06 de julho de 2022
Em seu novo livro, ‘How to Sell a Poison‘, Elena Conis explica como o DDT está ligado a outros produtos químicos tóxicos onipresentes, bem como à desigualdade social, racial e à poluição ambiental – e por que a indústria do tabaco financiou uma campanha secreta para trazê-lo de volta.
O dicloro-difenil-tricloroetano, ou DDT (nt.: agrotóxico ‘redescoberto’ nos anos 30 por um químico suíço, Paul Müller. Já era conhecido e tido como curiosidade de laboratório desde o final do século XIX. Müller recebeu em 1948 o Prêmio Nobel da Medicina e da Fisiologia por isso. 16 anos depois surge o livro de Rachel Carson, mostrando o que veremos abaixo. E em 1972, 24 anos depois do Nobel, o veneno é proibido nos EUA e no mundo; no Brasil, nos anos 80 -???-. Uma tragédia, sem dúvida, inimaginável e incalculável. Hoje se sabe que ele e seu metabólito, DDE, são disruptores endócrinos!) é um pesticida notório que já foi considerado uma panaceia nos Estados Unidos (nt.: e dai, em todo o mundo. Quem não conhece o neologismo – DeDeTização??). Foi usado, com abundância, entre as décadas de 1940 e 1960, para combater uma ampla gama de pragas agrícolas e doenças humanas, mas sua toxicidade e carcinogenicidade em animais e humanos logo veio à tona, e o uso do produto químico foi interrompido.
Embora o DDT tenha sido proibido na maioria dos países do mundo (com exceção do controle da malária), por cinco décadas, ele persistiu em nosso ambiente e continua a causar doenças em humanos e animais. Apesar disso, nos últimos anos, alguns vêm pedindo mais uso do DDT para combater não apenas a malária, mas também o vírus do Nilo Ocidental e o vírus Zika.
Em How to Sell a Poison (nt.: ‘Como vender um veneno’), a historiadora da medicina Elena Conis traça a história do DDT, seus impactos e as implicações da mudança da ciência. Em um estilo narrativo magistral que parece um romance, Conis conta as histórias de pessoas comuns e do nascente movimento ambientalista que procurou expor os danos do produto químico. Seu livro oferece insights sobre os mecanismos de negação da ciência, campanhas de desinformação e o papel da política e outras forças sociais em moldar a abordagem de uma nação para regular uma substância tóxica.
A Civil Eats conversou com Conis sobre a luz que a história do DDT lança sobre os muitos outros produtos químicos tóxicos usados hoje, como a desigualdade social, racial e a poluição ambiental estão ligadas e por que a indústria do tabaco financiou uma campanha secreta para trazer de volta o DDT.
Por que você decidiu escrever um livro sobre o DDT e por que agora?
Eu cresci na década de 1980, uma década após a proibição do DDT. Eu sabia disso como um dos nossos produtos químicos mais tóxicos. Eu sabia que era responsável pela perda de um grande número de águias americanas e, onde eu morava em Nova York, pela perda de águias-pescadoras, entre outras aves. Depois, como graduada, participei de uma conferência em que alguns especialistas em saúde global falaram sobre o problema da piora da malária, principalmente em lugares como a África Subsaariana. Todos eles mencionaram a necessidade de trazer de volta o DDT. Não foi só isso que me surpreendeu. Mas o que me surpreendeu, na verdade, foi ainda ninguém mais na plateia parecer achar isso estranho, esquisito ou preocupante. Carreguei essas perguntas por muito tempo: O que aconteceu com o DDT? Sua reputação mudou? As pessoas tinham reconsiderado o quão tóxico era? (nt.: ou não seria a notória irresponsabilidade desses ‘cientistas’ que, como supremacistas brancos, somente têm visão para os ‘ $$$$ ‘, ficando a saúde de todos em níveis desprezíveis, além de ser na ‘África’ e não nos filhos deles! Será que não sabem que o DDT e o DDE são DISRUPTORES ENDÓCRINOS ???)
