NIH/National Institutes of Health – Institutos Nacionais de Saúde dos EUA. Agência de pesquisa médica dos EUA.
19 de janeiro de 2023.
Esse é o pivô de muitas e muitas problemáticas de saúde pública das últimas décadas pelo amplo espectro de seu uso, globalmente.
Uma nova pesquisa realizada pelos principais cientistas do governo dos EUA descobriu que as pessoas expostas ao glifosato, químico amplamente utilizado para matar ervas daninhas, têm biomarcadores em sua urina ligados ao desenvolvimento de câncer e outras doenças.
O estudo, publicado na semana passada no Journal of the National Cancer Institute , mediu os níveis de glifosato na urina de agricultores e outros participantes do estudo e determinou que a presença de altos níveis do agrotóxico estava associada a sinais de uma reação no corpo chamada oxidativa estresse. É uma condição que causa danos ao DNA. O estresse oxidativo é considerado por especialistas em saúde como uma característica chave dos carcinógenos.
Os autores do artigo – 10 cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde (nt.: NIH/National Institutes of Health) e dois dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (nt.: Centers for Disease Control and Prevention/CDC) – concluíram que seu estudo “contribui para o peso das evidências que apoiam uma associação entre a exposição ao glifosato e o estresse oxidativo em humanos.” Eles também observaram que “evidências acumuladas apoiam o papel do estresse oxidativo na patogênese de cânceres hematológicos”, como linfoma, mieloma e leucemia.
“O estresse oxidativo não é algo que você queira ter”, disse Linda Birnbaum, toxicologista e ex-diretora do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental. “Este estudo aumenta nossa compreensão de que o glifosato tem potencial para causar câncer”.
Os resultados do estudo vêm depois que o CDC relatou no ano passado que mais de 80% das amostras de urina coletadas de crianças e adultos continham glifosato. O CDC informou que de 2.310 amostras de urina coletadas de um grupo de americanos que pretendiam ser representativas da população dos Estados Unidos, 1.885 continham traços detectáveis de glifosato.
O glifosato é o herbicida mais aplicado na história, tanto nos Estados Unidos quanto no mundo. Um dos produtos à base de glifosato mais conhecidos é o herbicida Roundup da Monsanto. O Roundup tem sido usado por agricultores e consumidores há mais de 40 anos. Funcionários da Monsanto e de sua proprietária alemã, a Bayer AG, sempre garantiram ao público e aos reguladores que a exposição ao herbicida não representa uma ameaça à saúde humana.
A Bayer disse que o novo estudo do NIH tem muitas “limitações metodológicas significativas que afetam sua confiabilidade” e disse que os resultados conflitam com outras pesquisas do governo.
“O aumento do estresse oxidativo encontrado no estudo pode ter sido causado por qualquer número de fatores não relacionados ao glifosato ou uma combinação deles, e o estudo não suporta a conclusão de que o glifosato é a causa”, disse a Bayer em um comunicado.
As pessoas são expostas ao glifosato pelo uso de produtos feitos com o produto químico e também pela ingestão de alimentos e água potável contaminados com o agrotóxico. Os cientistas encontraram resíduos de glifosato em uma variedade de alimentos populares e em cursos de água nos Estados Unidos.
Notavelmente, no novo artigo, os cientistas do NIH e do CDC disseram que, embora seu estudo tenha se concentrado em agricultores expostos ao glifosato quando o pulverizaram nos campos, eles observaram resultados semelhantes em “não agricultores”.
As descobertas sugerem que “esses efeitos podem se aplicar de forma mais ampla à população em geral, exposta principalmente pela ingestão de alimentos e água contaminados ou aplicações residenciais”, escreveram os autores do estudo.
O estudo é tão significativo que merece atenção regulatória, disseram alguns cientistas independentes.
