A
MORTE EM INGELHEIM
ARQUIVOS SECRETOS DA BOEHRINGER: Como a dioxina torna-se uma
arma química. - Artigo em duas partes - 1a PARTE : A MORTE PERSONIFICADA
Cord Schnibben
relata as conseqüências da maior experiência química feita em seres humanos.
in : DER SPIEGEL nº 31, 29.07.91, págs. 101-114.
Relatar
esta história já é um ato feio, complicado e longo. Seu
começo se dá lá pelos idos de 1956. Quando terminará ? Ninguém sabe. Ela
entrelaça, de maneira desagradável, três vidas. Seus nomes e endereços
são: 1) Co Thi Ren, professora vietnamita da província de Song Be e que
recentemente recebeu o diagnóstico que sofre de câncer; 2) Michael Landesman,
antigo sargento do exército norte-americano, residente em Nova Iorque,
hoje é uma vítima de câncer; e 3) Harri Garbrecht, ex-trabalhador do Setor
de Produção do “Ácido T” da firma alemã C.H. Boehringer F°, residente
em Hamburgo, que sofre, há algum tempo, de fortes dores de garganta.
Além destes personagens, também estão envolvidos, nesta mesma história, três presidentes dos Estados Unidos da América
do Norte, trinta e cinco mil veteranos norte-americanos da guerra do Vietnã,
além de 1.500 trabalhadores alemães. A frente de todos estão numa posição
de destaque, sete empresas químicas da Alemanha e dos Estados Unidos.
Esta longa história entremeia-se com a carreira de Richard von
Weizsäcker que nos anos sessenta foi o encarregado dos negócios da transnacional
química alemã C.H.Boehringer, e a partir de 1984 torna-se o presidente
da República Federal da Alemanha. No
entanto, nosso relato é da carreira inusitada que trilha o produto químico
mais perigoso e venenoso que o homem jamais foi capaz de sintetizar em
seus laboratórios.
Volta
e meia, Harri Garbrecht sentado calmamente diante da tevê, sente que alguma
parte de seu corpo está crescendo. Tanto pode ser na coxa, nas nádegas
como nas costas. “Logo, logo isto aí vai inchar”, diz o homem de 54 anos.
Isso vai se transformar em um tumor do tamanho de uma ameixa. Garbrecht
já mandou extirpar todos os que apareceram. Sua doença é persistente. Faz mais de 20 anos. As espinhas
grandes e pretas ele já as tem, há muitos anos Seus netos dizem que “dali
saem vermes”. Quando o avô os quer pegar no colo, eles retrucam: “No teu
colo a gente não quer ir”. Não bebe nem fuma. Tem o aspecto e a conformação de um lenhador
canadense e a fleuma de um carvalho alemão. A maior parte do tempo, está
sentado quieto no sofá, à espera de “qual será a próxima parte de seu
corpo que irá inchar”. Não se pode dizer que ele seja manhoso. “A dor
faz parte de minha vida. Ela não me incomoda. O que me incomoda mesmo
é esta incerteza em minha vida”. A última parte de seu corpo que sente que foi afetada é
sua garganta. Fortes dores o levaram a um médico. “Leucoplastia”, disseram-lhe
e, provavelmente, pré-estágio de um câncer da laringe. E Garbrecht diz:
“Em breve vou andar por aí que nem o Voss”. Joachim Voss, antigo colega de Harri Garbrecht, tem um buraco
do tamanho de uma moeda de 5 marcos alemães (nt.: equivalente
a uma moeda de um real), onde os outros homens têm seu Pomo de Adão.
Quando os antigos colegas de trabalho estão juntos, sentem-se como se
fossem grandes especialistas de um congresso sobre câncer. Um tem na faringe,
outro pode mostrar três ou quatro diferentes tipos, já outro, mostra ter
um carcinoma na boca, enquanto outro tem na próstata e mais outro um linfoma
não-Hodgkins. Um quarto apresenta
dois carcinomas na bexiga, um quinto no intestino grosso, outro no reto,
já um outro tem dois canceres de pele, e ainda outro possui um tumor no
cérebro. Cinco colegas mulheres têm câncer de mama. E esses são os que
ainda estão vivos. 115 já morreram de câncer. Todos trabalharam na mesma
empresa que Garbrecht, em Hamburgo. 25 colegas se suicidaram. Disse Garbrecht que um homem de sua seção enlouqueceu. “Eu não sei se ele ainda está vivo”. Tiraram, lá no hospital, tumores de suas costas. “Estes tumores pularam para fora como se fossem pipoca. Era como se pequenos monstrinhos fossem pulando para fora”. Esse homem trabalhou durante anos ensacando “Ácido T” (ácido
triclorofenol). Estava no final do longo processo de fabricação da Boehringer.
De acordo com Garbrecht, “ele vivia sempre coberto por uma poeira que
parecia farinha de trigo”. O operário, em seu trabalho na Boheringer,
estava posicionado no início do processo de fabricação do setor de fabricação
da substância “Lindane”. Este é um nome inócuo para um veneno utilizado
para matar insetos. Esta substância surgia porque Garbrecht e seus colegas
misturavam cloro e benzeno e expunham esta mistura à forte luz ultravioleta.
Com esse procedimento, 86% tornava-se um resíduo que era aquecido a 250
a 280º, para posterior reaproveitamento. Ali também trabalhava Joachim
Voss. E conforme ele relata, todos chamavam este setor de “Casa de Eichman”
(nt.: carrasco nazista dos campos de concentração da
2ª guerra). “Os gases que estavam pelo ar nos impediam
de respirar”, diz Voss. Como operário deste setor, tinha que entrar regularmente
nos fornos e retirar das paredes os resíduos. Apesar da máscara de proteção
nem ele nem ninguém agüentava permanecer ali por mais de 15 minutos. Depois
de uns quatro meses nesta atividade, começou a aparecer embaixo dos olhos
uma espécie de espinha preta. Outro produto sobrava como resíduo da fabricação. Era chamada
de “pasta Delta”. Tinha o aspecto de mel e acabava sendo armazenada em
barris. “Bastava encostar só uma gotinha em nossa pele para logo queimar”,
diz Voss com sua voz que mais parece a de um ursinho à pilha estragado.
“Era
a morte personificada”, finaliza ele. Outros resíduos também foram reaproveitados neste setor
do “Ácido T”. Harri Garbrecht foi transferido para aí, após três anos
de trabalho na empresa. Junto com outros cinco colegas, misturava, em
enormes caldeirões do tamanho de uma meia sala de estar, ácido monoclorídrico
com lixívia de bicarbonato de sódio e de fenol. Este combinado era bombeado
pela área de trabalho onde estava Voss. Esta mistura era aquecida a 157º
e fervia durante algumas horas. Para as dores de cabeça que os operários
tinham, disponibilizava-se para cada um, junto ao porteiro, de dois comprimidos
por turno. Os trabalhadores usavam uniformes convencionais para este trabalho.
Não dispunham de macações adaptados para estas operações. “Quando pequenas
gotículas saltavam fora do calderão e encostavam em nossa pele, queimava
profundamente”, disse Garbrecht. Ele não só ficou com espinhas no rosto
como emagreceu muito e passou a ter dificuldades para dormir. “Sempre havia algum operário com algum problema nos rins ou no fígado. A gente já estava se acostumando com esta realidade”. Quem ia consultar com o médico da empresa, era obrigado a ouvir que estes sintomas eram provavelmente originários do consumo de bebidas alcoólicas. “Quando as grandes feridas purulentas eram cortadas, sentíamos que se alastrava pela sala um cheiro muito forte”. Na sede da empresa em Ingelheim (nt.: cidade no norte da Alemanha, próxima à Hamburgo), tanto era responsável pela área de pessoal como da social, desde 1962, um senhor que já não era muito jovem e que hoje acreditamos que já tenha nascido com seus belos cabelos brancos no castelo de Bellevue (nt.: palácio em Berlim onde trabalha e vive o presidente da República da Alemanha).
