A Fazenda Stoneridge em Arundel, Maine, foi envenenada por PFAS depois que os proprietários usaram lodo de instalações de tratamento de água como fertilizante. Fotografia: Tristan Spinski/The Guardian
12 de maio de 2022
O lodo usado como fertilizante agrícola contaminou o solo, a água, as plantações e o gado, forçando os agricultores a desistirem.
No mês passado (nt.: abril de 2022), o Maine se tornou o primeiro estado a proibir a prática de espalhar lodo de esgoto contaminado com PFAS (nt.: forever chemicals/químicos eternos) como fertilizante.
Mas está em grande parte por conta própria nos EUA, apesar de um relatório recente estimar que cerca de 08 milhões de hectares de terras agrícolas em todo o país podem estar contaminados.
A maioria dos estados está apenas começando a olhar para o problema e alguns estão aumentando a quantidade de lodo que espalham nos campos agrícolas, apesar dele estar normalmente contaminado com PFAS e destruindo os meios de subsistência no Maine.
“O Maine está na vanguarda disso porque vimos em primeira mão os danos que o lodo causa às fazendas”, disse Patrick MacRoy, vice-diretor da organização sem fins lucrativos Defend Our Health Maine. A nova lei também proíbe que o lodo seja compostado com outros materiais orgânicos.
PFAS, ou substâncias per e polifluoroalquil, são uma classe de produtos químicos usados por dezenas de indústrias para fabricarem produtos resistentes à gordura, água, manchas e calor. Embora os compostos sejam altamente eficazes, eles também estão ligados ao câncer, doenças renais, defeitos congênitos, diminuição da imunidade, problemas hepáticos e uma série de outras doenças graves.
O lodo de esgoto é uma mistura semi-sólida de excrementos humanos e resíduos industriais que as estações de tratamento de água retiram do sistema de esgoto do país. Seu descarte é caro, e cerca de 60% dele agora é levemente tratado e vendido ou doado como fertilizante “biossólido” porque é rico em nutrientes para as plantas (nt.: É IMPORTANTE DESTACAR DE QUE O LODO EM SI NÃO É O PROBLEMA. É o resultado natural de decomposição da microvida planetária nos desdobramentos do ciclo da natureza. O QUE TEMOS QUE RECONHECER AQUI É A EXISTÊNCIA DE MOLÉCULAS QUE NÃO NATURAIS, SÃO SINTÉTICAS, ARTIFICIAIS E POR ISSO A VIDA NÃO AS RECONHECE E DAÍ TORNAM-SE AGRESSORAS contaminando tudo o que ‘tocam’).
Maine e Michigan são os únicos dois estados que verificam rotineiramente o lodo e as fazendas em busca de PFAS, e ambos estão encontrando contaminação generalizada nas fazendas.
A legislação do Maine proibiu a prática de espalhar lodo como fertilizante em abril, depois que autoridades ambientais descobriram níveis astronômicos de PFAS na água, plantações, gado e solo em fazendas onde o lodo foi espalhado, e altos níveis de PFAS foram detectados no sangue dos agricultores.
A contaminação por lodo contaminado com PFAS já envenenou a água de poços em cerca de uma dúzia de fazendas e forçou o fechamento de várias fazendas do Maine (nt.: incluímos essa matéria abaixo na sequência para que possamos nos apropriar com mais conhecimento sobre essa tragédia). O estado está investigando cerca de 700 outros campos onde o lodo contaminado com PFAS foi espalhado nos últimos anos. Os agricultores disseram ao Guardian que muitos de seus colegas com terras contaminadas não alertam o estado porque temem a ruína financeira.
Maine também aprovou a criação de um fundo de $ 60 milhões que será usado para ajudar os agricultores a cobrirem o monitoramento médico, para aquisições e outras formas de assistência financeira.
“As pessoas foram deixadas de lado sem nenhuma ajuda real, então estamos gratos por ver isso”, disse MacRoy. A legislação de lodo vem depois que Maine promulgou no ano passado a primeira proibição do uso não essencial de PFAS em produtos. Entra em vigor em 2030.
Em Michigan, as autoridades ambientais minimizaram a detecção de PFAS no lodo e nas fazendas e, embora o estado proíba a propagação de lodo altamente contaminado, ele permite níveis mais altos de produtos químicos no lodo do que no Maine. Os reguladores estaduais também identificaram os poluidores com o os PFAS e exigiram que parassem de descarregar os produtos químicos nos esgotos.
