Os rios submarinos, um dos grandes mistérios dos oceanos.

Escondidos a centenas e até milhares de metros de profundidade, imensos rios submarinos fluem no leito dos fora da vista humana. Fossem em terra, alguns deles seriam comparáveis aos maiores rios do planeta, como o Amazonas, o Nilo ou o Yangtzé, mas, apesar de seu importante papel na formação do ambiente do fundo do mar e manutenção da sua biodiversidade, ainda são muito pouco conhecidos e compreendidos pelos cientistas.

 

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Escondidos a centenas e até milhares de metros de profundidade, eles têm papel importantena formação do ambiente marinho, mas ainda são pouco conhecidos e estudados

RIO –  Como compara James Gardner, professor e pesquisador do Centro de Mapeamento Costal e Oceânico da Universidade de New Hampshire, nos EUA, sabemos mais sobre os canais que cortam a superfície de Marte do que sobre as valas abissais por onde estes rios submarinos passam, o que ele afirma não ser nenhuma surpresa, dados os baixos investimentos em pesquisas e a falta de interesse e vontade política de melhor estudá-los.

— Gastamos muito mais dinheiro estudando Marte do que o fundo do mar aqui mesmo na Terra, então não ésurpreendente que saibamos mais sobre os canais de lá do que sobre os daqui — diz.

Avalanches de sedimentos sob a água

Segundo Gardner, mesmo o termo “rio” é inadequado para descrever estes gigantescos fenômenos. Conhecidas como correntes de turbidez, elas geralmente têm origem nas margens das plataformas continentais ou em seus taludes, isto é, os grandes declives que marcam a fronteira entre as massas de terra e as profundezas dos oceanos. Nestes pontos, principalmente próximos à foz de rios, os sedimentos se acumulam até atingirem um ponto crítico, desabando rumo ao fundo do mar a velocidades que passam dos 60 km/h e escavando os chamados canais abissais por onde correm, que podem atingir milhares de quilômetros de extensão, dezenas de quilômetros de largura e centenas de metros de profundidade.

— As correntes de turbidez se parecem mais com avalanches de neve, com a diferença que se mantêm muito mais confinadas pelos canais que construíram em milhares ou milhões de anos — compara Gardner. — Seu principal gatilho é a gravidade, mas elas também podem ser iniciadas por terremotos ou ondas de tempestade. Uma vez que a gravidade toma conta, porém, não há maneira de interromper seu fluxo.

Assim, a existência destes rios submarinos só costuma ser notada quando um deles rompe cabos de telecomunicações colocados no fundo do mar. E a primeira vez que isso aconteceu foi em 18 de novembro de 1929, quando um forte terremoto sacudiu a Costa Leste do Canadá. Enquanto em terra os efeitos do tremor foram mínimos, no mar ele desencadeou uma corrente de turbidez que lançou cerca de 200 milhões de quilômetros cúbicos de sedimentos plataforma continental abaixo, destruindo uma dúzia de cabos telegráficos transatlânticos. Durante décadas, pensou-se que o próprio terremoto tinha rompido os cabos, até que Bruce Heezen e Maurice Ewing, geólogos da Universidade de Columbia, em Nova York, analisaram os dados das empresas de telégrafo e perceberam que os rompimentos se deram em sequência, revelando terem sido destruídos por um fenômeno que atravessou a região a uma velocidade de cerca de 100 km/h.

Hoje, conta Gardner, embora as correntes de turbidez continuem a ser uma preocupação para as empresas de telecomunicações, elas e seus canais abissais estão atraindo cada vez mais o interesse da indústria petrolífera. De olho nas imensas quantidades de matéria orgânica movimentadas e depositadas junto com os sedimentos por estes rios subterrâneos, as petroleiras querem saber se sob os canais abissais estão guardadas grandes reservas de petróleo ainda intocadas.

— Mas as correntes de turbidez também são uma importante forma de transporte e sequestro de carbono da terra para o fundo do mar, o que faz com que ajudem a retirar carbono do sistema e contribuir para conter o aquecimento global — lembra.

Diante disso, Gardner cobra mais investimentos para melhorar o conhecimento sobre as correntes de turbidez e a própria geografia e geologia do leito oceânico. Segundo ele, levantamentos por satélite não são o bastante devido à baixa resolução. A principal alternativa então são navios equipados com sonares especiais capazes de gerar imagens do leito oceânico com altas resoluções. O problema, porém, é que os oceanos são muito grandes e os navios lentos e caros, já que devem contar também com sensores de movimento e sistemas de navegação extremamente precisos para produzir mapas acurados.

— Com isso, levamos muito tempo para mapear grandes áreas — conta. — Aqui no centro, em uma saída de um mês no mar, conseguimos mapear aproximadamente 250 mil quilômetros quadrados do leito oceânico a um custo de US$ 1,5 milhão já com um navio equipado.

Outra opção, aponta Gardner, é usar veículos submarinos autônomos que fariam o trabalho roboticamente. De acordo com ele, a tecnologia para isso já está disponível, mas, novamente, faltam dinheiro e vontade politica para tanto.

— Se tivéssemos um enxame de centenas destes submarinos autônomos, poderíamos mapear o leito de todos os oceanos da Terra em pouco tempo, descobrindo muito mais sobre o funcionamento de nosso planeta — conclui.

Foto: Latinstock

 

Fonte: O Globo.

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