Rio do Aterro, em aldeias indígenas na Paraíba, é revivido por esforço voluntário. Imagem: Divulgação/Instagram
Marcos Candido, De Ecoa, em São Paulo (SP)
11/04/2022
Quando menino, Ismael Santos era levado pelos pais para brincar na beira do rio. Ali, no rio Aterro, ele bebia água e se banhava enquanto as roupas eram lavadas e se podia pescar e regar a roça. O tempo passou e o rio secou. Aos poucos, quase sumiu. Em 2021, ele agiu para revivê-lo com a ajuda de mais de 30 moradores da Aldeia do Forte e Tambá, na Paraíba. Assim foi criado o Projeto Limpeza dos Rios. O objetivo é acabar com o assoreamento do Aterro, afluente do rio Sinimbu. O assoreamento é o nome dado a um processo em que um rio perde a força para seguir seu trajeto original após o crescimento descontrolado de vegetação, desmatamento e/ou pelos sedimentos acumulados no fundo, como lama carregada pela chuva.
Isso aconteceu com o Aterro ao longo dos anos. Segundo moradores, que são do povo indígena Potiguara, a chegada da água encanada na região, nas últimas duas décadas, diminuiu o contato e a necessidade de usar o recurso do rio e ele foi ficando de lado. Os jovens também deixaram de trabalhar na roça.
Voluntários se dividem em grupos: retiram cobras, mato e plantas aquáticas Imagem: Reprodução/Instagram.
Aos poucos, os blocos de lama foram parar no fundo das águas. A mata ao redor foi diminuída por uma dragagem feita por autoridades locais há mais de 30 anos, dizem os moradores. Aningas, uma planta aquática, cresceram descontroladamente e tiraram ainda mais a força do rio. O Aterro virou uma poça, praticamente morto. José Carlos Mierzwa, professor do departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da USP, afirma que os rios eram vistos como problemáticos para os governos locais. “A população que vivia perto de córregos reclamava de enchentes. Os administradores, então, canalizavam e fechavam o rio. Tiravam dele toda a sinuosidade”, explica. Segundo ele, há um movimento lento no país para torná-los convidativos nas grandes cidades. Em São Paulo, porém, o especialista avalia que há pouco afeto com os rios em processo de despoluição, como Pinheiros e Tietê. “Quem depende mais dos rios têm uma percepção diferenciada sobre eles”, pontua.
Os anciões Potiguara queriam “ressuscitar” o Aterro por gratidão pelo passado e para apresentá-lo às futuras gerações. Era o desejo de uma geração mais nova que teve tempo para ver o rio como deveria ser. “Minha motivação é meu pai ver o rio de novo e minha filha de 7 anos o conhecer”, acrescenta Ismael. É uma missão trabalhosa.
Como ressuscitar um rio?
- Conservação da mata ciliar: a mata é a vegetação em torno do rio e controla quanta terra vai para no fundo das águas. Preferencialmente, ela deve ser de vegetação nativa e com margens de pelo menos 50 metros intocadas;
- Combater o assoreamento: pode ser um processo natural, mas é acelerado pelo homem. A vegetação descontrolada ou o desmatamento aterram o rio com lama e plantas aquáticas. É preciso retirar o material;
- Não poluir: evitar o lixo no rio é o principal método para salvá-lo da morte. É o caso do rio Pinheiros, em São Paulo.
(Fonte: José Carlos Mierzwa, professor do departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da USP)
Os voluntários se dividiram em três grupos. Um tira os blocos de lama com enxadas e varas dentro do rio assoreado — a água bate na altura do pescoço. Outra divisão tira o mato alto da frente e um grupo fica de olho em cobras e insetos. Já foram encontradas jararacas e trabalhadores receberam ferroadas de marimbondo no trabalho feito aos sábados pela manhã.
Não há patrocinadores, dizem os moradores. O almoço costuma ser peixe doado por um, pirão feito por outro. Todos são voluntários. Durante a semana, os Potiguara trabalham em seus empregos como vigias, engenheiros ou professores.
“O que prevalece entre nós é o conhecimento tradicional ter mais informações sobre aonde o rio chega”, diz o antropólogo formado pela Universidade Federal da Paraíba e professor da rede pública Jefferson Leôncio. Os Potiguara vivem em territórios indígenas nas cidades paraibanas de Baía da Traição, Rio Tinto e Marcação. Historiadores estimam que o povo indígena é o que está há mais tempo no mesmo lugar desde o início da colonização portuguesa, em 1500.
De acordo com um documento da Funai, as terras Potiguara foram diminuídas pela expansão da Companhia de Tecidos Rio Tinto. Os rios foram dragados e canalizados pela empresa a partir de 1918, quando o órgão afirma ter usado o método para abrir caminho na mata. Naquela época, a empresa pertencia aos fundadores das lojas Pernambucanas (nota do website: importantíssimo se conhecer tanto a história das origens dessa empresa como a outra pertencente ao mesmo empresário sueco, a Cia de Tecidos Rio Tinto. Aqui fica-se sabendo que esse empreendimento se instalou em áreas, dentro da mesma visão de colonialidade, ou seja, a mesma postura dos colonizadores europeus frente aos povos originários, que viviam os Potiguara e vasta fração de Mata Atlântica. Assim, essa retomada das terras e esse belo trabalho de recuperação desse manancial hídrico se dá por aqueles que sentem que a terra e seu ambiente natural são as fontes de suas vidas.)
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Águas Potiguara
🏹Grupo formado por integrantes das aldeias Alto do Tambá e Forte com o objetivo de recuperar os rios do Território.
📍T.I. Potiguara na Paraíba