Ainda restam dúvidas sobre se isso é suficiente para manter o PFAS fora do suprimento de alimentos de Michigan. Em vez de implementar um programa em larga escala para testar gado, colheitas e laticínios, o estado identificou 13 fazendas que considerava de maior risco e alegou que a contaminação em outras fazendas não é um risco (nt.: aqui se vê a irresponsabilidade governamental de desconsiderar tudo o que a ciência tem mostrado do quão lesivos são os PFAS para a saúde de todos).
Michigan está à frente da maioria dos outros estados. Na Virgínia, os reguladores ambientais estão considerando permitir que mais de 2.000 hectares de lodo sejam espalhados e até agora têm resistido aos apelos dos defensores da saúde pública para testar o PFAS e rejeitar novas licenças de lodo.
No Alabama, o departamento de gestão ambiental do estado disse em 2019 que “o melhor uso de biossólidos é como [fertilizante]”.
Mesmo com o desenrolar da crise no Maine, as autoridades do Alabama estão aumentando a quantidade de lodo de fora do estado que é importado e espalhado em campos ou aterrados, e o estado em 2020 atualizou sua regra de biossólidos para “incentivar” o uso de biossólidos como fertilizante . O Alabama não testa lodo para PFAS.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacque Saldanha, maio de 2023.
[NOTA DO WEBSITE: a matéria do Guardian que fala especificamente da situação dos agricultores do Maine].
‘Não sei como vamos sobreviver’: os agricultores que enfrentam a ruína na crise dos ‘químicos eternos’ do Maine
Fred Stone, produtor de leite de terceira geração, é co-proprietário da Stoneridge Farm no Maine.
por Tom Perkins com fotografias de Tristan Spinski
22 de março de 2022
Os 7 hectares da fazenda Songbird possuem campos arenosos, três estufas e bosques cortados que compõem um cenário idílico perto da costa central do Maine. A pequena operação orgânica esculpiu um nicho de cultivo de grãos, tomates, alho doce, melão e outros produtos que foram vendidos para lojas de alimentos orgânicos ou como parte de um programa de agricultura apoiado pela comunidade, onde as pessoas pagam para receber cestas com produtos cultivados localmente.
Os fazendeiros Johanna Davis e Adam Nordell compraram o Songbird em 2014. Em 2021, a jovem família com seu filho de três anos estava avançando, disse Nordell.
Mas o desastre aconteceu em dezembro. O casal descobriu que o proprietário anterior da fazenda havia usado, décadas antes, lodo de esgoto contaminado com PFAS, ou “biossólidos”, como fertilizante nos campos do Songbird. Os testes revelaram que o solo, a água potável, a água de irrigação, as plantações, as galinhas e o sangue estavam contaminados com altos níveis de produtos químicos tóxicos.
O casal rapidamente retirou seus produtos, alertou seus clientes, suspendeu suas operações e ficou profundamente temeroso por seu próprio bem-estar físico e financeiro.
“Isso tudo revirou nossas vidas, colocando tudo de cabeça para baixo”, disse Nordell. “Ainda não fizemos um exame de sangue em nosso filho e essa é a parte mais assustadora. É devastador ‘pra caralho’.”
A contaminação química tóxica em todo o estado interrompeu cerca de 10 fazendas no Maine, como a Songbird Farm em Unity, de propriedade de Johanna Davis e Adam Nordell.
Defensores da saúde pública dizem que o Songbird é apenas a ponta do iceberg, já que o Maine enfrenta uma crise crescente decorrente do uso de biossólidos como fertilizante. O estado começou a investigar mais de 700 propriedades para contaminação de PFAS. Ainda há poucos resultados, mas testes independentes de vários agricultores revelaram altos níveis de PFAS, e a contaminação em todo o estado paralisou cerca de 10 fazendas.
Os agricultores que falaram com o Guardian dizem que outros produtores admitiram esconder a contaminação por PFAS porque temem a ruína econômica.
Nossos negócios estão no limbo agora, nossas vidas estão no limbo. Adam Nordell, Fazenda Songbird
Maine não está sozinho. Está encontrando mais contaminação porque está fazendo mais testes, dizem os especialistas. Todo lodo contém algum nível de PFAS, e fazendas em todo o país têm usado cada vez mais esse material como fertilizante, nas últimas décadas. Michigan, um dos únicos outros estados a monitorar biossólidos e testar produtos agrícolas, descobriu recentemente carne bovina contaminada com PFAS.
