Poluição está matando mais negros norte americanos do que outras comunidades.

The Philadelphia Energy Solutions refinery. Hannah Price for The New York Times

https://www.nytimes.com/2020/07/28/magazine/pollution-philadelphia-black-americans.html

De Linda Villarosa

  • 28 de julho de 2020

Os afro-americanos são 75% mais propensos do que outros, a viverem perto de instalações industriais que produzem resíduos perigosos. 

Um movimento de base de justiça ambiental pode fazer a diferença?

Quando Kilynn Johnson sai pela porta da casa que seus pais compraram em 1972, onde cresceu e vive até hoje, ela entra no abraço envolvente de uma comunidade onde vizinhos que se sentem parentes. Sua casa fica do outro lado da rua do Stinger Square Park, onde ela passou longos dias de sua infância brincando ao lado de seus irmãos, primos e amigos. Mas aos 8 anos, diagnosticada com asma, ela passou mais tempo sentada, à margem, assistindo as outras crianças se mexerem em equipamentos de playground ou pularem e correrem pelo parque. De vez em quando, uma vizinha Sylvia, ou qualquer outra figura de mãe negra, a quem ela e todos os outros sabiam que nunca chamavam apenas pelo primeiro nome, podia aparecer e auscutá-la. “Você está bem, Kilynn?”, perguntavam à quieta garotinha.

Perto do final de 2015, ela ficou sem fôlego e se perguntou se a asma que a atormentava quando criança, havia aumentado novamente. Na última semana de dezembro, ela conseguiu sair de casa na esquina da Dickinson Street com a South 32nd Street, no bairro Grays Ferry, no sul da Filadélfia, apenas uma vez, para se arrastar para a igreja na véspera do Ano Novo. Três noites depois, ela começou a vomitar incontrolavelmente. Ao nascer do sol, ela conseguiu ligar para seu ex-parceiro, Tony, e só conseguiu dizer uma palavra: “Hospital”.

Várias horas e uma bateria de testes depois, os médicos do Hospital da Universidade da Pensilvânia, no oeste da Filadélfia, disseram à ela que precisava de uma cirurgia para remover um tumor da vesícula biliar – mas que também sofria uma infecção tão grave que precisaria de antibióticos intravenosos e uma semana em terapia intensiva antes que os médicos pudessem operá-la. A cirurgia revelou câncer de vesícula biliar que se espalhou; os médicos removeram sua vesícula biliar, sete linfonodos e parte do fígado. Ela precisou de seis semanas de radiação e quimioterapia. “Eles não sabiam se eu conseguiria”, disse ela.

Tímida e reservada por natureza, demorou a contar a alguém sobre o câncer. “Eu segurei para mim”, lembra ela. “No começo era privado, então eu preferia abrir um pouco de cada vez.” Um dia, na primavera de 2016, ela saiu para tomar um ar fresco. Apoiando-se pesadamente em um caminhante, ela passou pelas casas familiares na Dickinson Street. Enquanto caminhava com o caminhante, conheceu Sylvia Bennett, a quem ainda chamava de Sylvia, e que morava três portas no mesmo quarteirão.

Bennett, 76, aposentada, especialista em saúde comportamental, havia criado cinco filhos na comunidade unida de Grays Ferry. Sua filha mais nova era um pouco mais velha que Kilynn Johnson; viu Kilynn crescer e criar sua própria família. Agora, observando sua frágil vizinha e o caminhante, perguntou a ela em sua voz mais gentil: “Onde você esteve? Não a vejo há tempos”. “Acho que disse a ela que estava doente”, diz Kilynn, lembrando sua reticência. Sylvia sabia que não devia bisbilhotar. Isso durou meses, até o dia de verão em que perguntou a Kilynn: “Como você está?” e ela disse: “Sylvia, eu tenho câncer”.

Depois que ela se recuperou do choque inicial de seu diagnóstico, ela começa a se perguntar por que tinha um câncer tão incomum. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças estimam que apenas cerca de 3.700 americanos descobrem que têm câncer de vesícula biliar a cada ano; o câncer de mama é o mais diagnosticado no país, com mais de 276.000 novos casos anualmente. Como a doença de Kilynn era tão incomum que os médicos do Hospital Universitário tiveram que formular um plano de tratamento especial. O câncer de vesícula/ biliar ocorre principalmente em pessoas idosas e 72 é a idade média no diagnóstico. E ela tinha 46 anos. “Comecei a pensar: o que eu estava fazendo com isso?”

Sylvia Bennett tinha uma resposta para ela. “Olhe do outro lado da estrada”, disse ela, apontando para a enorme refinaria de 150 anos, de propriedade da Philadelphia Energy Solutions desde 2012, que era tão familiar para os residentes de Grays Ferry que parecia parte da paisagem.

No ano seguinte, Sylvia e Kilynn começaram a registrar as doenças ao seu redor sofridas pelas pessoas que amavam. O irmão do pai de Kilynn, seu tio Robert, que também morava no bairro, morreu de câncer de próstata em 2010 e três de seus filhos, primos de Kilynn, também tiveram diferentes formas de câncer — quatro em cada seis pessoas em uma casa. Esses três primos descobriram que tinham câncer antes dos 66 anos, a idade média de um diagnóstico. As filhas de Sylvia, Ladeania e Wanda, descobriram que tinham câncer de mama com vários meses de intervalo e quando tinham ambos os 50 anos; Wanda então teve um mieloma múltiplo, um câncer no sangue. “E agora eu”, disse Kilynn.

Entre as duas, Kilynn e Sylvia, conheciam duas dúzias de membros da família, amigos e vizinhos, alguns deles com menos de 50 anos, que tiveram câncer. Enquanto registravam seus doentes e seus mortos, as duas mulheres se perguntaram: “O que vamos fazer?”

