Corporação: Multinacional e governo do Pará são denunciados por violações em terras quilombolas

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Barragem de rejeitos de bauxita, matéria-prima do alumínio, da mineradora Hydro. Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real

https://almapreta.com.br/sessao/cotidiano/multinacional-hydro-governo-para-violacoes-terras-quilombolas

FERNANDO ASSUNÇÃO

25.outubro.2023

[NOTA DO WEBSITE 1: Vale a pena ler a matéria publicada em 2021, onde mostra o que essa transnacional tem feito na Amazônia que, cinicamente, apoia sua preservação através do chamado Fundo Amazônia. Nesse link VALE A PENA LER A NOSSA NOTA DO WEBSITE onde trazemos alguns dados que não estão tão visíveis como deveriam. E aqui a questão vai muito além dos quilombolas e dos nossos povos originários. Demonstra o que representa a privatização dos bens públicos. Pelo menos quando são públicos, todo o público pode desfrutar até dos malefícios já que os ‘lucros’ ficam no país e não vão para a Noruega e sua realeza, como no caso da Hydro].

[NOTA DO WEBSITE 2: Recomendamos que se leia o livro “Luta pela floresta’ do geógrafo norueguês Torkjell Leira, para se conhecer toda a trama que envolve a presença da Noruega com suas multinacionais, a partir do início desse século, na Amazônia].

Quilombolas e indígenas de 26 comunidades do Pará são diretamente impactados por obras da multinacional norueguesa Norsky Hydro, que acirram conflitos fundiários na região há mais de duas décadas. Uma ação ajuizada na Vara Agrária de Castanhal aponta uma série de irregularidades no licenciamento ambiental concedido pelo estado ao mineroduto mantido pela empresa Mineração Paragominas S/A, integrante do grupo Hydro, incluindo violações a direitos de povos tradicionais.

O documento destaca que as duas primeiras licenças de operação, emitidas pelo governo do Pará nos anos de 2010 e 2011, não mencionam a obrigatoriedade da consulta livre, prévia e informada às comunidades, assim como não preveem os estudos de reparação dos impactos da obra nos territórios tradicionais, previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Segundo a Defensoria Pública, autora da ação, as exigências da realização do Estudo do Componente Quilombola (ECQ) e do Plano Básico Ambiental Quilombola (PBAQ) só apareceram na renovação da licença em fevereiro de 2022, 24 anos depois da instalação do mineroduto. Entretanto, o prazo de 180 dias que determina que a empresa cumprisse normas venceu em julho do mesmo ano, sem a conclusão dos compromissos junto às comunidades tradicionais.

O mineroduto transporta bauxita em uma extensão de 246 km de tubo subterrâneo, entre os municípios de Paragominas e Barcarena. Foto: Divulgação/Hydro

Instalado em 2008, o mineroduto é um tipo de tubo subterrâneo usado para o transporte de bauxita, a matéria-prima do alumínio, em uma extensão de 246 km, entre os municípios de Paragominas e Barcarena, perpassando as cidades de Ipixuna do Pará, Tomé-Açu, Acará, Moju e Abaetetuba, com impacto direto a 26 comunidades quilombolas. A Mineração Paragominas faz parte do grupo da gigante do ramo do alumínio, Hydro.

Nova obra em quilombo acirrou conflitos

Apesar da Mineração Paragominas não ter concluído as normas condicionadas pela licença de 2022 para operação do mineroduto, como afirma a ação cautelar, obras de manutenção do tubo foram autorizadas pelo estado. Recentemente, obras no km 29 do mineroduto, localizado no interior da comunidade quilombola de Nova Betel, no distrito de Quatro Bocas, em Tomé-Açu, acirraram os conflitos. 

Segundo o documento, Nova Betel está fora do plano de emergência apresentado pela empresa no licenciamento de 2011. Isso significa que eventual corrosão ou rompimento da tubulação coloca as famílias em risco, sem qualquer rota de fuga, treinamento, simulação ou comunicação com as comunidades.

Para a realização da obra, a empresa adentrou a propriedade quilombola com maquinários pesados e realiza escavações para a retirada do mineroduto. Foto: Divulgação/DPE

Moradores relatam que para a realização da obra a empresa adentrou a propriedade quilombola com maquinários pesados e realiza escavações para a retirada do mineroduto, sem nenhum tipo de diálogo com a comunidade. Além disso, no dia 14 de setembro deste ano, um igarapé teve a proteção rompida em razão da obra. 

Diante do cenário, indígenas e quilombolas da região passaram a protestar contra as ações da Hydro nas comunidades. Quem se manifesta, porém, é intimidado e até preso por agentes de segurança pública do estado e até da Força Nacional, como exposto em carta aberta assinada por associações de seis comunidades tradicionais, incluindo a Nova Betel.

O quilombo Nova Betel é composta por 80 famílias, que desenvolvem atividade agrária e de moradia na área de 5 mil hectares. A comunidade possui espaços coletivos, como a sede da associação de moradores e uma escola, além de um perímetro de maior concentração de moradias, conhecido como “vila”, onde estão localizadas as obras de manutenção do duto.