“Esta é uma equipe de investigadores de alto nível e um estudo altamente confiável ao qual os reguladores precisam prestar atenção”, disse Phil Landrigan, pediatra e epidemiologista que trabalhou durante anos no CDC e na Agência de Proteção Ambiental (nt.: Environmental Protection Agency/EPA) e agora dirige o Programa para Saúde Pública Global e o Bem Comum no Boston College.
Michael Antoniou, cientista do departamento de genética médica e molecular do King’s College, em Londres, que pesquisa o glifosato há anos, disse que os resultados são “preocupantes”, com “grandes implicações para a saúde”.
Momento crítico
O novo estudo financiado pelo governo dos EUA chega em um momento em que tanto a EPA quanto os reguladores europeus estão concluindo avaliações atualizadas da segurança do glifosato, e enquanto os defensores da saúde estão pressionando por limites no uso do produto químico ou exigências de que produtos como o Roundup sejam rotulados com aviso de ser uma substância cancerígena.
Um porta-voz da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (nt.: European Food Safety Authority/EFSA) disse que a agência estava ciente do estudo e consideraria se as descobertas adicionam ou não “novas evidências” à medida que a agência conclui sua nova avaliação do glifosato. As conclusões da EFSA estão previstas para julho.
A EPA também disse que estava analisando o novo estudo e “revisaria cuidadosamente” as descobertas ao finalizar sua avaliação.
“A EPA leva muito a sério nosso dever de proteger a saúde humana e o meio ambiente”, disse a agência em um comunicado.
O estudo também surge no momento em que a Monsanto e a Bayer continuam atoladas em litígios movidos por dezenas de milhares de pacientes com câncer que alegam que a exposição ao Roundup os levou a desenvolver linfoma não-Hodgkin. A empresa já concordou em pagar mais de US$ 11 bilhões para liquidar a maior parte das reivindicações – sem admitir qualquer responsabilidade – mas muitos casos não foram resolvidos e os julgamentos civis continuam.
A Bayer também está enfrentando um aumento na agitação dos investidores e pede uma separação e a saída dos principais líderes depois que a empresa perdeu 40% de seu valor de mercado após a aquisição da Monsanto em 2018.
A Bayer sustenta que o glifosato não causa câncer e que os produtos feitos com ele podem ser usados com segurança. A empresa afirma em seu site que a EPA e outras revisões regulatórias fornecem um “extenso corpo de pesquisa” que respalda a promessa de segurança da empresa.
Embora alguns países tenham se movido para banir os produtos com glifosato, as agências reguladoras em muitos países dizem que há falta de evidências ligando os herbicidas à base de glifosato ao câncer, e que é um dos herbicidas mais seguros e eficazes disponíveis.
No ano passado, um comitê de avaliação de risco da Agência Europeia de Produtos Químicos (nt.: European Chemicals Agency/ECHA) concluiu, após revisar vários estudos, que não havia justificativa para classificar o glifosato como cancerígeno.
Muitos grandes grupos agrícolas dos EUA, incluindo a American Farm Bureau Federation, American Soybean Association, National Corn Growers Association, National Association of Wheat Growers, National Cotton Council e American Sugarbeet Growers Association, também dizem que o glifosato não causa câncer (nt.: o irônico é alguém considerar a opinião dessas entidades. São elas que mantêm e desfrutam do uso da química para produzir suas commodities. Assim, essa assertiva da área médica compromete a ‘qualidade’ de seus produtos envenenados e que colocam em risco a saúde dos consumidores e do ambiente onde esse ‘agronecrócio’ é feito)
A EPA disse há anos que considera o glifosato “provavelmente” não cancerígeno e, em uma revisão atualizada de 2020, a agência reiterou que não viu “riscos preocupantes para a saúde humana”. Mas a agência foi forçada a retirar essa determinação de segurança no ano passado, depois que um tribunal federal de apelação invalidou a avaliação da EPA (nt.: que vergonha! O órgão público, ou seja pago para proteger todas as populações, mostra que velhacamente está vendida e mancomunada com o poder econômico do agribusiness/agronegócio e as veneneiras).
