Mineração na Amazônia: uma história de esperança e conflito

Gráfica – Lucas Gomes

https://dialogochino.net/en/extractive-industries/58783-mining-amazon-history-of-hope-and-conflict

Felipe Betim

26 de setembro de 2022

A quarta parte de nossa série Amazônia Ocupada visita uma reserva de mineração de ouro criada pelo governo militar do Brasil na década de 1970, onde a escavação continua avançando.

Este artigo é um resumo do quarto episódio de Amazônia Ocupada, nova série de podcasts da Diálogo Chino, disponível apenas em português. Ouça aqui .

Aqui em Alter do Chão, as areias finas das margens do rio Tapajós rodopiam em formas ondulantes em águas cristalinas, dando a este recanto do estado do Pará o apelido de “Caribe da Amazônia”.

No início deste ano, porém, imagens de poluição manchando essas praias paradisíacas foram notícia nacional. Logo depois, inspeções da Polícia Federal e do ICMBio, órgão governamental de proteção à biodiversidade, concluíram que a coloração marrom-avermelhada do rio foi causada pelo garimpo ilegal e pelo desmatamento, que vinha ocorrendo há centenas de quilômetros ao longo da bacia do Tapajós.

Após uma corrida do ouro inicial na década de 1980, a atividade de mineração se expandiu por toda a região amazônica, especialmente dentro de terras indígenas. Diante de regulamentações obsoletas e do desmantelamento da fiscalização ambiental, a atividade tem avançado livremente e é fonte de conflitos cada vez maiores. Em Alter do Chão, a poluição de uma paisagem de cartão-postal exacerbou as tensões locais.

Vista aérea de Alter do Chão, estado do Pará. A região, conhecida por muitos como o Caribe da Amazônia, ficou descolorida no início deste ano após ser poluída por rejeitos de mineração (Imagem: Flávia Milhorance/Diálogo Chino)

“Vimos a dificuldade para os nossos peixes aqui. O rio não dava mais a mesma quantidade e variedade de espécies”, diz Jadson Munhoz, da aldeia indígena Solimões, às margens do rio Tapajós. Durante os meses de verão, ele testemunhou a poluição tomar conta das águas ao redor de sua comunidade pesqueira.

“Não somos contra o progresso, mas também queremos ser ouvidos”, diz Munhoz.

Na história da colonização da Amazônia desde a época da ditadura militar brasileira (1964-1985), a mineração, seus impactos e características contam uma história familiar. A atividade é o foco do quarto episódio da nova série de podcasts em português da Diálogo Chino, Amazônia Ocupada, produzida em colaboração com a Trovão Mídia.

Ao longo de cinco episódios – todos acompanhados de artigos em inglês – percorremos a rodovia BR-163, rota que tem sido central para o desenvolvimento da Amazônia e sua exploração nas últimas cinco décadas. Nas três primeiras partes da série, analisamos a história e as complexidades das cadeias de fornecimento de sojapecuária e extração de madeira.

Vista aérea da mineração de ouro na Rodovia Transgarimpeira, Pará, agosto de 2022. Incêndios devastam a floresta para abrir caminho para o avanço da ocupação para atividades econômicas (Imagem: Flávia Milhorance / Diálogo Chino)

Este último episódio nos leva à Província Mineral do Tapajós, região de 90 mil quilômetros quadrados rica em ouro e outros minerais, ao sul das cidades de Santarém e Itaituba.

Percorremos a Transgarimpeira, estrada que corta a BR-163 e que tem servido de eixo para a expansão da mineração de ouro. Em um sobrevoo recente, foi possível avistar garimpos – nome dado às minerações informais, artesanais e de pequena escala – em ambos os lados da estrada de terra de 200 quilômetros.

No início da década de 1980, a população mineira na região saltou de 140.000 para 240.000. Era a época de Serra Pelada, a mina de ouro do sul do Pará que foi imortalizada pelas lentes do fotógrafo Sebastião Salgado, mas que depois seria fechada pelo governo. Temendo a ameaça de conflitos com os milhares de garimpeiros que ficariam sem opções, o Ministério de Minas e Energia criou a reserva mineral Tapajós e iniciou a construção da rodovia Transgarimpeira, próximo a Moraes de Almeida, distrito de Itaituba, no Pará.

“Meus pais vieram para cá na década de 1980. Cresci entre os patrões das minas, os donos das minas. Comecei a trabalhar diretamente aos 18 anos”, conta Lucas Peralta, nascido e criado em Itaituba.

