Website: Dr. José Carlos Brasil Peixoto, Porto Alegre/RS.
Publicado em 6 de dezembro de 2019 por UMAOUTRAVISAO – Novo
Em uma recente edição da respeitada publicação científica NATURE foi publicado um estudo que trouxe luzes promissoras aos usuários de suplementação de testosterona. Uma vigorosa investigação chegou à conclusão que o uso de testosterona reduz em 33% o risco de câncer de próstata. Essa questão traz mais confiança aos defensores do uso de testosterona em homens maduros como proteção à próstata, um tema polêmico, cuja discussão tem como referência um pesquisador, que acabou ganhou um prêmio Nobel de medicina por estudos nesse campo, o médico canadense Charles Huggins. Apesar do óbvio fato de que o câncer de próstata ser tipicamente uma doença de homens maduros ou da terceira idade, o que significa que são indivíduos com baixas taxas hormonais, ele fez experiências de castração como técnica terapêutica para cânceres de próstata com metástases. Seus resultados positivos aparentes formaram o consenso de que a testosterona seria um fator promotor dessa enfermidade. O estudo publicado em 28 de outubro contrapõe essa informação. Cabe sublinhar, porém, que essa ideia já está sob controvérsia há muitos anos. Já em 2003, o médico americano John R Lee, grande estudioso da fisiologia e terapêutica hormonal publicou um livro sobre a saúde da próstata (*). No início desse livro Lee provoca questões sobre os estudos do dr Huggins. Ele diz: “O ponto de partida para os equívocos sobre os hormônios masculinos está no trabalho feito pelo Dr. Charles Huggins, um cirurgião que, nos idos de 1941, observou que a castração cirúrgica em alguns homens com câncer de próstata parecia oferecer uma pequena melhora na sua sobrevivência, quando comparados a homens não castrados. Em outro estudo, abrangendo oito homens com câncer de próstata avançado com metástases, ele observou que, depois que esses pacientes receberam testosterona (de origem bovina), os níveis de fosfatase alcalina tiveram uma pequena elevação em três homens. Com essa pequena amostra, o Dr. Huggins concluiu que a testosterona aumentava o desenvolvimento de metástases no câncer da próstata.”
O dr Lee entende que Huggins foi um pesquisador pioneiro e pode ser merecedor de algum prêmio pelo que se poderia compreender até sua época. Mas ele ressalta: “Para a ciência avançar, se exige um pensamento exato. Denominar a castração como “supressão de andrógenos” não é nenhum pensamento preciso, uma vez que a supressão de estrógeno e de progesterona também está envolvida. E isso nem é tudo...”
De fato essa pesquisa que vamos ver a seguir agrega questões metabólicas como aspectos importantes na evolução do câncer de próstata.
Eis a tradução do artigo:
Desafiando as crenças sobre a terapia com testosterona e o câncer de próstata
Linda My Huynh e Thomas E. Ahlering
A relação entre terapia com testosterona e câncer de próstata continua a desafiar crenças históricas e atuais. Uma nova análise de coorte revelou uma redução de ~ 33% na incidência de câncer de próstata em homens com aumento do uso de testosterona. Os mecanismos subjacentes a esse efeito protetor não são claros, mas essas descobertas desafiam os paradigmas atuais e justifique uma investigação mais aprofundada.
Refere-se a Lopez, DS et al. Associação da extensão da terapia com câncer de próstata naqueles que recebem terapia com testosterona em um banco de dados de reclamações de seguros comerciais dos EUA. Clin. Endocrinol .https://doi.org/10.1111/cen.14093 (2019)
A relação entre terapia com testosterona e o câncer de próstata é tão complexo quanto controverso.
O Prêmio Nobel de Medicina de 1966 foi concedido a Huggins e Hodges por seu trabalho sobre os benefícios da castração em homens com câncer de próstata metastático. Uma lógica consequência de suas descobertas foi o generalizado pressuposto de que aumento dos níveis da testosterona sérica ou que a terapia com testosterona poderia estar associada ao desenvolvimento potencial e / ou progressão do câncer de próstata. Este antigo princípio tem dificultado os esforços de pesquisa para a compreensão tanto da possibilidade de taxas naturalmente elevadas dos níveis de testosterona e, mais ainda, se a administração de testosterona, exercerem um efeito fisiológico protetor. Além disso, a hesitação do emprego da testosterona por causa do risco para doenças cardiovasculares também limitou estudos prospectivos, e uma avaliação completa dos benefícios potenciais da terapia com testosterona1.
