Os produtos químicos tóxicos do dia a dia podem aumentar a ameaça do Covid-19

De agrotóxicos a ftalatos, de retardadores de chama fluorados (PFAS) a bisfenol A (BPA), além de outros milhares de produtos químicos potencialmente perigosos, estão nos produtos do nosso dia a dia. Ilustração: Guardian Design / The Guardian.

https://www.theguardian.com/us-news/2020/apr/29/coronavirus-toxic-chemicals-pfas-bpa

Todos os dias substâncias químicas que interrompem os hormônios podem afetar as defesas do sistema imunológico contra infecções.

Leonardo Trasande e Akhgar Ghassabian

Qua 29 Abr 2020 

Durante os raros momentos em que alguém se aventurou para fora de casa nos dias de hoje, provavelmente percebeu um céu mais claro e os benefícios das reduções na poluição do ar.

A exposição prolongada à poluição aumenta o risco a quatro dos maiores riscos de mortalidade do Covid-19 (increases the danger associated with four of the biggest Covid-19 mortality risks): diabetes, hipertensão, doença arterial coronariana e asma. Também pode fazer com que o sistema imunológico reaja exageradamente, exacerbando a resposta inflamatória a patógenos comuns (exaggerating the inflammatory response to common pathogens).

Mas existem outros contaminantes comuns em nossas casas que provavelmente também estão invadindo nosso sistema imunológico e que vêm tendo menos atenção de todos.

Todos nós provavelmente já ouvimos falar sobre substâncias químicas sintéticas (nt.: sempre reconhecer que moléculas sintéticas são as que a natureza desconhece porque foram ‘montadas’ pelos seres humanos) presentes em panelas antiaderentes, em cosméticos e, inclusive, em latas de alumínio, que geram disfunções em nossos hormônios (synthetic chemicals in non-stick pans, cosmetics and aluminum cans disrupting our hormones). 

A noção de que substâncias químicas, conhecidas como disruptores endócrinos só foi amplamente aceita cerca de uma década atrás, quando as sociedades científicas deram o alarme (nt.: vale relembrar que este assunto foi trazido ao conhecimento público no final dos anos 80, quando a pesquisadora Ana Soto, na Universidade de Tuft, em Boston, estudava células de mama e câncer mamário). A ciência da perturbação imunológica é ainda mais recente, com uma grande revisão de importante revista científica que foi publicada no ano passado (large review in a major scientific journal just out last year).

Da mesma forma, muitos de nós podemos ter ouvido falar dos “forever chemicals” (nt.: ‘produtos químicos para sempre’, o que significa que eles, por serem sintéticos, JAMAIS serão metabolizados, representando que ficarão nos ambiente e nos corpos de todos os seres do planeta PARA SEMPRE!), substâncias da família dos fluorados como perfluoroalquil (PFAS) trazido pelo filme de 2019, Dark Waters (nt.: título em português – ‘Preço da Verdade’), com o ator Mark Ruffalo. 

Estes produtos químicos, usados ​​para impedir que os alimentos grudem nas superfícies e nossas roupas fiquem livres de manchas oleosas, são amplamente encontradas no abastecimento de água dos EUA. Estamos falando de produtos químicos que 110 milhões de americanos bebem todos os dias (we’re talking about chemicals that 110 million Americans drink each day) que aumentam a taxa de mortalidade de camundongos expostos ao vírus da gripe ‘influenza tipo A’.

As crianças expostas durante a gravidez têm respostas imunológicas piores às vacinas, com respostas mais fracas aos anticorpos. Estudos na Noruega, Suécia e Japão (worse immune responses to vaccines, with weaker antibody responses. Studies in Norway, Sweden and Japan) encontraram maiores dificuldades em crianças com várias infecções, variando de resfriados a infecções de ouvido e estomacais (ranging from colds to stomach bugs to ear infections).

