Tudo sobre o Vinil/Vinyl/PVC

Toda a fiação é recoberta de vinil/vinyl/PVC. Crédito da foto: Canva

https://orionmagazine.org/article/east-palestine-train-derailment-plastics-history/

REBECCA ALTMAN

Março de 2023.

Uma breve história do desastre do trem tóxico na comunidade de East Palestine/Ohio, 03.02.23.

O TREM QUE descarrilou perto da divisa entre os estados de Ohio e Pensilvânia em fevereiro de 2023 transportava uma mistura de vegetais congelados. Transportava licor de malte e farinha de sêmola, bem como produtos químicos usados ​​para fazer plásticos. Produtos químicos como monômero de cloreto de vinila. Pense no cloreto de vinila como vagões metafóricos. Quando acoplados lado a lado, eles formam o trem de longa distância feito de plástico de cloreto de polivinila (PVC), que o manifesto sugere que outros vagões na verdade do trem malfadado também carregavam.

PVC é mangueiras de jardim. É canos de água. É cortinas de chuveiro. É tapume e deck e piso e brinquedos. É tubulação médica e bolsas IV. E para os audiófilos entre vocês, são discos, também chamados de vinil, mesmo quando às vezes prensados ​​em poliestireno (nt.: destaque do negrito da tradução para frisar onde esta terrível resina está presente em nossas vidas. E detalhe: no final do parágrafo mais uma informação dramática, ‘prensados em poliestireno, ou isopor ou EPS, outra resina cancerígena).

O cloreto de vinila é cancerígeno (nt.: destaque da tradução). A queima de cloreto de vinila, como a queima de plástico PVC, cria as condições para formar produtos químicos ainda mais potentes chamados dioxinas (nt.: substância que formava o Agente Laranja da guerra do Vietnam).

Várias empresas fabricam plásticos de PVC. O PVC do trem descarrilado era transportado em vagões com a etiqueta ROIX, que em linguagem ferroviária significa que os vagões pertenciam a uma empresa chamada Shintech. O “maior produtor mundial de PVC” — é uma subsidiária integral da empresa japonesa Shin-Etsu. Nos EUA, opera fábricas de PVC em Freeport, Texas, e em Addis e Plaquemine, Louisiana.

Várias empresas produzem cloreto de vinila. A Norfolk Southern transportava cloreto de vinila em pelo menos dois carros rastreáveis ​​(o ID do carro, OCPX) para a OxyVinyls, uma divisão da OxyChem, que é uma divisão da Occidental Petroleum. A fábrica de cloreto de vinil da OxyVinyl fica em Deer Park, Texas, perto do Houston Ship Channel, onde um tornado passou no início deste ano, derrubando a fábrica temporariamente.

Às vezes, as fábricas de cloreto de vinila e PVC se agrupam, diz Jim Vallette, da Material Research, que mapeou a indústria. Por exemplo, as empresas Olin e Dow fornecem cloreto de vinila para as fábricas de PVC vizinhas da Shintech em Louisiana e Texas, Vallette me disse.

Outras vezes, a ferrovia é como o cloreto de vinila é transportado para fábricas de PVC distantes e, em seguida, como o PVC acabado chega a seus moldadores e fabricantes.

NÃO ESTÁ CLARO QUE ROTA EXATA o trem da comunidade East Palestine estava viajando.

Os engenheiros químicos, como os engenheiros ferroviários, também falam de rotas — os diferentes caminhos pelos quais os hidrocarbonetos podem ser levados ao mesmo destino.

Existem várias rotas para fazer cloreto de vinila.

Todas as rotas requerem cloro (nt; QUEREMOS DESTACAR A PRESENÇA DESSE ELEMENTO EM MIRÍADES DE SUBSTÂNCIAS EXTREMAMENTE VENENOSAS E QUE SÃO DISRUPTORAS DO SISTEMA ENDÓCRINO. NUNCA ESQUECER O QUE É O ELEMENTO CLORO COMO ABAIXO VAI SER CITADO).

Cloro é alvejante. É linho branco e papel branco. É desinfetante. É o gás de guerra da era da Primeira Guerra Mundial (nt.: chamado FOSGÊNIO que combinado com o Bisfenol A/BPA gera a resina plástica POLICARBONATO) correndo pelos campos em Ypres antes de afundar nas trincheiras e nos pulmões de soldados inocentes.

Nenhuma outra indústria usa mais cloro do que a do PVC .

O cloro é feito de salmoura, ou seja, sal, do qual o cloro deve ser separado (nt.: para se separar o cloro do sódio do NaCL, deve-se empregar a eletrólise porque essa é uma ligação muitíssimo forte. Por isso surge o cloro na metade do século XIX, quando a eletricidade tornar-se mais fácil e mais disponível. Vê-se que daí surge as razões para as armas químicas e a petroquímica).

