Eventos com motes ecológicos aparecem aos borbotões na primeira semana de junho. Nesta época, muitas empresas e governos procuram retocar a maquiagem verde. Desde 1972, o 5 de junho está consignado Dia Mundial do Meio Ambiente pela Assembleia Geral das Nações Unidas, data de início da Conferência da ONU sobre Ambiente Humano realizada em Estocolmo naquele ano. De lá pra cá, dizem os ambientalistas autênticos, pouco, quase nada, há para comemorar.
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por Roberto Villar Belmonte, para o Extra Classe.org.br
Quatro especialistas de atuação nacional e internacional apontam quais foram os problemas ambientais que mais se agravaram nos últimos anos e explicam o porquê
Eventos com motes ecológicos aparecem aos borbotões na primeira semana de junho. Nesta época, muitas empresas e governos procuram retocar a maquiagem verde. Desde 1972, o 5 de junho está consignado Dia Mundial do Meio Ambiente pela Assembleia Geral das Nações Unidas, data de início da Conferência da ONU sobre Ambiente Humano realizada em Estocolmo naquele ano. De lá pra cá, dizem os ambientalistas autênticos, pouco, quase nada, há para comemorar.
Quais problemas ambientais mais se agravaram nos últimos anos? E por quê? Para tentar responder a essas perguntas, consideradas indigestas por muitos, principalmente nestes primeiros dias esverdeados de junho, o Extra Classe consultou duas entidades ecológicas de atuação nacional, o WWF-Brasil e o Instituto Socioambiental (ISA), e também o ambientalista Carlos Alberto Dayrell e o atual presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), o engenheiro químico Nilvo Silva.
As questões ambientais estão descoladas das políticas de desenvolvimento. Este é o grande problema apontado pelos quatro especialistas consultados. “Se perdeu a noção no Brasil de que gestão ambiental é também para preservar os recursos que alimentam a própria economia”, lamenta, sem papas na língua, Nilvo Silva, trazido às pressas da Dinamarca no ano passado, pelo governador Tarso Genro, para colocar nos eixos a Fepam, um dos alvos da rumorosa Operação Concutare.
Para Adriana Ramos, secretária executiva adjunta do Instituto Socioambiental (ISA), o Brasil passa por um retrocesso ambiental. Segundo ela, no último governo de FHC e no primeiro mandato de Lula houve avanços, o país pensava e estruturava uma política na época. “Tinha proposta, a questão ambiental era tratada de maneira mais transversal, vista como oportunidade. Hoje, meio ambiente é considerado um empecilho. Ao invés de política, há gestão de conflitos apenas”, constata.
A ambientalista concorda com Nilvo a respeito da distância que há entre meio ambiente e desenvolvimento. Adriana recorda que a Rio+20, realizada em 2012 no Brasil, deixou bem claro que a prioridade dos governos é a crise econômica. E que a questão ambiental é um luxo que pode esperar. “Então, as empresas voltam para o seu umbigo, e o seu umbigo é o lucro. Temos um setor privado com baixo compromisso ambiental no Brasil”, reconhece a secretária do ISA.
Avaliação semelhante faz o jornalista gaúcho Aldem Bourscheit, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil. Em sua opinião, o Brasil segue licenciando, construindo e destruindo sem realmente levar em conta sua enorme riqueza natural e humana. “Em jogo está não apenas a perpetuação desse patrimônio, mas também a da nossa própria economia e qualidade de vida, altamente dependentes de recursos naturais em quantidade e qualidade”, ressalta.
Mudança do clima, biodiversidade e água
Na opinião de Nilvo Silva, que já ocupou um alto cargo no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e também no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) em Nairóbi, no Quênia, os três principais problemas ambientais que mais se agravaram nos últimos anos foram a mudança do clima, a perda da biodiversidade, principalmente devido ao avanço do agronegócio, e a falta de gestão da água, todos os três relacionados entre si.
Pela falta de uma política consistente, Nilvo Silva considera as mudanças climáticas o problema que mais se agravou no Brasil nos últimos anos. Para ele, a poluição industrial é algo preocupante também, no entanto, considera que há instrumentos para enfrentá-la. “A poluição do ar tem problema, mas tem política também”, constata o presidente da Fepam, que se debate, desde que chegou da Europa, com o descalabro que foi o sucateamento da Rede de Monitoramento do Ar do estado.
Mais preocupante é a desconexão entre a mudança do clima, a biodiversidade e a água. Os três temas tocam direto no modelo de desenvolvimento, na necessidade de uma economia de baixo carbono, mas são tratados ainda de forma isolada sem uma política pública abrangente.