Um mês depois de Garbrecht entrar na Boehringer, assume
também como funcionário da empresa o advogado e banqueiro Richard von
Weizsäcker. Além de pagarem bem, servia-se aos funcionários um almoço
barato além do fornecimento das ferramentas. Na época do Natal, eram distribuídos
presentes aos filhos dos trabalhadores. O dono da empresa,
Sr. Ernst Boehringer, conseguiu entusiasmar pessoalmente o banqueiro Weizsäcker
a aceitar um cargo na empresa. Sobre o salário e as contribuições sociais
que ele recebia, nada se sabe. O que se sabe é que ele tornou-se sócio
da empresa e constava no registro da Junta Comercial. O herdeiro e então o grande chefe da empresa, Ernst Boehringer
reinava sobre os quatro mil homens como um patriarca. A Boehringer produzia
medicamentos além de fermento e herbicidas (nt.: agrotóxico
para matar plantas). O jornal “Handelsblatt” (nt.:
Folha do Comércio), naquela época, se referiu à empresa Boehringer
como sendo “uma empresa familiar toda contornada de ouro”. E, da mesma
forma como é em toda família ordeira, na Casa Boehringer todos se preocupavam
com a disciplina e a limpeza. Nos anos 50, o velho dono da empresa ainda
ficava parado no portão para mandar para casa todos aqueles que chegavam
atrasados. Nos inquietos anos 60, muitos funcionários jovens foram demitidos
porque protestavam contra o sistema. Nas admissões era importante a questão
do sangue, da origem. “Provavelmente era a única empresa na República
Federal da Alemanha a não empregar mão-de-obra estrangeira”, escreveu
em 1970, o jornal “Frankfurter Allgemeine”. Ele era um industrial da velha escola, sempre muito perseverante
e criativo. Preocupava-se apenas em aumentar os lucros e manter os prejuízos
longe da empresa. Nos anos após a guerra, decidiu abrir no exterior, mercado
para seus produtos. Não só para sua indústria farmacêutica, mas também
para substâncias que matassem plantas (nt.: conhecidas
depois como “herbicidas”). 1956, dia 29 de outubro. Ernst Boehringer dita uma carta, a sua secretária. Ela terá conseqüências marcantes em relação à humanidade. É dirigida aos médicos de sua empresa com cópia para os membros do Conselho de Administração. Richard
von Weizsäcker, nessa época, ainda está no Departamento Jurídico da Mannesmann
Ag (nt.: grande empresa multinacional alemã ligada à
siderurgia, que, no Brasil, devastou grande parte de Mata Atlântica que
existia em Minas Gerais). Harri Garbrecht trabalha fazendo matrizes
em uma siderurgia. É ótima sua saúde, não tem espinhas e nem sofre de
depressões. Já Michael Landesman é um jovem e aplicado escolar norte-americano
e tem 13 anos. Co Thi Ren tem 2 e passa o dia no colo de seu irmão mais
velho quando este não precisa ajudar seus pais no cultivo do arroz. E
o Sr. Boehringer dita: “Como já expressei anteriormente, peço a Kimming,
Schulz e Sorge que ignorem, em suas publicações, as conclusões que chegaram
em seu trabalho”. Kimming e Schulz eram médicos da Clínica Dermatológica
do Hospital da Universidade em Hamburgo. Sorge era chefe de seção na fábrica
da Boehringer, em Hamburgo. “Considero necessário também”, diz Boehringer,
“que este relatório seja tratado só em um círculo muito confidencial e
que os exemplares não necessários sejam recolhidos”. O relatório que preocupava Boehringer continha uma descoberta
científica sensacional. Os três cientistas haviam descoberto o poder tóxico
letal de uma substância química. Ou melhor, descobrem o produto químico
mais venenoso que a humanidade jamais havia sintetizado anteriormente
no planeta. A história deste descobrimento é tão sensacional quanto
terrível. Desde o início da fabricação do “Lindane” nas duas fábricas
da Boehringer, em Ingelheim (1946) e em Hamburgo (1951), os operários
já se queixavam de espinhas e pequenas protuberâncias que apareciam em
suas peles além de problemas de impotência e de insônia. Em 1954, um dos
enfermos dá entrada na Clínica Dermatológica da Universidade de Hamburgo.
O chefe-assistente Karl Heinz Schulz diagnostica uma grave acne de cloro.
Era uma doença dermatológica conhecida desde a mudança do século, porém
de origem desconhecida. Schulz vai de bonde com o paciente até o seu lugar de trabalho. Lá eles entram exatamente no setor de fabricação do “Ácido T” da fábrica da Boehringer. O médico entra numa sala escura e se dirige a um grupo de homens com o rosto cheio de espinhas e que, com pás, tiram o triclorofenol escamoso de barris e o colocam num calderão. Schulz coleta amostras de partículas de todas as fases do processo de produção. Retornando ao laboratório, esfrega um pouco destas partículas na parte interna das orelhas sensíveis de coelhos. Quer saber se os animais ficarão ou não com acne de cloro e em que momento de produção este veneno se forma. Quão venenosa essa substância é, fica claro em uma reunião
onde estão os médicos de fábricas que produzem este tipo de substâncias.
Um dos médicos da BASF (nt.: Badish Aniline Sodium Fabrik/multinacional
química alemã, do estado de Baden-Würtemberg) apresenta os resultados
de suas experiências com coelhos. É que em 1953, aconteceu um acidente
na seção de produção do “Ácido T” daquela empresa e ocasionou doenças
dermatológicas muito graves em 42 de seus trabalhadores. Os furúnculos purulentos foram apenas os sintomas iniciais, notifica o médico da empresa. Os coelhos injetados morreram mais tarde por necrose hepática, “mesmo aqueles que haviam apenas ficado em gaiolas ao lado das cobaias”. Dr. Schulz também constata que três dos trinta e um pacientes originários da Boehringer apresentavam danos hepáticos. 15 meses após as primeiras análises, os operários estão cheios de furúnculos inflamados. Eles se queixam de falta de apetite e de fraqueza geral. Um acaso faz com que Schulz prossiga adiante. Um dos técnicos do laboratório do Instituto Reinbecker de Química para Madeiras aparece com uma cloroacne muito grave na Clínica Dermatológica. O diretor do Instituto estava pesquisando uma nova substância para proteger madeira. Sem querer fabricou tetracloro dibenzo dioxina (nt.: destaque do tradutor) pura, desconhecendo que estava produzindo um verdadeiro ultraveneno. O laboratorista, sem saber, ao abrir a câmara de secagem, recebe no rosto, toda esta poeira branca. Juntamente com o químico Georg Sorge, Schulz testou as etapas
da produção de ácido e descobriu que, na transformação de 1,2,4,5 tetraclorobenzol
em 2,4,5 triclorofenol, surge como resíduo, o altamente venenoso 2,3,7,8
tetracloro dibenzo-p-dioxina (TCDD). Uma pequeníssima dose de 0,000.000.05
gramas basta para matar animais em um curto espaço de tempo. Quando Schulz
colocou a dioxina altamente diluída na orelha dos coelhos, formava-se
em 4 dias uma acne purulenta de cloro. Para saber se esta substância era tão venenosa para o ser
humano como era para os animais, Schulz e Sorge pincelaram em si mesmos
um pouco de uma solução muito diluída. Ambos ficaram com acne de cloro.