Comunidades negras como a de Grays Ferry carregam um fardo desproporcional da poluição do país — de água suja em Flint, Michigan (nt.: cidade que foi o grande da indústria automobilística nos EUA, tendo sido o berço da GM) a produtos químicos perigosos que envenenaram um corredor da Louisiana conhecido como Beco do Câncer — que cientistas e formuladores de políticas conhecem há décadas. Um relatório de 2017 da NAACP (nt.: National Association for the Advancement of Colored People – Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) e da Força-Tarefa do Ar Limpo forneceu mais evidências (A 2017 report from the N.A.A.C.P. and the Clean Air Task Force provided more evidence). Ele mostrou que os afro-americanos têm uma probabilidade 75% maior que os outros americanos de viverem nas chamadas ‘comunidades cercadas’, definidas como áreas situadas perto de instalações que produzem resíduos perigosos.

Um estudo realizado pelo Centro Nacional de Avaliação Ambiental da Agência de Proteção Ambiental e publicado em 2018 examinou instalações que emitem poluição do ar junto com os perfis raciais e econômicos das comunidades vizinhas. Ele descobriu que os norte americanos negros estão sujeitos a níveis mais altos de poluição do que os americanos brancos — independentemente de seu nível de renda. Os negros norte americanos, ou afro-americanos, estão expostos a 1,5 vezes à poluição da fuligem resultante da queima de combustíveis fósseis do que a população em geral. Esse ar sujo está associado a doenças pulmonares, incluindo asma, doenças cardíacas, morte prematura e agora Covid-19.

A Filadélfia, que é 44% negra, recebeu um aviso da American Lung Association em 2019 : “Se você mora no município de Filadélfia, o ar que respira pode colocar sua saúde em risco”. De acordo com dados da EPA de 2016, a refinaria que paira sobre o Grays Ferry foi responsável pela maior parte das emissões tóxicas do ar na cidade. A EPA constatou que a refinaria estava fora de conformidade com a Lei do Ar Limpo nos últimos 12 trimestres até 2019, com pouco recurso. De 2014 a 2019, o PES (nt.: Philadelphia Energy Solutions) foi multado em quase 650.000 dólares por violar as regras de descarte de ar, água e resíduos.

Embora as comunidades negras sofram dificuldades desproporcionais da crise ambiental, elas historicamente foram deixadas de fora do movimento ambiental. Uma pesquisa de 2018 realizada por Dorceta Taylor, professora da Escola de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade de Michigan, descobriu que os brancos compunham 85% das equipes e 80% dos conselhos de 2.057 organizações sem fins lucrativos ambientais. No ano passado, um relatório divulgado pelo Green 2.0, uma campanha de defesa independente que examina a interseção entre questões ambientais e raça, mostrou que as pessoas de cor representam apenas 20% das equipes de 40 organizações não-governamentais ambientais. É provável que a face do movimento ambiental seja mais alguém como Greta Thunberg, a adolescente sueca que foi a pessoa do ano em 2019 da revista Time, do que alguém como Kilynn Johnson vivendo a injustiça ambiental no local. Protestos e conferências de movimento estão cheios de um mar de jovens brancos principalmente e geralmente não de negros cujas famílias vivem perto de instalações poluentes há gerações, seus corpos são devastados pelos efeitos de emissões tóxicas.

A urgência dessa crise ambiental foi acelerada pelas mudanças climáticas e agora ganhou velocidade e atenção como resultado da pandemia de coronavírus e do atual movimento de justiça racial. As disparidades raciais que expuseram os negros americanos a uma parcela desproporcional da poluição do ar subiram à superfície para um efeito letal durante a atual pandemia. Um estudo com mais de 3.000 condados dos EUA divulgado em abril, mas ainda não publicado mostra uma conexão estatística entre as taxas de mortalidade por Covid-19 e a exposição a longo prazo à poluição do ar. Os pesquisadores, da Escola de Saúde Pública de Harvard TH Chan, observaram que mesmo um pequeno aumento de material particulado — pequenas partículas transportadas pelo ar emitidas por usinas, instalações industriais e veículos — correspondia a um aumento significativo na mortalidade por Covid-19. Cada micrograma aumentado desse tipo de poluição por metro cúbico de ar está associado a um aumento de 8% na morte por Covid-19.

A taxa de mortalidade para pacientes negros da cidade é 50% maior que para pacientes brancos. “Você não pode entender o racismo ambiental sem entender o legado e a história da segregação residencial, que criou o desinvestimento que ocorreu em comunidades da Filadélfia como o Grays Ferry por décadas”, diz Sharrelle Barber, professora assistente de epidemiologia e bioestatística na Escola Dornsife de Saúde Pública da Universidade Drexel, na Filadélfia.

“O efeito composto do racismo está realmente aparecendo nos sistemas interligados de desigualdade estrutural que operam neste momento para aumentar a exposição, transmissão, severidade e a probabilidade de morte do Covid-19 em comunidades como Grays Ferry, que já experimentaram, há tantos anos, tais devastadoras condições ambientais. racismo”, diz Barber, que é filha do Rev. Dr. William Barber, ativista dos direitos civis e conselheiro nacional do comitê consultivo de justiça em saúde Covid-19 da sua campanha de pessoas pobres. “Tudo isso veio à tona neste momento.”

Do outro lado da estrada de Grays Ferry, a imensa refinaria de PES, com sua treliça de tubos enferrujados, chaminés manchadas de fuligem e imensos tanques de armazenamento, engole 1.300 acres de terra nas margens do rio Schuylkill. É uma cidade em si, cercada com arame farpado — quase do tamanho do Central Park e do Cemitério Nacional de Arlington, juntos. Durante décadas, quando o sol se pôs, as instalações pareciam sua própria metrópole, com luzes piscando a noite toda. O local foi usado pela primeira vez, na Filadélfia, como uma instalação de armazenamento, um ano após o término da Guerra Civil e começou a refinar petróleo logo depois. Em 1891, metade do combustível da iluminação no mundo e mais de um terço das exportações de petróleo dos EUA vieram dessa refinaria.