A vila mineira Jardim do Ouro, primeira parada da Transgarimpeira, foi fundada pelos militares durante a ditadura (Imagem: Flávia Milhorance/Diálogo Chino)

Os garimpos que funcionavam legalmente tornaram-se irregulares com a criação de reservas ambientais em meados dos anos 2000. Foi o que aconteceu com a família de Peralta. “Minha família era garimpo  antes de eu nascer, quase quarenta anos atrás. E eles tinham documentação emitida pelo próprio governo federal”, diz.

A Peralta “fez tudo” no setor. Com o Instituto de Desenvolvimento Mineral Tapajós, ele agora defende políticas regulatórias e práticas menos poluentes para a mineração. Para desenvolver a atividade legalmente, é necessário ter uma licença concedida pela Agência Nacional de Mineração. Mas o sistema de licenciamento tem brechas: não estabelece um limite de produção, nem uma técnica de extração mineral. Embora preveja o rastreamento do minério, o controle deste também é falho.

Segundo o procurador Gabriel Dalla, do Ministério Público Federal do Pará, houve tentativas de regularização da área que não avançaram. “Havia a intenção de tentar regular, de criar uma zona de impacto em torno da Transgarimpeira. Mas, obviamente, isso causa grandes problemas”, diz ele. Esses riscos incluem o estabelecimento de precedentes legais para a mineração ocupar mais áreas protegidas.

Assim, a mineração ilegal continua a prosperar. Cerca de 30% das 158 toneladas de ouro produzidas no último ano e meio no Brasil apresentavam indícios de irregularidades, segundo estudo recente da Universidade Federal de Minas Gerais. Só a região de Itaituba concentra 75% do ouro irregular do Brasil, segundo o levantamento.

Enquanto isso, os rejeitos da mineração ilegal podem conter mercúrio, um metal usado para separar o ouro da terra, o que representa riscos à saúde. Um estudo da Universidade Federal do Oeste do Pará analisou a situação em oito comunidades do Tapajós e Santarém. Dos 462 adultos testados, 75% tinham níveis de mercúrio no sangue acima do limite seguro da Organização Mundial da Saúde. Entre as comunidades ribeirinhos que residem às margens dos rios, esse índice chegou a 90% (nt.: nunca, jamais, esquecer a tragédia da Baía de Minamata, no Japão, na década de 50 com a imagem icônica da ‘madona’, uma mãe com sua filha completamente retardada pela contaminação da baía de onde a mãe se alimentava com os peixes e das crianças -definitiva e eternamente aleijadas- incluídas abaixo para demonstrar que não se está tratando de algo fantasioso

e contrário às pessoas).

A intoxicação é causada pelo consumo de peixes de águas nas quais o mercúrio foi despejado. Os sintomas encontrados em pessoas contaminadas vão desde tonturas e tremores até alterações neurológicas, principalmente em crianças e gestantes.

A mineira e candidata política Letícia Estrella: “Estou falando como mulher, como mãe, como mineira. Nossa sobrevivência depende disso, depende de você.” (Imagem: Flávia Milhorance / Diálogo Chino)

Independentemente dos riscos, a mineração ainda atrai novos esperançosos em busca de melhores perspectivas. “Se você é analfabeto, é a única profissão que te dá a chance de melhorar de vida sem discriminação”, diz Letícia Estrela, ela mesma mineira e atual candidata à Assembleia Legislativa do Pará, que também defende a regularização da atividade.

“Estou falando como mulher, como mãe, como mineira. Nossa sobrevivência depende disso, depende de você, então olhe para nós como seres humanos, é o que eu peço”, disse Estrela durante recente audiência pública sobre o assunto (nt.: incrível como essa pessoa humana, invoca sua condição de ‘mulher, mãe e mineira’, para continuar perpetrando essa calamidade e essa ‘violência’, fundada em seu desconhecimento. Para complementar o que acima colocamos em termos de imagens, trazemos o que nos parece ser o imenso, infelizmente, crime contra humanidade que se está praticando na Amazônia. VALE A PENA LER A matériafavor ler tudo, mas destacamos a parte final do texto– da National Geographic que nos mostra o que acontece ainda hoje pelos reflexos da chamada ‘Corrida do Ouro’ na Califórnia, durante menos de 10 anos, durante o século XIX -dentre 1848 e 1855- com relação ao mercúrio que hoje se emprega indiscriminadamente na Amazônia).

O quarto episódio de Amazônia Ocupada já está disponível, apenas em português, no Spotify , Apple , Amazon e Deezer . O quinto e último episódio e o artigo que o acompanha serão lançados na quinta-feira, 29 de setembro.

Felipe Betim é um jornalista brasileiro radicado em São Paulo. Escreve sobre política, meio ambiente, segurança pública e direitos humanos, tendo passado oito anos no El País.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, outubro de 2022.