‘Lucro sobre a saúde pública’

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Dark Water Filme

https://insideclimatenews.org/news/27062023/profit-over-publics-health-study-makers-of-forever-chemicals-hide-harms/

Victoria St Martin

27 de junho de 2023

Estudo detalha os esforços dos fabricantes dos produtos químicos ‘forever chemicals' – PFAS ou perfluorados, para esconderem seus danos. Depois de examinarem décadas de arquivos antes secretos, os pesquisadores descobriram que a DuPont e a 3M esperaram pelo menos 20 anos antes de revelarem os perigos do PFAS.

Ele nasceu com apenas uma narina e uma pupila em forma de fechadura no olho direito coberta por uma pálpebra deformada. Sua condição era tão grave que os médicos alertaram sua mãe de que ele poderia não sobreviver mais do que algumas horas após o nascimento. 

Ele sobreviveu e sua primeira infância foi marcada por dezenas de cirurgias para tratar os defeitos congênitos que sua mãe, funcionária de uma fábrica da DuPont em West Virginia, inicialmente lutou para explicar.

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William “Bucky” Bailey comparece à estréia em Washington, DC do filme “Dark Waters” em 19 de novembro de 2019 na capital federal. Crédito: Shannon Finney/Getty Images

Mas ainda assim – anos depois que começaram a surgir evidências de que o fabricante de produtos químicos estava envolvido em um acobertamento sobre os perigos dos chamados “químicos eternos/forever chemicals” – Bucky Bailey, agora com 42 anos, se perguntou se as doenças que ele e tantas outras pessoas sofreram, não poderiam ter sido apenas um erro catastrófico, mas não malicioso. Então ele começou a revisar décadas de arquivos confidenciais da própria DuPont, que se tornaram públicos por meio de uma série de processos judiciais nos últimos 20 anos.

“Esse foi o ponto decisivo para mim”, disse Bailey em entrevista na quinta-feira. “Eu sempre fiquei tipo, ‘Bem, talvez eles simplesmente não soubessem. Talvez eles realmente estivessem apenas dizendo: ‘Isso foi apenas uma anomalia.' E ao ver esses documentos, constata-se que onde eles estavam falando sobre isso, mostra que eles sabiam disso e escolheram ignorá-lo completamente…”

A voz de Bailey sumiu.

“Eles definitivamente pegaram a mesma carona da indústria do tabaco, onde tudo continua a se mostrar ser sobre dinheiro”, disse ele.

Um estudo recente revisado por pares descobriu que a comparação de Bailey é apropriada. Um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Francisco, realizou uma análise detalhada de centenas de páginas de documentos anteriormente secretos da DuPont e da 3M que delineavam os esforços das empresas para ocultarem os riscos associados ao grupo de produtos químicos sintéticos comumente conhecidos pela sigla PFAS que significa substâncias per e polifluoroalquil (nt.: também facilmente denominadas de ‘perfluoradas').

Os produtos químicos PFAS são tão potentes e tão resistentes à decomposição que comumente são denominados “químicos eternos/forever chemicals”. Desde a sua criação na década de 1940, eles se tornaram tão difundidos que agora se acredita que estejam na corrente sanguínea de praticamente todos no planeta.

A exposição a produtos químicos permanentes, dizem os pesquisadores, pode aumentar o risco de câncer e uma série de outros problemas de saúde. Acredita-se que as substâncias, que costumavam ser usadas na fabricação de panelas antiaderentes, espuma de combate a incêndio e produtos resistentes à água, também estejam presentes na maioria das hidrovias do mundo.

Os arquivos relativos ao PFAS da DuPont e da 3M – os dois maiores fabricantes desses ‘químicos eternos' – contêm memorandos internos, correspondência externa, resultados de estudos científicos ocultos e mais, que se estendem ao longo de meio século, e vieram a público, pela primeira vez, há mais de 20 anos.

