Uma análise inicial da PEC 72/201 – Unidades de Conservação.

Assim como a PEC 215/2000 (emendas), a PEC 72/2011 pode, na prática, engessar a criação de unidades de conservação em todo o país, começando pelo nível federal e descendo para estados e municípios. Ou seja, bancada ruralista e outros setores retrógrados estão atuando em duas frentes para tentar legitimar o movimento anti Sistema Nacional de Unidades de Conservação/SNUC – via Câmara, via Senado.

 

http://www.portaldomeioambiente.org.br/noticias/politica/8063-uma-analise-inicial-da-pec-72-2011

 

Por Aldem Bourscheit

Assim como a PEC 215/2000 (emendas), a PEC 72/2011 pode, na prática, engessar a criação de unidades de conservação em todo o país, começando pelo nível federal e descendo para estados e municípios. Ou seja, bancada ruralista e outros setores retrógrados estão atuando em duas frentes para tentar legitimar o movimento anti SNUC – via Câmara, via Senado.

A justificativa da PEC em questão segue a linha aplicada para a PEC 215: fixando a criação e a revogação de UCs somente mediante lei; afirmando que o Legislativo está excluído do processo de criação e que populações podem ser desalojadas no estabelecimento de áreas protegidas; aponta que a criação se dá à margem de consulta dos governos estaduais e de outros segmentos interessados; que a implantação de UCs prioriza a proteção da biodiversidade em detrimento de uma visão global de desenvolvimento integrado à populações tradicionais; e, por fim, aposta que o Congresso Nacional é o fórum adequado para equalização desses interesses.

As afirmativas são em parte verdadeiras e o processo de criação de UCs, é claro, precisa e pode ser aperfeiçoado, por exemplo com a definição de mecanismos concretos e efetivos de regularização fundiária. Mas o processo atual é sólido, envolve sim Governos Estaduais e outros setores interessados e é equalizado na Casa Civil. Vale conferir esse endereço do MMA http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao/criacao-ucs, onde se lê, por exemplo:

A criação de uma UC geralmente se dá quando há uma demanda da sociedade para proteção de áreas de importância biológica e cultural ou de beleza cênica, ou mesmo para assegurar o uso sustentável dos recursos naturais pelas populações tradicionais. É importante que a criação de uma UC leve em conta a realidade ambiental local, para que exerça influência direta no contexto econômico e socioambiental. É importante citar também no processo de criação de UC o Mapa de Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade Brasileira, que é utilizado de forma estratégica para selecionar novas unidades de conservação. Ele enfoca as áreas de grande importância biológica, e prioriza aquelas que estão sob forte pressão antrópica. O Mapa de Remanescentes de cada bioma também tem sido um documento orientador para a criação das UC. As UC são criadas por ato do poder público (federal, estadual ou municipal) após a realização de estudos técnicos e consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade. A realização da consulta pública antes da criação da UC possibilita que a sociedade participe ativamente do processo, oferecendo subsídios para o aprimoramento da proposta. Compete ao órgão que está propondo a criação da nova UC elaborar os estudos técnicos preliminares e realizar a consulta pública e os demais procedimentos para a criação da unidade.

Ainda, do mesmo endereço:

  • Lei do SNUC (Lei 9.985/2000) – Artigo 22
  • Decreto 4.340/2002 – Artigo 2º
  • IN ICMBio nº 05, de 15 de maio de 2008 – Dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de estudos técnicos e consulta pública para a criação de unidade de conservação federal.
  • IN ICMBio nº 03, de 18 de setembro de 2007 – Disciplina as diretrizes, normas e procedimentos para a criação de Unidade de Conservação Federal das categorias Reserva Extrativista e Reserva de Desenvolvimento Sustentável.

E ainda, no site do ICMBio (http://www.icmbio.gov.br/portal/o-que-fazemos/criacao-de-unidades-de-conservacao.html), temos:

Legislação:

  • Constituição Federal (1988) – Art. 225;
  • Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92);
  • Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB);
  • Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) Lei 9.985 de 18/07/2000;
  • Regulamentação da Lei do SNUC Decreto 4.340, de 22 de agosto de 2002;
  • Política Nacional de Biodiversidade Decreto 4.339, de 22 de Agosto de 2002;
  • Programa Nacional da Diversidade Biológica – Pronabio Decreto 4.703, de 21 de maio de 2003;
  • Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira – Probio Decreto 5.092 de 21 de maio de 2004;
  • Plano Nacional de Áreas Protegidas – PNAP Decreto 5758/2006;
  • Conabio – Comissão Nacional de Biodiversidade – Resolução 03 de 21/12/2006 – Decisão VIII/15;
  • Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) – Decreto 6.040, de 7 de fevereiro de 2007;
  • Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira -Portaria MMA 09/2007;

Rito legal:

A despeito do marco legal que trata das macro-diretrizes para a criação de Unidades de Conservação, sejam federais, estaduais ou municipais, na prática, grande parte das atuais demandas de criação de áreas protegidas estão relacionadas ao interesse e manifestação da sociedade civil, comunidade científica e/ou órgãos públicos normalmente sensibilizados pela necessidade de estabelecer mecanismos mais robustos para a proteção ao patrimônio natural brasileiro. Quando algum setor da sociedade envia uma demanda deste tipo, cabe ao Instituto Chico Mendes analisar tecnicamente a proposta e, se pertinente, proceder aos demais estudos e levantamentos com vistas à criação de uma nova Unidade de Conservação federal. Os estudos técnicos são de primordial importância para determinar a escolha da categoria e dos limites adequados à UC a ser proposta. Via de regra, são realizados levantamentos e elaborados relatórios com foco no meio natural (físico e biótico), socioeconômico, cultural e fundiário, cuja profundidade da análise pode diferir em função das particularidades de cada proposta. Por exemplo, não é rara a realização de estudos de diagnóstico de pesca para as propostas que incidem sobre áreas marinhas. Esse conjunto de estudos técnicos pode ser feito tanto pelo próprio poder público, por meio de seus órgãos executores e corpo técnico próprio, quanto por meio de consultorias contratadas. Tais estudos são sempre complementados por levantamentos e vistorias em campo, o que permite que se detalhem informações sobre comunidades que porventura residam na área proposta e se elas são populações tradicionais, se há impactos humanos e como se dão as formas de uso e ocupação do solo. Essas informações são essenciais ao aprimoramento e à confirmação da continuidade da proposta. A conclusão da fase de estudos e levantamentos em campo se concretiza com a elaboração de uma proposta preliminar de limites e de categoria da Unidade de Conservação. Essa proposta preliminar é utilizada para apresentação e discussão junto à sociedade. Essa etapa do processo de criação de uma Unidade de Conservação, chamada pelo Instituto de Etapa Consultiva, se caracteriza pela realização de encontros com diversos setores interessados da sociedade, especialmente representantes das esferas do poder público local e da sociedade civil organizada, sem deixar de dar oportunidade de participação a qualquer cidadão que deseje. Conta ainda, como principal marco referencial, com a realização de uma ou mais consultas públicas. As consultas públicas são reuniões abertas à sociedade, precedidas de amplo processo de divulgação, nas quais a proposta deve ser apresentada de forma clara e acessível, possibilitando aos cidadãos e instituições locais que manifestem sua posição e considerações sobre a proposta. O objetivo é garantir a participação do máximo de atores sociais locais, pois esse processo visa permitir ao cidadão contribuir com sua opinião, subsidiando a decisão do Instituto acerca da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a futura unidade. Assim, a equipe técnica do Instituto Chico Mendes reúne e analisa as informações e solicitações apresentadas antes, durante e após a realização das consultas e, a partir das contribuições obtidas, elabora a proposta final de limites e categoria para a Unidade de Conservação. Com todo este conjunto de informações, a proposta de criação da UC federal segue então para o Ministério do Meio Ambiente – MMA, onde são realizadas análises técnicas e jurídicas complementares, bem como consultas a outros órgãos da estrutura do Poder Executivo que possam ter interesses na área proposta para a criação da Unidade. Vencidas todas estas etapas, a proposta é então encaminhada ao Chefe do Poder Executivo, que no caso das Unidades de Conservação federais é o Presidente da República, acompanhada de todos os documentos que integram o processo de criação da UC. Sendo a criação de unidade de conservação um ato do poder executivo, conforme Artigo 225 da Constituição Federal (ISSO NÃO ESTÁ DITO LÁ, ATO DO “PODER EXECUTIVO”, MAS SIM DO “PODER PÚBLICO”), a unidade só é efetivamente criada após a assinatura e publicação no Diário Oficial da União do respectivo Decreto que a cria, assinado pelo Presidente da República. O Brasil, por abrigar a maior biodiversidade do mundo, tem uma responsabilidade muito grande nesta área. E por ser um dos países signatários da Convenção da Diversidade Biológica, assumiu o compromisso de destinar, sob a forma de Unidades de Conservação, 30% do bioma Amazônia e 10% dos demais biomas (Pampa, Pantanal, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica e os ecossistemas Marinhos e Costeiros), sendo computadas para isso também as UCs estaduais, municipais e particulares.
Ou seja, o processo de criação de UCs é hoje amplamente regrado por normativas federais, mas focado em atos do Executivo. Todavia, as mesmas normativas apontam como responsável pela condução dos processos de criação o “Poder Público”, que na prática também pode envolver o Legislativo. Logo, com o desequilíbrio de forças em voga no Congresso e sem hora marcada para mudanças relevantes, temos uma tendência de aceitação democrática de PECs como a 215 e a 72, e grande dificuldade em contrapor argumentos sem questionar o papel democrático do Legislativo. Vide a quantidade de assinaturas de senadores no corpo do texto da mesma. Estamos tentando uma análise jurídica/constitucional das PECs, mas sem garantia de timing adequado.

Mas, fica a pergunta: precisamos criar mais UCs no Brasil? Sem dúvida. Elas têm funções socioambientais e econômicas extremamente relevantes, mesmo que potenciais, como emwww.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/biodiversidade/cop_10_cdb/?26342/biodiversidade-e-economia-no-inicio-da-semana-em-nagoia Temos que proteger a nossa biodiversidade, inclusive de atropelamentos, que já passaram de 71 milhões este ano, conforme o http://cbee.ufla.br/portal/ E apesar de sermos reconhecidos como um líder global na criação de áreas protegidas, vide http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2010/09/brasil-e-lider-global-na-criacao-de-areas-protegidas, ainda há grande déficit de proteção em determinados biomas, na zona costeiro/marinha e em relação às metas de Aichi (CDB): até 2020 proteger 17% das áreas terrestres e de águas continentais e 10% das águas marinhas e costeiras.

Das terrestres, dependendo de como se faz a conta, estamos sobrando. Logo, o caminho pode ser via representatividade das diferentes formações naturais a serem abrigadas em áreas protegidas. Na zona marinho/costeira, estamos muito mal, com apenas 1.4% protegido. Abaixo alguns gráficos que mostram nossa situação em remanescentes e unidades de conservação por biomas:

Mata Atlântica Cerrado Pampa

 

 

Fonte: Mario Mantovani / Senado Federal.