“Muitos outros estados vão enfrentar o que o Maine está enfrentando agora”, disse Nancy Raine, secretária da equipe de resíduos de águas residuais do Sierra Club. “Quem é responsável pelos danos causados – a perda de meios de subsistência e valores de propriedade?”
Esquerda: Testes na Fazenda Songbird revelaram contaminação extensa. Direita: Johanna Davis está com seu marido Adam Nordell enquanto ela segura seu filho de três anos
PFAS, ou substâncias per e polifluoroalquil, são uma classe de cerca de 9.000 compostos usados para fabricar produtos resistentes ao calor, à água, gorduras ou a manchas. Conhecidos como “químicos para sempre/forever chemicals” porque não se decompõem naturalmente, eles têm sido associados ao câncer, distúrbios da tireoide, problemas hepáticos, defeitos congênitos, imunossupressão e muito mais. Dezenas de indústrias usam PFAS em milhares de produtos de consumo e frequentemente descarregam os produtos químicos no sistema de esgoto do país.
Adam Nordell descobriu recentemente níveis tóxicos de solo, água e contaminação de produtos na fazenda orgânica certificada de vegetais e grãos que ele possui com sua esposa.
O lodo é um subproduto do processo de tratamento de águas residuais que é uma mistura de excrementos humanos e qualquer número de mais de 90.000 produtos químicos produzidos pelo homem ou substâncias descarregadas dos canos da indústria. “É uma sopa tóxica”, disse Laura Orlando, engenheira civil da Universidade de Boston que estuda a contaminação do lodo.
O lodo é caro para aterros sanitários, mas como o excremento humano contém nitrogênio, fósforo e outros nutrientes para as plantas, muitas vezes é levemente tratado, comercializado como “biossólido” e vendido ou dado a agricultores que o consideram um fertilizante econômico.
A crise em andamento no Maine está gerando novos apelos para proibir a prática e o PFAS. Em julho, o governo do estado tornou-se o primeiro do mundo a aprovar uma quase proibição do PFAS, e uma proposta para proibir biossólidos que não foram testados para PFAS está em andamento na legislatura do Maine.
Enquanto isso, os agricultores em ruína financeira exigem um pacote de ajuda que inclua fundos de emergência imediatos, financiamento para ajudá-los a mudar para uma nova fonte de renda e monitoramento vitalício da saúde.
“Vai ser caro, mas o estado assinou essas licenças de lodo e mal podemos esperar”, disse Nordell. “Nossos negócios estão no limbo agora, nossas vidas estão no limbo.”
‘Tudo está em jogo’
Nordell e Davis compraram o Songbird em 2014 de um homem que estava na terra há cerca de 25 anos, mas estava morrendo de câncer no pâncreas e queria garantir que a fazenda que ele construiu sobrevivesse.
O homem suspeitava que seu câncer se originava de seu tempo como estudante de pós-graduação testando agrotóxicos, disse Nordell, e o departamento de proteção ambiental (DEP) do Maine disse a Nordell que o câncer pancreático não estava ligado ao PFAS. Estudos, no entanto, encontraram ligações entre PFAS e câncer pancreático.
“Esse é um dado da história que me assusta”, disse Nordell, acrescentando que os níveis de PFAS no sangue dele e de Davis eram mais altos do que os encontrados em funcionários que trabalhavam para os fabricantes de PFAS.
Os níveis de PFAS da fazenda também são alarmantes. O limite de água do Maine para seis tipos de PFAS é de 20 partes por trilhão (ppt), enquanto os níveis no Songbird eram de 8.000 ppt. O estado estabeleceu limites de lodo entre 2,5 partes por bilhão (ppb) e 5,2 ppb – o Songbird registrou níveis em seu solo de até 475 ppb.
Esquerda: Milho descartado na Fazenda Songbird; Direita: Fred Stone descarta leite na Fazenda Stoneridge que os bezerros não bebem.
Além disso, o PFAS pode se espalhar. A Fazenda Ironwood, a cerca de nove quilômetros de Songbird, testou sua água e encontrou altos níveis suspeitos de terem migrado de um campo cheio de lodo de um vizinho. A pequena fazenda retirou seus produtos, interrompeu as operações e aguarda nervosamente mais resultados de testes.
“Passei toda a minha vida adulta construindo esta fazenda”, disse Nell Finnigan, uma agricultora de Ironwood. “Tudo está em jogo para nós, e isso é uma tragédia para qualquer um que faça um teste de poço alto.”
