‘O ecocídio vai ser o genocídio do século 21’

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Fumaças

O advogado Rodrigo Lledó integra um grupo de especialistas que defende que a destruição do meio ambiente seja considerada crime pelo Tribunal Penal Internacional

https://www.bbc.com/portuguese/geral-59220791

  • Fernanda Paúl
  • BBC News Mundo

21 novembro 2021

Matar o próprio lar.

Esta é a definição da palavra de origem grega e latina “”, que está ganhando cada vez mais notoriedade no mundo devido à .

A pesca industrial que leva à perda de várias espécies, os derramamentos de óleo, a intensiva que causa desmatamento em áreas como a e a por plástico nos são alguns dos exemplos de atos que causam graves danos ambientais.

Diante desta situação, cientistas, acadêmicos e líderes ambientais de diversos países alertam sobre a necessidade de transformar o ecocídio em um crime internacional que penaliza a destruição generalizada do mundo natural.

Algo que, atualmente, não existe.

Por isso, um grupo de especialistas renomados está trabalhando para que o Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional (TPI), seja modificado e inclua o ecocídio entre seus crimes.

O advogado chileno Rodrigo Lledó faz parte deste grupo. Na entrevista a seguir, ele analisa por que é importante responsabilizar criminalmente a , por que ainda existem países que resistem a esta ideia e quão próximos estamos realmente do ecocídio ser incluído no Estatuto de Roma.

O advogado e acadêmico Rodrigo Lledó é diretor da Fundação Internacional Baltazar Garzón

BBC News Mundo – O que é o ecocídio?

Rodrigo Lledó – É qualquer ato ilegal ou arbitrário perpetrado sabendo-se que existe uma possibilidade significativa de causar graves danos ao meio ambiente, ou que estes (danos) serão extensos ou duradouros.

Não é um termo novo, ao contrário do que se pensa. Fala-se em ecocídio desde a Guerra do Vietnã, quando os Estados Unidos pulverizaram o agente laranja e outros produtos químicos na selva vietnamita.

Um avião lança agente laranja sobre uma floresta no norte do Vietnã em 1966

Um avião lança agente laranja sobre uma floresta no norte do Vietnã em 1966

Então, na década de 1970, a destruição do meio ambiente foi incluída como um crime de guerra.

No entanto, isso foi bom para os anos 1970. Mas hoje temos uma emergência climática decretada, e ela está acontecendo em tempos de paz. Portanto, falta uma forma penal de criminalizar a destruição deliberada do meio ambiente em tempos de paz.

BBC News Mundo – Por que é importante que o ecocídio seja reconhecido como crime hoje?

Lledó – Porque estamos em uma emergência climática. Porque a destruição do meio ambiente, mesmo que não se acredite, é lícita a nível internacional. É totalmente legal. Você pode ir para mar aberto e despejar toneladas e toneladas de produtos químicos, e isso não é ilegal.

Isso tem que mudar, tem que ser um crime. Ou, pelo menos, ilegal.

BBC News Mundo – As multas ou regulamentações que atualmente se aplicam em alguns países não são suficientes?

Lledó – Isso de que “quem polui paga” é muito bom, mas no fim das contas o que acontece com esses atos de poluição é que quem paga é o consumidor.

Porque a poluição se traduz em preços. Neste momento, por exemplo, o preço da eletricidade subiu muito devido ao aumento das licenças de emissão de CO2 impostas pela União Europeia.

Lixo e plástico à beira-mar

‘Precisamos que o direito penal internacional se adeque e responda à mudança climática'

Com o ecocídio, a ideia é responsabilizar penalmente e individualmente aqueles que causam danos. Tem que haver medidas preventivas para que isso não aconteça e, se acontecer, tem que ir para a cadeia.

BBC News Mundo – De uma perspectiva histórica, o ecocídio será um crime importante no futuro?

Lledó – Provavelmente.

Em 1948, no Tribunal de Nuremberg, falamos sobre crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio porque eram os problemas que a humanidade enfrentava naquela época. A Segunda Guerra Mundial tinha acabado de terminar.

Mas, hoje em dia, a humanidade enfrenta outros problemas e, por isso, precisamos que o direito penal internacional se adeque e responda a esses problemas. E o maior problema é justamente a mudança climática.

Então, assim como olhamos para trás, para o genocídio ou crimes contra a humanidade, no final, o ecocídio será como o genocídio do século 21.

