Tim Flannery: os chefes corporativos poderiam ser presos pelos subornos e irregularidades no exterior.

O representante australiano para mudanças climáticas e autor de um novo livro Here on Earth fala à Matilda Lee sobre os verdadeiros princípios de Gaia, o poder da internet e o por quê os tratados sobre o clima legalmente vinculados serem inúteis.

 

http://www.theecologist.org/Interviews/803910/tim_flannery_corporate_chiefs_should_be_jailed_for_bribery_and_wrongdoing_overseas.html

 

09, Março, 2011

 

Tim Flannery, Comissário da Austrália em Mudanças Climáticas e autor de Here on Earth

 

Matilda Lee: Seu novo livro é uma história conjunta da Terra e  da civilização humana. Nele, retorna à Teoria de Gaia de Lovelock sobre seu ponto em que argumenta de que nós estamos testemunhando o nascimento e não a morte da civilização humana. O que lhe traz tal otimismo?

Tim Flannery: Eu imaginei o livro originando-se de um senso de preocupação de que todos vêem melancolia e desgraça por todas as partes. Decidi voltar atrás nos princípios mais primevos para determinar se havia uma base para isso. Assim que pesquisava uma área depois da outra detectava sinais visíveis de esperança. A questão populacional é um bom exemplo, as últimas projeções da ONU apontam de que estabilizaremos na atual trajetória em torno de algo como 9 bilhões. E se trabalharmos duro poderemos estabalizar nos 8 bilhões. Outro exemplo é a dispersão da democracia ao redor do mundo no meu tempo de vida foi espantoso – o norte da África não havia acontecido antes da publicação do meu livro, mas este tipo de coisa me dá grandes esperanças. A democracia é um bloco de construção na civilização global que nós criamos. Tem havido também bons sucessos ambientais – o emprego do satélite de vigilância para a detecção de desmatamento ilegal. Existem muitas situações esperançosas. Mas tudo está acontecendo muito lentamente e há grandes ameaças. Assim, tendo feito todas estas pesquisas não seria correto escrever alheiro à estas nossas oportunidades.

Outra coisa que eu constatei é que evolução está do nosso lado. Os princípio de organização de nossas economonias globais e Gaia como um todo estão nos moldando para fazermos parte deste sistema.

Como seres humanos, dispomos agora de um sistema de informação que está muito além de qualquer coisa conhecida no universo. A internet, a inteligência comum globalizada da humanidade, é um sistema de informação extremamente poderoso e exercerá uma enorme influência na Terra. A evolução produziu coisa como tu e eu que dispomos de sistemas de comando e de controle, o nosso cérebro. Um dia seremos o cérebro de Gaia, o sistema de comando e de contole do sistema planetário. Ele levará mais produtividade ao planeta e na verdade criará um planeta como uma entidade que não houve antes. Claro que, qualquer forma, não há diferença entre nós e a Terra. O que nós somos, fisicamente, é uma partícula móvel da crosta terrestre.

ML: Para o senhor então, o gene cooperativo humano é mais importante do que o gene egoísta de Dawkins?

TF: Não penso que seja um gene cooperativo. Nas sociedades de insetos, a grande cola do superorganismo  que os mantém unidos, é genética. Para nós, não é. Questiono no livro que a nossa diversidade genética, ao mesmo tempo que é muito limitada, é ainda muito grande para ser uma cola. Pode nos dar uma semelhança de entendimento e ação como base para ser uma cola, mas não é. Para nós, a cola é a divisão de trabalho que Adam Smith falou e uma crescente semelhança de visão. O que se está vendo com a internet e a democratização do mundo é a manifestação desta visão oculta comum que temos, ou seja, a de respeitar um outro povo. Existe toda uma semelhança de percepção do que significa ser humano. No livro eu conto sobre a ida a uma comunidade na Nova Guiné que permanecia isolada por 60 mil anos em frente ao meu  lote e ainda havia entendimento entre as pessoas. Este foi meu testemunho para esse entendimento comum que temos como uma espécie.

ML: No entanto, qualquer outro superorganismo como as formigas fazem como indivíduo é também para beneficiar a colônia como um todo. Com os seres humanos, por outro lado, não é este o caso. Basta ver como certos países usam muito maior parte dos recursos naturais do que outros ….

TF: Assim como Platão escreveu no seu livro República, numa sociedade ideal, o conceito de ‘meu e teu’ significa a mesma coisa. Isto é o que prevalece em um formigueiro – o interesse de uma formiga individual é absolutamente concorde com o interesse da colonia como um todo. Este não é o caso com os seres humanos, daí ter Platão categorizado a democracia entre as formas imperfeitas de governo. O que elas efetivamente são. Mas para o obstinado e ereto macaco ela parece ser o melhor. Como disse Churchill, esta é a pior de todas as formas de governo além de tudo o que já te nha sido tentado. Se observarmos pelo mundo para o jeito como na verdade a democracia opera, acho que podemos ver um motivo de esperança. Há uma concordância mínima que é suficiente para as coisas andarem. A questão básica  é: há cola suficiente para manter um superorganismo global coeso?