Foi quando o advogado ambiental Robert Bilott garantiu ter os documentos por meio de uma ordem judicial e compartilhou suas descobertas com a Agência de Proteção Ambiental/EPA em uma carta de 19 páginas que descrevia as substâncias como uma ameaça iminente à .

No início deste ano, mais de duas décadas após o alerta de Billot, autoridades federais começaram a dar os primeiros passos para proibir as substâncias.

Funcionários da 3M, que no ano passado disseram que parariam de produzir os produtos químicos até 2025, anunciaram na quinta-feira que chegaram a um acordo de US$ 10,3 bilhões em uma série de ações judiciais que exigiriam que remediassem a contaminação de PFAS em sistemas públicos de água.

O acordo da 3M ocorreu semanas depois que os funcionários da DuPont concordaram em pagar US$ 1,1 bilhão para resolver um conjunto semelhante de ações judiciais que enfrentaram por causa da contaminação da água.

Pesquisadores que examinaram os documentos confidenciais das duas empresas disseram que esses acordos, embora sejam um passo na direção certa, devem ser considerados apenas parte da reparação dos danos causados ​​pelo fabricante de produtos químicos.

Estudar os documentos das corporações ajuda a ampliar a compreensão de como as fontes da indústria manipulam e retêm dados científicos para ganhos financeiros, disseram os pesquisadores. Também ressalta a importância de uma maior transparência na elaboração de regulamentos (nt.: destaque à frase dada pela tradução. Finalidade: ressaltar para os leitores tanto a doutrina como a ideologia que envolvem tanto os CEOs, funcionários, cientistas industriais, acionistas como reguladores públicos nesse emaranhado que enleia tanto as corporações como as agências reguladoras na ação que legaliza os crimes corporativos que gera recursos para a manutenção das estruturas públicas e de políticos que se regozijam no supremacismo branco eurocêntrico que se plasma em prejuízo à população pela simples razão da exorbitância de valor atribuída ao capital).

“O objetivo desta análise e do trabalho que estamos fazendo é entender – nas próprias palavras da indústria – como eles estão manipulando a ciência e a comunicação da ciência em benefício do lucro em detrimento da saúde pública”, Tracey Woodruff , professor de obstetrícia, ginecologia e ciências reprodutivas e um dos autores do estudo, disse em entrevista. “O objetivo final é fornecer luz sobre isso – e a transparência é um anti-séptico para os danos que a indústria está promovendo.”

Essa transparência, disse Woodruff, pode ser instrutiva tanto para os formuladores de políticas quanto para o público em geral.

“A indústria está nos dizendo que eles sabiam disso”, disse Woodruff. “Não é como se eu os estivesse acusando de alguma coisa. Estou apenas mostrando que eles sabiam que era prejudicial e estavam mentindo para seus funcionários e para o público sobre os danos à saúde causados ​​por esse produto químico. Então, do ponto de vista da política pública, isso significa que precisamos ter leis de divulgação fortes sobre os tipos de informações científicas que a indústria conhece sobre os produtos que estão fabricando”.

Nadia Gaber, pós-doutoranda em ciências reprodutivas e principal autora do estudo, disse que os documentos examinados pelos pesquisadores foram obtidos por meio de litígios e doados à Universidade da Califórnia, em São Francisco. A universidade também os disponibilizou ao público através deste site. A pesquisa de Gaber e seus colegas foi publicada este mês na revista Annals of Global Health.

Gaber disse que os pesquisadores compararam as declarações nos documentos confidenciais das empresas com as informações disponíveis publicamente para construir uma linha do tempo de quem sabia o quê e quando sobre o PFAS.

Ela disse que, ao usar esse método, os pesquisadores determinaram que os funcionários da indústria esperaram pelo menos duas décadas – de 1970 até a década de 1990 – antes de divulgar ao público os danos dos produtos químicos eternos.