PVC é mangueiras de jardim. É canos de água. É cortinas de chuveiro. É cerca, portão, piso, deck, papel de parede e brinquedos. É tubulação médica e bolsas IV.

Historicamente, o mercúrio figurou com destaque neste processo (nt.: aqui está citado o mercúrio porque se empregava esse elemento na fabricação de PVC e fertilizantes químicos e Minamata no Japão, ficou conhecido porque uma fábrica química despejava na baía do mesmo nome, seus esgotos contaminados. Vinte anos depois foram aparecer os sintomas neurológicos gerando um movimento mundial que se mobilizou contra o uso de mercúrio também na produção de PVC e fertilizantes além de outros processos industriais, conforme será explicitado mais abaixo).

Então amianto/asbestos.

Agora, a indústria do cloro está se voltando para o uso de membranas fabricadas a partir de uma substância química da família das substâncias per e polifluoroalquil (PFAS). PFAS é um grupo de pelo menos 12.000 substâncias; os mais bem estudados do grupo foram associados a uma série de efeitos na saúde, incluindo câncer (nt.: esses perfluorados são conhecidos como ‘forever chemicals’/químicos para sempre).

O amianto é uma substância cancerígena com sua própria assinatura de câncer: o mesotelioma.

O mercúrio é um metal pesado e, na forma de metilmercúrio, é teratogênico (o que significa que causa defeitos congênitos, principalmente no cérebro e no sistema nervoso em desenvolvimento, lembrou-me meu colega da Rede de Ciência e Saúde Ambiental, Dr. Ted Schettler) . É também um neurotóxico e um poluente global, tanto que seu uso industrial se enquadra em um tratado das Nações Unidas: a Convenção de Minamata sobre Mercúrio.

A convenção leva o nome de uma cidade e uma baía em uma ilha no sul do Japão.

Ele também tem uma doença característica – a doença de Minamata – embora alguns que vivem com ela tenham afirmado que prefeririam ser chamados do que são, que é envenenamento industrial grave por metilmercúrio.

A comunidade de Minamata é mais facilmente associada ao mercúrio do que ao que o mercúrio foi usado para fazer, que são (entre outros pontos finais) os produtos químicos usados ​​para fazer cloreto de vinila e vinil.

Cento e quarenta nações se reuniram no Japão em 2013 para adotar a Convenção de Minamata. Cinquenta nações tiveram que assinar para que ela entrasse em vigor.

O Japão não ratificou a convenção até fevereiro de 2016.

O descarrilamento do trem na Palestina Oriental ocorreu sete anos depois. Quase no dia.

Ainda não expliquei as diferentes rotas para o cloreto de vinila.

As primeiras patentes de processo foram registradas em 1912, escreve o falecido historiador Morris Kaufman, que começou a estudar a história da produção de PVC no Imperial College London na década de 1960. As tentativas alemãs de escalar a produção não renderam um produto comercialmente viável, então, treze anos depois, as patentes caducaram. Um punhado de empresas pegou a pesquisa e o desenvolvimento, tornando as origens do PVC internacionais, difusas e difíceis de rastrear, disse Kaufman.

Nos Estados Unidos, a Union Carbide, desde então comprada pela Dow (que se fundiu com a DuPont, se reorganizou e ressurgiu como “a nova” Dow), começou a produzir cloreto de vinila em 1929 em um complexo petroquímico – na época algo totalmente novo sob o sol — ao longo do rio Kanawha, um afluente do Ohio, que é um afluente do Mississippi, que deságua no Golfo do México.

A produção de PVC começou no ano seguinte, em 1930, embora tenha demorado um pouco para o plástico pegar. A Union Carbide se estabeleceu ao longo do Kanawha para aproveitar o gás natural dos Apalaches, que a empresa tinha sido pioneira na exploração. Já havia uma fábrica de cloro da era da Primeira Guerra Mundial ao lado.

A pesquisa científica sobre a toxicidade do cloreto de vinila ocorreu imediatamente depois disso, com artigos aparecendo na literatura também na década de 1930.

Outra rota começa a partir do petróleo, que historicamente é como o cloreto de vinila foi feito ao longo da costa do Golfo dos EUA.

Uma terceira rota para o cloreto de vinila começa no carvão.

O desastre da comunidade de East Palestine deixa claro quantas comunidades estão envolvidas por plásticos e sofreram tanto lançamentos rotineiros quanto desastres ambientais ligados à sua produção. 

