A PROBLEMÁTICA DOS AGROTÓXICOS

Lewgoy E Lutzenberger Agapan

Reflexões de José Lutzenberger em maio de 1985. 33 anos antes da tentativa do atual Congresso eliminar a Lei dos Agrotóxicos de 1989, feita pela sociedade civil.

 

http://www.fgaia.org.br/texts/APROBLEMATICADOSAGROTOXICOS.joselutzenberger.maio1985.pdf

 

(NOTA DO SITE: texto fundamental do Lutz sobre os agrotóxicos. Sugerimos que leia pelo menos a parte inicial para ter um contexto do que são, porque existem e para que e para quem eles servem. Dividimos em tópicos o texto original para dar oportunidade do leitor escolher o tema que lhe interessa. Mas, será muito enriquecedor ler todo ele. Boa leitura).

 

Contexto e história de sua origem

Como surgiu e proliferou a agroquímica? Interessante é notar que ela não foi
desencadeada por pressão da . A grande indústria agroquímica que
impõe seu paradigma à agricultura moderna é resultado do esforço bélico das
duas grandes guerras mundiais, 1914-18 e 1939-45.

A primeira deu origem aos adubos nitrogenados solúveis de síntese. A Alemanha,
isolada do salitre do Chile pelo bloqueio dos aliados para a fabricação, em grande
escala, de explosivos, viu-se obrigada a fixar o nitrogênio do ar pelo processo
Haber Bosch. Depois da guerra, as grandes instalações de síntese do amoníaco
levaram a indústria química a procurar novos mercados. A agricultura se
apresentou como mercado ideal.

Da mesma maneira, ao terminar a segunda das guerras mundiais, a agricultura
surge, novamente, como mercado para desenvolvimentos que apareceram com
intenções destrutivas, não construtivas.

A serviço do Ministério da Guerra, químicos das forças armadas americanas
trabalhavam febrilmente na procura de substâncias que pudessem ser aplicadas
de avião para destruir as colheitas dos inimigos. Outro grupo, igualmente
interessado na devastação, antecipou-se a eles. Quando a primeira bomba
atômica explodiu no Japão, no verão de 1945, viajava em direção ao Japão um
barco americano com uma carga de fitocidas (nota do site: este acesso é importantíssimo para se entender o que o texto está falando sobre a guerra química), então declarados como LN 8, LN 14,
suficiente para destruir 30% das colheitas. Com a explosão das bombas, o Japão
capitulou e o barco voltou. Mais tarde, na Guerra do Vietnã, estes mesmos
venenos, com outros nomes, tais como “Agente Laranja” e agentes de outras
cores, serviram para a destruição de dezenas de milhares de quilômetros
quadrados de floresta e de colheitas. Da mesma maneira que os físicos que
fizeram a bomba, para não ter que abolir as estruturas burocráticas das quais
agora dependiam, propuseram o “uso pacífico” da energia nuclear, os químicos
que conceberam aquela forma de guerra química, passaram a oferecer à
agricultura seus venenos, agora chamados de herbicidas, do grupo ácido
fenoxiacético, o 2, 4-D e o 2, 4, 5-T, o MCPA e outros.

Na Alemanha, entre os gases de guerra, concebidos para matar gente em massa,
estavam certos derivados do ácido fosfórico. Felizmente, não foram usados em
combate. Cada lado tinha medo demais dos venenos do outro. Após a guerra,
existindo grandes estoques e grandes capacidades de produção, os químicos
lembraram-se que o que mata gente também mata inseto. Surgiram e foram
promovidos assim os inseticidas do grupo do Parathion.

Também o DDT, que só foi usado para matar insetos, surgiu na guerra. As tropas
americanas, no Pacífico, sofriam muito com a malária. O dicloro-difenil-tricloroetil,
conhecido há mais tempo, mas cujas qualidades inseticidas acabavam de ser
descobertas, passou a ser produzido em grande escala e usado com total
abandono, aplicava-se de avião em paisagens inteiras, tratava-se as pessoas com
enxurradas de DDT. Depois da guerra, mais uma vez, a agricultura serviu para dar
vazão aos enormes estoques sobrantes e para manter funcionando as grandes
capacidades de produção que foram montadas.