A Revolução Industrial e a invenção do automóvel provocaram uma fome insaciável de petróleo, que se tornou o combustível dominante do século XX. Como a refinaria continuou a ser uma potência na produção de petróleo na costa leste e expandiu suas operações, a Filadélfia passou por uma mudança demográfica significativa. Durante a Grande Migração, a população negra explodiu com ondas de recém-chegados do sul e os brancos saíram da cidade. A comunidade afro-americana da cidade passou de 251.000 em 1940 para 376.000 em 1950 e atingiu o pico de 654.000 residentes em 1970.

Em 1934, o sul da Filadélfia foi redefinido: com uma classificação D — a mais baixa — pela Home Owners’ Loan Corporation, quando marcou a comunidade em vermelho nos mapas usados ​​para determinar a elegibilidade do empréstimo. Os agentes do grupo de empréstimos notaram a “invasão de negros em certos bairros”. Mais tarde, a Administração Federal da Habitação baseou-se nesses mapas e seus próprios manuais de subscrição e apontaram a condição de moradia e a raça ou etnia dos moradores, como características que aumentavam o risco de uma comunidade receber uma baixa classificação da agência. Como resultado, as instituições de crédito emitiram menos hipotecas nessas áreas do que em outras partes da cidade, criando entrincheiramento para segregação, desinvestimento e deterioração. No sul de Filadélfia, afetivamente chamada de ‘Philly’, a proximidade de áreas residenciais com fábricas, incluindo a refinaria, provavelmente contribuiu para que o bairro recebesse a nota mais baixa e uma etiqueta como “perigosa”, dificultando a aprovação de residentes para empréstimos para comprar casas.

As habitações públicas preencheram o vazio. Em 1940, a cidade concluiu o Projeto Tasker Street Homes, 125 edifícios semelhantes a quartéis com 1.000 unidades, ocupando 40 acres a sudoeste da 30 ª e Tasker Streets. Na sequência: a Filadélfia recebeu financiamento federal, em 1949, para mais de 20.000 unidades populares de baixa renda. A cidade construiu o Wilson Park, um complexo de 650 unidades do outro lado da rodovia do PES, em 1953, e continuou a se expandir. De acordo com o livro “Habitação pública, raça e renovação: planejamento urbano na Filadélfia, 1920-1974”, de John F. Bauman, de 1956 a 1967, todas essas habitações populares chegaram a comunidades pobres ou em transição. Isso incluiu mais de mil unidades adicionais no sul da Filadélfia. “Os líderes negros acusaram a autoridade [de habitação] de armazenar, bem como colocar em guetos os negros pobres”, Bauman,

Em 1969, quando Kilynn nasceu, a última dos nove filhos, sua família morava no conjunto habitacional Tasker Street Homes. Seus pais tinham empregos bons e estáveis: Troy como mecânico do SEPTA, o sistema de transporte público da cidade, Elizabeth como servidora pública escolar. Quando o casal ouviu falar de um bom negócio em uma casa geminada de quatro quartos, não muito longe na Dickinson Street, com um porão e um quintal, eles decidiram se mudar. O irmão de Troy Johnson, Robert, e sua esposa também compraram uma casa nas proximidades. Sylvia Bennett e seu marido, que também moravam na Tasker Street Homes, também desembarcaram na Dickinson Street. Naquela época, o bairro era menos de um terço de negros; agora é maioria.

A etiqueta “perigosa” que o governo colocou na comunidade de Johnsons e Bennetts há 86 anos agora tem um significado diferente. O legado de 150 anos de poluição da indústria pesada aumentou. A população local se acostumou à má qualidade do ar. Gloria C. Endres, moradora por toda a vida, descreveu a tosse constante e o nariz escorrendo como o “gotejamento pós-nasal da Filadélfia do Sul” em uma carta à The South Philly Review, uma publicação local. Derek Hixon brincou que o time de basquete do sul da Filadélfia “sempre tem vantagem em quadra em casa porque jogadores adversários têm dificuldade em respirar”. Mais sinistros são os relatos perturbadores de câncer.

Segundo dados coletados pelo Instituto Nacional do Câncer, a cada ano 501 pessoas de 100.000 na Filadélfia, sofrem de câncer, em comparação com 449 nos Estados Unidos e 485 na Pensilvânia. Dados do Inventário de Liberação de Tóxicos da EPA mostram que os contaminantes liberados da refinaria de PES incluem benzeno, cianeto de hidrogênio, tolueno e outros produtos químicos perigosos. Uma análise do Centro Kleinman de Política Energética da Universidade da Pensilvânia observa que o solo e as águas subterrâneas no local da refinaria foram contaminados com várias substâncias tóxicas, incluindo o benzeno, um conhecido agente cancerígeno.

Apesar dos dados, é difícil vincular casos individuais de câncer à liberação documentada de substâncias cancerígenas no ar e no solo da comunidade adjacente à refinaria. Mas o perigo tem sido aparente. “A refinaria tem uma história muito longa de problemas de regulamentação ambiental e tecnologia realmente antiga”, diz Peter DeCarlo, ex-professor da Universidade Drexel que morou a menos de três quilômetros da refinaria por oito anos e agora é professor associado de saúde e meio ambiente e engenharia na Universidade Johns Hopkins. “Fica muito perto de uma área densamente povoada. Se uma refinaria estivesse tentando obter uma permissão para operar onde está atualmente, hoje e agora, nunca seria concedida. ”

Três anos após o diagnóstico de Kilynn Johnson, ela lutou contra os efeitos colaterais do câncer e seus tratamentos severos — incluindo a perda de cabelo, energia, mobilidade e fragmentos de memória — e ele estava em regressão. Agora ela estava decidida a entender como a refinaria do outro lado da estrada poderia ter contribuído para o que aconteceu com ela. Em janeiro de 2019, Sylvia Bennett convenceu Kilynn a superar sua timidez e participar de uma reunião de Philly Thrive, uma organização local de justiça ambiental pequena, mas atuante. Co-fundada por Alexa Ross, uma jovem organizadora que se mudou para a Filadélfia em 2013, depois de se formar no Swarthmore College, o grupo estava determinado a reunir moradores e estabelecer uma conexão mais explícita entre o PES e os impactos negativos à saúde na comunidade ao redor.

