O povo Terena executou a Dança da Ema na posse da ministra Sônia Guajajara (Foto: Ricardo Stuckert)
Observatório do Clima
11-01-2023
Assim falou a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, primeira indígena a comandar um ministério na história do país.
Três dias após os ataques golpistas às sedes dos três Poderes, o Palácio do Planalto foi palco nesta quarta-feira (11) de duas posses históricas: Sonia Guajajara no inédito Ministério dos Povos Indígenas e Anielle Franco na pasta da Igualdade Racial. Sonia comparou os atentados de domingo aos “ataques diários” sofridos por povos indígenas, que “resistem há mais de 500 anos”. “A partir de agora, essa invisibilidade não pode mais camuflar a nossa realidade”, discursou.
Duas mulheres, dois momentos históricos, a presença viva e política dos povos escravizados, os originários das Américas e os pretos transplantados violentamente pela escravidão. As ministras Anielle Franco e Sonia Guajajara durante cerimônia de posse no Palácio do Planalto Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters.
Já Anielle afirmou que “o fascismo, assim como o racismo, é um mal a ser combatido em nossa sociedade”, lembrando os “quase quatrocentos anos de escravidão” e “133 anos de uma abolição que nunca foi concluída”. “Enquanto houver racismo não haverá democracia.”
Foi o primeiro ato público no Planalto desde a destruição de domingo. As duas posses estavam previstas inicialmente para segunda e terça, mas foram adiadas em razão dos atentados golpistas.
A cerimônia teve dança indígena, hino nacional na língua tikuna e samba da Mangueira que homenageou a irmã de Anielle, Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio em 2018. Lotada, teve a presença do presidente Lula, da ex-presidente Dilma Rousseff e de vários ministros, como Marina Silva (Meio Ambiente), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Nísia Trindade (Saúde), Cida Gonçalves (Mulheres), Flávio Dino (Justiça) e Silvio Almeida (Direitos Humanos), entre outros, além de lideranças negras e indígenas, como Davi Kopenawa.
Deputada federal eleita, Sonia (PSOL/SP) foi candidata a vice na chapa de Guilherme Boulos em 2018 e integrava o Observatório do Clima até ser escolhida por Lula. Primeira ministra indígena da história do país, ela é do povo Guajajara/Tentehar, da terra Araribóia, no Maranhão, e foi coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Para Sonia, o desafio à frente da nova pasta, uma reivindicação histórica do movimento indígena, é “ousado e inovador”. “Sabemos que não será fácil superar 522 anos em 4”, discursou. “Mas estamos dispostos a fazer desse momento a grande retomada da força ancestral da alma e espírito brasileiros. Nunca mais um Brasil sem nós.”
Sob um coro de “sem anistia”, as duas ministras falaram de genocídio. “As dificuldades no acesso aos serviços de saúde, de saneamento e as falsas informações propagadas potencializaram literalmente um plano de genocídio”, disse Sonia, referindo-se ao regime Bolsonaro. “Chega do genocídio da população negra e jovem nesse país”, discursou Anielle.
Também destacaram a crise do clima. Sonia disse que as terras indígenas são essenciais para conter o desmatamento e combater a emergência climática. “Estamos diante de uma crise humanitária. Por isso, a criação do Ministério dos Povos Indígenas sinaliza para o mundo o compromisso do Estado brasileiro com a emergência e justiça climática, além de inclusão, reconhecimento e início da reparação histórica.”
Anielle disse que Marina e Sonia podem contar com a pasta da Igualdade Racial para “defender nossos povos indígenas e nosso meio ambiente, lutando contra o que reconhecemos como racismo ambiental e pela justiça climática”. “Afinal, somos nós quem mais sofremos com as enchentes, os deslizamentos e as doenças produzidas pelas mudanças do clima.”
Professora e fundadora do Instituto Marielle Franco, Anielle se emocionou ao mencionar a irmã no discurso. “O racismo merece um direito de resposta eficaz. Nós estamos aqui porque temos um projeto de país. Um projeto de país em que uma mulher negra possa acessar e permanecer em diferentes espaços de decisão sem ter a sua vida ceifada com cinco tiros na cabeça”, declarou. “Não vamos permitir um novo golpe.”