Principalmente Sorge, diretor do setor de produção do “Ácido
T” da Boehringer, está muito preocupado. Desconfia desta substância letal
que seus operários estão manuseando há anos. “Eu colocarei meu laboratório
ao ar livre”, diz Schulz quando anuncia que vai fazer novas experiências.
“E farei isto à noite quando ninguém está por aí. Não quero a ajuda de
ninguém. Faço estas coisas sozinho mesmo”. O dono da empresa, o sr. Ernst
Boehringer, proibiu seu médico, Dr. Sorge, de publicar qualquer coisa
a respeito da periculosidade da dioxina. Em 17.10.1956, Boehringer comunica
o mesmo ao Prof. Joseph Kimming, diretor da Clínica Dermatológica da Universidade
de Hamburgo e chefe de Schulz. Em 07.11 deste ano, Boehringer envia duas
pessoas à casa do Dr. Shulz para, em último caso, fazê-lo calar-se. Exige
também que o diretor de seu Departamento Médico lhe preste um serviço
inusitado. Deveria, de maneira apropriada, influenciar o Prof. Oettel,
da BASF, no sentido de evitar que continuasse a se ocupar com esse tema,
já que tinha como meta fazer uma publicação a respeito. Alguns anos depois,
Sorge praticaria o suicídio. Boehringer pensa até no técnico que se contaminou no laboratório
do Instituto de química para madeiras. Aproveita o bom relacionamento
que tem junto ao partido da União Democrática Cristã/CDU (nt.:
que está no poder) para fazer com que os membros do Instituto, setor
estatal federal, fiquem caladíssimos. Heinrich Lübke (nt.:
também um ex-chanceler alemão), naquela época Ministro da Agricultura,
proíbe o Instituto de alertar publicamente o que é realmente a dioxina,
dizendo que esta substância deve ser mais pesquisada. As empresas químicas, os Ministérios e os órgãos públicos
de pesquisa não falam. É por esse motivo é que somente em julho de 1976
- 20 anos após sua descoberta - e através da desgraça de Seveso (nt.:
cidade italiana que foi contaminada com a explosão de uma caldeira de
uma fábrica suíça de cosméticos
que lidava com produtos organo-clorados, como o hexaclorofeno) , chega
a público o quanto esta substância é verdadeiramente mortífera. Até então
só a Boehringer de Hamburgo, segundo conclusões da Comissão Parlamentar
de Inquérito do Congresso alemão, colocou no mundo 100 quilos deste veneno.
Veneno que, mesmo em doses mínimas, já é letal. Voltando à história da firma Boehringer em Ingelheim, sua
produção de triclorofenol é suspensa devido às doenças. No entanto, na
cidade de Hamburgo continua tudo tranqüilamente. Sem interrupções. O mercado
dos anos 50 clama pelos produtos que estão no final deste perigoso processo
químico industrial. Ao lado dos herbicidas, estão também as substâncias
sintéticas que serão as matérias-primas para a indústria de cosméticos
e de produtos farmacêuticos. Baixando a temperatura na reação, a Boehringer busca diminuir
a quantidade de impurezas derivadas da dioxina. Os 150º C, entretanto,
exigidos pelas autoridades competentes, são periodicamente ultrapassados
em até 10º, embora se saiba que o conteúdo de dioxina numa lixívia de
fenolato aumenta 10 vezes mais entre 145º e 155º. Em 1955, um médico, enviado pela direção da empresa para
Hamburgo, acredita que “colocando uma roupa adequada para o trabalho,
.... o perigo das infecções será razoavelmente diminuído”. Um ano mais
tarde, ele mesmo coloca-se frontalmente contra a continuação da produção
do “Ácido T”. Numa carta dirigida ao Conselho de Administração diz que
“os problemas hepáticos em quase todos os doentes surgiram depois das
doenças dermatológicas”. Principalmente ele está preocupado com “os casos
em que surgiram graves problemas de saúde, sem que as pessoas contaminadas
tenham tido qualquer coisa a ver pessoalmente com a produção”. Trata-se
de operários que trabalhavam apenas algumas horas neste setor. A lista
de doentes que está diante do Conselho é um “catálogo de desgraças”: articulações
inchadas, icterícia, problemas de audição, inchaço do fígado, problemas
nervosos, acne nas extremidades, total queda de cabelo, inflamação no
pulmão. O médico da firma escreve que “ainda demorará alguns anos até
que todos os doentes estejam em condições de trabalhar novamente”. Entretanto, a produção em Hamburgo está a todo vapor. O
Conselho se acalma porque, com o abaixamento da temperatura no processo,
a acne de cloro nos operários retrocede. Também o teste regular nas orelhas
dos coelhos faz com que os responsáveis se sintam aliviados. Se os animais
não adquirem a acne de cloro, então não pode haver perigo para o ser humano
também. Que a acne de cloro é apenas um sintoma do envenenamento por dioxina,
isto eles fazem de conta que não vêem, pela certeza de que as orelhas
dos coelhos são mais resistentes do que a pele humana. O chefe da firma
de Hamburgo diz mais tarde: “As análises daquele tempo eram completamente
incompletas e nós passamos por montanhas de falsos depoimentos”. No ano de 1961, o médico dermatologista Schulz e dois colegas
descobriram, nos operários da Boehringer, “danos psicopatológicos e neurológicos
tardios e duradouros depois da atuação da dioxina (TCDD)” e chamaram a
atenção para o fato de que “a pele é apenas uma das muitas áreas onde
a dioxina atua”. Nem assim a produção do “Ácido T” foi terminada definitivamente. Desde o início de seu trabalho no Boehringer, Harri Garbrecht
volta e meia ouve a palavra “dioxina”. Ele e seus colegas inspiram o fino
pó de dioxina do ar que também se deposita em suas peles. Mesmo em pequenas
doses diárias, a dioxina facilmente se solubiliza em suas gorduras, permanecendo
assim depositada em seus corpos. E sua meia vida é de 7 anos. Ou seja,
depois deste tempo somente a metade é eliminada. Uma pessoa que não trabalha na Boehringer tem, em média,
7 ppt de dioxina no corpo, ou seja, 0,000.000.007 gramas por quilo de
gordura do corpo. Num operário que morreu de câncer no intestino grosso
devido à produção do “Ácido T”, foram encontrados 1.100 ppt de dioxina.
Noutro, 2.252 ppt. Em Garbrecht foi constatado um valor de dioxina dez
vezes maior, 14 anos após o término de seu trabalho no setor do “Ácido
T”. Enquanto
trabalha na Boehringer, Garbrecht não recebe informação alguma sobre o
perigo. “O Ácido T é inócuo como fermento”, dizem-lhe. Quando havia formação
intensa de vapores, os homens colocam máscaras de gás ao se aproximarem
dos caldeirões. Porém o fedor, mesmo tomando banho, não saia. Ele os persegue
para casa, para a horta, para o jardim, para as férias familiares. Todos
fazem cara de nojo e dizem: “Que cheiro de mofo!”. Um representante do
Conselho de Fábrica de Ingelheim, depois de um dia de visita à Hamburgo,
volta tão fedorento que “três dias depois da visita, num congresso de
panificadores, vários colegas lhe dizem que ele está com um cheiro muito
estranho”. Numa anotação que faz, diz: “Não é possível que justamente
em Hamburgo, um operário da firma Boehringer possa ser reconhecido por
um cheiro desagradável que exala”. No porão da casa de Harri Garbrecht até hoje está guardado
um pedaço de chumbo do setor do “Ácido T”. Como o chumbo cheirava muito,
ele o lavou, ferveu-o, escovou-o e colocou-o no metanol. Quando ele tira
o chumbo de dentro do saco plástico, agora, 25 anos depois, ainda fede.