Soldado em uma casa italiana pulverizando uma mistura de DDT e querosene para controlar a malária, 1945. Museu Nacional de Saúde e Medicina
Quinze anos depois, tornei-me historiador da medicina. Fui jornalista com foco em saúde e medicina por um tempo, fiz meu doutorado em história [na Universidade da Califórnia, São Francisco] e encontrei um arquivo eletrônico na UCSF (nt.: Universidade da Califórnia/San Francisco) que contém versões digitalizadas de documentos corporativos divulgados em meados da década de 1990 durante audiências sobre a indústria do tabaco. Deparei com alguns documentos curiosos sobre o DDT. Acontece que a indústria do tabaco manifestou interesse no seu retorno. Foi quando percebi que o produto químico tinha uma história mais complicada. Passou de herói de guerra a inimigo público para um terceiro ato uma geração depois, quando o reconsideramos completamente. Parecia um estudo de caso interessante para entender como mudamos de opinião sobre a ciência, quem está envolvido em moldar o que sabemos e [modelar] a tecnologia com base em nosso conhecimento científico (nt.: essa observação da autora é importantíssima ao revermos o que estamos vivendo, no aqui e agora, em 2022! Esquecemos o que foi a ditadura militar com seus horrores na figura dos militares e do ex-capitão querendo reviver os terrores tanto dos torturadores, como do etnocídio, incompleto, daquele tempo, dos povos originários e o ecocídio do patrimônio da humanidade da Amazônia, o qual somos somente os guardiões. Outro lapso de memória é a lei dos venenos de agora que volta à década de 30, com o decreto do Getúlio quando nem ‘existia’ o DDT como inseticida. ignorando toda a conquista dos anos 80 com a lei federal dos agrotóxicos).
Como sociedade, temos lutado sobre ciência na última década, com muitas pessoas parecendo rejeitar as alegações científicas aceitas. E as pessoas que acreditam nessas afirmações científicas sentem-se completamente frustradas quando não são simplesmente aceitas como uma questão de fato. A história do DDT para mim mostrou como os fatos científicos podem mudar dependendo do contexto, das perguntas que fazemos e dos interesses que buscam as respostas para essas perguntas. Parecia um estudo de caso útil para entendermos por que brigamos sobre ciência e sobre o que realmente brigamos quando brigamos. Na história do DDT, descobri que os debates sobre o produto químico eram batalhas por procuração por lutas por gênero, raça, classe e economia.
Você descreve em detalhes chocantes a pulverização onipresente, constante e em larga escala de casas, campos, animais de estimação, gado e cidades americanas inteiras com DDT. Por que esse produto químico foi tão amplamente utilizado?
Se você pudesse se colocar no lugar das pessoas que encontraram pela primeira vez esse produto químico em grande escala nos anos 40 e 50, veria que a geração anterior de agrotóxicos, como inseticidas – aqueles usados antes do DDT – eram muito mais tóxicos. Eram venenos conhecidos, compostos feitos com chumbo e arsênico. Era um fato aceito que, se você fosse matar insetos, usaria algo venenoso para as pessoas. O DDT não era tóxico da mesma forma (nt.: importantíssima ressalva que mostra como os tempos são outros. Antes dessas moléculas sintéticas onde também estão os plásticos e os medicamentos, a toxicologia estava sentada no paradigma de Paracelsus. Aqui entre elas serem veneno ou medicamento tudo estava relacionado com a dose. Agora como a relação é com os hormônios, as doses são infinitesimais). Animais e pessoas poderiam ser expostos a muito DDT a muito curto prazo e ficariam bem.
O fato de termos algo que poderia matar insetos e não nos deixar doentes a curto prazo fez o DDT parecer a resposta para tudo. As pessoas se tornaram dependentes dele muito rapidamente porque não precisavam se esforçar muito para livrarem suas casas de formigas ou baratas, ou toda a sua comunidade de moscas ou mosquitos. O DDT oferecia uma maneira de manter as coisas limpas, salubres, “saudáveis”. Ao mesmo tempo, era uma maneira de tornar a agricultura mais lucrativa – porque com uma varredura do DDT, os agricultores podiam eliminar algumas das piores pragas (nt.: cultura civilizatória que não tem a verdadeira noção do que é agricultura na efetiva acepção do conceito. Não existem pragas, existem insetos com fome; para isso ver o link).
Apesar desses benefícios, outros países não usavam o DDT em quantidades tão grandes. Os EUA foram os únicos na quantidade de pulverização do produto químico, embora na verdade tenha sido desenvolvido por uma empresa química suíça. Por quê?