 

O mundo dos venenos e dos adubos solúveis

O negócio dos pesticidas transformou–se num dos melhores e mais fáceis. Tão
fácil quanto o negócio dos entorpecentes. Quanto mais se vendia, mais crescia a
demanda. A situação atual se assemelha a uma conspiração muito bem bolada.
Os mesmos grandes complexos industriais que induziram o agricultor a que
desequilibrasse ou destruísse a microvida do solo com os sais solúveis
concentrados, que são os adubos minerais sintéticos, oferecem, então, os
“remédios” para curar os sintomas dos desequilíbrios causados. Estes remédios
causam novos estragos e desequilíbrios, novos “remédios” são oferecidos e assim
por diante.

Com o uso intensivo dos adubos químicos, a agricultura enveredou por um
caminho inicialmente fácil e fascinante, pois era simples e trazia aumentos
espetaculares de produtividade. Mas, a longo prazo, este caminho, como agora já
se vislumbra, é um caminho suicida.

O desequilíbrio ou destruição da microvida do solo pelo abandono da adubação
orgânica e alimentação direta da planta com os sais solúveis, assim como o uso
intensivo dos herbicidas, tem como conseqüência o aumento da suscetibilidade às
pragas e enfermidades. Surgem então os inseticidas, acaricidas, nematicidas,
fungicidas e outros biocidas. Estes, por sua vez, levados ao solo pela chuva,
contribuem para uma destruição ainda maior da microvida. Os organismos
maiores do solo, como a minhoca, talvez o melhor aliado que o agricultor possa
ter, desaparecem por completo de nossas lavouras, hortas e pomares modernos.
Agindo diretamente sobre a planta, os pesticidas, venenos que são, contribuem
ainda para desequilibrar o metabolismo da planta. Tudo isto aumenta ainda mais a
suscetibilidade às pragas e doenças. Portanto, uso ainda mais intensivo dos
venenos, sempre produzidos pelo mesmo complexo de indústrias. Para combater,
então, as doenças causadas pelo envenenamento generalizado do ambiente e
dos alimentos, as mesmas grandes fábricas oferecem os fármacos modernos…

 

A ilusão da modernização da agricultura no pós guerra

E tudo se torna sempre mais caro. O agricultor, antes autárquico, que produzia
com insumos obtidos em sua própria terra ou comunidade, tornou-se simples
apêndice da grande indústria química e de maquinarias. A situação da agricultura
americana, tão invejada pela sua grande produtividade, é significativa. A quase
totalidade dos agricultores pequenos e médios, hoje altamente capitalizados,
totalmente dependentes de insumos industriais, encontra-se em situação de
insolvência. Por mais que se esforcem, não conseguem mais ganhar o suficiente
para pagar os juros dos empréstimos. Voltou, inclusive, um estrago muito grave
que parecia resolvido na década de 40, com os grandes programas de
conservação do solo. Hoje, a erosão volta a campear na agricultura americana,
comprometendo o futuro alimentar da nação.

A indústria química conseguiu impor seu paradigma na agricultura, na pesquisa e
no fomento agrícola e dominou as escolas de agronomia. Ela impôs um tipo de
pensamento reducionista, uma visão bitolada que simplifica as coisas, mas que
acaba destruindo equilíbrios que podem manter uma agricultura sã. A praga e as
enfermidades das plantas são apresentadas como inimigos arbitrários,
implacáveis, cegos, que atacam quando menos se espera e que devem, portando,
ser exterminados ou, quando isto se torna impossível, ser combatidos da maneira
mais violenta e fácil possível. O camponês tradicional e o agricultor orgânico
moderno sabem que a praga é sintoma, não causa do problema. Com um manejo
adequado do solo, adubação orgânica, adubação mineral insolúvel, adubação
verde, consorciações, rotação de cultivos, cultivares resistentes e outras medidas
que fortificam as plantas, eles mantém baixa a incidência de pragas e moléstias
das plantas. O paradigma da indústria química não leva em conta estes fatores.
Combate sintomas e não procura as causas.