A PARTIR DE 1932, FOI ASSIM QUE A EMPRESA, que hoje é a japonesa Chisso Corporation, optou por produzir cloreto de vinila em Minamata. A empresa produzia carboneto a partir do calcário encontrado ao norte da cidade e das minas de carvão do norte de Kyushu. Do carboneto ao acetileno, e do acetileno, por meio de um catalisador de mercúrio, ao acetaldeído, e posteriormente ao cloreto de vinila e também, em um processo separado, a um plastificante chamado dioctilftalato (DOP para abreviar), que também é usado para amaciar o PVC e outros plásticos (nt.: esse plastificante é da família dos ftalatos e todos são disruptores endócrinos).

A empresa também começou a encaminhar seus resíduos carregados de mercúrio para a baía de Minamata naquele mesmo ano.

O mercúrio envenenou a água, que envenenou o peixe, que envenenou os pescadores e suas famílias que o comeram. Os últimos a serem envenenados eram os bebês nascidos de úteros envenenados com mercúrio.

“Eu tive uma visão de mim mesma tentando engolir o capitalismo japonês”, escreve Michiko Ishimure, uma escritora de Minamata frequentemente comparada a Rachel Carson.

Desde a década de 1960, ela publicou – com grande aclamação – “romances não-ficcionais” abrangendo o gênero sobre o desastre. O primeiro volume ela intitulou Kugai jōdo ( Paraíso no Mar da Tristeza ). Por décadas, ela defendeu o povo de Minamata, embora “ano após ano murchasse e caísse perfeitamente”, escreveu ela, “como folhas mortas ou células cerebrais das vítimas de envenenamento por mercúrio”.

O testemunho, a escrita, a consumiu: todos “esses momentos históricos altamente significativos ficaram presos na minha garganta”. Suspeita-se que Ishimure também tenha sofrido danos nos nervos devido ao mercúrio.

Embora as autoridades tenham reconhecido os primeiros casos da doença de Minamata em 1956, não foi até 1968 que o governo japonês registrou, admitindo “que a causa da doença era o metilmercúrio da fábrica da Chisso”, disse Timothy George,  professor emérito de história na Universidade de Rhode Island e autor do livro Minamata: Pollution and the Struggle for Democracy in Postwar Japan.

A Chisso já havia parado de usar mercúrio em seu processo de acetaldeído no início daquele ano.

“A própria empresa nunca assumiu oficialmente a responsabilidade até perder, em 1973, uma ação movida pelos pacientes que a obrigava a pagar a maior indenização da história jurídica japonesa até então”, acrescentou.

Outros processos judiciais se seguiram.

Assim como, eventualmente, a Convenção de Minamata, que inclui disposições para eliminar gradualmente o uso global de mercúrio na produção de cloro, cloreto de vinila e acetaldeído.

Leia mais de Rebecca Altmann, autora desse artigo, sobre nosso legado de plástico aqui .

“Incrivelmente”, diz Vallette, “a rota mercúrio-acetileno ainda é usada (e em expansão) na região uigure” do noroeste da China, onde plásticos de PVC são feitos usando o trabalho forçado do povo uigure, muitos dos quais são muçulmanos.

Os EUA aprovaram a Lei de Prevenção de Trabalho Forçado Uigur e agora a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA está proibindo a importação de pisos de vinil de plásticos fabricados nessas fábricas.

Ainda assim, “são provavelmente as fábricas de plásticos mais poluentes do mundo”, diz ele. “As fábricas de PVC [lá] liberam mais de 50 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano e continuam a usar e liberar grandes quantidades de mercúrio.”

Apesar da Convenção de Minamata.

Vallette diz: essas plantas de PVC “merecem muito mais atenção”.

EM 2022, AS NAÇÕES UNIDAS REUNIRAM a comunidade global, desta vez em Nairóbi, no Quênia, onde o apoio internacional esmagador iniciou as negociações para um tratado juridicamente vinculativo sobre a poluição plástica. A Convenção de Minamata foi considerada um modelo.

As negociações começaram no outono passado no Uruguai. Eles se reunirão novamente em Paris em maio.

A questão é se as nações adotarão medidas para lidar com o uso tóxico a montante dos plásticos (além do acúmulo de resíduos a jusante).

Especialistas em plásticos – eu entre eles – pediram que o tratado limitasse a produção de plásticos não essenciais; defender os direitos humanos, incluindo o direito a um ambiente de trabalho e doméstico seguro; e para levar a indústria a uma produção mais segura, mais transparente e menos complicada quimicamente. Significado: o que fazer com mercúrio, amianto, PFAS e os milhares de outros tóxicos já conhecidos usados ​​na produção de plásticos, e também o que fazer com monômeros como cloreto de vinila e plásticos como PVC e subprodutos incidentais como dioxinas deveriam estar na mesa .