ML: Presumidamente também bastante cola para lidar com  os desafios das . O senhor tem se envolvido nas negociações globais sobre mudanças climáticas. O que pensa sobre as chances que existem para se ter um tratado pós Kioto que vincule legalmente quanto a limitação das emissões globais?  

TF: Tive assento no Conselho do Clima de Copenhagen por três anos e agora sou o Comissário Chefe do Clima da Austrália, estando então completamente envolvido com este tema. A questão que quero colocar para ti é esta: qual a diferença que há entre um tratado que vincule legalmente e um acordo comum? 

ML: A execução.

TF: OK. O Canadá excedeu seu limite de emissões definido por Kyoto – que é um tratado formal de vinculação – em grandes quantidades. Há um débito sob o Tratado de Kyoto que excede $1bilhão de dólares canadenses, nos próximos 12 meses. Stephen Harper (nt.: atual primeiro ministro canadense conservador, desde 2006) está pretendendo efetivamente não pagar (nt.: o Canadá desligou-se deste tratado em 12 de dezembro de 2011, depois desta entrevista). E agora, o que fará Ban Ki-moon, secreaário geral da ONU?  Vai enviar a tropa dos Boinas Azuis? Mas, sabes o que acontecerá? Então, qual é a força no uso deste tratado globalmente vinculado? Eu penso que um entendimento tipo do Acordo de Copenhagen tem, na verdade, sobre cada partícipe tanto poder quanto um tratado globalmente vinculado poderia ter. O Acordo Copenhagen é uma  base muito firme para ação – fornece-nos 2/3 do caminho que precisamos ter para rejeitar a perigosa mudança climática na balança das probabilidades.   

ML: Por que o novo campo científico da Earth Systems Sciences (nt.: Ciências dos Sistemas da Terra) é tão importante?

TF: O uso nas áreas de modelos em série está se tornando a maneira como nós lidamos com matérias complexas. Uma vez que tenhas três conjuntos de dados, basicamente, tem-se um modelo. E é uma questão de ser muito explícito sobre os temas, demonstrando de que esta é a maneira  mais holística da ciência trabalhar. A ciência reduccionista é imensamente poderosa e é claro que teve um grande impulso depois da 2ª Guerra Mundial através do imenso poder gerado pelas bombas atômicas. E esta é ainda uma importante ferramenta em termos de entendimento do mundo. No entanto, ela precisa ficar acomodada ao lado de uma visão mais ampla. 

O grande aspecto sobre a Earth System Science ou modelagem climática é que isso realmente mostra uma maneira de nós lidarmos com fatos complexos e outras áreas de nossas vidas. Se quisermos entender o coração humano ou o casamento – voltamo-nos para um roamance ou uma novela. Este é um exercício de modelagem. O que o romancista faz é pegar uma versão idealista do mundo,  usualmente um modelo de mundo onde se pode alcançar alguns grandes insights a respeito de coisas que estão de outra forma turvas em razão da grande idiossincrasia e imprevisibilidade no mundo em que vivemos. Esta é uma forma natural para os seres humanos entenderem sistemas complexos. Devemos pensar mais criativamente sobre como  utilizar esta ferramenta.  

ML: O senhor falou sobre a via cataclísmica que as companhias de agrotóxicos nos jogaram – e a nossa ‘guerra contra a natureza’ -. É, então um grande advogado, um defensor, de  uma agricultura ecológica ou orgânica? 

TF: Sim. Usar os ecossistemas para melhorar a produtividade é o único meio de avançarmos. Na Austrália, apesar das terríveis secas e enchentes nos anos recentes, conserguimos adminstrar no sentido de um crescimento tanto da produção de grãos como trigo em mais ou menos uns 50%. Pergunta ao ministro da agricultura o por quê  e é em razão de inovações que focam muito sobre o aspecto tampão dos ecossistemas. Novos sistemas de manejo tipo ‘zero morte’ e ‘zero corte’ (nt.: zero kill, zero till = zero agrotóxicos, zero lavração) são atos revolucionários na Austrália – extremamente importantes. Outras inovações resultaram em melhores ecossistemas, mais carbono no solo e mais produtividade. Estes tipos de coisas são onde a nova revolução agrícola está se destacando. 

ML: Poderia falar um pouco mais sobre a idéia colocada no livro de um banco de energia limpa?