“Mesmo quando eles suspeitaram que os produtos fossem prejudiciais – até mesmo para seus próprios funcionários – eles minimizaram isso”, disse Gaber em uma entrevista. “E fomos capazes de extrair desses documentos, em primeira mão, como eles fizeram isso.”

Para Bilott, um objetivo de longa data é garantir que esses documentos estejam nas mãos do público, dos cientistas e dos reguladores. 

“Essas são informações importantes para que as pessoas entendam o quanto se sabe sobre os riscos desses produtos químicos e as ações que foram tomadas para tentar encobrir isso por muitos e muitos anos”, disse ele. 

“Isso apenas destaca como é importante que informações como essa sejam acessíveis e disponíveis”, disse Bilott sobre a pesquisa.

‘Eu sou a prova'

Um dos funcionários da DuPont que foi prejudicado por esses produtos químicos foi a mãe de Bucky Bailey, Sue, no início dos anos 1980 trabalhava na fábrica da empresa em Parkersburg, West Virginia. Lá, ela foi designada para trabalhar com uma substância química conhecida como “C-8” por causa dos oito átomos de carbono que formavam a espinha dorsal de sua estrutura. O nome científico para “C-8” é ácido perfluorooctanóico, que é um produto químico usado em produtos como o Teflon.

“Ela trabalhava na mesma sala onde o produto químico era processado e filtrado”, disse Bucky Bailey. “Ela tinha a tarefa de realmente espremer isso em uma grande bacia onde a bomba de depósito bombeava de volta para algum reservatório. E sem qualquer tipo de aparelho de respiração, sem equipamento de segurança, na verdade. Isso tudo enquanto ela estava grávida de mim.

Quando Bailey nasceu, em janeiro de 1981, sua mãe alarmada – que soube que a DuPont estava transferindo mulheres grávidas da divisão de fabricação de Teflon – perguntou aos funcionários da empresa se seus defeitos congênitos estavam relacionados aos produtos químicos com os quais ela trabalhava.

Em algum momento, ela também soube de um estudo conduzido por funcionários da 3M no qual ratas grávidas expostas a produtos químicos permanentes deram à luz filhotes que, como Bailey, tinham deformidades oculares.

“Ela ligou para a DuPont, tipo, ‘Foi isso que aconteceu com meu bebê?'”, disse Bailey sobre sua mãe. “Eles estavam tipo, não, não, não… você sabe. Tenha certeza de que não foi isso que aconteceu.”

Os documentos estudados pelos pesquisadores incluem um memorando confidencial de março de 1981, no qual funcionários da DuPont descrevem a identificação de 50 mulheres na fábrica de Parkersburg que foram expostas a produtos químicos C-8.

Os arquivos da universidade também incluem um documento secreto criado um mês depois, mostrando que os funcionários da empresa sabiam que 2 em cada 8 bebês nascidos de funcionárias em Parkersburg tinham defeitos oculares. Embora as crianças e suas mães não sejam identificadas, esse documento inclui uma aparente referência a Bucky Bailey, de 4 meses, que é identificado como “ de 4 meses. Uma narina e um defeito ocular.”

Bailey, que agora mora na Virgínia do Norte com sua esposa e dois filhos – 7 e 4 (ele os descreve como “inteiros e saudáveis“), fala com um tom quase natural ao descrever como teve que viver sua vida definida pelas consequências da produção de produtos químicos para sempre da DuPont, e sua evasão e mentiras sobre eles.

Bucky Bailey, 42, com sua esposa Melinda e seus filhos Ethan e Ava.  Crédito: Cortesia Bucky Bailey

Bucky Bailey, 42, com sua esposa Melinda e seus filhos Ethan e Ava. Crédito: Cortesia Bucky Bailey

Pelas suas contas, ele fez 30 cirurgias antes dos 5 anos de idade e seu rosto foi reconstruído com placa de metal, cartilagem de costela e enxertos de pele. Ele se lembra de ter visitado um grupo de médicos na Universidade George Washington, que lhe disseram que nunca haviam visto alguém com a variedade de deformidades que ele tinha.