BBC News Mundo – E quão perto estamos de o ecocídio ser um crime internacional?

Lledó – Vai depender dos Estados membros do Tribunal Penal Internacional.

Tribunal Penal Internacional

Para que o ecocídio seja criminalizado internacionalmente, é preciso o apoio de 2/3 dos Estados membros

Em 2019, antes da pandemia, dois Estados concordaram em tipificar o ecocídio como um delito: Vanuatu e Maldivas. Que particularidades eles têm? São países insulares, que em questão de 10 ou 15 anos estarão submersos. Na verdade, eles já sofreram a invasão do mar e, portanto, sérios danos às suas plantações e outras coisas terríveis.

O que resta agora é que os Estados digam: sim, queremos que seja um crime da competência do Tribunal. Então, você tem que convencê-los…

Mas, para modificar o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, é necessária a aprovação de dois terços dos Estados membros. Por isso, é provável que demore vários anos.

BBC News Mundo – Quais as justificativas para não aceitar a tipificação do ecocídio como crime internacional?

Lledó – Justificativas que se concentram em não incomodar as empresas. Porque existem empresas altamente poluidoras que vão ter que modificar seu sistema produtivo.

Por este motivo, foi considerada a possibilidade de um período de transição, dar a elas um prazo para se adequarem. A ideia não é criminalizar as empresas por acaso, mas pelo risco que representam.

Desmatamento

O desmatamento pode se tornar um crime internacional se o ecocídio for incluído no Estatuto de Roma

O que é preciso fazer é que essas mesmas empresas desenvolvam a sua atividade, mas tomando medidas para não agredir o meio ambiente. Porque hoje em dia danificar o meio ambiente sai de graça e depende de um Estado regular ou não. E quanto aos Estados falidos? Ou em alto mar, onde é terra de ninguém?

BBC News Mundo – Esta resistência também tem a ver com o fato de muitas pessoas e países ainda não estarem conscientes do que está acontecendo, certo?

Lledó – Sim, claro. Por muito tempo, tem havido uma falta de consciência. Mas também houve muita desinformação para poder continuar produzindo , etc… Há interesses.

E, se você olhar a atitude dos Estados, a pergunta que eles fazem é: quanto mais podemos esquentar o planeta? E, na realidade, não sabemos. Estamos brincando com fogo. Mas que estamos nos aproximando de um desastre, é claro que estamos, e cada vez mais. É irresponsável.

E não se trata de ser catastrófico e dizer que vamos nos extinguir. Mas vamos pagar caro. Nossos filhos e netos terão muita dificuldade. Vai ser complexo cultivar, vai custar muito caro. As áreas cultiváveis ​​vão ser reduzidas assim como as áreas habitáveis.

BBC News Mundo – Que países latino-americanos poderiam se beneficiar mais se o ecocídio for tipificado como crime?

Lledó – Acho que sobretudo os países que abrigam a Amazônia, como Equador, Colômbia e . Dependemos da Amazônia, é o pulmão do mundo.

BBC News Mundo – E as empresas que, apesar de prejudicarem o meio ambiente, trazem grandes benefícios a suas comunidades?

Lledó – A definição de ecocídio leva em consideração a desproporção entre o benefício esperado versus o dano a ser causado. Ou seja, posso provocar um dano ao meio ambiente se houver um benefício enorme para a humanidade.

Por exemplo, uma represa que vai gerar eletricidade de forma limpa para milhares de pessoas.

Ficha de arquivo onde está escrito 'mudança climática'

Especialistas querem que o dano ao meio ambiente seja crime a nível internacional

Porque se transformamos o meio ambiente, se o danificamos, tem que haver uma proporção, tem que ser sustentável, que nos beneficie e permita seguir vivendo como humanidade. Do contrário, o que estamos fazendo é suicídio na verdade.

Por exemplo, a produção de abacate no Chile deixa toda a área de Petorca seca, para quê? Para benefício financeiro de um homem que é dono daqueles abacates. Há uma enorme desproporção entre o dano que causa e o benefício social. Então, este seria um caso de ecocídio.

BBC News Mundo – Você acredita que a tipificação do ecocídio pode realmente ajudar a acabar com o problema ambiental?

Lledó – É um passo importante, mas claramente não resolve todos os problemas.

É importante que outras iniciativas de mais longo prazo, como um tribunal ambiental e uma convenção internacional vinculante, se tornem realidade também.

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