TF: Uma das coisas que as pessoas estão observando é como nós podemos apoiar programas para um maior desenvolvimento de energia limpa. Infelizmente, os recurosos financeiros que estamos vendo é para escala muito grande. Na Austrália, para descarbonizar a economia, estamos mirando 37 bilhões de dólares australianos por ano por dez anos. São números muito altos – assim onde acharemos dinheiro para um banco de energia limpa? Talvez algo como Green Bonds – este poderia ser um caminho. Poderias mirar para a instabilidade nas regiões do norte da África e no Oriente Médio – ou algum lugar ao longo desta linha, para termos que fazer grandes investimentos para podermos nos livrar de seus combustíveis fósseis.  

ML: Poderia nos recomendar quais os cinco livros mais importantes de ler?

TF: Posso, mas vai ser bem amplo. Posso começar com os diários de Samuel Pepys (nt.: funcionário inglês que viveu no século XVII que relatou muito da história inglesa da época). A razão é porque  revela um período de enorme alteração cultural como a que estamos passando agora. Vemos a sociedade enfrentando muitas agressões – é uma fantástica visão de alguém que testemunha a história. Quero sugerir Charles Dawin com sua seleção natural – precisamos entender isso tudo. A Gaia de Lovelock, outro material muito importante.  E a visão de Alfred Russel Wallace sobre o lugar do homem no universo e por fim “A primavera silenciosa” de Rachel Carson.      

ML: Similarmente, questões importantes para se fazer campanha?

TF: Primeiro, a educação e a posição social da mulher, globalmente. A questão populacional depende inteiramente sobre fazer-se este trabalho. Em segundo, a promoção da democracia globalmente e, em nossa própria democracia, as erradicação das últimas resoluções especiais que ainda infestam nossa civilização. Em terceiro, as mudanças climáticas. Em quarto, refazer o selvagem em nossos ambientes locais. E em quinto, recivilização de nosso mercado – corporações significativas que se comportem de forma socialmente aceitável.  

ML: O senhor enfatiza a necessidade de terminar com a pobreza global. Muitíssimos dos países em desenvolvimento não estão se desenvolvendo de maneira sustentável – isso é algo que me inquieta, por exemplo – como pode o ocidente tratar este tipo de desenvolvimento?  

TF: Deve-se ressaltar de que as corporações baseadas no ocidente obedecem as leis do ocidente. Cada vez que uma propina é paga em um país em desenvolvimento, nós precisamos colocar contra a parede tanto o CEO como o conselho de diretores da corporação que fez isso para que se justifiquem. Devemos mandá-los para a cadeia se  eles ultrajaram a lei. O estado de direito deve prevalecer. Nós realmente precisamos melhores regulamentações quanto a elementos químicos como chumbo e cádmio que estão sendo jogados no ambiente global.  

ML: Qual tem sido nosso erro  em nossa abordagem na divulgação das alterações climáticas?

TF: O ponto chave é exatamente explanar o que os cientistas dizem. Os cientistas são os maiores céticos. Quando um ‘cético climático’ diz  ‘eu não acredito que nós estaremos dizendo que não acreditamos em nada mais’. O que estamos te dizendo é que o que nossos estudos revelam é que há grandes probabilidades. Diz por que o que dizes  é mais altamente provável do que o que nós dissemos. Claro, eles não tem argumento. Não há certeza na ciência; tudo é uma questão de probabilidade.    

ML: O que pensa sobre as atuais tentativas de interromper o desmatamento na Amazônia?

TF: Fizemos imensos progressos nos útimos anos. A taxa decresceu drasticamente. No estado do Pará, o governador, empregando meios nada convencionais – como monitoramento de satélite – vem trabalhando muito. Uma vez que os esquemas de vigilância por satélite cheguem às mãos das pessoas, terão  muito poucos cantinhos negros para se esconder. Eu queria ver mais companhias publicamente envergonhadas – tal como as dez companhias mais vexadas com as imagens.   

ML: Como o novo Comissário da Alteração Climática – quais são seus planos para o próximo ano?

TF: Só quero fazer bem este trabalho. Entender o que a ciência do clima está dizendo e o que as negociações internacionais realmente alcançaram e onde nós estamos em termos de opção. 

ML: Onde estamos em termos de opções?

TF: Qual a opção mais efetiva? Devemos ter mais regulamentações, um imposto sobre o carbono, um regime de comércio das emissões, devemos comprar créditos de energia limpa? Haverá um regime transitório – talvez inicialmente um imposto já entrando num regime de negociações de emissões. Um imposto te fornece apenas a habilidade para facilitar seu caminho em um esquema quando os preços variam muito. Este é certamente o que o governo tende a fazer acontecer na Austrália. Estão provando ser um governo muito competente e eu acho que eles provavelmente farão o seu caminho.

Livro de Tim Flannery: Here on Earth: A New Beginning by Tim Flannery (Allen Lane, 2011, £14.99)

 

Tradução livre Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2012.
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