A regulamentação é complicada pela hesitação em interromper o setor agrícola e pela falta de limites federais para PFAS em alimentos. Embora o departamento agrícola do Maine tenha estabelecido padrões para carne bovina e leite, eles monitoram apenas um entre milhares de tipos de PFAS. Defensores da saúde pública dizem que os limites devem ser menores e mais compostos PFAS devem ser incluídos nos testes.
Depois que a Stoneridge Farm, um pequeno laticínio a mais de 160 quilômetros ao sul de Songbird, descobriu em 2016 que o lodo e os resíduos da fábrica de papel usados como fertilizantes provavelmente contaminaram suas vacas e leite, o estado desenvolveu limites para dois tipos de PFAS no lodo. Testes subsequentes descobriram que cerca de 95% do lodo do Maine excedia os limites.
Em resposta, o DEP em 2019 desenvolveu novas restrições para espalhar lodo em terras agrícolas. Uma regra permitia o espalhamento se os níveis combinados de lodo e PFAS do solo limpo não excedessem os limites estaduais de lodo. Patrick MacRoy, vice-diretor da Defend Our Health Maine chamou a política de “ridícula” porque permitia que campos limpos fossem contaminados com PFAS.
Fred Stone ordenha as poucas vacas que ainda mantém na Fazenda Stoneridge.
Uma segunda regra permitia que o lodo fosse compostado e espalhado em campos ou jardins domésticos, embora o composto às vezes seja 100% lodo, disse MacRoy. “Eles criaram duas brechas gigantescas”, acrescentou.
Depois que um projeto de lei para fechar as brechas foi apresentado este ano na legislatura do Maine, a senadora estadual Stacy Brenner propôs uma emenda para proibir a prática completamente. “Parece prudente neste momento acabar com a aplicação de biossólidos na terra”, disse ela.
Oposição da indústria
À medida que a proibição do lodo ganha força, a maior empresa de gerenciamento de resíduos do Maine, a Casella Waste Systems, e algumas instalações de tratamento de águas residuais, responderam dizendo que o estado não tem espaço suficiente em seus aterros para mais lodo e que a proibição aumentará o número de clientes contas de água e esgoto.
O lodo de aterro é um problema, disse Joe Fusco, vice-presidente da Casella, porque seu armazenamento requer mais material como agente de volume e isso vai “ocupar o escasso espaço do aterro”.
Esquerda: Stoneridge Farm matou a maior parte de seu gado em 2019. Direita: Fred Stone foi negado assistência federal por seu leite contaminado.
O DEP disse ao legislador que o lodo atualmente ocupa cerca de 9% dos aterros sanitários do estado e que aumentaria para cerca de 12% com as novas regras. O dinheiro federal poderia ajudar a controlar os custos das concessionárias, disse Brenner, assim como uma proposta para eliminar uma nova taxa que as concessionárias teriam de pagar e está programada para entrar em vigor em breve.
Brenner acredita que a oposição de Casella é sobre seus lucros, já que a empresa tem uma grande operação de compostagem. “Eles têm acionistas aos quais responder. A dança é o que sempre é.”
Fusco disse que a alegação de que a Casella está preocupada apenas com seus acionistas é “uma simplificação grosseira” que ignora a questão maior de como tirar o PFAS do sistema de resíduos. “Sim, estamos no mercado e temos interesse em manter nosso negócio, mas ter uma conta que torne o Maine um lugar hostil para nós não é a resposta”, disse Fusco.
Enquanto isso, os agricultores lutam. Stoneridge matou a maior parte de seu gado em 2019. O coproprietário Fred Stone teve negada a assistência federal para seu leite contaminado porque um de seus testes de leite ficou logo abaixo do limite do estado, mas Stone não se sentiu à vontade para vendê-lo.
Stoneridge Farm, uma fazenda leiteira de 40 hectares que está na família de Fred Stone há três gerações, em Arundel, Maine.
Agora, sua família de quatro pessoas, que acredita que o PFAS está por trás de seus problemas de saúde, desde doenças da tireoide até problemas reprodutivos, sobrevive da assistência social e da generosidade de amigos e familiares. Stone disse que poderia ter continuado a vender alimentos contaminados: “Esse é o custo de ter uma bússola moral e fazer a coisa certa”.
“Não sei como vamos conseguir pagar as dívidas”, acrescentou. “Por Cristo, não sei como vamos viver. Na verdade, não sei como vamos, é sobreviver.”
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2023.