Kilynn ficou próxima à Sylvia quando entraram em uma sala bem iluminada em um espaço de trabalho perto da Universidade da Pensilvânia para o primeiro encontro mensal da Philly Thrive, do ano. Ela olhou em volta para as pessoas de todas as idades, a maioria negra e algumas das quais ela conhecia do bairro. Carol White, uma trabalhadora aposentada de saúde mental que vive em Wilson Park, o complexo de moradias públicas do sul da Filadélfia, adjacente à I-76 e ao PES, foi a primeira a compartilhar. “Eu tenho 13 netos, e a maioria deles tem asma; Tenho inaladores por toda a casa para quando eles vêm me visitar”, disse ela. “Então comecei a pensar na minha mãe, que tinha câncer. Olhei para a refinaria do outro lado da rua da minha casa e comecei a pensar: quanto tempo ainda tenho de vida?”

Sylvia levantou-se. “Ambas as minhas filhas tiveram câncer de mama”, disse ela. “Elas estão em remissão do câncer de mama, mas agora uma delas foi diagnosticada com câncer no sangue”. Lágrimas se acumularam em seus olhos. “Esta refinaria, eu chamo de assassino silencioso.” Ela olhou para Kilynn. “Você quer falar?” E ela balançou a cabeça.

“Meus olhos estavam se abrindo”, lembrou mais tarde, “mas eu não estava pronta para falar”. No final da reunião, os Thrivers haviam decidido se concentrar no bloqueio da construção de uma nova usina de 60 milhões de dólares no sudoeste da Filadélfia, capaz de produzir 120.000 galões de gás natural liquefeito por dia em terras pertencentes a cidades próximas ao PES. Os acidentes nas usinas de gás natural não são frequentes, mas um relatório de 2009 do Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA alertou que os derramamentos podem liberar nuvens de vapor combustíveis e provocar incêndios ou explosões.

Muitos dos participantes da reunião de janeiro podem não ter percebido que estavam se juntando a uma longa tradição de ativismo ambiental no local. As primeiras agitações do movimento de justiça ambiental liderado pelos negros começaram no final da década de 1970 como uma convergência de um interesse crescente em questões ambientais e nos movimentos de direitos civis e de poder dos negros. Membros da comunidade, alarmados e irritados, começaram a levantar preocupações sobre a localização de instalações que contaminam o ar, a água e o solo —incluindo incineradoras, refinarias de petróleo, fundições, estações de tratamento de esgoto, aterros sanitários e instalações químicas — perto de comunidades de pessoas de cor e, como no caso de Grays Ferry, colocando moradias que seriam ocupadas principalmente por cidadãos negros, perto de tais instalações.

Em 1978, uma advogada chamada Linda McKeever Bullard entrou com um processo contra os departamentos de saúde de Houston, Harris County e Texas em um tribunal federal, acusando essas agências governamentais e uma empresa privada de gestão de resíduos, agora extinta, com discriminação racial no país, em razão da localização do aterro municipal de Whispering Pines no bairro predominantemente de classe média negra de Northwood Manor, no subúrbio de Houston. Seu marido, Robert Bullard, era então um jovem professor de sociologia na Texas Southern University. “Minha esposa disse: ‘Para esse processo, preciso de alguém que possa descobrir e colocar em um mapa onde estão todos os aterros, instalações de resíduos sólidos e incineradores na cidade’”, lembra Bullard, 73, um ilustre professor de urbanismo. planejamento e política ambiental no TSU, que agora é considerado o pioneiro do movimento pela justiça ambiental.

Bullard e seus alunos vasculharam registros estaduais e municipais em papel e microfichas e percorreram os bairros usando mapas do censo para localizar as instalações de resíduos na cidade. Eles descobriram que todos os cinco lixões municipais, seis dos oito incineradores de lixo da cidade e três dos quatro aterros particulares estavam localizados nas comunidades negras — embora os afro-americanos representassem apenas 25% da população na época. “O que os dados mostraram foi um padrão de decisões racistas ao longo dos anos pelas autoridades da cidade”, diz Bullard. “No caso de Whispering Pines, foi o auge do desrespeito, agravado pelo fato de o aterro estar a 400 metros pés de uma escola secundária no distrito escolar de negros e com pelo menos meia dúzia de escolas primárias em um raio de três quilômetros. Faz calor em Houston. Como as crianças podem aprender se estão cheirando lixo? Esse é o tipo de racismo que permeou esse caso em particular.”

“Você não pode entender o racismo ambiental sem entender o legado e a história da segregação residencial”, diz Sharrelle Barber, professora de epidemiologia.

Em 1978, os residentes da Carolina do Norte notaram faixas escuras ao longo dos acostamentos de mais de 320 quilômetros de estradas. Durante o verão, a Ward Transformer Company despejou mais de 115.000 litros de óleo com Policlorado Bifenilos (PCBs) — o que pode causar defeitos de nascimento, doenças do fígado e da pele e câncer — no meio da noite, a fim de evitar o custo de descarte adequado. Um dos chamados ‘descarregadores da meia-noite’ foi preso, juntamente com o chefe da empresa, deixando as autoridades estaduais e a EPA decidirem onde colocar 60.000 toneladas de solo contaminado. Eles escolheram o condado de Warren, uma parte predominantemente afro-americana do estado. A comunidade começou a se mobilizar.

Quatro anos depois, centenas de moradores do município de Warren e ativistas de direitos ambientais e civis foram presos quando se reuniram para interromper a construção do aterro. Havia uma fila de manifestantes na rua, bloqueando caminhões cheios de terra tóxica. Um grupo de mulheres e crianças, na maioria das vezes, se apegou um ao outro e foi arrastado para dentro de ônibus por policiais estaduais convocados para interromper os comícios. O noticiário da noite mostrava um vídeo de líderes negros, ladeados por oficiais de patrulha rodoviária, marchando lado a lado com os organizadores locais e cantando “Não é mais nada para nos parar agora” ao som da velha canção de protesto “Que lado você está?”