 

Caso emblemático no Brasil e no RS, nos anos setenta e oitenta

Típico deste paradigma é o proceder dos “técnicos” da Campanha Nacional de
Erradicação do Cancro Cítrico, que agora assolam a região citrícola do Rio
Grande do Sul. Sua tarefa é simples – erradicar. Quando visitam um viveiro de
árvores cítricas só procuram constatar os sintomas da doença. Quando os
encontram, demolem e queimam todo o viveiro, mais todas as plantas cítricas
dentro de um determinado raio, que era de 1000m, mas que já diminuiu para 50m,
devido aos protestos dos viveristas. Se não encontram nada, seguem para outra.
Não dialogam nem com o agricultor, muito menos com as condições locais de
solo, de ambiente, de métodos agrícolas. Nunca perguntam ao agricultor como ele
preparou seu solo, como adubou, que tipos de adubo aplicou, se usou herbicidas
ou outros venenos. Entretanto, quem faz estas observações, nota logo que há
relação entre as ocorrências ou intensidade da moléstia e as condições de solo,
adubação, de matéria orgânica no solo, de rotação, de tratamento com herbicidas
ou outros venenos, de afinidade de enxerto, etc. É claro que o programa de
erradicação jamais conseguirá erradicar a bactéria associada aos sintomas do
cancro cítrico, mas o programa já quase exterminou a citricultura no Estado do Paraná

e se prepara para exterminá-la no Rio Grande do Sul.

Dentro desta visão, a agricultura, que deveria ser o principal dos fatores de saúde
do homem, é hoje um dos principais fatores de poluição. Uma das formas
insidiosas de poluição. O leigo vê a fumaça que sai das chaminés, dos escapes
dos carros, vê a sujeira lançada nos rios. Mas, quando compramos uma linda
maça na fruteira da esquina, mal sabemos que esta fruta recebeu mais de trinta
banhos de veneno no pomar e, quando entrou no frigorífico, foi mergulhada em
um caldo de mais outro veneno. Alguns dos venenos são sistêmicos. Quer dizer,
eles penetram a circulam na seiva da planta para melhor atingir os insetos que se
alimentam sugando a seiva. Não adianta lavar a fruta.

É claro que a indústria química sabe que está lidando com fogo e a população
começa a preocupar-se. Para acalmar o público assustado e proteger a si própria
de possíveis problemas, ela complementa seu paradigma de uso de venenos com
uma série de conceitos pseudocientíficos e jurídicos e usa toda uma nomenclatura
especial.

 

Origem das expressões: pesticida, defensivo agrícola e agrotóxico

Inicialmente, quando a consciência ecológica era pouca, os venenos eram
apresentados com o termo genérico “pesticidas”. A ideia  era simples, combate às
pestes. Em inglês, a palavra “pest” é usada em linguagem coloquial para designar
“bichos indesejáveis”. Cedo, no Brasil, passaram a usar o termo “defensivos”. Uma
palavra menos agressiva, que inspira mais confiança e não tem conotações
negativas. Acontece que os produtos oferecidos pela indústria química para o
combate de pragas e moléstias das plantas, com raríssimas exceções, são
biocidas. Eles o são deliberadamente. A intenção é matar organismos
considerados indesejáveis. Seria mais lógico que estes biocidas fossem
designados com a palavra “agressivos” ou simplesmente, se quisermos ser
honestos, de “venenos”. Quando um agricultor orgânico faz determinados
tratamentos com substâncias não tóxicas para fortalecer a planta, como quando
usa soro de leite, iogurte, biofertilizantes, extratos de algas, fermentos e outros,
diminuindo a incidência de pragas e enfermidades, não porque matem os agentes
patogênicos e os parasitas, mas porque deixam a planta com mais resistência,
então sim, deveríamos usar a palavra “defensivo”. Por isso, agrônomos
conscientes lançaram a palavra “agrotóxicos” para designar os biocidas da
agroquímica. Não se trata de querer agredir a indústria, trata-se de precisão de
linguagem. Esta palavra está agora consagrada na lei dos agrotóxicos de já mais
de uma dúzia de estados da Federação.

