A chegada do fim de um período no calendário maia não prevê nenhuma catástrofe global e muito menos o fim do mundo, cujos recursos naturais – estes sim – são depredados pelo ser humano, alertam sábios e ativistas maias ouvidos na Guatemala.
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por Danilo Valladares, da IPS
Maias participam de uma cerimônia. Foto: Cortesia da Renoj
Cidade da Guatemala, Guatemala, 16/1/2012 – Segundo o calendário maia, o chamado 13 Baktún chegará ao seu final no dia 21 de dezembro, o que despertou a histeria entre aqueles que acreditam que isto simboliza a chegada de grandes catástrofes e o fim do mundo, o que é absolutamente diferente do pensamento indígena.
“Há líderes que se deixam levar pelo que se ouve, ou porque o número 13 possui uma energia muito forte, e se preocupam com a possibilidade de ocorrer alguma catástrofe, mas não tem nada disso”, disse à IPS o ativista Antonio Mendoza, da não governamental Oxlajuj Ajpop, que em idioma maia quiché se refere às 13 energias do calendário maia. Pelo contrário, explicou, “esta nova etapa tem uma enorme importância para se refletir e analisar a respeito da convivência humana e da natureza”.
Segundo historiadores, o 13 Baktún começou no dia 11 de agosto de 3.114 antes de Cristo e após uma chamada conta larga de 144 mil dias concluirá em 21 de dezembro deste ano. Então a conta será zerada e terá início um novo ciclo de outros 144 mil dias. “O que nos preocupa muito é como unificar esforços para reorientar nosso comportamento diante da natureza, do aquecimento global e das políticas neoliberais que só extraem petróleo, minerais e instalam grandes fábricas, o que coloca em grave risco a humanidade”, explicou Mendoza.
Com esta ideia, organizações maias da Guatemala pretendem realizar este ano uma série de atividades, como fóruns e reuniões de reflexão para conseguir também oportunidades de desenvolvimento para a população indígena. “Trata-se de ter uma aproximação para concluir em algum espaço de união, solidariedade e resgate desses valiosos conhecimentos que existem sobre a natureza e a Mãe Terra”, afirmou Mendoza. A civilização maia tem uma história de mais de três mil anos, quando foram estabelecidos os primeiros assentamentos humanos na Mesoamérica, onde atualmente se localizam cinco países: Guatemala, Belize, Honduras e El Salvador.
Trata-se de uma das culturas mais importantes no mundo por seu legado astronômico e científico, suas construções e sua literatura. Além disso, seus descendentes vivem com seus próprios idiomas, costumes e tradições, por isso seus territórios, com majestosos sítios arqueológicos, são motivo de incessantes expedições turísticas e investigativas. Na Guatemala, estatísticas oficiais indicam que os indígenas representam quase 40% de seus 14 milhões de habitantes, divididos entre os povos maia, garífuna e xinca, enquanto estes asseguram que representam 60% da população.
Mario Molina, da não governamental Rede Nacional de Organizações de Jovens Maias (Renoj), disse à IPS que a chegada do 21 de dezembro “não significa o fim dos maias nem o fim do mundo, mas um momento para medir o avanço no desenvolvimento da natureza e da humanidade”. Molina mostrou sua preocupação pela deterioração ambiental que afeta o mundo e o aquecimento global consequência das atividades humanas, o que “é um dos elementos fundamentais a se discutir”.
Além disso, este período “será propício para construir um país multicultural, de unidade e com uma visão compartilhada”, um desejo muito ansiado pela população maia, historicamente marginalizada na Guatemala. Miséria, falta de serviços de saúde e educação estão instalados nos territórios indígenas neste país onde mais da metade de sua população, 54%, vive em condições de pobreza e 13% na indigência, segundo a estatal Pesquisa Nacional de Condições de Vida 2011.
Molina criticou o racismo contra a população maia refletido em sua escassa participação política, na pobreza e demais aspectos, de modo que aproveitarão a mudança no calendário para promover ações “em busca do respeito à dignidade, à vida e aos direitos humanos”. Alguns viram outras oportunidades na comemoração maia. Por exemplo, o Instituto Guatemalteco de Turismo lançou a campanha “O Amanhecer dos Maias”, para comemorar o 13 Baktún e assim atrair para o país viajantes interessados nessa cultura e em seus sítios arqueológicos.
Cirilo Pérez, conselheiro espiritual do ex-presidente guatemalteco, Álvaro Colom, cujo mandato terminou no dia 14, disse à IPS que “não é o fim do mundo, mas fenômenos como terremotos, maremotos, tornados e doenças se agravando em razão da contaminação provocada pelo homem”. Em diferentes partes do mundo foram idealizados projetos extravagantes, como bunkers anticataclismas debaixo do mar ou subterrâneos, enquanto as produções internacionais de cinema e televisão deixaram sua criatividade voar para a realização de histórias apocalípticas.
No entanto, o guia espiritual insistiu que “não é o fim do mundo. O calendário maia é algo que só os maias entendem, embora muitos acadêmicos, arqueólogos, antropólogos e historiadores tenham escrito tantos livros a respeito, mas sem entendê-los”. Segundo Pérez, os verdadeiros escritos maias foram queimados por Diego de Landa, arcebispo espanhol da arquidiocese mexicana de Yucatán (1572-1579), que considerou os documentos “superstição e falsidades do demônio”.
Landa foi um dos primeiros frades franciscanos que chegou à península de Yucatán, onde trabalhou durante anos na evangelização dos nativos maias, apesar de sua reticência em aceitar a fé católica. Pérez, declarado por Colom embaixador dos povos indígenas, ao contrário de outros historiadores e sábios maias, disse que “faltam 60 ou 70 anos para terminar o 13 Baktún, embora a certeza disso só Deus tenha”.
(IPS)