Os comícios, marchas, prisões e atenção da mídia não foram suficientes para parar o aterro, mas galvanizaram um movimento crescente contra o racismo ambiental, um termo cunhado pelo Rev. Dr. Benjamin Chavis, líder do protesto na Carolina do Norte. No ano seguinte, o Escritório Geral de Contabilidade dos EUA examinou a colocação de aterros de resíduos perigosos e descobriu que os residentes negros eram maioria em três das quatro comunidades com aterros de resíduos perigosos nos oito estados do sul que compõem a Região IV da EPA IV.

Em 1987, a Comissão Unida de Justiça Racial da Igreja de Cristo, então chefiada por Chavis, publicou um relatório, “Resíduos Tóxicos e Raça nos Estados Unidos” (nt.:  Toxic Wastes and Race in the United States) , que foi o primeiro a examinar raça, classe e meio ambiente em nível nacional. O estudo revelou que três em cada cinco negros e hispânicos-americanos, ou mais de 23 milhões de pessoas, residiam em comunidades afetadas por locais de resíduos tóxicos e descobriram que, embora o status socioeconômico fosse uma correlação importante, a raça era o fator mais significativo.

Bullard continuou sua pesquisa após o processo Whispering Pines em Houston, encontrando a mesma correlação. Em seu livro de 1990, “Dumping in Dixie: Race, Class and Environmental Quality”, usando estudos de caso, incluindo Sumter County, Alabama, o local do maior aterro de resíduos perigosos do país, Bullard argumentou que a poluição proveniente de instalações de resíduos sólidos, aterros de resíduos perigosos, lixões de resíduos tóxicos e emissões químicas de instalações industriais estava cobrando um preço muito alto nas comunidades negras do país. Seu livro tornou-se uma bíblia para o nascente movimento de justiça ambiental.

Em 2007, a Igreja Unida de Cristo atualizou sua pesquisa, desta vez com Bullard como autor principal, em “Toxic Wastes and Race at Twenty: 1987-2007”, descobrindo que as disparidades raciais na localização de instalações de resíduos tóxicos eram “maiores do que o relatado anteriormente”. Pessoas de cor compunham a maioria da população em comunidades a 2 km de uma instalação poluidora, e a raça — e não os valores da renda ou de propriedade — foi o indicador mais significativo. No ano seguinte, um estudo realizado por dois cientistas sociais da Universidade do Colorado, publicado na revista Sociological Perspectives, descobriu que as famílias afro-americanas com renda de 50 a 60 mi dólares anuais, eram mais propensas a viver em bairros poluídos do que as famílias brancas com renda abaixo de 10 mil dólares.

À medida que mais pesquisas estabeleceram tais disparidades, a frustração aumentou com o movimento ambiental dominante. Em março de 1990, mais de 100 ativistas de base, quase todos de cor, assinaram uma carta acusatória a 10 dos mais importantes grupos ambientais. “O racismo é a causa raiz da sua inação ao lidar com problemas ambientais em nossas comunidades”, escreveram eles, exigindo que as organizações aumentem a equipe de pessoas de cor para 35 a 40% (a demanda não foi atendida). No ano seguinte, mais de 500 pessoas se reuniram em Washington, DC, para a Primeira Cúpula Nacional de Liderança Ambiental do Povo de Cores, descartando a suposição de que negros e pardos não estão interessados ​​ou envolvidos com questões ambientais.

O governo federal foi constrangido. No início de 1990, o Conclave Negro do Congresso se reuniu com funcionários da EPA para discutir a poluição nas comunidades de cor e o porquê de a agência governamental não estar atendendo às necessidades de seus eleitores. Em novembro de 1992, a EPA criou o Escritório de Equidade Ambiental (posteriormente alterado para Justiça Ambiental). Em 1994, o Presidente Bill Clinton emitiu uma ordem executiva para tratar de condições ambientais e de saúde adversas em populações minoritárias e de baixa renda. O governo também estabeleceu um programa de subsídios multimilionários para apoiar organizações de base que trabalhavam em questões de justiça ambiental. Uma organização sem fins lucrativos local em Spartanburg, Carolina do Sul, alavancou uma doação inicial, em 1997, de 20 mil a 270 milhões de dólares para limpar e revitalizar três bairros próximos a uma fábrica de fertilizantes químicos em operação, dois locais com futuro promissor e seis antigos locais de fábricas com alto grau de poluição.

As mudanças na EPA se encaixaram com o crescente movimento de justiça ambiental no local. Mustafa Ali, então um jovem funcionário negro do Escritório de Justiça Ambiental, tinha um pé nos dois mundos. “Foi um momento emocionante, porque havia muita energia”, lembra Ali. “Foi uma mudança de paradigma, mas também era difícil na época. Ainda haviam pessoas em altos cargos na Agência de Proteção Ambiental/EPA e em outros lugares que acreditavam que os impactos que estavam acontecendo nessas comunidades não eram reais, que essas pessoas deviam estar inventando essas coisas. Eles também ficaram desconfortáveis ​​ao usar o espaço federal para honrar as vozes e as inovações que saíam das comunidades”.

Em 2008, Ali foi nomeado diretor associado do Escritório de Justiça Ambiental e consultor sênior do administrador da EPA em questões de justiça ambiental. A EPA foi criticada durante esse período por não fazer o suficiente para combater as disparidades ambientais nas comunidades de cor e foi quando a catástrofe da água na cidade de Flint também se desenrolou, mas Ali e seus colegas auxiliaram, da mesma forma, 1.500 comunidades com pequenas doações para tratar de questões ambientais locais.