A decisão do tribunal disse que a EPA não seguiu adequadamente as diretrizes científicas quando determinou que o glifosato não era cancerígeno, ignorando o conselho de especialistas e consultores científicos e usando “raciocínio inconsistente”.
A EPA agora está revisando sua avaliação do glifosato e espera emitir uma decisão para o glifosato em 2026.
O câncer não preocupa apenas
O debate sobre a segurança do glifosato persistiu por anos e se intensificou depois que a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (nt.: International Agency for Research on Cancer/IARC), uma unidade da Organização Mundial da Saúde, declarou-o “provavelmente cancerígeno para humanos” em 2015 (nt.: ver documentário em nosso website: ‘Povos e campos envenenados..‘).
As novas descobertas não são as primeiras a analisar o glifosato e o estresse oxidativo. Estudos em animais e estudos celulares também encontraram uma associação. Mas há apenas um punhado de tais estudos em humanos.
O estudo do NIH é a “maior investigação até hoje sobre a relação entre a exposição ao glifosato e os marcadores de estresse oxidativo”, disse Jonathan Hofmann, autor do estudo do Instituto Nacional do Câncer do NIH.
Os cientistas dizem que é importante examinar as substâncias que podem causar estresse oxidativo porque um grande corpo de evidências científicas sugere que o estresse oxidativo a longo prazo contribui para o desenvolvimento não apenas do câncer, mas também de uma série de condições crônicas, como diabetes, doenças cardíacas, e problemas reprodutivos, incluindo infertilidade masculina.
Um estudo humano anterior relacionado ao glifosato e ao estresse oxidativo foi publicado no ano passado por uma equipe de cientistas especializados em saúde pública e ambiental em várias universidades dos Estados Unidos.
Esses pesquisadores analisaram 347 amostras de urina coletadas de mulheres grávidas, descobrindo que níveis mais altos de biomarcadores de estresse oxidativo foram observados nas amostras contendo concentrações de ácido aminometil fosfônico (AMPA), uma substância criada quando o glifosato se decompõe no solo e na água.
Os autores desse artigo observaram que o glifosato e o AMPA demonstraram interromper a função hormonal (nt.: aqui está demonstrado de que esse veneno também é um disruptor endócrino, por isso afeta a fertilidade e os sistema reprodutivo) e alertaram que mais pesquisas são necessárias devido à “persistência do glifosato no meio ambiente e potencial para efeitos adversos durante a gravidez”.
O novo estudo do NIH é considerado parte do Agricultural Health Study (AHS), um exame de longo prazo dos impactos do uso de agrotóxicos na saúde de agricultores financiado pelo National Cancer Institute e pelo National Institute of Environmental Health Sciences em colaboração com a EPA.
Outros estudos do projeto AHS forneceram resultados às vezes conflitantes sobre a questão de saber se o glifosato pode ou não causar câncer, mas os cientistas autores da pesquisa mais recente disseram que seu estudo foi distinto por vários motivos, incluindo o uso de medições de exposição urinária ao glifosato e históricos de exposição a agrotóxicos para os sujeitos do estudo e incluindo pessoas que não são agricultores.
Os pesquisadores disseram que, embora as associações entre o glifosato e os biomarcadores de estresse oxidativo “parecem principalmente refletir os efeitos da exposição ocupacional recente, também houve algumas evidências de associações com a exposição de longo prazo”.
Os investigadores do NIH estão explorando oportunidades potenciais para acompanhar essas descobertas e atender às necessidades de pesquisas futuras, disse Hofmann.
Lorette Picciano, diretora executiva da aliança Rural Coalition de trabalhadores agrícolas, disse que espera que a EPA preste atenção ao estudo.
“As pessoas estão morrendo desses tipos de câncer”, disse ela. “Este estudo é muito importante.”
(Este artigo é co-publicado com o The Guardian.)
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2023.