Nos últimos anos, presenciamos a ascensão de uma verdadeira política contraindigenista que, literalmente, busca abrir terreno à expansão espacial do capital.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524564-mais-terreno-para-o-agronegocio
A reportagem é de Fábio Alkmin e Manuela Otero e publicada pelo Brasil de Fato, 09-10-2013.
Entendido não só como meio de vida material, mas também como espaço simbólico e político para o exercício da identidade, o “território” é reivindicado e defendido com cada vez mais ênfase por grande parte dos movimentos indígenas na América Latina.
No Brasil, particularmente, isso se refletiu em uma importante conquista no ano de 1988, quando a partir do artigo 231 da Constituição Federal, o Estado reconheceu os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Foi decidido que as “Terras Indígenas” (TIs) fariam parte dos bens da União, destinadas à posse permanente e exclusiva das comunidades, inalienáveis e indisponíveis a outros fins. Fixou-se, então, o limite de cinco anos para que todas as TIs no Brasil fossem demarcadas.
Conforme dados do Instituto Socioambiental (ISA), cerca de 560 mil indígenas (62,4% da população total absoluta) viviam em 689 TIs em 2013. Deste total, um terço ainda não havia sido totalmente regularizada, em grave descumprimento ao prazo estipulado pela própria Constituição.
Um fato bastante divulgado, com nítidos interesses em deslegitimar a continuação do processo demarcatório, é que se somadas, as áreas de todas as TIs representem cerca de 13% do território nacional.
Oculta-se, entretanto, que 98% da área das mesmas encontre-se na Amazônia. Cabe a pergunta: se a população indígena se distribui em praticamente todo o país, por que as terras se concentram em uma só região?
Seguindo uma lógica similar a outros países que adotaram o modelo indigenista de “reservas”, como por exemplo a Colômbia, as TIs tenderam a ser criadas nesta região pela existência de grande quantidade de terras devolutas e por sua localização economicamente periférica.
Por um lado, demarcá-las na Amazônia criou poucos atritos com interesses privados, como por exemplo os ligados ao agronegócio, setor que privilegiava investimentos em áreas com uma infraestrutura mais desenvolvida e com melhores vantagens comparativas. Por outro, possibilitou a aproximação entre o discurso indigenista e o conservacionista, cumprindo as TIs, assim, a função paralela de reservas ambientais.
Contradição
Todavia os tempos são outros. Para o atual modelo de crescimento econômico brasileiro, fortemente baseado na reprimarização de sua economia, em especial na produção e exportação de commodities agrícolas e minerais, a política indigenista vem representando uma contradição.
Novos projetos governamentais, como aqueles vinculados à “Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana” (IIRSA), estão estabelecendo vias de transporte, energia e comunicações em diversos pontos do país, ampliando os fluxos de mercadorias; regiões como a da Amazônia estão sendo cada vez mais incorporadas ao mercado nacional e mundial.
Tal fato, somado à alta dos preços e aumento da demanda de commodities no mercado externo, vem tornando esta região cada vez mais atrativa aos investimentos de capital, estimulando a expansão espacial do agronegócio e da exploração mineira e madeireira para áreas até consideradas fundos territoriais, espécies de “reservas de espaço”.
Entretanto, o avanço desta fronteira tende a possuir um fator impeditivo na existência de Terras Indígenas que, por lei, destinam-se ao usufruto exclusivo de suas populações, isto é, inacessíveis à mobilização capitalista.
Não por acaso é que se observa, nos estados interessantes à expansão e estabelecimento do agronegócio a ascensão de uma verdadeiro contraindigenismo, objetivado pelo Estado tanto nas esferas políticas deliberativas quanto na negligência para com atos genocidas perpetrados contra as comunidades indígenas.
Busca-se aí, a todo custo, desarticular as instituições políticas ligadas ao indigenismo e finalmente abrir terreno ao capital.
Nestas situações, a economia tende a submeter a política e, não por acaso, setores do governo ligados ao agronegócio buscam, cada vez mais, deslegitimar a existência de Terras Indígenas, difi cultar novas demarcações e desmontar as restrições sobre o mercado de terras.
Projetos no Congresso
Prova disso são os cada vez mais numerosos projetos em tramitação, como o PL 1610/1996 de autoria do deputado Romero Jucá (PFL-RR) que tenta abrir caminho à exploração mineira nas TIs.
Lembremos que no final da década de 1980, Jucá, então governador de Roraima, facilitou a invasão ilegal de dezenas de milhares de garimpeiros em território Yanomami, levando à morte cerca de 15% da população desta etnia.
A PEC 038/1999, de autoria de Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e outros senadores, que propõem limitar a extensão das Terras Indígenas a certa porcentagem de cada unidade da federação, ato que vai contra a própria Constituição.
A Portaria AGU 303/2012, por sua vez, tenta impor novas condicionantes às demarcações e relativizar o usufruto exclusivo dos indígenas nas TIs demarcadas.
Outro grave ataque aos direitos indígenas é a PEC 215/2000, de Almir Sá (PPB/RR), que busca transferir ao Congresso Nacional a competência na aprovação e demarcação de Terras Indígenas, hoje em dia responsabilidade do Executivo. Tal objetivo tem um intuito claramente econômico, visto que a bancada ruralista representa quase a metade dos parlamentares do Congresso.