O bisfenol A, ou BPA, encontrado em recibos térmicos de papel de máquinas de cartão de crédito e em lâminas internas de latas de alumínio, foi encontrado em laboratório que aumentava a liberação de uma molécula corpórea, chamada interleucina-6, ou IL-6 (has been found in the laboratory to increase the body’s release of a molecule called interleukin-6, or IL-6), que pode estar envolvida no aparecimento de situações inflamatórias dentro dos pulmões que já mataram muitos pelo coronavírus. Um dos tratamentos mais promissores para pacientes com coronavírus é o tocilizumabe, um anticorpo para a IL-6 (one of the more promising treatments for coronavirus patients is tocilizumab, an antibody to IL-6). Os ftalatos, usados ​​em cosméticos, produtos de higiene pessoal e embalagens de alimentos, alteram os níveis de citocinas (alter levels of cytokines), que são os principais agentes da resposta imune ao coronavírus.

A evidência é perfeita? Dificilmente. E temos que confiar em estudos observacionais – você não pode executar um estudo controlado randomizado de misturas potencialmente tóxicas de vírus e exposições a produtos químicos. Existem desafios éticos e logísticos para se executar este tipo de estudos. Mas a ausência de evidência não significa ausência de dano.

Mudanças no estilo de vida a longo prazo

A prevenção destas exposições agora, altera a exposição ao novo coronavírus? Não. Fique em casa, lave as mãos com água e sabão por pelo menos 30 segundos por vez e mantenha seu distanciamento social de maneira bem forte. No momento, precisamos manter a calma, o máximo que pudermos, e continuarmos o melhor que pudermos. Superamos outros desastres – 11 de setembro, Katrina e Sandy, para citar apenas alguns. E quando voltarmos ao normal, poderemos limitar as exposições a estes tóxicos no cotidiano de nossas vidas – usando panelas de ferro fundido e aço inoxidável em vez de antiaderentes, evitar o consumo de alimentos enlatados e reduzir o uso de plástico em nossas vidas.

Mas quando voltamos ao normal, temos que nos perguntar como e por que chegamos aqui, exatamente como fizemos para estes desastres. O vírus da febre do Nilo Ocidental, o vírus da Zika, o da dengue, o Ebola e outras infecções estão em ascensão e atacando-nos quando nossas defesas imunológicas estão sendo agredidas por contaminantes evitáveis ​​no meio ambiente. O governo e a indústria se esforçaram várias vezes para limitar estas exposições devido à intensa pressão econômica. Provavelmente já foi ouvido falar que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) usou a pandemia de coronavírus para renunciar a suas regras de execução, permitindo que as empresas poluam sem consequências (to waive its enforcement rules, allowing companies to pollute without consequences).

Mas não é apenas na EPA que a ciência prejudicou a saúde humana devido a substâncias químicas que podem afetar o sistema imunológico. A Food and Drug Administration (FDA) não conseguiu proteger as crianças dos riscos conhecidos em embalagens de alimentos e outras superfícies de contato, permitindo que a própria indústria ateste sua segurança sem estudos cuidadosos de possíveis efeitos adversos (allowing industry to vouch for safety without careful study of potential adverse effects). E quando são encontrados efeitos negativos, a agência de medicamentos e alimentos (FDA) é limitada em sua capacidade de exigir que as empresas parem de usar ingredientes tóxicos em seus materiais.

Infecções não são apenas algo que vacinamos ou tratamos. Novas infecções surgirão ainda mais no futuro, se não apreciarmos as consequências de mexermos com a Mãe Natureza, como estamos fazendo, e percebermos que nosso sistema imunológico também está sendo invadido.

Leonardo Trasande é Jim G Hendrick, MD, professor de pediatria na NYU Grossman School of Medicine, e autor de Sicker, Fatter, Poorer, que descreve os efeitos dos produtos químicos disruptores endócrinos na saúde humana e na economia e o que podemos fazer a respeito. 

Akhgar Ghassabian é médica-epidemiologista no departamento de pediatria da NYU Grossman, onde estuda os efeitos de produtos químicos sintéticos na função imunológica e na saúde da criança.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2020.