Fede como um pó contra traças. Tem um cheiro terrivelmente forte de naftalina.
“Cem vezes mais forte fedia no meu lugar de trabalho”, diz ele. “Se este
material consegue penetrar no chumbo e aí se fixar, então é evidente que
ela atravessa minha pele com muito mais facilidade”. Está expresso em um dos muitos artigos que trata desta substância
presente no pedaço de chumbo que está no armário da sala da casa de Garbrecht
que estas dioxinas penetram “sem dificuldade pela barreira sangüínea e
cerebral indo prejudicar o sistema nervoso central”. No caso deste paciente,
o Sr. Garbrecht, disse um dos médicos, que “é evidente que a exposição
à dioxina fez com que se manifestasse uma anormalidade neurológica representada
por uma síndrome de neurastenia tóxica”. Perda de memória, ataques de
choro, impotência, letargia, tendência ao suicídio. Harri Garbrecht vive
todos este sintomas desde 1961, de acordo com um estudo feito com os doentes
de dioxina da Boehringer. Tudo isto aumenta sua angústia. “Aos poucos
o meu cérebro está se atrofiando”, desculpa-se Garbrecht quando mais uma
vez, a caminho de um dos médicos, ele se esqueceu em que estação do metrô
deveria descer. “Garbrecht está incapacitado para exercer qualquer profissão”
diz o Serviço Social de Hamburgo. Esse homem incapacitado ocupa o seu
dia ingerindo seus 21 comprimidos e capina seu jardim das ervas invasoras.
Quando faz sol, deve tomar cuidado. Sua pele não suporta mais a luz ultravioleta.
De vez em quando dá uma volta pela vizinhança e conversa com Otto Harting,
também colega e companheiro de infortúnio da época da Boehringer. Harting
trabalhou de 1973 a 1984 na fábrica e tem, mais ou menos, a metade de
todas as enfermidades que Garbrecht sofre. Também seu cérebro está atrofiando,
conforme dizem os médicos. Está apático e, como seu ex-colega, não pode
se expor ao sol. Harting está 90% incapacitado e precisa de constante acompanhamento,
não apenas para andar, completamente desordenado, mas porque seus cromossomos
estão arruinados. Duas vezes sua esposa teve que abortar. Detectou-se
que os embriões sofriam de malformações congênitas. Durante seus 11 anos
de Boehringer, Harting freqüentemente ficava doente. De dois em dois meses,
tinha alguma coisa. Uma vez era com a cabeça, outra o estômago, outra
o coração. Ele trabalhava nos caldeirões abertos. A direção da empresa preocupava-se com ele. Habitualmente,
passa o dia sentado na sua poltrona, sem se movimentar. De repente acorda
de sua indiferença e narra com uma voz e uma postura de um preocupado
empresário: “Bem Sr. Harting, agora escute ! Onde é que o senhor quer
que a gente lhe coloque se o senhor vive doente ? Os seus colegas não
podem estar sempre fazendo seu trabalho !”. Muitos operários tinham que ouvir tais queixas e isto funcionava
porque “trabalhar na Boehringer” conforme disse Harting, “era algo muito
especial. A empresa era como uma grande família e, se necessário, um fazia
o trabalho do outro”. Na Boehringer, Richard von Weizsäcker, chamou atenção por
sua força de vontade, disse um advogado que, na época, estava no topo
da empresa. Weizsäcker, naquele tempo, fazia parte da direção da empresa
composta de 6 pessoas. Estava também sob sua responsabilidade o Departamento
Jurídico. Raramente
é visto nas galerias da fábrica de Ingelheim. Na fábrica de Hamburgo,
a única filial da C.H. Boehringer F°, ele nunca pôs os pés. Que a preocupação
pela família dos operários de Hamburgo é falha, isto a gerência da Boehringer
sabia. A delegação de uma empresa química tcheca na qual freqüentemente
ocorriam casos de acne de cloro queria conhecer as condições de higiene
do setor de “Ácido T” em Hamburgo porque, segundo a mesma, “era evidente
que uma empresa alemã deveria ser extremamente correta e extremamente
limpa”. Mas esta visita foi negada. A Boehringer se envergonharia que
uma delegação fizesse avaliações deste seu setor. “Foi necessário decepcioná-los”,
diz o relatório referente à visita e que foi apresentado à direção. “Planta protegida, gente nutrida”. É esta bonita filosofia
que a Casa Boehringer segue para sua área de produção de agrotóxicos.
Assim, a sujeira que a Família faz é cuidadosamente enterrada. Primeiro,
foi na mesma área da fábrica, isto enquanto ainda se achava algum lugarzinho
vago no terreno. E assim, pouco a pouco vai crescendo a montanha “Delta”
(altura máxima em 1964: 3.000 barris) e a encosta “Alfa” (marca recorde
em 1965). Os operários e vizinhos chamam estas morros de “a montanha de
naftalina”. O pó, fedorento e branco, espalhava-se com o vento, por toda
a vizinhança. Quando o espaço começa a ficar cada vez menor na área da
fábrica, a direção da Boehringer, em fins de 1964, faz desaparecer 696
barris com pasta Delta no Atlântico. Começa, simultaneamente, a contaminar
os depósitos de lixo da cidade de Hamburgo. Ao todo, a empresa se desfaz
de 7.600 toneladas de lixo químico com cerca de 15.000 gramas de TCDD,
conforme constatou, mais tarde, uma Comissão de Investigação dos cidadãos
de Hamburgo. Em Seveso, no norte da Itália, em 1976, 250 gramas de dioxina
haviam sido suficientes para destruir e despovoar uma área rural de 270
hectares. Os avaliadores da Comissão de Hamburgo não apenas contaram
as toneladas com dioxina, mas também investigaram o quanto a direção da
empresa tinha conhecimento sobre estes fatos. Em sua sentença responsabilizaram
a empresa por “conscientemente enganar as autoridades públicas competentes.