Uma nova publicação de Lopez et al. 2 adiciona evidência aparentemente contra-intuitiva que sugere fortemente que o aumento crescente de doses de testosterona reduz a incidência de câncer de próstata. Os autores realizaram uma análise retrospectiva de coorte de 189.491 homens de 40 a 64 anos que vinham recebendo testosterona (suplementação). Os dados foram extraídos do banco de dados da IBM MarketScan, uma compilação de empregadores dos EUA com a informação de pacientes internados, ambulatoriais e prescrições referidas de ~ 45.000.000 de indivíduos por ano, entre os anos de 2011 a 2014, com base nos códigos de medicamentos e no atual Procedural Terminology Coding System (Sistema de Terminologia Codificada de Procedimentos do EEUU). Durante um período de acompanhamento de 26 meses, 1.424 homens (0,8%) foram diagnosticados com câncer de próstata. Usando modelos de risco proporcional de Cox para comparar os quartis de dosagem de testosterona (maior quartil > 12 injeções, quartil mais baixo 1 a 2 injeções), os pesquisadores descobriram uma redução significativa de 33% câncer de próstata do quartil mais alto em relação ao quartil mais baixo (HR 0,67, IC 95% 0,54-0,82). Nos homens que usaram o gel de testosterona, a associação da terapia de testosterona e câncer de próstata também diminuiu nos indivíduos do mais alto quartil (> 330 dias de suplemento de gel) comparado com os do quartil mais baixo (1 a 60 dias de fornecimento de gel; HR 0,58, IC 95% 0,48-0,72).
Como um dos primeiros estudos relatando uma relação dose – resposta entre terapia com testosterona e câncer de próstata, esses achados são bastante convincentes. O grande tamanho da amostra, a impressionante duração longitudinal de acompanhamento e a disponibilidade de informações detalhadas sobre as prescrições e as dosagens preenchidas dos pacientes são pontos fortes deste estudo e os resultados justificam investigação adicional, pois são concordantes com numerosos estudos observacionais anteriores. Em 2017, Loeb e colegas 3 também encontraram diminuição da incidência de próstata de alto risco câncer em homens que recebem testosterona comparados com indivíduos não tratados em uma grande população de homens na Suécia.
Os mecanismos fisiológicos subjacentes do aparente efeito protetor da terapia com testosterona no câncer de próstata nesses estudos observacionais ainda não são claros. Convincentes evidências existem de que a redução da testosterona sérica aos níveis de castração via terapia de privação de andrógenos (TPA) reduz significativamente a sinalização do receptor de andrógeno, portanto, beneficiando homens com problemas metastáticos câncer de próstata 4. Nesse contexto, assumindo que níveis aumentados de testosterona apoiam o crescimento do câncer de próstata parece razoável.
No entanto, talvez contra-intuitivamente, a evidência de que a terapia com testosterona pode ter efeito protetor parece estar se acumulando. Se a terapia com testosterona antes do diagnóstico ou nos estágios iniciais do câncer da próstata pode ser benéfico e, a seguir, prejudicial nas fases posteriores da doença, isso não é claro. Por exemplo, os testes séricos no nível de castração de testosterona tem um efeito benéfico comprovado na presença de metástase óssea desse câncer, bem como em homens com doença de alto risco apenas anterior ao desenvolvimento de metástase óssea5; no entanto, existem poucas evidências de que a TPA tenha um benefício oncológico convincente quando aplicado nos estágios iniciais não metastáticos da doença6 . Além disso, as evidências mostram que terapia com testosterona após radioterapia e / ou cirurgia não acelera o curso da doença7 . Dados preliminares do nosso grupo mostram que a terapia com testosterona após a prostatectomia radical em homens com baixo risco de doença reduziu a recorrência bioquímica em 50%.
O mecanismo fisiológico subjacente do efeito benéfico da terapia com testosterona nos estágios iniciais do câncer de próstata poderia teoricamente, ser de natureza metabólica (fig. 1) .
