Não há como salvar o planeta sem contar com a população indígena

Um grupo da comunidade indígena Mura, em terras não registradas, próximo a Humaitá, na Amazônia brasileira em 2019. UESLEI MARCELINO / REUTERS / REUTERS

https://elpais.com/planeta-futuro/2021-05-28/no-hay-forma-de-salvar-el-planeta-sin-contar-con-la-poblacion-indigena.html

NOOR MAHTANI

Madrid – 28 DE MAIO DE 2021 

Comunidades ancestrais, afrodescendentes e migrantes protegem 80% da biodiversidade mundial, mas quase não estão representadas na tomada de decisões sobre políticas climáticas

Eles proteger 80% da biodiversidade do mundo, sendo os mais afectados pelas alterações climáticas e ainda assim dificilmente são parte dos grupos de tomada de decisão para o combatê-lo. A população indígena (mais de 476 milhões, presente em 90 países), afrodescendentes e migrantes são aqueles que, nas palavras da Primeira Vice-Presidente da Costa Rica, Epsy Campbell, “pagam uma conta pela qual não são responsáveis”. Uma ideia que foi influenciada no seminário virtual realizado nesse mês de maio sobre o efeito do aquecimento global neste grupo de pessoas que fogem do conceito de vulnerabilidade. “Somos povos com tradições ancestrais e organização própria. Não somos vulneráveis, mas as políticas atuais e a discriminação colocam em risco nossa sobrevivência física e cultural”, argumentou Anne Nuorgam, presidente do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas.

O evento, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), os governos da Espanha e da Costa Rica e do Vaticano, foi um apelo à mudança do status quo para que quem está na linha de frente da natureza seja quem decida como cuidar dele.

Para tanto, a presidente do Fundo de Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC), Myrna Cunningham, apontou cinco chaves: garantir a posse da terra, fortalecer os sistemas de governança territorial, garantir pagamento por serviços ambientais, apoiar estratégias de manejo florestal indígena e reconhecer o conhecimento indígena e os sistemas alimentares. “Qualquer discussão sobre a crise climática exige a visão dos povos indígenas e por isso deve ser alocado um fundo que seja administrado diretamente por nós”, defendeu o médico e ativista indígena nicaragüense.

Campbell influenciou esse ponto. “A maioria dos zeladores da floresta não faz parte dos programas específicos nos quais podem receber um benefício direto por essa proteção que fizeram no passado e continuam a fazer”, disse ele ao EL PAÍS horas após a conferência virtual. O Primeiro Vice-Presidente costarriquenho defende a criação de um “programa robusto” dirigido diretamente às comunidades onde se identificam as lideranças que salvaguardam o patrimônio, com requisitos e objetivos elaborados pela população indígena e pelas autoridades. “Devem ser recursos não burocratizados e alimentados tanto pela cooperação internacional, governos e empresas que queiram contribuir para o alívio das mudanças climáticas”, acrescentou.

A Costa Rica é um país muito ambicioso com suas políticas verdes . Atualmente possui 52% de cobertura florestal (e a meta de chegar a 60% até 2030) e um Plano de Descarbonização com dois desafios claros: promover empregos verdes e combater o aquecimento. Campbell insiste: “Mas você tem que mudar o chip para que aqueles que se importam não recebam nada por ele.”

Historicamente, por trás dessa premissa sempre há uma mulher . Portanto, todos os especialistas presentes na mesa de discussão concordaram que não poderiam ficar de fora. “No centro da conversa sobre as mudanças climáticas devem estar as mulheres. E principalmente rurais, indígenas, migrantes e afrodescendentes, porque são essenciais na preservação, mas enfrentam mais obstáculo”, criticou Campbell.

A reivindicação dos ativistas presentes exigia uma aposta “real e efetiva”; uma estratégia que, além de aspirar à inclusão, valoriza as mãos de quem cuida da terra e suas formas de gestão. Sem paternalismo. “Não queremos que falem por nós. Queremos que nossos mecanismos de resiliência sejam reconhecidos e tenham permissão para participar ”, afirmou Anne Nuorgam, do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas.

Para os negros o território é o que nós somos para o território. É o principal elemento de identidade e reivindicação que temos. RICHARD MORENO RODRÍGUEZ, COORDENADOR DO CONSELHO NACIONAL AFRO-COLOMBIANO DE PAZ

Para o líder costarriquenho, a “única maneira” de acabar com a crise climática é desenvolver uma estratégia regional que englobe a América Latina e o Caribe: “As fronteiras políticas não são pensadas na lógica do ecossistema; a mudança climática não entende essas fronteiras”. Além disso, garante que a cooperação entre países vizinhos pode ser muito útil para aplicar as práticas que vêm gerando melhores resultados em outros municípios, acelerar processos de mudança em áreas binacionais e envolver empresas privadas com compromissos ambientais.

Os ‘guardiões’ da biodiversidade sem terra

Richard Moreno Rodríguez, coordenador do Conselho Nacional Afro-Colombiano de Paz, outro dos palestrantes da conferência virtual que reuniu cerca de vinte especialistas e políticos da região, foi muito direto: “Para os negros, o território é o que somos para o território. É o principal elemento de identidade e exigência que temos”. Moreno criticou a violação do direito à autodeterminação dos povos indígenas e a negação de várias comunidades que ainda não são reconhecidas como tais. “Não temos o usufruto efetivo de nossas terras devido ao abandono do Estado e à presença de atores armados ilegais e grandes megaprojetos que afetam a vida de nosso povo”, indicou. Isto é para o Dr. Qu Dongyu, Diretor Geral da FAO, algo “particularmente importante daqui para frente”:

As comunidades negras na Colômbia têm cerca de seis milhões de hectares titulados coletivamente, segundo a instituição coordenada por Moreno. “Iniciamos um processo de gestão ambiental do território que corresponde às nossas necessidades ancestrais mas, além disso, fortalecemos os nossos sistemas tradicionais de produção”, disse. Para a ministra da Transição Ecológica da Espanha, Teresa Ribera, que interveio por meio de um vídeo, por não poder comparecer ao evento, outra abordagem se faz necessária: “O conhecimento ancestral das comunidades locais é paradoxalmente inovador”.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, junho de 2021.