Quando a administração de Donald Trump chegou em 2017, seu novo administrador da EPA, Scott Pruitt, era um negacionista da mudança climática e um aliado da indústria de combustíveis fósseis que, como procurador-geral de Oklahoma, processou a EPA várias vezes. Pruitt propôs reduzir o orçamento da agência em 25%, para pouco menos de 6 bilhões de dólares, contra os 8 bilhões anteriores. Conforme relatado no jornal Oregonian, um memorando interno pedia o desmantelamento do Escritório de Justiça Ambiental e a redução de 79% do financiamento relacionado, de 6,7 milhões para 1,5 milhão de dólares. Mais doloroso para Ali foi o orçamento proposto ter eliminado o programa de pequenas doações. “Quando os vi conversando sobre a eliminação de certos programas de usinas de ar e de energia limpa e cortando dólares para lidar com o chumbo, eu sabia como isso aconteceria em nossas comunidades”, diz ele. “Eu sabia que não podia fazer parte do que estava acontecendo”.

Em março de 2017, Ali renunciou, pouco menos de 25 anos na agência, perdendo sua pensão completa do governo e agora atua como vice-presidente de justiça ambiental, clima e revitalização da comunidade para a National Wildlife Federation. Sua carta de demissão, de três páginas para Pruitt, pediu à EPA para não dar as costas às comunidades marginalizadas. “As comunidades compartilharam comigo, nas últimas duas décadas, a importância do trabalho de fiscalização da Agência na proteção de suas comunidades muitas vezes esquecidas e negligenciadas”, escreveu ele. “Ao garantir que haja proteção e aplicação iguais nessas comunidades, a EPA desempenha um papel significativo na abordagem de impactos indesejados e na melhoria de algumas das disparidades de saúde pública que geralmente existem devido à exposição à poluição”.

Em 1 de junho de 2019, cerca de 60 membros da Philly Thrive se reuniram em frente ao PSE enquanto caminhões-tanque passavam dentro e fora dos portões da instalação. Nos últimos quatro meses, o grupo participou de reuniões de planejamento, falou na prefeitura e distribuiu petições em oposição à proposta da usina de gás do sul da Filadélfia. Kilynn Johnson juntou-se a Alexa Ross, Sylvia Bennett, Carol White e outras pessoas para distribuir centenas de folhetos pela Grays Ferry para o protesto que eles organizaram para aquele dia, duas semanas antes da votação do Conselho da Cidade.

Segurando uma placa com o nome da mãe, Kilynn avançou para a frente da assembléia. Como as outras pessoas, ela usava a camiseta de assinatura da Philly Thrive, amarela brilhante com dois girassóis cheios de cores caleidoscópicas. Desde que compareceu à primeira reunião da ONG em janeiro, ela participou de mais reuniões sobre justiça ambiental, participou de um workshop de falar em público e finalmente teve coragem de falar com os reunidos no comício — a primeira vez que falava diante de uma multidão. Ela olhou para Sylvia, usando óculos escuros e segurando uma placa com o nome da filha Wanda, que assentiu. “Muitos de vocês podem não conhecer os perigos da refinaria de petróleo, com tantas doenças causadas pela poluição do ar”, começou Kilynn, lendo hesitantemente de uma capa de papéis que ela segurava diante de seu rosto. “Eu era indiferente à refinaria, mas então Alexa estava mencionando coisas como asma. E eu sou — ‘Bingo’. E câncer? — ‘Bingo’”, ela continuou. “Isso me deixou mais consciente de como a refinaria está deixando nosso povo não apenas doente — mas matando nossas comunidades por mais de um dólar”.

Ela pediu à multidão para se juntar a ela em um canto: “Estamos empolgados! Não aguento mais!” Quando o sol ficou mais quente e algumas pessoas mais velhas começaram a murchar, os manifestantes marcharam atrás de uma faixa onde se lia “Philly Thrive tem direito a respirar”, enquanto os seguranças da refinaria os observavam. Houve pouca cobertura do protesto. “Onde estavam as equipes de TV?” Sylvia perguntou após o comício. “O que precisamos fazer para que alguém preste atenção? Por que ninguém se importa?”

Em meados de junho, o Conselho da Cidade da Filadélfia votou 13 a 4 a favor do desenvolvimento da planta de gás. Mas, mesmo quando Johnson, Bennett e os outros Philly Thrivers sofreram sua derrota nos dias seguintes e temeram pelo futuro, um perigo mais iminente estava à mão.

Apenas uma semana depois, em 21 de junho, Kilynn ficou assustada quando sentiu a cama se mexer. Ela pulou na vertical, lutou contra um monte de lençóis, pegou os óculos e tentou descobrir o que estava acontecendo. Não era apenas a cama tremendo, mas toda a casa. Agarrou a ponta do colchão, abaixou a cabeça, fechou os olhos e rezou. “Pai, Senhor, Deus”, disse ela em voz alta. “Proteja minha família, cuide de meus vizinhos. Por favor nos ajude”.

Suas orações foram interrompidas pelo telefone. Do outro lado da linha, ela ouviu a voz em pânico de sua filha Michelle, que morava a cerca de um quilômetro e meio de distância no sudoeste de Philly. A casa dela também tremia e ela estava amortecida e sentada no escuro, segura firme seus dois filhos pequenos. “Mamãe, ligue as notícias”, disse ela, com a voz trêmula. “É a refinaria”.

Kilynn aprenderia mais tarde que, às 4 horas da manhã, um encaixe de tubo corroído parecia ter cedido, desencadeando uma série de explosões que acionavam um inferno de três alarmes que queimaria por mais de um dia inteiro. Um incêndio menor explodiu 11 dias antes na refinaria, mas o calor desta vez foi tão intenso que o Serviço Nacional de Meteorologia conseguiu capturá-lo no satélite a partir do espaço, usando imagens infravermelhas. Grandes pedaços de detritos voaram pelo ar, aterrissando pesadamente nas ruas da cidade enquanto as sirenes tocavam em todo o Grays Ferry e o departamento de gerenciamento de emergências da cidade emitiu um pedido de abrigo no local para os moradores que moravam perto da refinaria.