 

Conceitos da toxicologia aplicados na agricultura e nos venenos

Uma vez que é inegável que, ao aplicar agrotóxicos na lavoura, sobram resíduos
no alimento, a indústria arroga-se o conceito de “dose de ingestão diária
admissível”, ADI (admissible daily intake). Para cada um de seus venenos, ela
afirma que o organismo humano pode ingerir, inalar ou absorver pela pele, certa
quantidade diária, sem que isto tenha conseqüências para sua saúde. Em se
tratando dos venenos fulminantes e persistentes em questão, não deixa de ser um
conceito temeroso. Se aceitarmos este conceito, teremos que insistir que todos os
nossos alimentos sejam constantemente e exaustivamente analisados e retirados
imediatamente do mercado caso haja transgressão. Todos sabemos que nada
disso acontece na prática cotidiana. Os escândalos só acontecem quando
ambientalistas preocupados conseguem que sejam feitas algumas análises ou
quando levam a público resultados oficiais que permanecem engavetados. Os
administradores públicos sempre procuram negar a gravidade do que foi
encontrado. Só quando a pressão popular é grande consegue-se ação oficial.
A ADI, através de cálculos envolvidos, é derivada de outro conceito,
aparentemente científico, na realidade extremamente rudimentar e grosseiro.

 

Dose de ingestão dos venenos e sua percepção real 

Trata-se da medida de toxicidade chamada LD50, a dose letal 50%. Para achar
este valor para um determinado veneno, submete-se uma certa população de
cobaias a doses crescentes do tóxico. Quando a metade da população morre,
supõe-se que este é o limite de letalidade. Assim, uma LD50 de 8 significa que 8
miligramas de um veneno por quilo de peso de cobaia viva foram necessários para
começar a matar as pobres criaturas. Milhões de animais são torturados à morte
todos os anos nos laboratórios da indústria. Quanto mais baixa a LD50, mais
tóxica é a substância. Nesta visão, um agrotóxico com LD50 –10 é cem vezes
mais perigoso que outro com LD50-1000. Trata-se, mais uma vez, de raciocínio
extremamente reducionista. Um argumento muito usado pelos defensores dos
agrotóxicos é a afirmação de Paracelsus de que veneno é questão de dose.

Gostam de apresentar o exemplo do sal de cozinha. Um pouco de sal é
indispensável à saúde, mas se eu comer 100 gramas de sal, morro de
desidratação. O mesmo raciocínio se aplica à água. Ela é indispensável à vida,
mas podemos morrer afogados. De fato, este raciocínio se justifica sempre que ele
for aplicado a substâncias que normalmente fazem parte dos processos
metabólicos dos seres vivos: sal, água, ácido clorídrico, amônia, ácido sulfúrico e
outros, nitratos, ureia, etc. Mas este raciocínio não se aplica a biocidas, quer eles
sejam naturais ou artificiais. O veneno da cascavel sempre faz mal, por pequena
que seja a dose. Se a dose for muito pequena, o estrago pode ser pequeno e
superável, mas não deixa de ser um estrago.

Uma alfinetada causa um estrago muito pequeno, não se compara com um golpe
de adaga, mas não deixa de ser um estrago. E o que acontece quando levamos
diariamente uma nova alfinetada, especialmente se for sempre no mesmo lugar?

A coisa poderá tornar-se muito grave. Mais um detalhe, de uma alfinetada no
traseiro podemos rir; no olho, é outra coisa. Assim, o LD50 não leva em conta os
efeitos crônicos. O que acontece após anos de ingestão diária de quantidades
muito pequenas de um determinado veneno? Como ficam o fígado, o sistema
renal, o sistema imunológico e outros?

