Relatório Figueiredo revela que famílias tradicionais se apossaram de terras indígenas no MS.

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O Relatório Figueiredo, produzido em 1967 e redescoberto recentemente, já descrevia detalhadamente os conflitos agrários em terras indígenas que atualmente são base da no campo registrada no Mato Grosso do Sul. O documento aponta que nas duas comissões parlamentares de inquérito, que funcionaram em 1955 e em 1963, terras indígenas eram arrendadas ou vendidas, com aval do Estado, responsável por emitir os títulos.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520970-relatorio-figueiredo-revela-que-familias-tradicionais-se-apossaram-de-terras-indigenas-no-ms

 

Depoimentos feitos em CPIs que funcionaram em 1955 e em 1962 indicavam que terras indígenas foram arrendas ou vendidas com o aval do Estado.

 

A reportagem é de Luciana Lima e publicada pelo portal Ig, 12-06-2013.

 

A primeira CPMI, em 1955, funcionou com o objetivo de anular a doação de terras feitas pelo governo do antigo Mato Grosso. A segunda, em 1962, tinha o objetivo de apurar irregularidades no extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Esse foi o contexto que motivou a expedição realizada pelo procurador Jader Figueiredo, que produziu o relato de 7 mil páginas que inclui o roubo de terras indígenas, tortura e extermínio de tribos inteiras no durante o período da .

 

“O que estamos vendo acontecer agora no Mato Grosso do Sul é reflexo do que foi feito pelo Estado sobre terras indígenas”, comentou o pesquisador Marcelo Zelic, coordenador do projeto Armazém Memória, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais. Foi Marcelo Zelic quem encontrou o Relatório Figueiredo no Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

 

O documento, que se julgava ter sido destruído em um incêndio no Ministério da , em junho de 1967, relata métodos cruéis de tortura praticados contra índios com o apoio do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão criado em 1910, quando várias frentes de expansão para o interior do País promoviam um verdadeiro massacre da população nativa que resistia ao chamado “avanço da civilização”. A informação de que o documento não havia sido destruído foi revelada em abril, pelo jornal O Estado de Minas.

 

Loteamento

 

Para Zelic, o relatório contém um conjunto probatório sobre a espoliação de terras no Mato Grosso do Sul. Além dos depoimentos das CPIs, o relatório detalha também como famílias que se tornaram tradicionais no campo se apossaram de terras indígenas.

 

No caso da Colônia Tereza Cristina, por exemplo, o Relatório Figueiredo contém um mapa da área desenhado pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon no qual consta o nome das famílias que teriam ficado com cada pedaço de terra. Outro documento importante constante no relatório é o pedido feito pelo Estado do Mato Grosso em 1966 (portanto bem antes da divisão entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), para explorar a área “para efeito de colonização estadual e aproveitamento de manancial energético”.

 

 

Há também no relatório, inquéritos militares para a apuração de venda ilegal de terras indígenas nos quais agentes públicos eram os acusados.

 

Outras provas da apropriação de terras indígenas também estão nas cópias do Diário da , anexado ao relatório, que aponta nome de pessoas que se apropriaram de terras indígenas no Estado.

 

O SPI era ligado ao Ministério do Interior e funcionou até 1967, quando foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (). O documento leva o nome de seu autor, o procurador Jader de Figueiredo Correia, que morreu em um acidente de ônibus em 1976, aos 53 anos e aponta que o órgão que seria responsável por proteger os índios das violações deu aval para a violência cometida pelas chamadas “frentes civilizatórias”.

 

Temor de retrocesso

 

O pesquisador Marcelo Zelic teme que atitudes do governo como a de começar a ouvir as pastas da Agricultura e Desenvolvimento Agrário e Combate à Fome nos processos de demarcações de terras indígenas representem uma mudança de rumo na política indigenista no Brasil. Em depoimento na audiência pública realizada no Senado sobre o relatório, Zelic considerou a mudança um retrocesso.

 

“Retornar a questão da demarcação das terras indígenas e as políticas públicas voltadas aos índios à esfera de influência do Ministério da Agricultura é um enorme retrocesso civilizatório. E é um retrocesso porque, de fato, as barbaridades que se relatam ali, no Relatório Figueiredo, foram monstruosas”, destacou.

 

“O Ministério da Agricultura, como já mostrou a experiência histórica, possui interesses conflitantes, como uma política pública de respeito à cultura, a recuperação de áreas subtraídas, a demarcação e preservação dessas áreas de existência das populações indígenas do Brasil”, justificou.

 

Crise

 

Na semana passada, a ministra Gleisi Hoffmann, voltou a defender que outros órgãos do governo além da Fundação Nacional do Índio (Funai) participem do processo de demarcação de terras indígenas. Atualmente, o decreto que trata do tema diz que a Funai pode solicitar a ajuda de outros órgãos públicos, mas o governo quer tornar obrigatório ouvir também as pastas que tratam do tema agrário e deve regulamentar essa mudanças até o fim desse semestre.

 

Também na semana passada, em meio à maior crise indígena do governo Dilma Rousseff, a presidente da Funai, Marta Azevedo, deixou o cargo alegando problemas de saúde. Marta pediu para sair após conflitos entre índios terena e fazendeiros no Mato Grosso do Sul, mas também após uma série de posições tomadas pelo Planalto que explicitaram o tom da política indigenista que o governo quer adotar.

 

O governo também passou a levar em consideração um relatório produzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que indica que terras no Paraná, que a Funai pretende ver demarcadas não são ocupadas por índios. A questão diz respeito diretamente à ministra Gleisi Hoffmann que é do Estado e que pretende se candidatar no próximo ano ao governo do Paraná.

 

“Quando a Ministra Gleisi Hoffmann propõe a influência da Embrapa para discutir o papel da Funai, nós estamos voltando a esse passado. Nós não precisamos, pelas histórias que são levantadas, de uma posição que junte os antagônicos para decidir sobre os indígenas”, declarou Zelic.

 

Na quinta-feira, índios mundurukus se uniram para protestar no Palácio do Planalto contra diversos projetos do governo para a construção de usinas na Bacia do Rio Tapajós, no Pará e no Mato Grosso. Os índios queriam ser recebidos por Dilma e recusaram uma carta enviadas a eles pela Secretaria-Geral da Presidência da República, designada para resolver o problema. Nesta semana, eles invadiram a sede da Funai.

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