COLCANOPA
16 de novembro de 2022
Poluição e estilos de vida são a causa de uma queda acelerada na concentração de espermatozoides nos homens. Esse declínio agora é observado em todo o mundo, indica uma meta-análise publicada na terça-feira, 15 de novembro.
O rápido declínio da fertilidade masculina diz respeito não apenas aos países do Norte, mas ao mundo inteiro. Longe de desacelerar para se estabilizar, o fenômeno está se acelerando rapidamente. Esses são os elementos salientes do trabalho resumido, publicado na terça-feira, 15 de novembro, na revista Human Reproduction Update, o mais exaustivo realizado até agora sobre a queda na concentração de espermatozoides em humanos.
As causas desse declínio têm sido objeto de muitas pesquisas nos últimos vinte anos, apontando para fatores individuais relacionados ao estilo de vida (tabagismo, sedentarismo, dieta etc.) certas substâncias sintéticas no meio ambiente e na cadeia alimentar (em particular plastificantes e agrotóxicos).
Os epidemiologistas Hagai Levine (Universidade Hebraica de Jerusalém), Shanna Swan (Escola de Medicina do Monte Sinai em Nova York) e seus colegas reuniram os resultados de todos os estudos publicados – várias centenas – sobre o assunto. Eles identificaram dados disponíveis em mais de cinquenta países, cobrindo o período 1973-2018 no total.
De 1973 a 2018, a concentração média de gametas no sêmen caiu de 101 para 49 milhões por mililitro
De acordo com seus resultados, durante esses quarenta e seis anos, a concentração média de gametas no esperma da população masculina em geral caiu de 101 milhões por mililitro (M/ml) para 49 M/ml (nt.: vale uma ressalva. No documentários inglês ‘Assault on the male‘, de 1996, a concentração normal era tida como de 150 milhões por ml de esperma) . Um nível já considerado como o de um homem “subfértil”, sublinha a pesquisadora e médica Dra. Shanna Swan. “A França não é exceção “, diz Hagai Levine. Na França, graças à disponibilidade de dados de boa qualidade, temos certeza de que há uma queda forte e duradoura, como em outras partes do mundo.”
Uma ameaça “à sobrevivência da humanidade”
Incluindo todos os dados após 1973, a taxa média de declínio é de 1,16% ao ano em todo o mundo. Essa taxa mais que dobrou desde o início do século XXI, caindo para uma queda de 2,64% ao ano no período 2000-2018. Uma aceleração descrita como “alarmante” pelos autores. “Nossos resultados são como o canário na mina”, diz Levine. “Temos um problema sério em nossas mãos que, se não for controlado, pode ameaçar a sobrevivência da humanidade. Nada menos.”
“Nesta meta-análise, a maior já realizada sobre a qualidade do esperma, Hagai Levine e seus colegas mostram uma queda contínua no número de espermatozoides,” confirma o toxicologista Andreas Kortenkamp (Brunel University, Londres), que não participou deste estudo. A força deste trabalho é mostrar pela primeira vez que essas tendências também dizem respeito aos países da África e da América do Sul. É realmente preocupante.”
De fato, os mesmos pesquisadores publicaram estimativas semelhantes para o período 1973-2011 em 2017, mas na época só conseguiram reunir evidências para a Europa, América do Norte, Nova Zelândia e Austrália. “Demasiado raros e dispersos, os trabalhos realizados no resto do mundo não nos permitiam suspeitar que ali se verificavam as mesmas tendências.” Estudos publicados desde então sobre a situação na África, Ásia e América do Sul confirmam, segundo os autores, que o declínio é global. Se nos limitarmos a homens sem fatores de risco específicos, explica a Dra. Swan, “a taxa de declínio é muito semelhante” à descrita anteriormente para os países ocidentais.