..... A firma C.H. Boehringer F°, embora conhecendo o potencial de perigo
que seu lixo continha, sempre buscou escondê-lo das autoridades que investigavam
a questão”. A direção da empresa sempre soube que a área da fábrica
estava contaminada. Em seus documentos são encontradas muitas anotações
sobre o estado calamitoso daquela área. Lê-se que “em muitos locais, por
sorte, os órgãos públicos não chegavam a detectar sua toxicidade; sobre
os barris enferrujados que deveriam ser diariamente controlados pelos
especialistas para saber se, em algum lugar, o resíduo estaria ou não
escorrendo”. Quanto à mercadoria, fortemente contaminada com dioxina,
era colocada no mercado com total consciência. Ainda existe “um lote com
4,7 toneladas de 2,4,5 triclorofenol (cloro acne ativo) no depósito de
Hamburgo”, descreve o Departamento de Produção para empresa própria de
distribuição de suas mercadorias, denominada Cela. Como seus espertos
representantes “já haviam vendido antes, grandes quantidades desta mercadoria,
achamos perfeitamente viável que se continuasse a vendê-la para os antigos
clientes”. Quando
um dos pesquisadores da empresa protestou para o Conselho de Administração
da Boehringer que os coelhos que tiveram suas orelhas tratadas com a substância
química clorofenolato, apresentavam “graves alterações tóxicas no fígado”,
teve que ouvir, apesar da advertência, que esta mercadoria, altamente
mortífera, não existia mais na fábrica. “Queremos chamar a atenção”, diz
o pesquisador sentindo-se impotente, “de que esta carga precisa ser considerada
como altamente tóxica para o fígado do ser humano. Portanto, não poderemos
ser responsabilizados quanto a eventuais acidentes”. Joachim
Voss que só percebia as espinhas pretas e grossas aumentam em seu corpo
finalmente sabe que alcançaram seus testículos. “Dê graças a Deus que
este veneno sai por algum lugar”, disse-lhe o médico da empresa. Na
obra biográfica “Richard Weizsäcker” de Werner Filmer e Heribert Schwan,
a evolução que teve de diretor de recursos humanos a co-estrategista da
empresa é descrita da seguinte maneira: “O empresário Boehringer, apaixonado
e impulsivo, aceita as inúmeras idéias de novos negócios que Weizsäcker
apresentava, com correções bem brandas. Assim, nenhuma decisão importante
era tomada sem o consentimento de Weizsäcker”. O
interesse de Boehringer, no início dos anos 60, estava voltado principalmente
para o mercado externo. Na França, e mesmo no Japão, a empresa já desfrutava
de bastante sucesso. Entretanto, no mercado norte americano, a empresa
suíça Geigy (nt.: depois associada à Ciba e hoje parte
do conglomerado suíço Novartis) ainda defende os interesses da firma
de Ingelheim. O audacioso Boehringer, com seu sócio Weizsäcker, procura
agora parceiros no mercado americano. A Dow Chemical é a segunda maior
empresa química dos EUA. No final de 1964 dirige-se, por seus permanentes
problemas surgidos em sua indústria, aos seus
parceiros químicos que também conhecem a problemática da acne de
cloro. Na Alemanha quem lhe dá total apoio, é a Boehringer. Já
em 1956, quando a descoberta da alta toxicidade da dioxina ainda era mantida
encerrada a sete chaves, os fabricantes alemães de clorofenol chamavam
a atenção pelo “know-how” que tinham sobre a dioxina, porém sem grandes
alardes. Para outra firma química norte-americana, Diamond Alkali, por
exemplo, onde a explosão de um “caldeirão” de substâncias cloradas causou
uma morte, o conhecimento da Boehringer sobre dioxinas era caro demais. A
Dow Chemical, porém, quer comprar o processo alemão e, em 11.12.1964,
as duas empresas decidem estabelecer colaboração para fabricar clorofenol.
Já em 28.01.1965, os americanos comunicam que, graças à colaboração da
Boehringer, estão agora confiantes em poder continuar produzindo esta
molécula sem o aparecimento intenso da acne de cloro nos usuários. Porém,
por precaução solicitam “lâminas de fígado afetado pela acne de cloro”.
A Boehringer as consegue no bem equipado gabinete do Dr. Schulz. “Não
é mais necessário oferecer dinheiro ao pessoal da Boehringer”, escreve
um dos pesquisadores da Dow a seus superiores. Mesmo que se pagasse tudo
agora aos alemães, poder-se-ia sempre contar com o auxílio deles. A
elevada moral da soma envolvida e a grande urgência, tinham o mesmo motivo:
o maior e mais rápido negócio da história da dioxina estava acontecendo.
Milhares e milhares de toneladas de “Ácido T” deverão literalmente ir
pelos ares. Estão sendo produzidas por encomenda do Exército americano,
para serem aspergidas, por avião, no outro lado do mundo. Será sobre a
espessa floresta tropical do Vietnã. Quem
imagina que um pacífico herbicida esteja sendo transmutado militarmente
para ser empregado com estranhos objetivos, erra redondamente ! Finalmente,
consegue-se que o “2,4,5 T” seja utilizado bem de acordo com as metas de seus descobridores: como arma química. O
“2,4,5 T” nasce em 1944 nos laboratórios militares quando os americanos
estavam procurando uma arma decisiva para liquidar a guerra contra os
japoneses. Os químicos sediados nos laboratórios de Fort Detrick (EUA),
lutavam contra os físicos atômicos instalados nos laboratórios de Los
Alamos (EUA). O decisivo “touch-down” (jogar sobre) de Hiroshima decidiu
a batalha. O cargueiro com o ácido “2,4,5-T” que deveria destruir grande
parte da colheita de arroz japonês, retorna antes de chegar a seu destino. Da
“bomba atômica”, foram desenvolvidas as “usinas atômicas”; da antiga arma
de guerra química, surgem os herbicidas. Empresas dos EUA, da Inglaterra
e da Alemanha, depois da guerra, fazem os conhecimentos militares transformarem-se
em dinheiro. Na
Boehringer, em Ingelheim, em seu antigo “Serviço Especial do Ministério
do ‘Reich’ para Armamento e Produção de Guerra” destacava-se a luta para
proteger as plantas produtivas, especialmente contra um inseto que atacava
a batatinha. Assim, logo que Ernst Boehringer decidiu transmutar os resíduos
para aumentar a produção de seu “Ácido T”, a Boehringer, a partir de 1957,
alcança uma posição única e sem concorrência no “ranking” mundial das
multinacionais da química sintética. O
sigilo obrigatório que Ernst Boehringer exigiu, mostrou o seu valor. Não
somente quanto à competitividade, mas muito mais em relação à opinião
pública. Este terrível ácido poderia então permanecer sendo produzido
com toda a tranqüilidade. Mas
mais uma pessoa deveria receber depois a mesma exigência de sigilo absoluto
do Sr. Boehringer, o dermatologista Schulz. Tudo porque num congresso
de especialistas em dermatologia, refere-se à dioxina, (a TCDD), como
a substância que desencadeava a acne de cloro. Assim, ao menos o mundo
científico tomou conhecimento desta descoberta. De
alguma maneira a informação desta terrível descoberta chegou ao Serviço
Química do exército norte-americano. O Diretor de seu Departamento de
Pesquisas de Substâncias Especiais viajou em 1959 para a Europa para testar
o aproveitamento deste novo veneno, descoberto em Hamburgo, para uma futura
guerra. Seu relatório diz: “a dioxina não pode ser usada na guerra química,
é mortífera demais”. Misteriosamente, este relatório acabou desaparecendo
de seu arquivo, conforme narram, em seu livro “O Ultraveneno chamado Dioxina”,
Hans-Dieter Degler e Dieter Uentzelmann. Heinrich
Lübcke, naquela época ainda Ministro da Agricultura, alertava que a TCDD,
embora muito barata, não deveria ser usada com objetivos militares. Na
Casa Boehringer, entretanto, as pessoas pensavam na dioxina exatamente
com este objetivo. Levar
a dioxina para o “front” de uma guerra foi finalmente tomada por uma decisão
do Presidente norte-americano John F. Kennedy. Em novembro de 1961, autoriza
que se asperge o “Ácido T”, contendo dioxina, sobre as selvas do Vietnã.
A
meta era o desfolhamento das árvores e a destruição dos campos de arroz,
de maneira que os vietcongs não só ficassem sem seu esconderijo sob as
árvores, mas também sem alimentos. A Dow Chemical recebeu a encomenda de produzir em massa
o “Ácido T” além de outros herbicidas. Ao mesmo tempo pesquisava-se no
“Centro de Pesquisa Agrícola (Agricultural Research Center)” da empresa,
em Midland (EUA) e no “Serviço Químico do Exército/Divisão de Cultivos
(Crops Division- Army Chemical Corps)” em Fort Detrick a melhor combinação
de vários exterminadores de plantas. Na “1ª Conferência sobre Desfolhamento” (Defoliation Conference)
em fins de julho de 1963, o Exército informou às empresas químicas convidadas
que necessitava rapidamente de enormes quantidades de venenos e que não
faria nenhuma das exigências usuais que o governo apresenta às firmas. 15 herbicidas foram testados. Dentre eles o “Agente Branco”,
o “Agente Azul” e o “Agente Laranja” foram os mais potentes. Devido a
sua rápida capacidade de destruição, o “Agente Laranja” foi o preferido.