Às 7 horas da manhã, mesmo com a refinaria ainda engolida por chamas e nuvens de fumaça lançando fumaça na atmosfera, a ordem de abrigo no local foi levantada. Algumas horas depois, James Garrow, porta-voz do Departamento de Saúde Pública da Filadélfia, divulgou uma declaração assegurando aos moradores locais que o incêndio não apresentava “perigo imediato”. Kilynn, com esse diagnóstico de asma 40 anos antes, sentiu-se cética. Ela garantiu que todas as janelas estivessem fechadas para bloquear o odor desagradável que pairaria no ar por semanas. E então, enquanto trocava ligações com familiares e vizinhos, assistia às notícias e verificava atualizações no Facebook, sua respiração ficou mais difícil. No início da tarde, ela estava tonta e lutava para recuperar o fôlego.

Uma hora depois, sentada em uma mesa de exame no Hospital da Universidade de Penn com uma máscara de respiração presa ao rosto, ela pensou na fumaça espessa e negra que as autoridades da cidade insistiam que era segura para inalar e lembrou-se do odor nocivo que havia queimado suas narinas e irritou suas vias aéreas. Com o oxigênio enchendo seus pulmões através de uma máquina, ela pensou na frequência com que esteve em quartos de hospital como esses, sofrendo de asma durante a infância e do raro câncer diagnosticado três anos e meio antes. “Eu estava cansada deles dizendo que a refinaria não afetava as pessoas”, diz ela, “não estava fazendo nenhum mal”.

Quatro dias após a explosão, cerca de 100 participantes da ONG se reuniram em um pequeno playground a poucos quarteirões do PES. Desta vez, a mídia estava em plena força, lutando para receber comentários de membros da Philly Thrive sobre a explosão e o incêndio. “Os produtos químicos que eles usam estão realmente nos matando”, disse Johnson a um repórter de uma estação de rádio local. “Isso está nos matando lentamente. É o que está fazendo”.

Enquanto os ativistas marchavam em direção à refinaria, foram recebidos por uma dúzia de policiais alinhados em frente a 17 carros da polícia estacionados diante dos portões do PES, onde funcionários de capacete observavam atrás da cerca de metal enquanto os manifestantes avançavam. Cantando “O que queremos? Ar puro!” eles mantiveram o tráfego por 800 metros em qualquer direção. Atrás deles, um grande outdoor patrocinado pelo comitê local da United Steelworkers, sindicato que representa os trabalhadores da fábrica, subindo pela estrada, lembrando aos motoristas e vizinhos que “comunidades saudáveis ​​precisam de bons empregos!”

Depois de meses participando de reuniões da Philly Thrive e aprendendo sobre os perigos ambientais criados pela refinaria, após a explosão e sua viagem de emergência ao hospital, Kilynn havia mudado. A dolorosa morte de Sharon, sua prima em primeiro grau, moradora de longa data de Grays Ferry, no final da primavera, devido ao câncer de pâncreas, foi o golpe final. Dessa vez, Kilynn, uma flor amarela entrelaçada em suas tranças, não falou da borda da multidão, mas entrou direto no meio. “Nasci no sul da Filadélfia, a alguns quarteirões”, disse ela com firmeza. “A poluição e os produtos químicos estão aqui há 150 anos. Estou aqui há meio século. Eu não sei há quanto tempo a asma está no meu sistema, mas em 2016 o médico nem sabia se eu conseguiria superá-la ou não. Eles disseram à minha família para orarem”.

Girando em círculo para enfrentar todos os olhares do grupo, ela continuou, e sua voz subindo: “Este empreendimento, PES, deve ir embora. Eles estão levando nosso pessoal embora. Aos bandos. Aos bandos!” Kilynn parecia estar dado vazão à ansiedade social que estivera com ela a vida toda. “Eu costumava ser uma pessoa muito quieta, até encontrar a Philly Thrive.  Adivinha?  Minha voz será carregada para toda a pessoa que vem ou que vai pelas ruas. Tanto para o bebê como o idoso que não podem se manifestar. Minha voz vai viajar. Eles saberão o meu nome e a minha voz”. Enquanto ela falava, a multidão estalou os dedos, bateu palmas e inundou-a com bençãos.

No final de junho, o CEO da PES, Mark Smith, anunciou que a explosão e o incêndio impossibilitavam a manutenção da fábrica. Um mês depois, o PES entrou em falência. A empresa receberá um adiantamento de até 65 milhões de dólares em financiamento para falências, a fim de encerrar as operações atuais e acessar potencialmente a 1,25 bilhão de dólares em cobertura de seguro. O objetivo, de acordo com um comunicado do PES, era reconstruir a infraestrutura danificada pelo fogo da refinaria, a fim de posicioná-la para uma venda e reiniciar o negócio de refino de petróleo. (Os representantes da empresa não responderam a pedidos repetidos de comentários). A cidade da Filadélfia formou um grupo consultivo de especialistas em meio ambiente, líderes empresariais, autoridades da cidade, trabalhadores organizados e membros da comunidade que realizariam seis reuniões para tratar das consequências do fogo no PES, coletar informações sobre o futuro da empresa bem como do local e ouvir comentários do público.

Após o fechamento da refinaria, cerca de 1.000 funcionários foram demitidos sem indenização ou benefícios estendidos à saúde; os executivos do PES receberam 4,5 milhões de dólares em bônus de retenção. Na terceira reunião do grupo consultivo da cidade, no final de agosto, convocada para tratar de questões trabalhistas, os membros da Philly Thrive se viram em menor número por trabalhadores demitidos recentemente, principalmente homens brancos, alguns chorando, implorando que o PES continuasse no negócio. Na reunião, ficou claro que os ex-funcionários angustiados e irritados da refinaria não conheciam a maioria dos Black Thrivers, apesar de terem coexistido no mesmo canto da cidade, respirando o mesmo ar sujo no trabalho e em casa, durante anos e anos. Quando Sylvia Bennett parou ao microfone e contou ao painel consultivo sobre sua filha Wanda, que agora sofria tanto com os tratamentos contra o câncer que não conseguia mais andar, um trabalhador gritou: “Se você não gosta da refinaria, então mude!”

