Saúde: O que está por trás do aumento alarmante de defeitos congênitos na capital da mineração ilegal de ouro do Brasil?

https://www.theguardian.com/global-development/2024/nov/28/rise-birth-defects-in-brazil-para-state-illegal-gold-mining-capital

Dan Collyns em Itaituba, Brasil

28 Nov 2024

[NOTA DO WEBSITE: Conforme traz no parte final da matéria, esta explosão do garimpo ilegal teve o respaldo do ex-capitão e ex-presidente quando procurou em seu governo incrementar todas as ações ilegais na nação, entre elas, a do garimpo e da retirada ilegal de madeira. Em torno 20 anos depois da catastrófica política neocolonialista, devastadora e etnocida dos ditadores militares, agora um ex-militar, recalca sobre as comunidades tradicionais e os povos originários que vinham cuidando da floresta tropical mais importante do planeta, uma forma de eliminá-los para a ocupação de supremacistas brancos que só têm vistas para o dinheiro, mesmo que isso represente devastar todo o país].

No estado do Pará, crianças estão nascendo com distúrbios neurológicos. Especialistas notam semelhanças com o desastre de envenenamento por mercúrio em Minamata, no Japão – mas dizem que essa não é a história toda.

Valdenisa, de 14 anos, gritou de alegria ao agarrar a fita métrica acima da cabeça. Era parte de uma brincadeira para que um médico pudesse medir a circunferência da cabeça dela e verificar suas pernas murchas.

Valdenisa, de sete anos, uma criança indígena Munduruku, com seus pais no centro de saúde indígena em Itaituba, Brasil. Fotografia: Dan Collyns

Ela foi uma das doze crianças indígenas Munduruku sendo examinadas por um trio de neurologistas infantis e geneticistas no início deste mês em Itaituba, no estado do Pará, Brasil. Localizada no Rio Tapajós, a cidade é conhecida como a capital do ouro ilegal do país, pois responde por três quartos de todo o ouro ilícito produzido no Brasil.

Em meio a um aumento nos casos de crianças sofrendo de sintomas físicos e neurológicos incapacitantes, médicos e especialistas em saúde indígena estão se perguntando se a contaminação causada pela mineração ilegal de ouro é a culpada e fizeram comparações com as imagens em preto e branco de Minamata — a cidade japonesa no centro do 
pior caso de envenenamento por mercúrio , nas décadas de 1950 e 1960.

Madona dos tempos da sociedade moderna. Imagem que se transformou em icônica da tragédia de Minamata e que definiu a proibição do uso do mercúrio.

Os mineradores usam mercúrio, principalmente de contrabando, já que ele é proibido no Brasil, para extrair ouro.

Mais de seis em cada 10 Munduruku em três aldeias apresentaram níveis de mercúrio acima das normas de segurança reconhecidas internacionalmente, e 15% das crianças tinham problemas de neurodesenvolvimento, de acordo com um estudo inovador  realizado por universidades, instituições estatais e sociedade civil em 2020.

Assim que vi a criança, percebi que ela tinha todas as características de uma criança de Minamata”, Cleidiane Carvalho, enfermeira de campo

O principal autor do relatório, Paulo Basta, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), observou o “nascimento cada vez mais frequente de crianças com anormalidades físicas, deficiência intelectual e síndromes neurológicas raras”, na última década.

Basta está conduzindo um estudo de longo prazo que visa medir os efeitos da exposição pré-natal ao mercúrio no neurodesenvolvimento de crianças indígenas que vivem em áreas afetadas pela mineração de ouro.

“Nossa meta é inscrever 300 gestantes e 300 recém-nascidos e monitorar os bebês até os dois anos de idade”, ele diz. Até agora, 91 gestantes estão participando do estudo, e 48 crianças nasceram. O estudo começou em março de 2023 e vai até dezembro de 2026.

Um garimpeiro ilegal derrama mercúrio em minúsculas partículas de ouro em uma jarra em uma mina perto de Crepurizão, no município de Itaituba, estado do Pará, Brasil. Fotografia: Nacho Doce/Reuters

Cleidiane Carvalho, enfermeira de campo destacada em uma das comunidades Munduruku em 2010, deu o alarme quando uma de suas pacientes em uma área afetada pela mineração deu à luz uma filha deficiente.

“Assim que vi a criança, percebi que ela tinha todas as características de uma criança de Minamata”, ela diz por telefone de Boa Vista, onde trabalhou com os Yanomami, outro povo amazônico brutalmente afetado pelo garimpo – como a mineração artesanal de ouro é conhecida no Brasil. “Eu tinha lido sobre Minamata e feito as conexões.”

A mãe conta que nasceu em uma comunidade que tem atividades de mineração. “Tudo indica que foi causado por contaminação [por mercúrio]. Fiquei ainda mais preocupada quando a segunda filha da paciente nasceu com a mesma deformidade”, conta Carvalho.


Anos depois, Carvalho foi promovida a coordenadora regional de saúde indígena com sede em Itaituba, onde administrava 28 postos de saúde e 400 funcionários em seis municípios. Em 2017, ela ficou chocada com a demanda por cadeiras de rodas nas aldeias Munduruku, que era alta e aumentava a cada ano.