A história do DDT foi tecida na história que contamos durante e após a Segunda Guerra Mundial sobre como os EUA se tornaram uma superpotência. Os americanos ouviam constantemente sobre como o DDT havia protegido nossas tropas, prisioneiros de guerra e refugiados da malária (nt.: malária é uma doença relacionada à devastação florestal e não à presença do inseto, pura e simplesmente) e de outras doenças devastadoras. O produto químico, disseram-lhes, transformara essencialmente a guerra. Assim, o DDT foi aceito como parte desse projeto maior de nos vermos como líderes globais.
As grandes empresas fabricantes de DDT também foram subsidiadas pelo governo federal durante a guerra. Então, eles emergiram maiores e mais poderosos do que nunca. Combine esse poder com o enorme apetite americano por DDT e, de repente, ficou enorme. Simplesmente decolou.
Milhares de outros produtos químicos já foram lançados no mercado e o governo federal regulamenta apenas uma pequena porcentagem deles. Que lições seu livro oferece sobre a regulamentação de produtos químicos?
A primeira conclusão é que o DDT criou um conjunto de problemas que aos poucos tomamos conhecimento e depois pensamos que resolvemos banindo o produto químico [em 1972] e mais tarde através da aprovação do Superfund [um programa da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) estabelecido em 1980 para limpar lixões de resíduos perigosos]. Mas aqui estamos, 50 anos depois, e esse produto químico ainda está conosco. Ainda está afetando a saúde das pessoas, e ainda está na vida selvagem, nas aves e nos mamíferos marinhos, afetando sua saúde também. Continua no ambiente, inclusive em lugares que nem conhecíamos ou nos permitimos esquecer. Estamos limpando o DDT em terra, mas descobrimos recentemente que cargas de DDT foram despejadas no Oceano Pacífico, ao largo da costa da Califórnia. Portanto, uma das grandes conclusões é que, quando nos movemos com pressa, não temos ideia de quanto tempo durarão as consequências para a saúde e o meio ambiente de nossos desenvolvimentos tecnológicos.
Em segundo lugar, quando tomamos medidas para resolver esses problemas, também não temos um bom controle sobre o prazo necessário para que essas soluções sejam significativas. Nós “resolvemos” o problema do DDT banindo-o e limpando o meio ambiente. Em um dos sites do Superfund que examinei, a EPA criou um plano de limpeza no início dos anos 80 que envolvia redirecionar um rio e monitorar os peixes ao longo do tempo para garantir que seus níveis de DDT estivessem diminuindo. Após 30 anos de limpeza e monitoramento, os peixes tinham níveis de DDT considerados seguros [na época], mas hoje não achamos que esse nível seja seguro o suficiente. No momento em que criamos uma tecnologia ou um produto químico, começamos uma corrida para entender todos os tipos de maneiras pelas quais isso vai remodelar a nós mesmos e ao nosso meio ambiente. Estaremos sempre brincando de apanhar.
Controle de mosquitos, Jones Beach State Park, Long Island, 1945 Foto: Bettmann/Corbis
Como evoluiu a ciência sobre o DDT e quais são as lições sobre ciência que essa história expôs?
O DDT foi e ainda é um dos produtos químicos mais bem estudados que criamos. Foi tão bem estudado porque foi usado tão extensivamente. Durante a guerra, os homens que serviam nas forças armadas passavam a manhã, o meio-dia e a noite apenas pulverizando, pulverizando, pulverizando. Eles estavam cobertos de DDT o dia todo. E todos os estudaram — os fabricantes, o exército — e concluíram que esses homens pareciam bem. A guerra acabou, eles foram dispensados, e foi isso. Depois, houve estudos após a guerra para acompanhar não apenas os pulverizadores, mas também as pessoas que trabalhavam nas fábricas que fabricavam o DDT. Houve estudos em que o DDT foi administrado aos prisioneiros. Normalmente, os cientistas estudavam um pequeno grupo de homens, faziam um conjunto limitado de perguntas e concluíam que estava tudo bem.
Então, depois da guerra, o cavalo saiu do celeiro. Todo mundo sabia sobre o DDT, sua fórmula foi publicada e todos os grandes e pequenos fabricantes estavam fazendo e vendendo. Havia tanta pesquisa – inclusive sobre o acúmulo de DDT no tecido adiposo e no leite materno – que foi publicada, relatada e, para todos os efeitos, ignorada por décadas.