Estudos populacionais demonstraram que a obesidade, a diabetes mellitus e a síndrome metabólica estão ligadas ao desenvolvimento do risco de câncer de próstata 9. Da mesma forma, esses mesmos fatores aumentam o risco de recorrência bioquímica e mortalidade por câncer de próstata após cirurgia 10 . Assim, é intuitivo e lógico que o risco de câncer de próstata pode ser reduzido pela terapia com testosterona devido à melhora dos componentes da síndrome metabólica, como níveis elevados de glicose no sangue, níveis elevados de insulina e problemas associados com moduladores imunológicos e outros.
Os resultados de Lopez et al. 2 emprestam suporte a hipótese gerada de um mecanismo metabólico como consequência do aumento da terapia com testosterona que possivelmente reduz os reduz os diagnósticos de câncer da próstata na população geral de pacientes em terapêutica com testosterona. Portanto, também considerando as evidências observacionais atuais, concordamos com Lopez e colegas 2 que seríamos negligentes em não explorar um potencial efeito benéfico essencial da terapia com testosterona em homens com câncer de próstata em estudos clínicos prospectivos, multicêntricos e randomizados.
Fig. 1 Deficiência de testosterona, síndrome metabólica e câncer de próstata. A fisiologia e a patologia da próstata são sensíveis aos níveis de testosterona. Os níveis de testosterona hipogonadais (reduzidos) têm sido associados ao câncer incidente de alto grau da próstata. A progressão do câncer precoce e intermediário é sensível à obesidade, diabetes mellitus e síndrome metabólica, que pode ser conduzido por baixos níveis de testosterona. Por outro lado, nas doenças avançadas e metastáticas, a testosterona no nível da castração via terapia de privação de androgênio tem um benefício que prolonga a vida. Assim, anterior e nos estágios iniciais da doença, o risco de câncer de próstata pode ser reduzido pela terapia com testosterona por seus efeitos sobre os componentes da síndrome metabólica, enquanto a supressão da sinalização do receptor é necessária em pacientes com doença avançada. (PIN: neoplasia intra-epitelial da próstata).
Referências:
Linda My Huynh and Thomas E. Ahlering* University of California, Irvine Health, Orange, CA, USA. *e-mail: [email protected] https://doi.org/10.1038/s41585-019-0253-8
1. Stavropouls, K. et al. Testosterone replacement therapy and cardiovascular risk – a closer look at additional parameters. JAMA Intern Med. 117, 1393 (2017).
2. Lopez, D. S. et al. Association of the extent of therapy with prostate cancer in those receiving testosterone therapy in a US commercial insurance claims database. Clin. Endocrinol. https://doi.org/10.1111/cen.14093 (2019).
3. Loeb, S. et al. Testosterone replacement therapy and risk of favorable and aggressive prostate cancer. J. Clin. Oncol. 35, 1430–1436 (2017).
4. Isbarn, H. et al. Testosterone and prostate cancer: revisiting old paradigms. Eur. Urol. 56, 48–56 (2009).
5. Fizazi, K. et al. Darolutamide in nonmetastatic, castration-resistant prostate vancer. N. Engl. J. Med. 380, 1235–1246 (2019).
6. Endogenous Hormones and Prostate Cancer Collaborative Group. Endogenous sex hormones and prostate cancer: a collaborative analysis of 18 prospective studies. J. Natl Cancer Inst. 100, 170–183 (2008).
7. Pastuszak, A. W. et al. Testosterone therapy and prostate cancer. Transl Androl. Urol. 5, 909–920 (2016).
8. Ahlering, T. E. et al. Is there a role for testosterone replacement in reducing biochemical recurrence following radical prostatectomy? J. Clin. Oncol. 37, 5085–5085 (2019).
9. Kasper, J. S., Liu, Y. & Giovannucci, E. Diabetes mellitus and risk of prostate cancer in the health professionals follow-up study. Int. J. Cancer 124, 1398–1403 (2009).
10. Lee, J. et al. Diabetes and mortality in patients with prostate cancer: a meta-analysis. Springerplus 5, 1548 (2016).
Competing interests The authors declare no competing interests.
PUBLICADO EM: NATURE REVIEWS UROLOGY – 28/10/2019
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