Quando Bailey tinha 25 anos, ele conheceu o advogado ambiental Bilott e ingressou em uma ação coletiva contra a DuPont que foi encerrada em 2017 por US$ 670 milhões. Um painel científico ligou o C-8 a várias doenças e, embora Bailey tenha dito que ajudou muitas pessoas, para ele não foi uma boa notícia: “Eles não conseguiram atribuir nenhuma das minhas deformidades de nascimento ao produto químico”, disse ele, acrescentando que devido a um tecnicismo legal relativo à ação coletiva, ele não pode prosseguir com nenhuma outra ação legal contra a DuPont. “E então eu meio que continuei.”

No perfil público de Bailey no Facebook , sua imagem de fundo diz: “Eu sou a prova”.

“Em todo aquele painel científico, eles não conseguiram encontrar nenhuma ligação direta entre as deformidades, embora sua documentação mostre que havia nos estudos da 3M”, disse ele. “Eu sou a prova, toda a prova de que preciso saber que isso aconteceu. E você pode ser a prova – só porque você é um caso singular de tudo o que está acontecendo em sua vida – você ainda pode se apoiar nisso e não ouvir, você sabe, que não é verdade por outra pessoa.

Bailey elogiou o trabalho dos pesquisadores no recente estudo dos documentos secretos. “Examiná-lo ainda mais”, disse ele sobre as falsidades apresentadas pelos fabricantes de produtos químicos, “só vai abrir a cortina”.

Bailey disse que espera que compartilhar sua história pessoal também faça parte desse esforço.

“Meus pais ficaram chocados quando nasci e não estava respirando direito”, disse Bailey. “Os médicos estavam nervosos, as enfermeiras estavam frenéticas. E depois que tudo meio que se acalmou, depois que eu nasci, os médicos chegaram e falaram: ‘Olha, ele não vai passar da noite, só não conseguimos estabilizar a respiração dele.' E, você sabe, meus pais e eu estamos muito centrados em nossa fé em Cristo – ainda estou aqui, graças ao Senhor”.

E ele defende principalmente uma coisa agora: acabar com a produção de todos os produtos químicos para sempre para a saúde das pessoas, dos animais e do nosso planeta.

“Podemos simplesmente parar de fabricar o produto químico? Já está em todo lugar, você sabe, podemos apenas obter menos? Tudo bem se pararmos de despejar isso em nossos corpos, porque está em todo o mundo e temos que começar em algum lugar.”

Victoria St Martin

Victoria St Martin, Repórter de Saúde e Justiça Ambiental, Filadélfia

Victoria St. Martin cobre saúde e ambiental no Inside Climate News. Durante uma carreira de 20 anos no jornalismo, ela trabalhou em meia dúzia de redações, incluindo o The Washington Post, onde atuou como repórter de notícias de última hora e de atribuições gerais. Além do The Post, St. Martin também trabalhou no The Star-Ledger de Newark, NJ, The Times-Picayune de Nova Orleans, The Trentonian, The South Bend Tribune e WNIT, a estação membro da PBS que atende o centro-norte de Indiana. Além de sua experiência na redação, St. Martin também é uma educadora de jornalismo que passou quatro anos como uma distinta jornalista visitante no Programa Gallivan em Jornalismo, e na Universidade de Notre Dame. Ela é codiretora do workshop de treinamento de estágio de verão do Dow Jones News Fund na Temple University. St. Martin é formado pela Rutgers University e possui mestrado pela American University's School of Communication. Ela foi diagnosticada com de mama em 2011 e escreveu extensivamente sobre a prevalência de câncer de mama em mulheres jovens. Em seu trabalho, St. Martin está particularmente interessada nas disparidades de saúde que afetam as mulheres negras.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2023.

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