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Júlia Rohden
10 de maio de 2022
Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, só houve divulgação de alimentos coletados até 2018; programa monitora agrotóxicos em produtos vendidos em supermercados e feiras.
Anvisa alega ter suspendido monitoramento devido à pandemia. Desde 2020 não houve novas coletas. Última edição do monitoramento mostrou que a cada dez pimentões, oito tinham agrotóxicos proibidos ou acima do permitido.
Desde 2020, os brasileiros não sabem quanto de resíduos de agrotóxicos há em maçãs, laranjas, tomates, pimentões e outros alimentos que são vendidos em feiras e supermercados pelo país. Isso porque o principal programa de monitoramento do Governo Federal não divulgou o resultado de coletas feitas desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL). A última publicação foi justamente em 2019, a partir de amostras coletadas em 2017 e 2018.
Criado em 2001, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) teve sete relatórios publicados. “Na medida em que o próprio governo avalia e autoriza agrotóxicos, que são substâncias que comportam perigo à saúde humana, o monitoramento se torna obrigatório. [O programa] é o que permite saber o que está acontecendo depois que libera determinado agrotóxico, o que está sendo contaminado e em qual proporção”, afirma Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz que também foi um dos fundadores do PARA quando era gerente de toxicologia na Anvisa.
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Marcelo Camargo/Agência Brasil. Anvisa parou de coletar alimentos para testar presença de agrotóxicos em 2020
Em agosto de 2020, a Anvisa informou que as coletas seriam suspensas temporariamente devido à pandemia de Covid-19. Não foram divulgados os resultados das coletas feitas no ciclo do segundo semestre de 2018 e 2019, e desde 2020 não houve novas coletas para avaliar as frutas e verduras consumidas pela população. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão respondeu que o relatório com os dados de 2018 e 2019 está previsto para ser divulgado no segundo semestre deste ano. Em relação às novas coletas, a assessoria respondeu que “estão dando andamento às atividades preparatórias para execução das coletas e análises de amostras a partir do segundo semestre de 2022”.
O resultado da última edição foi avaliado pela Agência Pública e Repórter Brasil e constatou que laranja, pimentão e goiaba foram os principais alimentos com agrotóxicos acima do limite. A cada dez pimentões, oito tinham agrotóxicos proibidos ou acima do permitido, já 42% das amostras de goiabas, 39% das cenouras e 35% dos tomates testados estavam em desconformidade. Foram 14 frutas e legumes analisados na última edição do Programa e as amostras foram recolhidas entre agosto de 2017 e junho de 2018 – ou seja, antes do início do governo de Jair Bolsonaro, que lidera o recorde histórico de liberação de agrotóxicos.
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Alimentos com agrotóxicos proibidos ou acima do limite no relatório divulgado em 2019
Nos últimos anos, o Brasil teve uma média anual de aprovação de 500 novos produtos, como mostra relatório da organização Amigos da Terra, de autoria das pesquisadoras Larissa Mies Bombardi e Audrey Changoe. “Ao mesmo tempo em que o governo pede que a Anvisa acelere o registro de novos agrotóxicos, não mantém programas como o PARA”, avalia Fran Paula, integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e engenheira agrônoma. Segundo ela, a função da Agência de garantir a saúde da população brasileira estaria sendo deturpada para atuar a serviço de indústrias químicas. “O Programa é um exemplo desse ataque e tentativa de mudar o foco de atuação da própria Agência”, afirma.
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Bruno Fonseca/Agência Pública
A atuação da Anvisa em relação aos agrotóxicos está na mira do PL 6.299, apelidado “Pacote do Veneno”.
O projeto que tramita no Senado prevê concentrar no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) a responsabilidade pela aprovação de novos produtos, retirando o poder da Anvisa e do Ibama. Atualmente, para que um novo agrotóxico possa ser registrado no país, precisa ser aprovado pelos três órgãos. Luiz Cláudio Meirelles analisa que a aprovação do PL 6.299 significaria o fim do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Anvisa. “Se tirar a competência da Saúde [para registro de agrotóxicos], dificilmente a Agência vai ficar priorizando o Programa”, diz. Meirelles avalia que houve piora na área que trata de questões vinculadas aos agrotóxicos.
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Ausência de monitoramento impede brasileiros de saberem quanto de resíduos de agrotóxicos há em alimentos.Pixabay
Brasil não tem outros programas regulares de impactos de agrotóxicos, critica pesquisador
O primeiro relatório do PARA divulgado pela Anvisa continha informações sobre a quantidade de agrotóxico em alimentos entre 2001 e 2007, e informava que o programa seria implementado gradualmente, por razões de infraestrutura (como escassez de laboratórios públicos que fazem as análises) e articulação com as vigilâncias públicas estaduais. Os três relatórios seguintes foram anuais (2008, 2009 e 2010). Depois, passou a condensar anos de forma irregular, com relatórios monitorando amostras de 2011 e 2012, e na sequência de 2013 a 2015.
Para a integrante da ANA, Fran Paula, a oscilação dos períodos divulgados já demonstrava uma desestruturação do programa. “Transmitia a sensação que está tudo bem, que não precisa mais monitorar os alimentos”, avalia.