Possuía 50% do “Éster do Ácido T”. O comandante James R.Clary que ajudou
a preparar a distribuição do veneno e que fez o relatório final para as
Forças Armadas, hoje admite que as elevadas quantidades de dioxina no
“Ácido T” eram perfeitamente conhecidas. “Nós acreditávamos que apenas
o inimigo seria atacado por essa substância. Por isso não nos preocupamos.
Como é que podíamos imaginar que nossos próprios soldados seriam envenenados
com isto?”. Ele mesmo diz que sempre procurou ficar longe dessa substância
porque “sabíamos que a dioxina era altamente tóxica e que havia suspeita
de que fosse cancerígena”. Clary, no início dos anos 60, era biólogo da
Divisão de Armamentos B e C da Força Aérea: “Havia cientistas que nos
alertaram contra a dioxina e diziam que ela era perigosa em qualquer concentração.
E havia os que diziam que, nesta alta concentração, era perigosíssima”. Mesmo sabendo do perigo, os militares com seu senso de humor
peculiar, chamaram a ação militar de aspergir dioxina de “Operação Hades”
(inferno em grego). Os soldados americanos em trajes civis faziam vôos
rasantes com seus aviões espargindo o veneno. Eles sabiam muito bem que,
se por acaso fossem tomados por prisioneiros, o governo dos EUA diria
nada saber sobre esta tarefa que estava sendo executada. No final da fase de teste quando todas as margens das estradas
haviam sido desfolhadas, deu-se o nome oficial a esta operação de “Ranch
Hand” (ajudante de fazenda). Era um nome que despertava confiança. E assim
os pilotos iam esvaziando os tanques de 3.800 litros de seus aviões, cada
vez com mais freqüência, sobre os campos de arroz. O Presidente Kennedy
preocupou-se em saber, conforme telegrama que enviou ao seu embaixador
em Saigon, se esse sistema de espargimento teria sido suficiente e se
teria alcançado as áreas metas onde as colheitas estavam em fase de serem
colhidas. “A maioria das plantas morrem dentro de poucos dias”, contou
entusiasmado o quartel-general do Exército americano, num relatório em
que avaliava a situação. “Os comandantes de campo estão impressionados
com os resultados mostrando o valor do herbicida como arma tática”. “Terra da Morte”, assim os agricultores vietnamitas passam
a chamar, em pouco tempo, os vales e as planícies que foram banhadas com
esta chuva melequenta. As árvores e os arbustos secavam, marrons e fétidos.
Os peixes morriam na água, o gado de diarréia e as pessoas se queixavam
das feridas em suas peles e de queda de cabelo. Em
1962, os norte-americanos espargiram 65.000 litros desta chuva de veneno.
Em 1964 já chega a mais de 1 milhão de litros. 1966 o planejamento era
de 10 milhões de litros. No meio desta escalada de produção de agrotóxicos, a Dow
Chemical viu que seus operários estavam sendo atacados pela acne do cloro.
A produção teve de ser interrompida até que a Boehringer se envolvesse,
face seu grande “know-how” sobre dioxinas, e assim diminuísse as erupções
que saiam na pele dos operários da empresa americana. A decisão sobre o grande negócio do século fez com que os
grandes produtores de “Ácido T” se sentassem em torno de uma mesa redonda.
Em 24.03.1965 o cartel norte-americano da dioxina realiza um encontro
sobre a questão da acne de cloro (“The Chloracne Problem Metting”). Acontece
na sede da Dow Chemical em Midland (EUA). Representantes das quatro grandes
trocam entre si, lâminas de fígados e de orelhas de coelhos além de suas
experiências através de relatórios de seus enfermos. Estão absolutamente
convictos de que estão produzindo algo que gera uma “zona de risco”. Seu
maior temor é que seus clientes civis ao comprarem estes agrotóxicos possam,
de repente, adquirir essas horríveis espinhas como já ocorre com seus
operários. Se isto então acontecesse, diz o diretor de Departamento da
Dow Chemical, Verald Keith Rowe, “toda a indústria do 2,4,5 T sofreria
um grande revés e os legisladores teriam condições de proibir a fabricação
desta substância ou a controlariam rigorosamente”. Os toxicologistas da Dow Chemical, segundo documentos da
empresa, deram-se conta que estão, realmente, lidando com uma substância
extremamente problemática. A dioxina já tinha ocasionado lesões em fígados
de muitos trabalhadores. A água e sabão mostraram-se completamente inúteis
para limpar a pele contaminada. O melhor seria evitar, conforme instrução
de um dirigente do laboratório, quaisquer tipos de contato com a pele. Em 03.03.1965, a Boehringer é advertida pela Dow de que
o “tetraclorobenzol”, um produto intermediário na fabricação do “Ácido
T” é “surpreendentemente venenoso”. A Boehringer responde dizendo que
a queima de resíduos da produção da Dow Chemical é perigosa porque quando
vão eliminá-los pela chaminé, a fábrica está espalhando dioxina por toda
a região da cidade de Midland. Seria melhor “enterrar o veneno”. Para saber quão venenosa a dioxina é, a Dow Chemical oferece
US$ 10.000,00 para aquele que quiser ser sua cobaia humana. 70 presos
da Prisão Holmesburg na Filadélfia, à espera de liberdade, não sabem que
estão lhes aplicando dioxina em suas costas. No entanto, devem assinar
um documento onde declaram que não irão responsabilizar ninguém por “quaisquer
complicações ou conseqüências nefastas”. Oito deles adoeceram. Também as outras firmas do cartel da dioxina sabem com que
tipo de mercadoria estão negociando. “Eu não quero ser cínico”, diz o
diretor-médico da Monsanto. “Mas existe por acaso algum operário na linha
de produção do ‘2,4,5 T’ que não tenha acne de cloro ?”. Os operários
da Diamond Alkali que apresentam a doença da dioxina, são diagnosticado
de que sofrem de “uma doença no processo de formação do sangue”, além
de sérios danos “no pâncreas, no fígado e nos rins”. O diretor Rowe, da Dow Chemical, três meses mais tarde,
adverte seus colegas da Dow Chemical do Canadá sobre o “material excepcionalmente
venenoso” que eles estão lidando. Diz que a dioxina possui “um potencial
imenso de gerar acne de cloro e danos que atingem todos os órgãos”. Os
produtores e comerciante precisariam necessariamente cooperar para “manter
o problema sob estrito controle”. Sob nenhuma circunstância esta advertência
pode ser mostrada a qualquer pessoa fora da Dow, apela Rowe. Até fins de 1965, o exército americano já havia, literalmente,
jogado 3,9 milhões de litros de herbicidas sobre o Vietnã. Para 1966 havia
encomendado aqueles 10 milhões de litros e para 1967 mais 20 milhões.
Isto eqüivale a um total de 4 milhões de dólares e 81.600 gramas de dioxina. Michael Landesman de Nova Iorque, no início de 1966 tem
24 anos, está cursando a Universidade de Columbia e estuda Economia. “Liberte o mundo”
(Free the world !). Este chamado
é mais importante do que concluir seus estudos, diz ele a seus colegas.