Propor uma ingestão diária admissível para venenos como os agrotóxicos
clorados, fosforados, os carbamatos, os mercuriais, as triazinas, os derivados do
ácido fenoxiacético, já passa de temeridade, é cinismo. Mas tem sentido para a
indústria química. É uma espécie de seguro para eles, não para nós agricultores e
consumidores. Nas concentrações propostas, torna-se impossível provar a relação
causa-efeito. Se eu atropelar alguém com meu carro, não resta dúvida quanto a
quem causou os ferimentos, só se discutirá se houve dolo ou culpa ou se, talvez,
foi impossível evitar o acidente por descuido do próprio pedestre. Entretanto, se
alguém estiver morrendo de câncer porque ingeriu durante anos quantidades
muito pequenas de uma substância cancerígena, ou quando outro sofre de
doença infecciosa porque está com o sistema imulógico destruído por carbamatos,
torna-se impossível provar que a culpa é do respectivo agrotóxico. Os altos
executivos da indústria química dormem tranqüilos. Nos casos em que se
verificam resíduos acima das doses supostamente aceitáveis, eles sempre põem a
culpa no agricultor, alegam “mau uso”. Acontece também que, quando as práticas
correntes na agricultura, o chamado “uso adequado”, significam resíduos acima
dos inicialmente aceitos, eleva-se simplesmente os índices. Esta política tem sido
muito comum na Europa e nos Estados Unidos.

Além de não levar em conta os efeitos crônicos da ingestão continua de pequenas
doses, a LD50 não leva em conta os efeitos sinergísticos, isto é, os efeitos de
interação dos venenos uns com os outros. Os testes de determinação da LD50
são feitos para uma substância por vez. Mas o organismo humano, no mundo em
que vivemos, se vê confrontado com substâncias as mais diversas ao mesmo
tempo. Temos uma infinidade de formas de poluição do ar, da água, dos
alimentos, dos objetos que tocamos, até das roupas que usamos. É sabido que
quando mais de um veneno age ao mesmo tempo, o efeito é muitas vezes
superior, e muito superior à simples soma dos efeitos de cada um. Quase
sempre os venenos se potenciam mutuamente. Digamos que o veneno A tem um
efeito 5 e o veneno B tem um efeito 6. Ambos juntos poderão ter não um efeito
5+6=11, mas 5×6=30. E se forem muitos venenos? A ADI não considera este
aspecto.

 

Caso trágico da Guerra do Vietnam e a dioxina ou agente laranja

Também não considera os efeitos genéticos, isto é, os efeitos mutagênicos,
cancerígenos e teratogênicos. É sabido que estes efeitos são desencadeados a
nível molecular. Uma só molécula de substância cancerígena, um só foton de
radiação ionizante, um só vírus, podem desencadear o câncer ou a mutação.
Portanto, a ADI para substâncias suspeitas de poderem desencadear efeitos
genéticos deveria ser zero. Mas a indústria química apresenta ADI até para a
Dioxina, o super veneno, o veneno mais absurdo que o homem já produziu, e que
estava presente no Agente Laranja. Jornalistas japoneses me mostraram fotos de
crianças nascidas com deformações indescritíveis no Vietnã. Continuam
nascendo. As deformações são mais horríveis que as da Talidomida. Aliás, a
Talidomida deve ter uma LD50 acima de 1000. Dentro dos conceitos da
agroquímica, seria menos perigosa que o sal de cozinha.

Quanto aos efeitos ecológicos dos agrotóxicos, na maioria dos casos, só se fica
sabendo depois dos estragos. Os efeitos cumulativos dos clorados, especialmente
do DDT, só se tornaram conhecidos depois que biólogos atentos constataram os
desastres. Quando Rachel Carson escreveu seu livro “Primavera Silenciosa”,
chamando a atenção para os problemas ecológicos dos venenos aplicados na
agricultura, ela foi violentamente vilipendiada e insultada pela indústria.
Isto nos leva a mais um aspecto importante de toda esta loucura. A indústria
química, e não só no campo dos agrotóxicos, insiste que tem o direito de introduzir
no ambiente qualquer substância que ela desenvolva, enquanto não for provado
que há perigo. Mas esta prova ela não procura encontrar. Ao contrário,
inicialmente ela combate os que a procuram. Deveria ser exatamente o contrário.