Na segunda metade do século 20, passamos de estudos toxicológicos de curto prazo para estudos epidemiológicos de longo prazo. Também começamos a mudar as perguntas que fizemos. E começamos a observar os efeitos do DDT em amostras muito mais representativas da população, incluindo mulheres, crianças, idosos, pessoas com condições ou doenças pré-existentes e pessoas que foram expostas ao DDT de diferentes maneiras e por diferentes períodos de tempo. . Muitas dessas pesquisas ocorreram depois que o DDT foi banido, então eles tiveram que ser criativos sobre as perguntas que fizeram. Além disso, a forma como as pessoas eram expostas ao DDT estava mudando. Durante a guerra, as pessoas foram expostas ao spray. Após a guerra, eles foram expostos principalmente através de suas dietas. Então, os cientistas tiveram que fazer perguntas completamente diferentes.
Tratamos a ciência como uma fonte de respostas concretas, inflexíveis e indiscutíveis. Mas a ciência é, de fato, um processo que usamos para entender a nós mesmos e ao nosso mundo. E com o tempo, esse processo vai nos dar novos tipos de informação. O próprio processo vai mudar os tipos de perguntas que estamos interessados em fazer, como as fazemos e quão capazes somos de obter certos tipos de respostas. Ao mesmo tempo, a ciência é social. É realizado por atores humanos. E os cientistas trazem para esse processo todos os seus preconceitos, preconceitos e suposições pré-existentes. Se pudéssemos reconhecer isso e ver com mais clareza, ajudaria a restaurar a confiança do público na ciência.
Rachel Carson, the famed author of Silent Spring, muitas vezes recebe grande parte do crédito por trazer o DDT à atenção do público americano. Mas seu livro se concentra em outros atores, incluindo trabalhadores rurais. Como o United Farm Workers Union (UFW) se encaixou na batalha contra o DDT?
A contribuição dos trabalhadores rurais não recebeu a atenção que merece. Deparei com uma citação de Cesar Chavez em que ele reivindicou a responsabilidade pela virada pública contra o DDT. No começo, pensei: “Essa é uma grande afirmação!” Mas quanto mais eu lia, mais percebia que os trabalhadores rurais fizeram muito para virar o público contra o DDT. Houve alguns casos de envenenamento em massa de trabalhadores rurais e, quando Chávez começou a organizar boicotes de uvas cultivadas na Califórnia, alguns dos trabalhadores pediram para incluir agrotóxicos na lista de exigências feitas aos produtores. Eles divulgaram o fato de que, se você comprasse uvas não sindicalizadas, elas poderiam ter muitos venenos nelas. Isso foi eficaz e chamou a atenção do público.
Quando o UFW finalmente conseguiu sua primeira vitória sindical, o contrato incluía a proibição de agrotóxicos duros, incluindo DDT. Esta foi uma das primeiras proibições de DDT nos Estados Unidos. Portanto, antes que a EPA o proibisse em nível nacional e antes que os estados o proibissem em nível estadual, os trabalhadores rurais proibiram o DDT em seus contratos sindicais. Esta é uma parte da história que se perdeu em nosso foco na Primavera Silenciosa e no movimento ambiental.
Você conta as histórias de pessoas comuns impactadas pelo DDT, de soldados a donas de casa e agricultores. Por que você escolheu se concentrar neles, em oposição aos grandes jogadores?
Sempre me interessei em obter uma compreensão mais profunda de por que certas pessoas podem confiar na ciência com mais facilidade do que outras. Muitas vezes recorremos a instituições e especialistas em busca de respostas para essa pergunta. Eu senti que a melhor maneira de explorá-lo era deixar as instituições de lado. Fiz uma escolha deliberada de tornar o pequeno agricultor tão importante quanto o químico. Era importante para mim deixá-los todos em pé de igualdade, ver suas interações com mais clareza e entender exatamente por que as pessoas comuns chegaram às conclusões que fizeram e tomaram as ações que fizeram.
Os historiadores da ciência às vezes apontam que, anos atrás, a ciência acontecia quando as pessoas se dedicavam à observação ou experimentação exatamente onde viviam. Hoje, em contraste, a ciência está muito distante de onde as pessoas comuns vivem. Assim que o DDT foi lançado para venda ao público em 1945, todos esses químicos obtiveram a fórmula e a fizeram eles mesmos. Por exemplo, havia um homem que morava na Geórgia que administrava uma farmácia e queria vender DDT. Sua filha pegou a fórmula de um diário na biblioteca da faculdade. Ela deu para o pai dela, ele fez DDT no laboratório em sua garagem e depois vendeu em sua loja. Hoje, esse tipo de coisa é impensável [por causa de patentes e direitos de propriedade intelectual]. Isso nos torna dependentes de especialistas e instituições para saber o que está acontecendo. Essa remoção está relacionada à quebra da confiança pública na ciência.