Decide então ir para o Vietnã como voluntário, onde já estão lutando 300
mil jovens norte-americanos. Co Thi Ren, com 12 anos, e é oriunda da aldeia Xá. Desde
o início de 1966 vai todas as manhãs para a escola e no caminho passa
por enormes crateras deixadas por bombas. Ela gosta muito de ler e o faz quando seus pais não precisam que ela os ajude
no cultivo do arroz. No futuro, pretende ser professora. Pela primeira vez, Harri Garbrecht ouve, na Boehringer,
a palavra “Vietnã”. Era 1966. Toda aquela substância que está lá do outro
lado do pátio, dissera-lhe seu superior, vai para o Vietnã. Mostrava-lhe
a grande montanha “Alfa” que, no decorrer dos anos, crescia cada vez mais
na área da fábrica. Face à “falta momentânea do ‘2,4,5 T’ no mercado mundial”,
como expressa um documento interno da empresa, a fábrica de Hamburgo transforma
o velho pó “Alfa” em matéria-prima de “triclorofenolato”. Após, enviou-o,
por navio, para a Nova Zelândia. Lá está a Dow Walkins, uma filial da
Dow Chemical. Deste material se fabrica o “Ácido T” e do “Ácido T”, o
Agente Laranja. Da Nova Zelândia ao Japão, a Força Aérea norte-americana
precisava juntar todo o ácido possível para não interromper a chuva venenosa
sobre o Vietnã. A Boehringer fornece, mensalmente, ao seu parceiro, na
filial da Nova Zelândia, quantidades cada vez maiores. Em fevereiro, 50
toneladas. Em abril, 110 toneladas e 125 toneladas em junho. No ano de
1967, a Boehringer envia um total de 720 toneladas para a Nova Zelândia.
O fornecimento de “tetraclorobenzol” aumenta nos anos em que o Vietnã
é aspergido em 300%. Com o aumento da produção, Harri Garbrecht apresenta tanto
problemas no estômago como suas espinhas aumentam. No setor onde se fabrica
o “Ácido T”, há sempre um caldeirão a mais fervendo. Ou seja, mais poeiras
de dioxina espalham-se pelo ar. Os coelhos de Schulz voltaram a ter acne
nas orelhas e muitos operários se queixam de inflamação no estômago. “Visto
que o acúmulo destas doenças pode estar, evidentemente, relacionado com
a piora das condições higiênicas atuais”, observa o dirigente da fábrica
num relatório, “o que poderá gerar conseqüências desagradáveis para a
empresa”. A idéia de fabricar o “Ácido T” de maneira a não liberar
dioxina, isso não entra em cogitação porque “tal mudança do processo aumentaria
os custos e isso em hipótese alguma interessa”. “Será que todos que estão numa posição de poder são cafajestes ?” pergunta Richard von Weiszäcker em 06.11.1965, por volta das 10:30 h da manhã. “Esse mundo ficou tão conturbado e complicado que até grandes gênios que, freqüentemente, estão em busca de novos horizontes, fazem-no inutilmente ?”. Não são os operários que o Diretor de Recursos Humanos da Boehringer tenta persuadir, mas sim os pais, professores e alunos, no salão de ginástica da comunidade de Ober-Ingelheim. Ele aproveita o jubileu da escola para, na ocasião da festa, fazer uma conferência com a eloqüência que, no futuro, o tornará tão famoso. Da administração da Boehringer, ele é o único que mostra interesse na política local da cidade de Ingelheim. O
representante da Associação Agrícola da Indústria Química, Helmuth Kohl
(nt.: por ocasião da publicação deste artigo, em 1991,
ainda era o chanceler alemão) , representava o grupo na cidade de
Mainz, e estava à procura de novos talentos. De repente entusiasma-se
com este ativo e eloqüente homem de indústria além de evangélico-protestante
que é Weiszäcker (nt.: Kohl faz parte do partido católico
alemão CDU/União Democrática Cristã e na Alemanha ser da outra religião
cristã, é fato relevante). Uma parte do seu tempo de trabalho, pode
dedicar à presidência da Assembléia de sua Igreja. Assim, Negócio e Igreja,
dinheiro e moral - uma união personificada. Extremamente interessante
para o partido da CDU. Kohl
e Weizsäcker combinam que este deveria se candidatar ao Congresso. No
entanto, para grande desgosto de Kohl, precisou desistir antes das eleições
porque o Sr. Boehringer não queria dividi-lo com o partido. Ao
invés de estar discursando diante de seus pares na Câmara Alta em Bonn
(nt.: ainda era a capital da Alemanha na época do artigo),
Richard von Weiszäcker o faz no salão de ginástica de Ingelheim. Ladeado
por grandes árvores, rodeado pelo coral da escola e pela orquestra, o
futuro presidente da República dá provas de seu dom para a arte da retórica.
Mesmo quando não estava falando sobre o “apartheid” na África do Sul ou
das questões de Israel e seus vizinhos, mas apenas sobre deficiências
no esporte nas escolas, sua capacidade de expressar com palavras simples
este mundo tão complexo foi o que mais o levou a ser admirado. “Quem não
desenvolve uma sensibilidade pelo corpo, certamente não desenvolverá uma
sensibilidade pelo espírito e por todos os seres humanos”. Foram
estes os últimos anos tranqüilos na Alemanha. “Esporte” ainda não era
sinônimo de “Morte”. Os professores ainda não estão se “masturbando em
seus púlpitos”, e as palavras antiautoridades ainda não haviam chegado
a Ingelheim. O tempo do nazismo ainda está pairando como se numa névoa.
De “espíritos malignos”, fala o orador desta festa do ginásio, bem como
de valores que “nos anos difíceis ... e depois continuavam sendo considerados
perigosos”. O
“Estilo Americano de Vida” (American Way of Life) ainda brilha luminosamente
sobre o Atlântico. Ninguém critica ainda o “American Way of Death” (Estilo
Americano de Morte). A guerra está acontecendo em algum lugar perdido
da Indochina. Aqueles alemães que a conhecem, acham que é justa. Para
eles a liberdade de Berlim está sendo defendida em Saigon. No
dia seguinte à festa de Ingelheim, o comandante norte-americano recebe
ordens superiores de aspergir o veneno sobre o país vizinho ao Vietnã,
o Laos. Nos meses seguintes, a Indochina recebe uma verdadeira orgia de
Agente Laranja. A Força Aérea norte-americana joga tal quantidade de “Ácido
T” dos céus que poderia simplesmente tirar todos os vietcongs do mapa.
11 aviões foram acrescentados. Eles voam e a cada nova investida, novo
nome interessante batiza esta operação: “Operação Big Patches (Grandes
Remendos)”, depois “Sherwood Forest (nt.: provavelmente
se referindo à Floresta de Sherwood de Robin Hood)”, “Swamp Fox (Raposa
do Pântano)”, ou “Hot Tip (Pico Perigoso)”. Depois
da “Hot Tip II”, um dos comandantes observa com mau humor que “essas árvores
malditas não querem queimar”. Por seu ódio tanto aos vietcongs como a
seus esconderijos na floresta, os generais resolvem primeiro liquidar
com a selva para depois com napalm (nt.: bombas plásticas
incendiárias) transformar as árvores secas, em cinzas. Como moléculas
de dioxina aumentam com o fogo, assim como os mosquitos nas águas paradas,
os militares, através desta nova astúcia destruidora, fizeram com que
crescessem as plantações de dioxina na terra. A Força Aérea aspergiu o
“Ácido T” numa concentração 20 vezes mais elevada do que seu uso civil.