Defensoria Pública pede suspensão de autorização

Na ação cautelar, assinada pela defensora pública Andréia Barreto, a instituição pede a suspenção da autorização concedida pelo Estado do Pará à Mineração Paragominas para a realização das obras no duto, até que sejam concluídos os estudos de impacto ambiental no território. A ação também solicita que a Hydro retire seus maquinários da Nova Betel e se abstenha de adentrar à comunidade.

“A propositura desta ação visa proteger as comunidades quilombolas, que relataram à Defensoria serem ‘refugiadas’ em seu próprio território, face às ilegalidades das obras executadas nesse trecho do mineroduto, com impactos de caminhões, muitos trabalhadores transitando na área, sem o cumprimento de obrigações de garantia do território”, pontua a defensora pública.

“Todo esse risco, associado aos conflitos com a empresa de comunidades vizinhas, geram risco para as famílias, razão pela qual foi ajuizada esta ação, com pedido de medida de urgência”, acrescenta.

O que diz a Hydro?

Em nota enviada à Alma Preta, a Mineração Paragominas, integrante do grupo Hydro, informou que “recebeu com surpresa a ação ajuizada pela Defensoria” e reforça que “todas as suas atividades são devidamente licenciadas, em conformidade com a lei e normas vigentes”.

De acordo com o empreendimento, a manutenção do mineroduto ocorre de forma preventiva, com “o objetivo de garantir a segurança das pessoas, do meio ambiente e a integridade das estruturas das operações”.

O trabalho, segundo a Mineração Paragominas, “tem base em inspeções periódicas e um plano de controle ambiental aprovado junto à Semas”.  

Sobre a consulta às comunidades quilombolas, a Mineração Paragominas disse que “está conduzindo 26 Estudos de Componentes Quilombolas (ECQ) e Projeto Básico Quilombola (PBAQ) ao longo do território por onde passa seu mineroduto, e a previsão de conclusão dos estudos é para fim de 2024”.  

“A Mineração Paragominas reconhece e respeita os direitos das comunidades e busca sempre o diálogo aberto e transparente para continuar contribuindo com o desenvolvimento territorial sustentável da região, com foco na segurança das pessoas e meio ambiente”, finaliza a nota.

A reportagem também procuou o Governo do Estado do Pará e pediu um posicionamento sobre as denúncias, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.

Atuação demonstra ‘falácia’ de discurso sustentável, diz carta

Quilombolas e indígenas impactados pelas ações da Hydro na região divulgaram uma carta, no início de outubro, onde denunciam as violências aos territórios tradicionais praticadas pela Hydro com anuência do estado. Segundo o documento, a multinacional atua com proteção dos agentes de segurança do estado, que ameaçam e até prendem quem se posiciona de forma contrária às obras externas nas comunidades,

No site oficial da Hydro, a “gigante” do alumínio se apresenta como “líder empenhada num futuro sustentável” e defende a “atuação responsável em bauxita”. A carta das comunidades, por outro lado, destaca que a atuação cotidiana da empresa nos quilombos demonstra a “falácia” do discurso sustentável.

Os representantes dos povos da região também relembram o “histórico de desastres socioambientais e violações de direitos às comunidades indígenas e quilombolas na Amazônia”. 

A carta aberta é assinada pelas associações: Associação Tenetehar Tekohaw Pytawa, Associação Indígena Tembé do Vale do Acará, Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes, Quilombolas do Alto Acará, Associação Indígena Turiwara do Braço Grande e Associação Quilombola da Comunidade Nova Betel.

Veja a íntegra da carta:

“Nós, comunidades indígenas Tembé e Turywara, quilombolas e ribeirinhos, vimos à público denunciar as violações de direitos humanos e ancestrais da mineradora norueguesa Norsk Hydro em nossos territórios. Há duas décadas fomos obrigados a conviver com a presença intrusiva de um longo mineroduto que rasga o subsolo de nossas terras sagradas, estrutura que afugenta nossas caças e prejudica a reprodução dos peixes (ictiofauna), levando-nos ao risco de insegurança alimentar; impede nossa livre circulação e estressa nosso cotidiano.

O barulho infernal das toneladas de minérios que são transportados de Paragominas até Barcarena (cerca de 250km de percurso), amedronta as crianças e viola a sacralidade de nosso solo ancestral. Não bastasse isso, quilômetros de torres e linhas de transmissão acompanham o traçado do mineroduto, limitando ainda mais nossos espaços.

Agora, para que a Hydro se adeque às suas necessidades de produção, está renovando e ampliando os dutos. Com isso, dezenas de funcionários, carros e maquinários pesados passaram a invadir nossos territórios, o que de forma alguma aceitaremos. A Hydro afirma adotar práticas de sustentabilidade e de diálogo pleno com os povos afetados por suas atividades, mas esta é mais uma mentira contada pela mineradora.