Alexo, 10, não consegue andar. Ele se agarra à mãe, envolvendo-a com as pernas enquanto eles se sentam na sala de exames com os especialistas médicos. Seu pai, Aldo Karo Munduruku, baixo com a constituição forte de um homem que trabalha com as mãos, gentilmente levanta o filho para colocá-lo de pé. Ele dá alguns passos vacilantes antes de precisar agarrar o encosto do banco.

Alexo tem microcefalia, uma cabeça anormalmente pequena, e não consegue andar ou falar devido ao atraso no desenvolvimento físico e neurológico.

“Eu tinha esse filho lindo, mas me sentia triste porque ele era um pouco deficiente”, diz Karo Munduruku. “Ele nunca foi normal, veja bem. Ele não brincava como as outras crianças.”

Alexo Junio ​​Karo, 10 anos, com a mãe, Alnice Puxo Munduruku, e o pai, Aldo Karo Munduruku, no posto de saúde de Itaituba, Brasil. Fotografia: Dan Collyns

Depois de levá-lo para exames de ressonância magnética e fisioterapia em Santarém, a um dia de viagem de Sawré Muybu, a terra indígena onde a família vive, eles decidiram recorrer à medicina tradicional e notaram uma leve melhora, conta ele.

“Usamos o tratamento da nossa cultura, que tem remédios tradicionais como casca, raízes e folhas”, diz Karo Munduruku. “Ele começou a sentar-se lentamente, a ter coordenação motora, a mover a mão, a falar consigo mesmo.”

Enquanto os cientistas tentam desvendar o mistério em torno do número desproporcional de crianças com deficiência, eles observaram que todos os jovens testados tinham níveis perigosos de mercúrio em amostras de cabelo.

No entanto, o envenenamento não explica tudo. Claudio Gusmão, coordenador do programa de distúrbios do movimento pediátrico da Universidade de São Paulo e um dos especialistas visitantes em Itaituba, diz que os Munduruku estão em uma cadeia complexa de circunstâncias envolvendo envenenamento por mercúrio, pobreza, assistência médica precária e, possivelmente, uma doença genética.

Gusmão diz que a equipe encontrou alguns “casos claros onde parece haver um distúrbio genético”. A intoxicação por mercúrio, ele diz, pode explicar “uma gama de problemas neurológicos”, mas o envenenamento não seria necessariamente o que os causou.

Preparando peixes no Rio Tapajós. Um estudo mostrou que a ingestão diária de mercúrio dos peixes era de duas a nove vezes maior do que os limites permitidos pela ONU. Fotografia: Mario Tama/Getty Images

Fernando Kok, neurologista infantil da Universidade de São Paulo e um dos integrantes do grupo, diz que “não há evidências de que a contaminação por mercúrio possa danificar o DNA”.

Uma teoria sugere que isso pode ser um distúrbio genético mais comumente visto em populações isoladas. Ganesh Mochida, o principal pesquisador da divisão de genética e genômica do hospital infantil de Boston, nos EUA, diz que o grupo detectou uma “condição autossômica recessiva” em três crianças com microcefalia.


À medida que a crise de saúde avança, ela se tornou o assunto de um documentário chamado The New Minamata. Durante os exames médicos, os pais das crianças disseram que elas comiam peixe de rio todos os dias, uma fonte de metilmercúrio, a variedade orgânica do metal tóxico que passa pela cadeia alimentar.

O estudo de 2020 mostra que a ingestão diária estimada de mercúrio dos peixes era de duas a nove vezes maior do que os limites permitidos pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

“Em outros territórios [indígenas], não há tantas crianças afetadas por malformações ou doenças neurológicas”, diz Lucas Albertoni, assessor técnico da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde do Brasil, acrescentando que cerca de 60 crianças foram afetadas em uma população de cerca de 20.000.

Embora não exista um protocolo para contaminação por mercúrio, o ministério tem trabalhado em uma estrutura de saúde pública para povos indígenas enfrentarem o envenenamento crônico em áreas de garimpo, como o oeste do estado do Pará, diz Albertoni.

Alessandra Munduruku segura uma placa para marcar a divisa do território indígena Sawré Muybu, no estado do Pará, Brasil, em julho de 2024. Fotografia: Adriano Machado/Reuters

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu o cargo no ano passado, prometeu confrontar os criminosos ambientais que os ativistas alegaram terem sido encorajados por seu antecessor de extrema direita, Jair Bolsonaro. O garimpo se expandiu rapidamente durante o governo de Bolsonaro, pois ele enfraqueceu as regulamentações e encorajou os garimpeiros a se aventurarem em áreas proibidas, como reservas indígenas e parques nacionais.

A campanha de Lula contra a mineração ilegal teve um sucesso notável: houve uma queda de 84% na produção de ouro nas minas da Amazônia brasileira entre janeiro e julho de 2024, em comparação com o mesmo período de 2022, de acordo com um relatório do thinktank Instituto Escolhas.

O Pará foi listado no estudo como o local com a queda mais significativa na extração de ouro. Mas, enquanto os negócios desaceleraram nas lojas de ouro de Itaituba, a cultura da mineração de ouro, que remonta a cinco décadas, teimosamente se mantém.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, dezembro de 2024

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