Também tentei entrar na cabeça das pessoas que defendiam o DDT. Eles faziam coisas como comer DDT na frente das câmeras, antes de um repórter no noticiário da noite. O DDT não parecia tão tóxico para eles; tantos outros produtos químicos eram claramente mais tóxicos. Eles acreditavam tão fortemente em seus benefícios e achavam que esses benefícios superavam os danos.
Seu livro mostra como a desigualdade social, raça e poluição ambiental estão inextricavelmente ligadas. Como essas desigualdades foram tratadas pelo governo, se é que foram?
Sem dúvida, as pessoas de cor foram expostas a quantidades muito maiores de DDT e por períodos mais longos do que as pessoas brancas, especialmente as pessoas brancas de classe média. Muito disso foi usado no algodão, e no Sul muitos dos agricultores e aqueles que trabalhavam nos campos eram negros. Mas houve pouca atenção às implicações desse fato. Os estudos analisaram quantos agrotóxicos persistentes estavam nas dietas e nos corpos de crianças e americanos médios. E se você pegasse esses resultados e os estratificasse por raça, os negros tinham níveis mais altos de produtos químicos, incluindo DDT, em seus corpos do que os brancos. Tínhamos essa evidência a partir dos anos 70, completamente correlacionada com o que sabíamos sobre onde e como o DDT havia sido usado por décadas. E nós não agimos sobre isso.
Conto a história de Triana, uma pequena cidade afro-americana no norte do Alabama. Seu prefeito, Clyde Foster – que era cientista e matemático da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA) – tomou conhecimento dos altos níveis de DDT nos peixes do rio que atravessa sua comunidade. Ele pediu ajuda ao governo federal para investigar a quantidade exata de DDT a que os moradores da cidade haviam sido expostos. O resultado das ações de Foster foi que a empresa responsável pela fabricação do DDT chegou a um acordo de US$ 24 milhões [para compensar os moradores da cidade], e a EPA concordou em fazer de Triana um local do Superfund, o que significa que a agência supervisionaria a limpeza do DDT.
Além disso, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) concordaram em estudar a quantidade de DDT nos corpos das pessoas que vivem naquela cidade e o que estava fazendo com elas. A história de Triana revelou que tínhamos focado no suprimento de alimentos da classe média. Na cidade de Triana, as pessoas comiam peixe direto do rio porque era de graça. As pessoas estavam consumindo DDT em níveis que os cientistas nem imaginavam ser possíveis.
Eventualmente, estudos que investigavam a exposição das pessoas a substâncias químicas persistentes e outras através da dieta começaram a levar em consideração essas variáveis. Eles começaram a perguntar: como podemos explicar totalmente as diferentes dietas que as pessoas que vivem nos EUA estão consumindo e o que isso pode significar para sua exposição química? Como resultado, vários estudos analisaram os padrões alimentares dos nativos do Alasca, incluindo aqueles que comiam grandes quantidades de animais marinhos com alta retenção de DDT em sua gordura. Começamos a ver diferentes padrões de exposição décadas depois que as pessoas foram expostas.
Estudos subsequentes mostraram que os filhos e netos de pessoas expostas ao DDT sofrem os impactos desse produto químico, então US$ 24 milhões não é realmente um acordo muito grande.
Sim, e é apenas um produto químico. Quando os cientistas começaram a estudar as pessoas em Triana, descobriram que as pessoas na cidade também têm altos níveis de PCBs (nt.: como os DDT também é um organoclorado, ou seja, tem o cloro em sua fórmula e atuando fortemente. E o que significa ter cloro? A presença não intencional da molécula artificial criada pela humanidade, mais venenosa jamais existente: a dioxina=ao agente laranja, à tragédia de Seveso/Itáilia tantas outras). Estes são produtos químicos industriais usados em eletrônicos e outros produtos. Então havia algo lá que ninguém sabia perguntar. O legado do racismo ambiental é muito maior do que imaginávamos.
Por que a indústria do tabaco quis “trazer de volta” o DDT após sua proibição?