Acima de tudo, os resultados apresentados em 2017 foram baseados em poucos dados para avaliar com alto grau de confiança a evolução do fenômeno ao longo do tempo. O influxo de novos estudos ajudou a preencher essa lacuna e sugere uma forte aceleração na perda de espermatozoides. A cada década, isso parece ocorrer mais rapidamente: 1,16% ao ano para os dados posteriores a 1973, 1,3% ao ano após 1985, 1,9% ao ano após 1995 e 2,64% ao ano a partir de 2000. “Não esperava a taxa de declínio mais do que dobrou ”, diz a Dra. Swan. Uma queda média de 2,64% ao ano não é anedótica: corresponde a uma redução pela metade aproximadamente a cada vinte e cinco anos.
“As causas plausíveis desse declínio se enquadram em dois grupos: o impacto do estilo de vida – tabagismo, obesidade, estresse, consumo excessivo de álcool, etc. – e os produtos químicos presentes no meio ambiente, em especial os disruptores endócrinos, como ftalatos e bisfenol A [plastificantes] ou metais pesados, como chumbo, explica Shanna Swan. Existe uma vasta literatura científica sobre o impacto do estilo de vida na função reprodutiva. O dos produtos químicos é mais recente, mas é convincente para várias classes de substâncias.”
Além disso, adverte a pesquisadora norte americana, separar estritamente causas comportamentais e químicas é difícil porque “algumas substâncias podem afetar fatores atribuídos ao estilo de vida, como a obesidade”. Assim, alimentos ultraprocessados são, por exemplo, mais frequentemente contaminados por produtos capazes de alterarem o metabolismo, promoverem ganho de peso ou alterarem funções reprodutivas. Andreas Kortenkamp não diz mais do que outra coisa. “Este novo estudo dá urgência à busca das causas evitáveis dessas tendências, em particular as exposições químicas” , diz o toxicologista alemão, autor de inúmeras obras de referência sobre o tema.
Comprometimento geral da saúde
“Pedimos urgentemente uma ação global para promover ambientes mais saudáveis, reduzir as exposições [químicas] e abordar comportamentos que ameaçam nossa saúde reprodutiva”, acrescenta Hagai Levine. A coincidência dos calendários sugere que as súplicas dos pesquisadores permanecerão um desejo: nos dias de hoje, as organizações não-governamentais de defesa da saúde e do meio ambiente deploram o adiamento, para o final do ano de 2023, da revisão da Regulamento Europeu de Produtos Químicos (Reach). Um adiamento que poderá inviabilizar, antes do final do mandato da Comissão Europeia, este reforço regulamentar previsto no quadro do Pacto Verde de Ursula von der Leyen, e destinado a retirar do mercado único um grande número de substâncias perigosas.
A queda na qualidade do espermatozoide, no entanto, é apenas um dos fatores envolvidos na infertilidade dos casais ou na redução da fertilidade. “É muito provável que essa queda no número de espermatozoides tenha um papel na frequência dos distúrbios da fertilidade, mesmo que seja difícil saber em que proporções,” diz o epidemiologista Rémy Slama, chefe do Instituto de Saúde do Inserm (Instituto Nacional para Saúde e Pesquisa Médica), que não fizeram parte deste trabalho. “Mas, de qualquer forma, seria enganoso pensar que esse problema pode ser resolvido simplesmente por mais fertilização assistida. A queda na qualidade do espermatozoides está associada a outros fenômenos, como o aumento da incidência de câncer testicular, multiplicado por 2,5 nos últimos trinta anos na França, e a frequência de malformações da genitália masculina.”
Da mesma forma, Shanna Swan aponta que a queda no número de espermatozoides anda de mãos dadas com uma alteração, não só da saúde geral dos homens, mas também da saúde reprodutiva das mulheres. Para a pesquisadora norte americana, a fertilidade de homens e mulheres provavelmente está caindo na mesma proporção. “A razão pela qual a saúde reprodutiva da mulher é menos comentada, acrescenta Swan, é por uma razão simples: “Contar óvulos é muito mais difícil do que contar esperma.”
Stéphane Foucart
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, novembro de 2022.