PESQUISA ENCONTRA AGROTÓXICOS EM ULTRAPROCESSADOS

1 de junho de 2021 –

Por Patrícia Cornils, especial para o Joio

Glifosato, herbicida mais utilizado no Brasil, está em mais da metade dos produtos analisados a pedido do Idec. Levantamento inédito expõe lacuna e falta de monitoramento da Anvisa.

Pela primeira vez no Brasil uma entidade da sociedade civil resolveu responder à seguinte pergunta: os alimentos ultraprocessados têm resíduos de agrotóxicos? Nos alimentos in natura, monitorados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, já sabemos a resposta: sim. As frutas, verduras e legumes que comemos têm resíduos de veneno. 

Então, é melhor comer biscoitos, bolachas, bisnaguinhas, cereais matinais? Salgadinhos? Tomar refrigerantes, néctares, e bebidas de soja? E os salgadinhos? Resposta rápida: não, porque eles, além de todos os problemas já conhecidos, também têm resíduos de agrotóxicos. 

Parte deles, na verdade, tem um verdadeiro coquetel de agrotóxicos. A pesquisa “Tem veneno neste pacote“, realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), acaba de ser publicada. É a primeira feita em alimentos ultraprocessados. E mais importante ainda porque no Brasil não há limite nem monitoramento da presença de resíduos de agrotóxicos nesses produtos. A legislação brasileira só determina limites para resíduos de veneno em alimentos in natura – a Anvisa só monitora esses alimentos.

No final de 2019, o Idec foi ao supermercado, comprou quatro marcas de bolachas (ou biscoitos) de água e sal, quatro marcas de biscoitos (ou bolachas) recheados e quatro marcas de bisnaguinhas. Enviou todos para testes em um laboratório acreditado pelo Inmetro para saber se havia resíduos de agrotóxicos em algum deles. Esse laboratório é credenciado junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e utilizado pela Anvisa. 

Havia agrotóxicos em todos os grupos avaliados. Não se salvou biscoito. Nem bolacha. Nem bisnaguinha. O Idec também comprou e mandou testar refrigerantes, néctares, bebidas de soja, cereais matinais e salgadinhos, em um pacote de 27 produtos, divididos em oito categorias.

A pesquisa usou dois métodos. Primeiro, o método multiresíduos, que faz uma varredura e enxerga se estão presentes ou não um amplo espectro de agrotóxicos. Todos os pacotes de produtos à base de trigo tinham resíduos de agrotóxicos. No total, os testes identificaram 13 tipos de agrotóxicos. A lista não é bacana de ler: Carbendazim, Carbendazim (MBC) e benomil, Cialotrina-Lambda, Cipermetrina, Clorpirifós, Clorpirifós-metílico, Bifentrina, Deltametrina, Fenitrotiona, Glifosato, Glufosinato, Malationa e Pirimifós-metílico.

Segundo, para identificar a presença do glifosato e do glufosinato, foram feitos outros testes, mais específicos. Mais da metade dos produtos vieram com um dos dois. O glifosato, um dos agrotóxicos mais utilizados no mundo e no Brasil, é classificado como potencialmente carcinogênico pela IARC, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer da Organização Mundial da Saúde. 

Foram encontrados resíduos na bebida de soja Naturis Batavo; no cereal matinal Nesfit tradicional, nos salgadinhos Baconzitos clássicos feitos de trigo e Torcida sabor queijo; nas bisnaguinhas Pullman Bisnaguito, Wickbold Turma da Nutrição, Panco e Seven Boys; nos biscoitos de água e sal Marilan, Vitarella, Triunfo, Zabet; em bolachas recheadas Bono, Negresco, Oreo e Trakinas. Na cartilha “Tem Veneno neste Pacote” há uma tabela de todos os ultraprocessados analisados. 

A pesquisa traz novas evidências de um problema de saúde pública que conhecemos bem: existe um volume crescente de pesquisas científicas que estabelecem uma conexão entre o consumo de alimentos ultraprocessados e as doenças que mais matam os brasileiros (enfermidades cardiovasculares, diabetes, câncer). 

Não se sabia, no entanto, que continham veneno, porque a Anvisa só monitora resíduos de agrotóxicos em alimentos in natura. O Idec deseja, com a divulgação da pesquisa e seus resultados, contribuir para mudar isso. “Esperamos que a Anvisa amplie o monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos e passe a olhar também para os ultraprocessados”, afirma Rafael Arantes, um dos responsáveis pela organização da pesquisa. Ele é analista em regulação do Programa de Alimentação Saudável do Idec.

Nenhum dos 16 produtos testados ultrapassou o limite de resíduos permitido para produtos in natura. Então, na cartilha, o Idec apresenta tabelas para mostrar, em cada produto, onde foi detectada presença de resíduos e quais resíduos. Este é um caminho que usa a legislação vigente como referência. “A pesquisa trata de produtos que podem levar anos entre a aplicação do agrotóxico na lavoura, a colheita, o processamento, a fabricação do produto ultraprocessado e o tempo de prateleira”, complementa Rafael.

Além disso, os  limites de resíduos estabelecidos para produtos in natura são definidos de forma isolada e hipotética: cada limite é feito para determinado agrotóxico em uma determinada cultura. Mas já sabemos que há resíduos de mais de um agrotóxico nos alimentos in natura, e também que há resíduos na água e no solo. Agora, sabemos que estão nos alimentos  ultraprocessados. “É importante entender que esta é mais uma peça do quebra-cabeças, é mais um lugar onde a população está sendo exposta aos agrotóxicos”, explica Rafael Arantes. 

Em qualquer pesquisa que realiza, o Idec tem como prática notificar as empresas envolvidas. Portanto, avisou as empresas dos produtos com resíduos: tem no seu pacote. “Todas as que responderam não questionam o achado da pesquisa. Mas disseram que os valores encontrados estão dentro dos limites. Disseram que isso está dentro das boas práticas e que não veem problema”, constata Arantes. 

Assim como pretende convocar a Anvisa a assumir sua obrigação legal de zelar pela saúde pública e fortalecer seu próprio papel institucional, o Idec faz um chamamento às corporações privadas. Arantes observa que algumas empresas dizem, publicamente, que pretendem discutir sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. “Qual a postura ética, de transparência, que mudanças reais podem fazer?”, pergunta.