Pelo amor à vida na Terra, precisamos colocar um limite na riqueza

Illustration: Bill Bragg

https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/sep/19/life-earth-wealth-megarich-spending-power-environmental-damage

George Monbiot @GeorgeMonbiot

Não é apenas quem é mega rico: o aumento do poder aquisitivo nos leva todos a causarmos danos ambientais. Está na hora de um plano radical

[NOTA DO SITE: os organizadores do nosso site, sugerem que se leia o texto do mesmo jornalista, pulicado por ele em 2016 e aqui na data de ontem. Importante ler os dois para se entender a conexão que o autor faz quanto ao momento que vivemos.]

Não é exatamente verdade que por trás de cada grande fortuna há um grande crime ( behind every great fortune lies a great crime). Músicos e romancistas, por exemplo, podem se tornar extremamente ricos oferecendo prazer a outras pessoas. Mas parece ser uma verdade universal de que diante de toda grande fortuna está um grande crime. Riquezas imensas traduzem-se automaticamente em imensos impactos ao meio ambiente, independentemente das intenções daqueles que as possuem. Os muito ricos, quase por definição, estão cometendo ecocídio (committing ecocide).

Há algumas semanas, recebi uma carta de um funcionário de um aeroporto privado inglês. “Eu vejo coisas que realmente não poderiam estar acontecendo em 2019”, escreveu. Todo dia, observa aeronaves pequenas do modelo Global 7000, Gulfstream G650 e até Boeings 737 decolarem com apenas um único passageiro. A maioria voando para a Rússia e para os EUA. Os Boeing 737 privados, feitos para transportar 174 passageiros, são abastecidos no aeroporto com mais ou menos 25 mil litros de combustível. Esta é a mesma quantidade de energia fóssil que uma pequena cidade africana pode usar em um ano (might use in a year).

Mas para onde estão indo, sozinhos, estes passageiros? Talvez visitar uma de suas supercasas, construídas e mantidas com um enorme custo ambiental ou fazer uma viagem em seus imensos iates que podem queimar 500 litros de diesel por hora em passeio de lazer, (just ticking over) além de construídos e mobiliados com materiais raros, extraídos e destruindo paisagens naturais.

Não deveria nos surpreender o fato de que, quando a Google articulou uma reunião (convened a meeting) de ricos e famosos no resort de Verdura na Sicília, em julho, para discutirem o colapso climático, seus delegados chegaram em 114 jatinhos privados e em uma frota de mega iates e dirigiam pela ilha com seus super carros. Mesmo quando têm boas intenções, os ultra ricos não conseguem deixar de degradar o mundo vivo.

The superyacht Aviva off the Cornish coast.
 ‘Super iates, feitos e mobiliados com materiais raros podem queimar 500 litros de diesel por hora para passeios de lazer.’ O super iate Aviva ancorado na costa da Cornualha. Photograph: Simon Maycock/Alamy Stock Photo

Uma série de pesquisas mostra que (shows that) o lucro é, de longe, o fator mais determinante (most important determinant) no impacto ambiental. Não importa (it doesn’t matter) o quanto ecológico pensamos que somos; se há dinheiro em excesso, logo gastamos. A única forma de consumo que está clara e positivamente correlacionada (clearly and positively correlated) com as boas intenções ambientais, é a dieta: pessoas que se veem como “verdes” tendem a comer menos carne e mais vegetais orgânicos. Mas estas atitudes têm pouca influência (have little bearing) na quantidade de combustível gato no transporte, energia doméstica e outros materiais consumidos. O dinheiro domina tudo.

Os efeitos desastrosos do poder de compra são agravados pelos impactos psicológicos de se sentir como um rico. Muitos estudos (plenty of studies) mostram que, quanto mais ricos somos, menos capazes de conectarmos (able to connect) com outras pessoas. A riqueza suprime a empatia (wealth suppresses empathy). Um dos estudos revela que pessoas que dirigem carros caros têm menos probabilidade de parar (less likely to stop) para pessoas, usando as faixas de segurança, do as que dirigem carros baratos. Outro, revelou que pessoas ricas tinham menos capacidade do que as pobres de sentirem compaixão com crianças com (compassion towards children with cancer). Apesar de serem desproporcionalmente responsáveis por nossas crises ambientais, os ricos serão os que sofrerão menos e por último (rich will be hurt least and last) com o desastre planetário, enquanto os pobres sofrerão por primeiro e de maneira pior. Quanto mais ricos somos, sugere a pesquisa (the research suggests), menos tal conhecimento nos perturbaria.