A PLP 227/2012, de Homero Pereira (PSD/MT) e outros, busca flexibilizar os usos e liberalizar os mecanismos de proteção das TIs, legalizando, potencialmente, a exploração econômica e a ocupação de terras por não indígenas. Tais propostas, entre outras em tramitação, representam verdadeiros retrocessos aos direitos indígenas já conquistados e assegurados pela Constituição brasileira.
Em um contexto social cada vez mais conflitivo, com assassinatos de lideranças indígenas e perseguições contra comunidades inteiras, é de inteira responsabilidade do Estado não só proteger essas minorias contra a violência dos interesses ruralistas, como assegurar a efetividade e a perpetuação de seus direitos constitucionais.
Esta disputa política está em pleno andamento, e visto a subrepresentatividade das populações indígenas nas instâncias deliberativas da federação, sua resolução vai depender, ao que parece, da reação de toda a população, seja ela indígena ou não.
Projetos de Leis e autores
12 são advogados; 5 são médicos; 4 são empresários; 4 são engenheiros agrônomos; 3 são economistas; 2 são administradores; 2 são engenheiros civis; 2 são jornalistas; 2 são técnicos em agropecuária; 2 são agropecuaristas (sem contar outros 4 que também se defi nem assim, mas que aparecem com outras profi ssões); 1 é veterinário; 1 é metroviário; 1 é sociólogo; 1 é delegado de polícia; 1 é seringalista; 1 é auditor fi scal; 1 é bacharel em educação física; 1 é técnico em contabilidade; 1 é pastor evangélico
PL 1610/1996
Romero Jucá – PFL/RR (economista)
PEC 038/1999
Mozarildo Cavalcanti – PTB/RR (médico)
João Alberto Souza – PMDB/MA (empresário)
Luiz Otavio – PMDB/PA (administrador, condenado a 12 anos
de prisão por desvio de recursos públicos)
Geraldo Althoff – PFL/SC (médico)
Jefferson Peres – PDT/AM (advogado, falecido em 2008)
Nabor Júnior – PMDB/AC (seringalista, comerciante)
José Fogaça – PPS/RS (advogado)
Gilberto Mestrinho – PMDB/AM (industrial, auditor fi scal,
falecido em 2009)
Jonas Pinheiro – PFL/MT (médico, falecido em 2008)
Arlindo Porto – PTB/MG (empresário, contabilista)
Freitas Neto – PSDB/PI (economista)
Luiz Estevão – PMDB/DF (empresário, cassado)
Osmar Dias – PDT/PR (engenheiro agrônomo)
Edison Lobão – PFL/MA (jornalista)
Amir Lando – PMDB/RO (advogado)
Ernandes Amorin – PPB/RO (bacharel em educação física)
Juvêncio da Fonseca – PSDB/MS (advogado)
Antero Paes de Barros – PSDB/MT (jornalista)
Geraldo Cândido – PT/RJ (metroviário)
Maria do Carmo Alves – PFL/SE (advogada)
Moreira Mendes – PFL/RO (advogado, agropecuarista)
Jorge Bornhausen – PFL/SC (advogado)
Sérgio Machado – PMDB/CE (empresário)
Teotonio Vilela Filho – PSDB/AL (economista)
Lúdio Coelho – PSDB/MS (agropecuarista, falecido em 2011)
Gilvam Borges – PMDB/AP (sociólogo)
Casildo Maldaner – PMDB/SC (advogado)
Romeu Tuma – PFL/SC (delegado de polícia, falecido em 2010)
Fernando Bezerra – PTB/RN (engenheiro civil)
PEC 215/2000
Almir Sá – PPB/RR (advogado)
PLP 227/2012
Homero Pereira – PSD/MT (produtor rural e técnico em agropecuária)
Reinaldo Azambuja – PSDB/MS (agropecuarista)
Carlos Magno – PP/RO (técnico em agropecuária)
João Carlos Bacelar – PR/BA (engenheiro civil)
Luis Carlos Heinze – PP/RS (engenheiro agrônomo e produtor rural)
Giovanni Queiroz – PDT/PA (médico e agropecuarista)
Nilson Leitão – PSDB/MT (técnico em contabilidade)
Marcos Montes – PSD/MG (médico)
Roberto Balestra – PP/GO (agropecuarista, técnico em laticínios,
comerciante, industrial e advogado)
Valdir Colatto – PMDB/SC (engenheiro agrônomo)
Domingos Sávio – PSDB/MG (médico veterinário)
Paulo Cesar Quartiero – DEM/RR (engenheiro agrônomo)
Josué Bengtson – PTB/PA (pastor evangélico)
Oziel Oliveira – PDT/BA (administrador, agricultor)
Francisco Araújo – PSD/RR (advogado)
Jerônimo Goergen – PP/RS (advogado)
Se os empresários inescrupulosos não usassem água para produzir comidas ” alimentos” que matam, inclusíveis os
das Nestle que abreviam a vida, a humanidade, talvez, nunca teria falta de água.