Com largo histórico de desastres socioambientais e violações de direitos à comunidades indígenas e quilombolas na Amazônia, como é o caso de Barcarena, a Hydro vem repetindo sua metodologia neocolonial e violadora contra os povos do Vale do Acará. As comunidades não foram consultadas sobre a circulação constante e intrusiva dos funcionários da empresa, que passam em suas picapes em alta velocidade nas estradas de acesso às aldeias e quilombos, colocando em risco nossas famílias. Nunca fomos consultados sobre se autorizávamos ou não que rasgassem o ventre de nossas terras sagradas; em momento algum autorizamos que usassem nossos aquíferos (de forma gratuita e ao esgotamento) de nossos aquíferos.

Valas enormes estão sendo abertas, representando perigos aos comunitários e aos animais que nelas caem e agonizam até a morte. Estradas foram abertas para a circulação da empresa, facilitando a circulação de pessoas não autorizadas nos territórios e colocando em risco a segurança das comunidades. Além disso, a Hydro, com a apoio da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará (Segup), passou a intimidar e achacar as comunidades com policiamento ostensivo da Polícia Militar, prática patrimonialista e completamente questionável, pois somos os alvos, tratados como marginais em nossa própria casa. Vale ressaltar que a intervenção policial tem acontecido sem nenhuma decisão judicial, obedecendo ordens diretas do secretário Ualame Machado, segundo o Comandante da Polícia Militar da região.

Usando de sua influência e estrutura material, a Hydro também tem processado lideranças que questionam suas ações, contrariando a ideia de que existe diálogo pleno e escuta das comunidades. O que há, de fato, é uma disputa desigual de poder entre uma transnacional poderosa da mineração, com mais de 20 sedes no mundo inteiro, e comunidades tradicionais e originárias lutando por direitos. As ações da Hydro contrariam, inclusive, os esforços da Vara Agrária do Ministério Público do Estado do Pará e da Defensoria Pública no sentido de mediar a questão, esforços estes manifestos em audiência pública realizada no dia 26 de setembro, na Câmara Municipal de Tomé-Açu.

No dia 13 de junho, dando sequência à tentativa de criminalizar nossos movimentos por direito, um indígena Tembé, ao se manifestar sobre o incômodo das atividades da Hydro no cotidiano de sua família, já que o mineroduto passa em frente à sua casa, foi preso sob alegação de estar impedindo a circulação dos funcionários da empresa. O mesmo indígena foi acusado de crime ambiental quando fazia a coivara da sua roça (prática ancestral indígena de manejo da terra e da vegetação).

Esta carta aberta também questiona e pede a suspensão da licença de operação (LO) concedida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará, em 2022, ao mineroduto da Hydro, uma vez que os estudos de componente quilombola e indígena ainda não haviam sido concluídos naquela data.

Ameaça policial
No dia dois de setembro, por volta das 17h, representantes da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará, foram surpreendidas por policiais militares e da Força Nacional, que faziam a segurança da operação da mineradora Hydro. Ao verem a movimentação, nossas lideranças se aproximaram e questionaram — ainda do interior do carro — o porquê dos funcionários da Hydro estarem atuando no território, se há três meses as comunidades indígenas e quilombolas determinaram a suspensão de qualquer atividade da empresa até que ela cumpra com as previsões legais dos Estudos de Componente Indígena e Plano Básico ambiental Indígena; Estudos de Componente Quilombola, Plano Ambiental Quilombola, precedidos da consulta prévia, livre e informada.

Ao tentarem descer do veículo, os indígenas foram empurrados e ameaçados pelos agentes. Mesmo com a proibição das aldeias e comunidades, a Hydro continuou operando. Em protesto, desde ontem (3), a principal via de acesso ao empreendimento da empresa está fechada.

É absurdo que a Segup incorra em patrimonialismo (uso da coisa pública como se privada fosse) e, mais ainda, o faça para ameaçar comunidades tradicionais e originárias da Amazônia. É inaceitável que a Hydro continue violando nossos direitos, cooptando as forças estatais a seu favor. Não há disputa sem paridade de armas. A Hydro tem dinheiro, o Estado e uma equipe de marketing muito eficaz, capaz de pintar uma imagem positiva de uma empresa recordista em crimes sociombientais na Amazônia, tendo como alvo sempre os corpos indígenas e quilombolas.

Diante deste quadro desolador, as comunidades violadas pela Hydro, reunidas neste documento, informam a quem interessar possa que não aceitarão mais a intrusão e a continuidade das práticas criminosas da empresa, que atentam contra o que preconiza a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a consulta prévia, livre e informada dos povos — o que não houve.

Em tempo, pedimos o acompanhamento e diligência do Ministério Público Federal, Ouvidoria Agrária Nacional, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério da Igualdade Racial, Ministério dos Povos Originários, Ministério Público do Estado do Pará, da Procuradoria Geral do Estado do Pará, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, da Secretaria Estadual de Direitos Humanos, Da Funai, Ibama, Fundação Cultural Palmares, Coordenação das Comunidades Quilombolas do Pará (Malungu) e demais órgãos ambientais e de fiscalização.”

Fernando Assunção. Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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