Mas o diálogo se concentra mais nos plásticos como um problema de resíduos. Se o tratado adotar esse entendimento restrito sobre por que tantos plásticos são problemáticos, então o que aconteceu em Minamata ou em East Palestine, o que está acontecendo na China e nos corredores de plásticos em todo o mundo não parecerá relevante para um instrumento amplo que também poderia ser projetado para prevenir futuros desastres, futuras emergências em comunidades que vivem ao longo das rotas de produção, transporte e manuseio de plásticos.

O plástico é um sistema sustentado por tóxicos. Por produtos químicos exemplificados pelo monômero de cloreto de vinila. Bem como por processos que fazem os intermediários que fazem os monômeros que fazem os plásticos. Esse sistema é exposto quando os trens que nos ligam à vasta rede petroquímica de plásticos pegam fogo ou são, como também aconteceu em Ohio, queimados intencionalmente.

O desastre de East Palestine deixa claro quantas comunidades estão envolvidas por plásticos e sofreram tanto lançamentos rotineiros quanto desastres ambientais ligados à sua produção. Quando se trata de história ambiental, diz Timothy George, “não existe história de um lugarzinho só. Todos os lugares estão conectados uns aos outros.”

Independentemente da rota que o trem chegou a East Palestine, de certa forma ele passou por todos os lugares onde o cloreto de vinila moldou vidas e meios de subsistência. Lugares que ainda não mencionei, como Illiopolis, Illinois, onde uma fábrica de PVC explodiu. Ou fábricas em toda a Itália ou em Louisville, Kentucky, onde trabalhadores do vinil morreram de angiossarcoma. E na Bélgica ou na Romênia, onde aqueles que desciam para os tonéis para limpá-los eram forçados a se aposentar precocemente com os dedos desfigurados demais para funcionarem devido à rara doença de reabsorção óssea acroosteólise. Lugares como Morrisonville e Reveilletown e Mossville, Louisiana, comunidades predominantemente negras, poluídas, mas finalmente deslocadas pela produção de vinil, apesar das comunidades se organizarem para protegê-las.

Lugares como Minamata.

Leia o relato de Sandra Steingraber sobre outro desastre de PVC aqui .

“MINAMATA PODE VERDADEIRAMENTE ACABAR?” escreve Timoty George. “Tantas soluções ‘finais e completas’ acabaram sendo tão incompletas.”

O documentarista Kazuo Hara diz que, para o povo de Minamata, “a história está longe de terminar”. Seu documentárioMinamata Mandala , lançado em 2020, levou mais de uma década para ser filmado. Centra-se na história do povo de Minamata, alguns dos quais continuam a viajar pelo mundo como kataribe, contadores de histórias. O filme tem seis horas de duração.

Também em 2020, estreou em Berlim um grande filme, chamado Minamata e baseado mais ou menos em eventos históricos. É estrelado por Johnny Depp como o fotojornalista americano W. Eugene Smith, que na década de 1970, a pedido da comunidade de Minamata, e ao lado de Aileen Smith (interpretada por Minami), fez fotos para a revista Life para ajudá-los a defender seu caso . O lançamento do filme nos Estados Unidos em 2022, no entanto, foi ofuscado pelo envolvimento de Depp em um caso de alto perfil de sua autoria. Em detrimento das pessoas que vivem o longo legado de mercúrio – e vinis – em Minamata e além.

Procurando detalhes sobre os métodos de produção de Chisso, me deparei com notícias do filme, e também de sua trilha sonora, escrita pelo célebre compositor japonês Ryuichi Sakamoto, vencedor de dois Globos de Ouro, um Oscar e um Grammy, e falecido de câncer enquanto trabalhava neste ensaio.

Tenho ouvido a trilha sonora de Minamata repetidamente enquanto escrevo; a escrita assumindo (inusitadamente para mim) uma firmeza, como rodas sobre trilhos, parágrafo após parágrafo. É sombrio, profundo, arrebatador, um reflexo da escala do desastre industrial e décadas de trabalho assistencial e ativismo comunitário que também é Minamata.

Recentemente, a trilha sonora foi lançada, não estou brincando, em vinil.

A autora deseja agradecer a Timothy George, Bethanie Carney Almroth, Patricia Villarrubia-Gomez, Jim Vallette e Ted Schettler por suas pesquisas especializadas e conselhos na preparação/revisão deste ensaio. Recursos bibliográficos adicionais foram publicados no site do autor: www.rebecca-altman.com .

Rebecca Altman  é formada em socióloga ambiental, atua no Conselho de Administração da Rede de Ciência e Saúde e Saúde Ambiental e está trabalhando em uma história íntima dos plásticos para a Scribner Books (EUA) e Oneworld (Reino Unido). Altman foi editora convidada de uma  série de quatro partes da Orion sobre os efeitos da indústria petroquímica na vida, economia e democracia.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, abril de 2023.