Outro problema é que a riqueza limita as perspectivas até das pessoas bem intencionadas. Na semana passada, Bill Gates argumentou (Bill Gates argued), numa entrevista ao jornal Financial Times, de que desinvestir (“ditching stocks“) de combustíveis fósseis é perda de tempo. Seria melhor, declara, fluir o recurso em novas tecnologias disruptivas com emissões mais baixas. Claro que precisamos de novas tecnologias. Mas ele não focou no ponto crucial: buscar a prevenção de uma catástrofe climática, o que conta não é o que nós fazemos, mas o que paramos de fazer. Não importa quantos painéis solares temos instalados, se não fecharmos, ao mesmo tempo, as fornalhas de carvão e gás. A menos que usinas de combustível fóssil sejam fechadas antes do fim de suas vidas bem como toda a exploração e o desenvolvimento de novas áreas de exploração de combustíveis fósseis sejam canceladas, há pouca chance de prevenir (little chance of preventing) de que o aquecimento global chegue a 1,5ºC.

Mas isso exige mudanças estruturais, o que envolve intervenção política ao mesmo tempo que a inovação tecnológica: maldição para os bilionários do Vale do Silício. Exige o reconhecimento de que dinheiro não é uma varinha mágica que faz tudo o que ruim desaparecer.

Bill Gates
 ‘Bill Gates argumentou numa entrevista para o Financial Times de que desinvestir dos combustíveis fósseis é uma perda de tempo. Mas perdeu o ponto crucial.’ Photograph: Denis Balibouse/Reuters

Nestes últimos tempos, uni-me à Greve Global pelo Clima (global climate strike), na qual os adultos levantam-se com os jovens cujo brado ecoou pelo mundo. Como um freelancer, quero saber contra quem eu estarei fazendo esta minha greve. Eu mesmo? Sim: um aspecto de mim mesmo, pelo menos. Talvez a coisa mais radical que possamos fazer agora seja limitar nossas aspirações materiais. A hipótese com a qual governos e economistas operam é que todos nós lutamos para maximizar nossas riquezas. Se formos bem sucedidos nessa tarefa, inevitavelmente demoliremos (inevitably demolish) os sistemas que mantêm nossas vidas. Onde os pobres vivam como ricos e os ricos como oligarcas, iremos destruir todas as coisas. A busca contínua por riquezas em um mundo que já tem o bastante (apesar de pobremente distribuído) é a fórmula para a destruição em massa.

Uma expressiva greve, em defesa do mundo vivo, é em parte contra o desejo de aumentar nossa renda e de acumulação de riquezas: desejo moldado, mais do que provavelmente nos demos conta, pelas narrativas sociais e econômicas dominantes. Eu me vejo como um grevista que apoia um conceito radical e perturbador: de que basta. Individual e coletivamente, é o tempo para decidir que “basta” é este e de que tipo, além de como saber em que momento alcançaremos esse ponto.

Há uma expressão para essa abordagem, cunhada pela filósofa belga Ingrid Robeyns (Belgian philosopher Ingrid Robeyns): limitismo. Ela argumenta que deveria haver um limite superior para a quantidade de renda e riqueza que uma pessoa possa acumular. Assim como reconhecemos a linha da pobreza, abaixo da qual ninguém deveriam estar, precisaríamos reconhecer a linha da riqueza, acima da qual ninguém poderia estar. Esse chamado a um nivelamento é talvez a ideia mais estapafúrdia para o discurso contemporâneo.

Mas seus argumentos são sólidos. Dinheiro excedente permite que algumas pessoas exerçam um poder desordenado sobre as outras: no trabalho; na política; e acima de tudo na captura, no uso e na destruição da riqueza natural de nosso planeta. Se todos quiserem desabrochar, não podemos estar pagando pelos ricos (we cannot afford the rich). Como não pagar por nossas próprias aspirações, se a cultura da maximização da riqueza nos encoraja?

A funesta verdade é de que os ricos só são capazes de viver como estão porque outros são pobres: não há nem espaço físico nem ecológico, para todos perseguirem o luxo privado. Em vez disso, deveríamos fazer greve pela frugalidade privada, pelo luxo público (private sufficiency, public luxury). A vida na Terra depende de moderação.

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, setembro de 2019.