No início, a indústria estudava o DDT porque era usado nas plantações de tabaco. No início dos anos 60, quando o Surgeon General ligou o fumo ao câncer, os fumantes escreveram para as empresas de tabaco dizendo: “talvez seja o agrotóxico”. Então, como os países europeus propuseram limites na quantidade de DDT nas culturas importadas [incluindo o tabaco]. . . a indústria do tabaco começou a pressionar os produtores e o USDA para que parassem de usar o DDT. O USDA acabou por proibir o DDT no tabaco antes da proibição nacional completa.
Avanço rápido para o final dos anos 1990, quando a indústria do tabaco começou a arrecadar fundos para uma campanha para trazer de volta o DDT. Foi uma campanha de comunicação para convencer o público de que o DDT nunca deveria ter sido proibido em primeiro lugar porque milhões de pessoas, principalmente crianças, estavam morrendo em todo o mundo devido à malária e o DDT era uma ferramenta para combatê-la. A Big Tobacco não se importava com o DDT. A indústria estava tentando proteger o mercado [global] de cigarros minando o apoio público às regulamentações federais e à ideia de que as nações ocidentais deveriam ditar a política global de saúde. Esta não era uma simples história da indústria do tabaco sendo o vilão. Os think tanks conservadores abordaram a indústria com essa ideia porque queriam promover uma ideologia de direita e sabiam que a indústria do tabaco a financiaria.
Campanhas destinadas a desacreditar a ciência parecem ser uma ameaça em muitos debates científicos atuais. Como nos mantemos vigilantes diante dessas campanhas?
Quando se trata de alguns dos debates científicos de hoje, talvez nem saibamos quem está no jogo, quem está nos bastidores puxando as alavancas e determinando o que ouvimos e o que não ouvimos. Uma das maiores conclusões do livro é que é crucial para nós sabermos de quem estamos ouvindo e por que estamos ouvindo deles . . . saber quais são os seus verdadeiros interesses e quem lhes dá o poder e a voz que têm. E não se trata apenas de interesses, mas também de como esses interesses criam aliados de pessoas diferentes. Nem sempre é tão simples quanto procurar patrocínio ou vínculos da indústria. Em vez disso, é uma questão de entender a tendência ideológica e os objetivos das pessoas que estão compartilhando histórias científicas.
A queda do DDT em desgraça é apontada como uma grande história de sucesso pelo movimento ambientalista. Mas ainda estamos inundados de produtos químicos tóxicos. O que a proibição conseguiu?
A proibição nos distraiu do fato de que o uso de agrotóxicos estava apenas aumentando e continuou a aumentar. Proibimos poluentes orgânicos persistentes, incluindo DDT e outros agrotóxicos organoclorados, mas os substituímos por organofosforados [como o clorpirifós], que na verdade são mais tóxicos, e os usamos em maior quantidade. Começamos então a banir alguns deles e os substituímos pelos neonicotinóides e os chamados de agrotóxicos sistêmicos (nt.: ou seja, passam a fazer parte dos tecidos das plantas e assim não adianta ‘lavá-los’. O veneno está dentro, está no que comemos). Estamos apenas repetindo tudo de novo, usando novos produtos químicos sem entender todo o escopo de seu impacto ou seus efeitos a longo prazo.
Não estamos reduzindo nossa dependência de agrotóxicos e estamos diminuindo cada vez mais a população total de insetos nos EUA e no mundo. Precisamos de insetos para nossa sobrevivência, e ainda nem começamos a entender para onde estamos indo. Isso é o que me assusta mais do que a toxicidade de um produto químico como o DDT. São as questões maiores relacionadas à nossa total dependência e uso excessivo de uma gama tão ampla de produtos químicos em constante mudança e insuficientemente estudados que estão indiscutivelmente remodelando o mundo em que vivemos. Provavelmente não para melhor.
Esta entrevista foi editada para maior extensão e clareza.
Gosia Wozniacka é repórter sênior da Civil Eats. Jornalista multilíngue com mais de quinze anos de experiência, Gosia está atualmente sediada em Oregon. Wozniacka trabalhou por cinco anos como repórter da Associated Press em Fresno, Califórnia, e depois em Portland, Oregon. Ela escreveu extensivamente sobre agricultura, água e outras questões ambientais, trabalhadores rurais e política de imigração. Envie um e-mail para gosia (at) civileats.com e siga-a no Twitter @GosiaWozniacka
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2022.