As crianças as grandes vítimas das agressões dos venenos agrícolas, sejam as já nascidas ou as que ainda nem nasceram.
Lendri Purcell
05.08.2022
Muitas décadas atrás, minha sogra deu um exemplo que sempre tento seguir: como ativista que desafia certas políticas governamentais, ela centrou seu trabalho em uma questão fundamental: é bom para as crianças?
Agora estou fazendo o mesmo, trabalhando por meio de um grupo na área da Baía de São Francisco para aumentar a conscientização sobre os vínculos entre doenças infantis e agrotóxicos e os crescentes encargos econômicos e sociais que todos suportamos com o uso excessivo desses produtos químicos.
Em 2012, a Academia Americana de Pediatria exortou os formuladores de políticas a fazerem mais para protegerem as crianças dos agrotóxicos. No entanto, uma década a menos, nossos reguladores praticamente ignoraram esse apelo.
Em junho, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC/Centers for Diseases Control and Prevention) divulgaram dados mostrando que, de 650 crianças testadas, 87% tinham níveis detectáveis de glifosato – um ingrediente herbicida ligado ao câncer – na urina. De acordo com pesquisadores dos CDC, crianças de 18 anos ou menos são expostas ao herbicida principalmente através dos alimentos. Isso ocorre porque o glifosato é frequentemente pulverizado diretamente nas plantações em crescimento, inclusive como dessecante pouco antes da colheita, deixando resíduos nos alimentos acabados. Os agricultores costumam usar o glifosato como dessecante em aveia, trigo e outras culturas. Resíduos de glifosato foram encontrados em aveia, produtos de pão e muitos outros alimentos comumente consumidos.
Esforços para bani-lo, o ingrediente ativo do produto comercial Roundup, foram impulsionados em países ao redor do mundo, mas falharam nos Estados Unidos, apesar do fato de que em 2015 a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC/International Agency for Reseach on Cancer) declarou que o glifosato era um provável cancerígeno humano.
A Agência de Proteção Ambiental (EPA/Environmental Protetion Agency) assumiu a posição de que a IARC está errada e que o produto químico na verdade “não é provável” cancerígeno.
Enquanto isso, mais ervas daninhas estão se tornando “resistentes” a ele, de modo que os agricultores que lidam com ervas daninhas resistentes ao herbicida geralmente usam glifosato em combinação com outros herbicidas, como 2,4-D e dicamba, que vêm com seus próprios problemas de saúde.
Embora a EPA nos garanta que o glifosato e outros venenos amplamente usados, são seguros, os tribunais contestaram essas garantias com descobertas de deficiências da EPA relacionadas a muitos agrotóxicos diferentes. Em julho, o Escritório do Inspetor Geral (OIG/Office of Inspector General) da EPA emitiu um relatório contundente identificando muitas falhas da agência na avaliação do risco de câncer de um fumigante de solo chamado 1,3-dicloropropeno (1,3-D). Entre outros problemas, o OIG descobriu que a EPA declarou falsamente que “nenhum estudo foi identificado como contendo informações potencialmente relevantes”, enquanto o OIG encontrou facilmente mais de 100 estudos relevantes sobre 1,3-D.
Para onde vamos daqui?
No nível local e estadual, podemos promover práticas agrícolas orgânicas e menos tóxicas, incluindo compras para escolas e gestão mais segura da terra. Em junho, o estado de Nova York propôs um regulamento para proibir o uso de glifosato em propriedades estaduais. Na Califórnia, mais de 40 comunidades estão trabalhando para restringir o uso de Roundup contendo glifosato.
Essas proibições e restrições locais podem ajudar a impulsionar o mercado para alternativas mais eficazes e seguras.
Em um mundo perfeito, nosso sistema regulatório adotaria o princípio da precaução que se aplica a qualquer produto que tenha ingredientes sintéticos, ativos e/ou inertes. Os ingredientes inertes também devem ser regulamentados e todos os ingredientes precisam ser testados de acordo com o rótulo, pois serão usados por consumidores, contratados e na agricultura. Finalmente, os testes precisam ser conduzidos por laboratórios independentes.
A União Europeia está substancialmente à frente dos Estados Unidos quando se trata de proteger seus residentes de produtos químicos perigosos, incluindo agrotóxicos. Devemos olhar para eles como um modelo. A Lei Proteja as Crianças da América dos Agrotóxicos Tóxicos, apresentada pelo senador norte-americano Cory Booker, é um bom começo, embora pareça paralisada no Congresso.
É verdade que a proibição de alguns deles pode custar caro para os agricultores. Uma ampla coalizão de atores deve exigir mudanças legislativas para se garantir financiamento e apoio a agricultores, pecuaristas, gestores de terras e agências governamentais para uma transição bem-sucedida para o manejo orgânico e regenerativo.
E já que estamos falando sobre prevenção de doenças crônicas, agências de saúde e médicas, educadores, economistas, trabalhadores, jovens e grupos religiosos devem todos ser trazidos para este trabalho. A iniciativa Herbicide Free Campus é um ótimo exemplo de um modelo de organização baseado em jovens bem-sucedido.
Do ponto de vista da saúde pública, as descobertas dos CDC devem apoiar um novo mandato de que as amostras de urina sejam coletadas e cobertas pelo seguro para testar agrotóxicos nos exames anuais das crianças. Outubro é o Mês da Saúde Ambiental das Crianças, que oferece uma ótima plataforma para educar e organizar em torno do impacto dos venenos agrícolas na saúde ambiental de nossas crianças. Da mesma forma, o crescente movimento de direitos à saúde ambiental das crianças apresenta uma oportunidade de usar resoluções não vinculativas para educar enquanto defende mais influência legal.
Vamos colocar a saúde de nossos filhos em primeiro lugar e trabalhar juntos para fazer a mudança.
LENDRI PURCELL é co-presidente da Jonas Philanthropies e fundadora da Families Advocating for Chemical and Toxics Safety
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2022