Os bombeiros lutam contra um perigo invisível: seu equipamento pode ser tóxico

Um incêndio em Chicago no mês passado. Esta semana, os bombeiros vão pressionar por ações contra produtos químicos perigosos nas roupas de proteção que devem usar.Crédito…Antonio Perez / Chicago Tribune, via Associated Press

https://www.nytimes.com/2021/01/26/climate/PFAS-firefighter-safety.html

Publicado em 26 de janeiro de 2021

Todos os dias no trabalho por 15 anos, Sean Mitchell, um capitão do Corpo de Bombeiros de Nantucket, vestiu o macacão que o protege do calor e das chamas que ele enfrenta no trabalho. Mas no ano passado, ele e sua equipe encontraram pesquisas perturbadoras: produtos químicos tóxicos no próprio equipamento destinado a proteger suas vidas podem, em vez disso, estar deixando-os gravemente doentes.

Esta semana, o capitão Mitchell e outros membros da International Association of Fire Fighters (nt.: Associação Internacional de Bombeiros), o maior sindicato de bombeiros do país, estão exigindo que os dirigentes sindicais ajam. Eles querem testes independentes de PFAS , dos produtos químicos em seus equipamentos e que o sindicato se livre do patrocínio de fabricantes de equipamentos e da indústria química. Nos próximos dias, os delegados que representam os mais de 300.000 membros do sindicato devem votar a medida – a primeira.

“Estamos expostos a esses produtos químicos todos os dias”, disse o capitão Mitchell. “E quanto mais eu olhava para isso, mais parecia que as únicas pessoas que diziam que esses produtos químicos eram seguros eram as pessoas que os fabricavam.”

As demandas surgem no momento em que a segurança dos bombeiros se torna uma preocupação urgente em meio ao agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, que trazem o aumento das temperaturas que prepara o país para incêndios cada vez mais devastadores. Em outubro, duas dúzias de bombeiros na Califórnia – onde um recorde de 1,7 milhões de hectares queimados em todo o estado no ano passado – entraram com um processo contra a 3M, Chemours, E.I. du Pont de Nemours e outros fabricantes, alegando que as empresas por décadas conscientemente fabricaram e venderam equipamentos de combate a incêndios carregado com produtos químicos tóxicos sem aviso dos riscos dos produtos químicos.

“O combate a incêndios é uma ocupação perigosa e não queremos que nossos bombeiros se queimem. Eles precisam dessa proteção”, disse Linda Birnbaum, ex-diretora do National Institute for Environmental Health Sciences (nt.: Instituto Nacional de Ciências de Saúde Ambiental). “Mas agora sabemos que o PFAS está nos equipamentos deles, mas esta substância não permanece neles de onde se despreendem.”

“Muito disso migra para fora e vai para o ar que eles respiram e está nas mãos e nos corpos”, acrescentou Birnbaum. “Se eles levarem seus equipamentos para casa para lavar, levam o PFAS para suas famílias.”

A DuPont disse que estava “desapontada” com os bombeiros que buscavam proibir patrocínios e que seu compromisso com a profissão era “inabalável”. Já a 3M disse que “atuou com responsabilidade” quanto o PFAS e manteve o compromisso de trabalhar com o sindicato. A indústria Chemours não quis comentar.

Os riscos dos produtos químicos em equipamentos de combate a incêndios podem parecer menores em comparação com as chamas mortais, edifícios cheios de fumaça ou infernos florestais que os bravos bombeiros trabalham. Mas nas últimas três décadas, o câncer emergiu como a principal causa de morte deles em todo o país, representando 75% das mortes de bombeiros na ativa em 2019.

Estudos realizados pelo Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional descobriram que os bombeiros têm um risco 9% maior de contrair câncer e um risco 14% maior de morrer da doença do que a população geral dos Estados Unidos. Eles estão em maior risco de câncer testicular, mesotelioma e linfoma não Hodgkin, e as taxas não diminuíram, apontam os especialistas em saúde, embora os bombeiros nos Estados Unidos agora usem bolsas de ar semelhantes a equipamentos de mergulho para se protegerem dos vapores deste tóxico.

“Não é a morte tradicional no cumprimento do dever, o bombeiro caindo no chão ou um telhado desabando sobre nós”, disse Jim Burneka, bombeiro em Dayton, Ohio, que também dirige a Firefighter Cancer Consultants. Trabalha com bombeiros em todo o país para reduzir os riscos de câncer para suas equipes. “É um novo tipo de morte no cumprimento do dever. Ainda é o trabalho que nos mata. É que morremos sem as botas. ”

Embora seja difícil estabelecer ligações diretas entre a exposição a produtos químicos e o câncer, principalmente em casos individuais, especialistas em saúde alertaram que a exposição a produtos químicos está aumentando os riscos de câncer dos bombeiros. Um culpado: as espumas que os bombeiros usam para combater incêndios particularmente perigosos. Alguns estados proibiram seu uso.

Mas um estudo publicado no ano passado por pesquisadores da Universidade de Notre Dame encontrou quantidades significativas de produtos químicos semelhantes nas roupas de proteção dos bombeiros, aplicadas para manter as roupas resistentes à água. Os pesquisadores descobriram que esses produtos químicos estavam se desprendendo das roupas ou, em alguns casos, migrando para as camadas internas do casaco.