“Conciliar o desenvolvimento da agricultura, por exemplo, que precisa da água, com a proteção da biodiversidade é um enorme desafio no Brasil.Além da questão do agrotóxico, há conversão irreversível de vegetação nativa”, analisa o engenheiro.
Existem vários programas fragmentados na área da biodiversidade, mas não uma política pública brasileira na escala que precisa, ressalta o presidente da Fepam. Para a mudança do clima, existem programas e uma lei nacional, mas a implementação é insuficiente. “Em nome de uma economia de baixo carbono não se pode acabar com a biodiversidade brasileira para termos biocombustíveis. Sem falar nos conflitos com a geração de alimentos”, avalia Nilvo.
O problema da água é a falta de gestão. E falta de conexão com o tema da biodiversidade, pois para ter água precisa ter floresta e vegetação nativa. “Rios e banhados são infraestrutura natural”, repara Nilvo. A lei que estabeleceu a cobrança pelo uso da água e a criação de agências de bacia hidrográfica é da última década do século passado e até hoje não saiu do papel. “São Paulo está pagando um preço caríssimo agora por não fazer gestão”, exemplifica.
Dos grandes temas ambientais, a água hoje é o principal problema, concorda a ambientalista Adriana Ramos, do ISA, entidade de atuação destacada na região amazônica. “É o grande tema porque se relaciona com saneamento, mudança do clima, energia e há uma flagrante falta de preparo para enfrentar a crise”, constata a especialista, também citando a escassez de água enfrentada em São Paulo por falta de gestão ambiental.
Lentidão e retrocessos ambientais
Como desenvolvimento e meio ambiente ainda têm muitas dificuldades de relacionamento no Brasil, há uma enorme lentidão para implantar legislações de suma importância para o país, avalia o jornalista Aldem Bourscheit, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil. Como exemplo, ele cita a Política Nacional de Resíduos Sólidos – sobre esse tema, ver reportagem do Extra Classe. “O prazo para seu cumprimento se encerra no início de agosto, mas ainda existem por volta de 2 mil lixões”, aponta.
Lentidão em tramitação ou aprovação também se nota, segundo ele, no Estatuto dos Povos Indígenas, parado na Câmara dos Deputados desde 1994, ou no da Proposta de Emenda Constitucional que reconhecerá o Cerrado e a Caatinga como patrimônios nacionais, como já são a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e a Zona Costeira. O projeto aguarda aprovação no Legislativo federal desde 1995, ressalta
Um dos maiores retrocessos legislativos dos últimos anos, na avaliação do especialista do WWF-Brasil, foi a votação do novo Código Florestal Brasileiro que reduziu a função socioambiental das propriedades privadas e anistiou quem cometeu ilegalidades ambientais. Há instrumentos positivos, avalia ele, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as regras para restauração florestal. Todavia, urge a regulamentação de instrumentos econômicos e fiscais para incentivar sua aplicação.
Estudo recente publicado na revista Conservation Biology revelou que nas últimas três décadas o Brasil perdeu 5,2 milhões de hectares antes conservados em parques nacionais, estações ecológicas, reservas extrativistas e demais categorias de Unidades de Conservação. Esse movimento de perda se intensificou, explica Bourscheit, a partir da publicação de novas regras para a área energética nacional, em 2008. Proposições legislativas ainda tentam reduzir ou extinguir mais áreas protegidas.
“Estamos navegando na marginalidade”
O avanço do agronegócio é o problema ambiental que mais tem se agravado no Brasil nas últimas décadas, na avaliação de Carlos Alberto Dayrell, engenheiro agrônomo e pesquisador do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas Gerais. Ele ficou conhecido em todo o país quando, no dia 25 de fevereiro de 1975, subiu em uma árvore para impedir o seu corte na avenida João Pessoa, em Porto Alegre, e a foto deste primeiro ato ecopolítico virou símbolo do movimento ecológico brasileiro.
Dayrell recebeu a reportagem do Extra Classe após ser homenageado, em maio, pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). Para ele, a agricultura baseada na mecanização, adubos químicos, agrotóxicos e sementes transgênicas tem causado grande impacto ambiental, pois ela simplifica os sistemas produtivos, aumentando artificialmente a produção e a produtividade. “Transnacionais dominam todas as etapas de produção de alimentos”, protesta o ambientalista mineiro.
No Brasil, acrescenta Dayrell, existe um movimento que vem com muita dificuldade construindo novas perspectivas não só de produção, mas de relação da sociedade com a própria natureza através da agroecologia, com outras possibilidades para atender a demanda da população por alimentos sadios. “Porém, é um processo totalmente marginal em relação à política nacional de apoio ao agronegócio. Estamos navegando na marginalidade, e não na centralidade”, lamenta o ambientalista.
* Publicado originalmente no site Extra Classe.org.br.