no Brasil, com participação de ecologistas, ativistas sociais, indígenas e celebridades de telenovelas e do cinema internacional, que condenam a central por seus danos e supostas violações de regras ambientais.

O aproveitamento dos rios amazônicos deveria começar por “hidrelétricas menores, de 500 megawatts”, disse Goldemberg, professor da Universidade de São Paulo (USP) que presidiu várias empresas energéticas estatais e era secretário nacional de Meio Ambiente quando a cidade do Rio de Janeiro foi sede da Cúpula da Terra, em 1992. Em sua opinião, o governo “perdeu uma grande oportunidade” de tomar melhores decisões ao não conversar com o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), organização de ambientalistas “mais sofisticados”, que recomendava implantar hidrelétricas em rios que oferecessem mais facilidades do que o Xingu.

Os conflitos que às vezes paralisam a construção de hidrelétricas no Brasil opõem “uma pequena população local, organizada e às vezes instrumentalizada”, de alguns milhares de pessoas, a um milhão de beneficiados pela energia, mas que estão distantes e dispersos, destacou Goldemberg. O que se precisa é de “bons projetos”, transparentes e que se cuide de todos os impactos sociais e ambientais, segundo o “novo modelo”, e cabe ao governo “mediar e explicar” para dirimir o conflito, considerando essa desproporção entre críticos e beneficiários, de aproximadamente “um para cem”, acrescentou.

Há situações muito mais complexas na Ásia, onde as populações afetadas são imensas, pela densidade demográfica de países como a Índia, comparou Goldemberg, que conheceu casos variados como membro da Comissão Mundial de Represas, que, em 2000, produziu um informe detalhando os danos provocados por essas obras e os requerimentos para sua construção. Para os barrageiros, a questão ecológica se converteu em obstáculo à expansão da hidreletricidade no Brasil.

Por outro lado, a energia eólica experimenta um grande impulso em boa parte porque seus competidores hidrelétricos não obtém há anos licenças das autoridades ambientais, indicou Tolmasquim. Para superar esse impasse, será necessário um “pacto social”, segundo Marques Filho, da Companhia Paranaense de Energia. Um “diálogo entre todos os atores”, que não pode limitar-se a ambientalistas de um lado e construtores de outro, ressaltou.

* O autor é correspondente da IPS.