Os produtos químicos em questão pertencem a uma classe de compostos sintéticos, chamados de substâncias per- e polifluoroalquil, ou PFAS , encontrados em uma variedade de produtos, incluindo recipientes de fast-food e móveis. Às vezes chamados de “químicos para sempre” (nt.: chemicals forever – denominação dada porque ele jamais atuará como as substâncias naturais, permitindo que se formem novas moléculas) porque não se degradam totalmente no meio ambiente, os PFAS têm sido associados a uma série de efeitos na saúde , incluindo câncer, danos ao fígado, diminuição da fertilidade, asma e doenças da tireoide.

E enquanto algumas formas de PFAS estão sendo eliminadas, as substituições não se comprovaram mais seguras, disse Graham F. Peaslee, professor de física nuclear experimental, química e bioquímica da Universidade Notre Dame que liderou este estudo.

“É mais um fator de risco, mas podemos eliminar, enquanto você não pode eliminar o risco quando correm para um prédio em chamas”, disse o Dr. Peaslee. “E os bombeiros não são informados sobre isso. Então, eles estão vestindo tudo isso mesmo no relaxamento entre as chamadas”, disse ele. “Isso se torna uma exposição crônica, o que não é nada bom.”

O governo Biden disse que tornaria o PFAS uma prioridade. Em documentos de campanha, o presidente se comprometeu a definir o PFAS como uma substância perigosa, fazendo com que os fabricantes e outros poluidores pagarem por sua limpeza, bem como definir um padrão nacional com relação à água potável pela presença deste produto químico. Nova York, Maine e Washington tomaram medidas para proibir este químico nas embalagens de alimentos (nt.: usado em embalagens de pizza e outros deliveries para impedir que engordurem) além de outras proibições que estão em andamento.

É necessário eliminar o PFAS em produtos de uso diário, como alimentos, cosméticos, têxteis e capetes”, disse Scott Faber, vice-presidente sênior para assuntos governamentais do Grupo de Trabalho Ambiental (nt.: EWG/Environmental Work Group), um grupo sem fins lucrativos que trabalha com saúde ambiental. “Os bombeiros estão desproporcionalmente expostos, além de tudo isso.”

O tenente Ron Glass, presidente do sindicato dos bombeiros profissionais de Orlando, que é bombeiro há um quarto de século, perdeu dois de seus colegas por câncer no ano passado. “Quando fui contratado pela primeira vez, a principal causa de morte era acidente durante o incêndio, depois foram ataques cardíacos”, disse ele. “Agora é só câncer.”

“Inicialmente, todos culparam a queima de diferentes materiais ou das espumas. Então começamos a cavar um pouco mais fundo e começamos a examinar nosso equipamento de ação”, disse ele. “Os fabricantes inicialmente nos disseram que não havia nada de errado, nada prejudicial. Mas acontece que estão os PFAS não apenas na parte externa de nossos equipamentos, mas também no forro interno, exatamente o que vai junto de nossa pele.”

O tenente Glass e seus colegas estão agora pressionando a Associação Internacional de Bombeiros, que representa os bombeiros e paramédicos nos Estados Unidos e no Canadá, a fazerem mais testes. Sua resolução formal, submetida há pouco à convenção anual do sindicato, também pede que ele trabalhe junto aos fabricantes para desenvolverem alternativas mais seguras.

O capitão Mitchell, enquanto isso, está pressionando o sindicato para recusar futuros patrocínios de fabricantes de produtos químicos e equipamentos, dinheiro que ele acredita ter retardado a ação sobre o assunto. Em 2018, o sindicato recebeu cerca de US $ 200.000 de empresas como a fabricante de tecidos WL Gore (nt.: produtores da molécula denominada de Gore-Tex, da mesma família dos ) e a fabricante de equipamentos MSA Safety, conforme mostram os registros.

A corporação WL Gore disse que continua confiante na segurança de seus produtos. A MSA Safety não respondeu a um pedido de comentário.

Outro obstáculo é que os fabricantes ocupam posições de destaque no órgão que supervisiona os padrões para equipamentos de combate a incêndios, a National Fire Protection Association. Metade dos membros de um comitê que supervisiona os padrões de roupas e equipamentos de proteção, por exemplo, são da indústria. Uma porta-voz do grupo disse que os comitês representam uma “variedade equilibrada de interesses, incluindo os bombeiros”.

Diane Cotter – cujo marido, Paul, um bombeiro em Worcester, Massachusetts, foi informado sete anos atrás que ele tinha câncer – foi uma das primeiras a levantar as preocupações sobre o PFAS no equipamento. Seu marido acabara de ser promovido a tenente em setembro de 2014, após 27 anos de serviço. “Mas, em outubro, sua carreira acabou”, disse Cotter. “Ele teve o diagnóstico de câncer. E eu não posso te dizer o quão chocante foi isso.”

Ela tinha ouvido falar que os bombeiros europeus estavam se afastando do uso de PFAS, mas quando ela começou a escrever aos fabricantes nos Estados Unidos, “não consegui obter nenhuma resposta”, diz ela. A ação do sindicato é importante, disse ela, embora seja tarde demais para seu marido. “O mais difícil é que ele não pode voltar a trabalhar”, disse Cotter.

Correção : 26 de janeiro de 2021 – Uma versão anterior deste artigo identificou erroneamente a cidade onde Paul Cotter trabalhava como bombeiro. É Worcester, Massachusetts, não Dayton.

Hiroko Tabuchi é uma repórter investigativa da mesa do clima. Ela fazia parte da equipe do Times que recebeu o Pulitzer de 2013 para reportagem explicativa. @HirokoTabuchi • Facebook

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2021.