Enquanto houver um resquício de dúvida sobre possíveis perigos, a substância
não deveria ser introduzida no ambiente. Em vez de continuar fazendo bons
negócios, enquanto a sociedade não provar os perigos, a indústria deveria ser
obrigada a provar que não há perigo, antes que se lhe permita vender.
Na prática agrícola, no campo, o que hoje acontece é um dos maiores escândalos
da sociedade industrial moderna. Nunca tantos venenos, venenos tão fulminantes,
alguns persistentes, outros fulminantes e persistentes ao mesmo tempo, foram
colocados em mãos de tanta gente tão despreparada para lidar com eles.

 

O desconhecimento do agricultor e a responsabilização atribuída a ele pela indústria

A grande maioria dos agricultores não tinha e continua não tendo noção dos
perigos que enfrenta com os agrotóxicos. Especialmente grave é a situação dos
bóias-frias nos latifúndios, cuja única alternativa, em geral, não passa de escolha
entre morrer de fome ou morrer envenenado.

A indústria costuma defender-se com o argumento do “uso adequado” ou “correto”
e insiste em que todos os problemas que se constatam, se devem sempre ao
“mau uso”. A culpa está sempre com a vítima. Quando os problemas se agravam
e se multiplicam, ela, às vezes, promove cursinhos ou campanhas de “uso correto
dos defensivos”. Para isso procura sempre envolver a administração pública –
Agricultura ou Saúde – para deixar com ela a responsabilidade e parte dos custos.
Mas ela continua manipulando o agricultor, também as donas de casa, no caso
dos venenos contra baratas, com publicidade insidiosa e desinformativa, que não
alerta para os perigos e promove um uso desnecessário e até prejudicial. Jamais
ela esclarece sobre as alternativas não tóxicas. Muito pelo contrário, combate os
que promovem a agricultura orgânica.

 

Legislação feita nos estados no início dos anos 80 que gerou em 89 a lei federal dos agrotóxicos

Quando a Sociedade se defende, prepara legislação, insiste na obrigatoriedade de
receita assinada por agrônomo não vinculado com a indústria química, esta
combate abertamente as medidas. Assim, quando o parlamento estadual do Rio
Grande do Sul aprovou por unanimidade uma lei estadual de controle de venenos,
a indústria entrou na Justiça Estadual. Perdeu e foi ao Tribunal Supremo, para
argüir da inconstitucionalidade das leis estaduais, que já são 14. Ela conseguiu
pressionar o Governo anterior a apresentar no Congresso um projeto de lei federal
que esvaziaria as leis estaduais. Felizmente, o novo Governo já retirou o projeto,
que não chegou a ser votado, pois foi bloqueado por alguns deputados
conscientes. Agora, ela já iniciou pressão sobre o novo Ministro da Agricultura
para que prepare projeto de lei favorável a ela.

Não somente os agricultores são mantidos na ignorância e tornam-se assim as
primeiras vítimas, os médicos que tratam das vítimas, são mantidos na ignorância
quanto aos aspectos toxicológicos dos novos produtos, dados que só a indústria
conhece, e que, como vimos, ela própria só pode conhecer parcialmente, uma vez
que os testes toxicológicos são conduzidos com enfoque reducionista, um veneno
por vez. Não levam em conta a complexidade e envolvência da situação real. Por
isso são comuns tratamentos inadequados. O médico confunde os sintomas. Até
agora, não conheço trabalho eficiente da agroquímica no sentido de informar os
médicos quanto aos problemas toxicológicos dos venenos agrícolas. Mas as
mesmas firmas transnacionais, quando fabricam também medicamentos, mantém
verdadeiros exércitos de “visitantes” para manipular os médicos no sentido de
receitar seus fármacos aos seus pacientes.

O processo de democratização e descentralização ora desencadeado neste país,
que, esperamos, venha a ampliar-se, obriga-nos, todos, a conscientizar-nos deste
imenso escândalo para que haja pressão sobre os administradores da coisa
pública que só costumam agir sob pressão. Sempre que possível, precisa também
ser acionada a Justiça.

 

(especial para o Estado de Minas, 1985) (atualizado o texto para esta publicação em maio de 2018)