O Agente Laranja contém, além disso, 30 vezes mais dioxina do que os herbicidas
usados para fins civis. Nas instruções de uso destes produtos, advertem
os fabricantes: “É proibido seu uso em áreas rurais habitadas”. Todas
as áreas vizinhas ao Vietnã, informa o Centro de Espargimento, estão agora
cobertas com esse veneno. Durante a “Operação Pink Rose”, no início de
1967, somente na área da selva a noroeste de Saigon, foram despejados
969 mil litros desta meleca venenosa. 45 bombardeiros B-52 transformaram
a floresta espessa num inferno flamejante. “A fumaça subia a 3 mil metros
de altura”, elogia um relatório militar. Uma
floresta sem folhas é um ótimo campo de batalha, diz Michael Landesman,
sorrindo maliciosamente. “Tu não podias mais te perder ali”. Pois muitas
vezes ele havia errado o caminho no Vietnã, tropeçando e se arrastando
sozinho no meio da selva, quase igual o que faziam os rapazes do filme
“Platoon”. A selva aspergida estava marrom. Era como se tivesse apodrecido
com suas folhas murchas e atrofiadas. A derradeira cor verde estava nos
uniformes do campo de batalha. “Nós não sabíamos nada. Nem mesmo o nome
‘Agente Laranja’. Se esta coisa saía das nossas máquinas C-123, então
estava tudo bem. A quem a gente ia perguntar ? Estávamos no meio do nada”. Michael
Landesman aponta para a cozinha. “Ali está pendurada uma foto da região”.
Sente-se fraco demais para se levantar do divã. O grosso tapete de lã
da sua sala de jantar chega até a cozinha. Tem a elegante cor clara de
seu cachorrinho que está sempre latindo e correndo ao redor de suas pernas.
A grande casa pertence a sua mãe. Por fora o prédio é decorado com tijolos
vermelhos, mas mesmo estando no chique bairro nova-iorquino de Queens
mais parece como se estivesse no bairro pobre de Bronx. Contudo, lá dentro
da casa é como se fosse Manhattan. A foto está com um colorido já esmaecido,
em cima da geladeira, e mostra um rapaz magro e forte de uniforme, em
algum lugar do Vietnã. Já no divã está sentado um homem grande, inchado,
de 47 anos que não deseja mais ser fotografado. “Hoje de manhã precisei
vomitar de novo”, diz ele com uma voz que a gente não consegue identificar
se é de tristeza ou de nojo. “Não é aquele vômito rápido que alivia depois
de uma noitada de bebidas. É um vômito infinitamente longo e sufocante”.
Sempre que deve ingerir as pílulas que ele chama de “bombas químicas”,
tem que vomitar. Normalmente depois disso, não consegue se levantar. Hoje
ele precisou de duas horas para poder se levantar. Estas pílulas destinam-se
a matar suas células cancerosas. Landesman sofre de leucemia linfática
crônica e que vai se transformando num linfoma não-Hodgkins. É um tipo
de câncer que está muito difundido entre os veteranos do Vietnã. Na Boehringer
de Hamburgo, já morreram 5 trabalhadores desta doença. Um exame feito
em marujos norte-americanos mortos mostrou que entre aqueles que lutaram
nas áreas onde o Agente Laranja foi aspergido, um índice de 110% de aumento
da doença de não-Hodgkins. Landesman
esteve num hospital onde haviam estado quase todos os marujos: na parte
norte do Vietnã do Sul, na Área Militar I ao redor de Da Nang. Após dois
meses no Vietnã, entendeu que os agricultores que estavam ao seu redor
não queriam ser libertados por ele. “98% queriam colher arroz, nada mais
! A eles pouco importava quem os governasse. Decididamente nós havíamos
chegado ao país errado !”. No tempo em que ficava à espera do fim de sua missão, intercalava com algumas estocadas militares e rodas de pôquer. Seu camarada de quarto, um dia volta de um combate militar, com pouca vontade de falar. Teriam apenas queimado mais uma aldeia. No entanto, já no dia seguinte isso já era assunto ultrapassado. “Cada nova missão militar logo se transformava em história”. Entretanto o nome desta aldeia que foi queimada por seu companheiro era Mi Lai (nt.: foi uma verdadeira chacina feita em civis e transformou-se num escândalo mundial). “Os
civis foram intimados a abandonar as áreas atingidas”, responde o presidente
americano em fins de 1966. Ele informa que os vietnamitas recebiam “cuidados
e bom tratamento na área para onde haviam sido levados”. A
caminho da escola, conta Co Thi Ren, ela viu e ouviu algumas vezes aviões
fazendo grande barulho e “espalhando nuvens” pelo céu. Conta que os homens
colocavam sacos de papel na cabeça e as mulheres e as crianças se protegiam
embaixo dos arbustos. No dia seguinte sua pele coçava e, mais tarde, começava
a descamar. Outras crianças tinham espinhas pretas e alguma até ficaram
com toda pele preta, narra com sua voz fininha como se fosse o Mickey
Mouse. Co
Thi Ren fala tão baixo como se as pacientes que estão à esquerda e à direita,
na grande enfermaria do Hospital de Saigon, não devessem escutá-la. Isso
nem seria necessário, os ventiladores de teto fazem barulho suficiente
para apagar sua voz. “Naquela época, eu estava tão cansada e doente que
até perdi o semestre na escola”, sussurra a atual professora de 34 anos
que apesar de tudo se transformou. Quando, há 4 meses atrás, foi enviada
de volta para sua comunidade próxima à Saigon, ela estava feliz. Estava
recém-casada e grávida pela primeira vez. Tinha fortes desejos de comer
coisas ácidas e uma tensão esperançosa nos seios. Entretanto
a coloração violácea dos lábios de sua vagina demonstrava aos médicos
de que ela deveria ter alguma inflamação em seu útero. Era confirmado
tanto pela presença de sangramento como de dores. O ultra-som e o exame
de urina confirmaram que ela não tinha um feto no útero, mas sim um tumor.
Um carcinoma de cloro. Nos primeiros meses esse tipo de câncer dá à mulher
as sensações de uma gravidez. O carcinoma de cloro é tão traiçoeiro como
raro na Europa e mais ainda no Sudoeste da Ásia. No sul do Vietnã registrou-se
uma freqüência 5 vezes maior depois da chuva de dioxina. As mulheres da
área aspergida tem 4 vezes mais problemas de bexiga do que as outras vietnamitas,
além de terem também um tipo de tumor que se forma na placenta e destrói
o embrião. O número de natimortos cresceu nessas áreas em cerca de 2600%. Das
55 pacientes que estão ao lado de Co Thi Ren na enfermaria, 10 têm carcinoma
de cloro e 12 estão sob suspeita. Mas ninguém sabe o que realmente acontece
em seus corpos, dizem as mulheres. A gente não quer preocupá-las, dizem
os médicos. O tumor cresce da placenta e a fertilização do óvulo sempre
é um sinal de que está nascendo o tumor. Em
sua roupa branca de hospital, Co Thi Ren tem o semblante sério de uma
médica. Apenas o tom cinza-amarelado do seu rosto permite perceber que
está doente. Nos seus olhos há uma tristeza paciente e apagada que lhe
impinge sua grande dor. Ela está sentada sobre a cama, e murmura algo
com os ombros encolhidos. É sobre sua mãe que é surda, sobre seus 2 mil
alunos e sobre o marido que raras vezes pode visitá-la. E
seu murmúrio morre. Quer ficar sozinha.
Tradução livre de B.Brejmann e adaptação de J.Fonseca e L.J.Saldanha, ano de 1993.Atualizado em 2004
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