Sylvia ficou profundamente magoada com a hostilidade, mas também reconheceu que o PES também havia causado danos aos seus trabalhadores. “Não somos contra trabalhadores ou contra trabalhadores que tenham um emprego para sustentar suas famílias”, disse ela. “O que queremos é o ar limpo para que todos possamos respirar”.

A comunidade de Grays Ferry, ainda mais ao sul que ao norte, está cheia de pessoas unidas por história, lembranças, lutas, sonhos, sangue, amor e morte. Esses residentes podem ter desembarcado lá por causa de opções limitadas pela discriminação estrutural criada pela inoperância pública. Mas, enquanto oram pelos doentes e contam seus mortos, eles permaneceram. As casas que seus pais compraram ou que eles compraram e as famílias que eles criaram neles, tudo isso é seu legado.

Esse legado também permanece em seus corpos.

Em um relatório de outubro passado, o Conselho de Investigação de Segurança e Riscos Químicos observou que a explosão do PES liberou mais de 2.500 quilos de ácido fluorídrico. Ingerir até um dedal pode ser mortal e, quando descarregado no ar na forma de gás, o produto químico pode irritar os olhos, nariz e trato respiratório em baixas concentrações e causar batimentos cardíacos irregulares e complicações pulmonares em níveis mais altos.

Em janeiro de 2020, uma investigação da organização de relatórios ambientais e energéticos E&E News, NBC e da American University Investigative Reporting Workshop revelou que, mesmo antes da explosão de junho, o PES havia liberado o benzeno químico causador de câncer no ar 21 vezes o limite federal , embora a cidade não tenha divulgado ao público. O relatório dizia: “Os dados de emissão de benzeno do monitoramento, que a EPA começou a publicar no início do ano passado, mostram que a refinaria excedeu o limite de emissões de benzeno por apenas 12 semanas, desde o final de janeiro de 2018 até o final de setembro de 2019 — um período de 86 semanas. Isso pode ter exposto milhares de filadelfianos a níveis preocupantes de benzeno, incluindo crianças como as que costumam brincar nas ruas de Grays Ferry”.

Em fevereiro, um Tribunal de Falências dos EUA aprovou a venda do PES para a Hilco Redevelopment Partners, com sede em Chicago, por 252 milhões de dólares (a venda final foi de US $ 225,5 milhões). O governo Trump fez um último esforço de lobby para reiniciar os negócios de refino de petróleo do PES. “Olha, esses são ótimos trabalhos para Philly”, disse Peter Navarro, diretor do escritório de comércio e política industrial do presidente, ao The Philadelphia Inquirer em janeiro. “Esta é uma maneira de avançar a agenda de políticas de energia, a agenda de políticas econômicas e a agenda de segurança nacional. Então, adoraríamos ver isso como uma refinaria”.

A comunidade estava preocupada. Mas a Hilco anunciou planos de demolir a refinaria, limpar o local e reconstruir a propriedade como um parque industrial de uso misto. “Será um progresso ambiental bem-vindo para os bairros que sofreram os efeitos da refinaria”, disse Roberto Perez, executivo-chefe da Hilco Redevelopment Partners, “e um novo e empolgante capítulo para a Filadélfia”. As notícias, por mais bem-vindas, não puderam apagar 150 anos de poluição ou os medos das substâncias tóxicas que permanecem.

A morte do PES não pode trazer de volta os mortos de Grays Ferry, nem os de câncer e nem os 54 residentes que moravam no bairro de Grays Ferry que morreram de Covid-19, um vírus conhecido por atacar aqueles expostos à poluição do ar a longo prazo.

Irene Russell, 68 anos, que viveu em Grays Ferry a vida toda, ajuda a comunidade a se lembrar. Ela foi criada na South 32nd Street e agora mora a alguns quarteirões de distância na South Napa Street, em uma casa geminada que comprou em 1980. Em cinquenta quadros brancos, Irene, presidente do grupo sem fins lucrativos Friends of Stinger Square, gravou programas memorais dos serviços funerários da comunidade, seis ou sete por quadro. Se ela não tiver um programa, anexa uma fotografia. Os moradores falecidos, às vezes os mais jovens, sorriem dos programas amarelados, rodeados de rosas ou flutuando em um mar de céu azul e nuvens fofas. Eles usam uniformes militares, chapéus imponentes, bonés e vestidos de formatura ou simplesmente a melhor roupa de domingo.

Nesta primavera, Irene descansou uma flor no rosto de George Scott, que morreu em 2010 aos 57 anos. “Esse é meu irmão”, disse ela suavemente. “Ele morreu de câncer de fígado; deixou para trás oito filhos”. A irmã dela, Sandy, também morreu de câncer aos 42 anos. Seu filho George, em homenagem a seu irmão, desenvolveu linfoma aos 20 e poucos anos e sobreviveu. Irene vasculha os quadros até encontrar Sharon, prima de Kilynn, cujo programa ela gravou alguns meses antes. Junto às palavras “é com profunda tristeza que lamentamos informar a morte de nossa amada Sharon E. Johnson” sobreposta a uma rosa, Sharon mira ao lado, os lábios contraídos como se estivesse assobiando uma música.

Irene descobriu que tinha câncer uterino em 2018 e fez histerectomia em janeiro de 2019. Em setembro passado, seu médico descobriu câncer nos pulmões. Ela se esforçou para manter os quadros, armazenados em sacos plásticos de lixo em seu escritório na Stinger Square, atualizados, mas a pilha de memoriais empilhados em cima do computador, esperando para serem anexados, aumentou ainda mais desde que o coronavírus surgiu em fevereiro. “Entre o câncer e o Covid, está uma loucura a questão das perdas”, disse Irene, que recentemente, em junho, terminou os tratamentos de quimioterapia para o câncer de pulmão. “São realmente muitas pessoas que morrem. Tem sido bastante devastador, mas tudo o que podemos fazer é continuar vivendo. E continue se lembrando”.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2020.